domingo, 16 de setembro de 2012

a propósito da conferência os portugueses em 2030

que decorreu ontem no ccb, vi a parte que passou em directo e começo pela última interveniente - não por os últimos serem os primeiros (dizem) - por me ter sido uma das intervenções mais desinteressantes, talvez pelas minhas expectativas serem bem mais altas atendendo à profissão da Maria Filomena Mónica, socióloga. abordou a temática da imortalidade de uma forma tão superficial e óbvia que me fez lembrar uma conversa circunstancial de café: referiu a morte como o fim e a imortalidade como simples longevidade enfatizando a sua percepção pessoal de serenidade e agnosticismo. a única coisa que gostei foi mesmo quando disse, de relance, que a imortaloidade está no amor e na lembrança. uma pobreza, é nestas coisas que a crise se instala, de discurso.

antes dela, um pseudo engraçado que não me caiu - de todo - em graça: João Miguel Tavares, escritor, tentou fazer uma crónica em alta voz e em directo e o que saiu foi uma mixórdia de ideias com conceitos porventura interessantes contudo mal explorados e sempre a roçarem a sátira política: a luta de classes terá dado lugar à luta etária e estaremos perante um marxismo demográfico em virtude de a esperança média de vida tender sempre a aumentar cujo resultado será a revolução grisalha e respectivos custos da imortalidade, a eternidade terrestre. ademais, a horrienda dicção do rapaz e a falta de riso da audiência à sua pretensão de engraçado fizeram da sua intervenção um circo. e eu, vi um palhaço frustrado.

que delícia o maestro Rui Massena: uma breve introdução à cultura mundo e à máquina que ultrapassou o homem, a problemática da adaptação a esta realidade e depois aquilo que constitui a garantia da imortalidade - a criatividade que se opõe à prudência porque ser criativo é ser espontâneo, é criar o próprio gesto que faz sonhar, e sonhar é ter uma identidade, é aprender a tolerância e é, em sumo, a felicidade. apontando a orquestra como o melhor exemplo para ilustrar o que é uma sociedade criativa - com identidade, tolerância, enfim - e feliz apresentou e tocou, ao piano, uma música mostrando como será o futuro através dos sons. belíssima intervenção; belíssima criação.

igualmente deliciosa a intervenção do padre Mendonça, teólogo. conceitos interessantíssimos sobre a ficção da imortalidade em que vivemos: o ignorar da morte que nos faz pós-mortais, o viver como se imortais fossemos, a ideia maravilhosa de que é necessário consumar e não apenas consumir a própria existência porque a vida é um dom que transcende a existência individual e urge fazer renascer a esperança, a esperança que espanta o próprio deus, já que a fé não cai em desuso nem a caridade - apesar de esta última ter de ser reinventada. que orador cativante.


sábado, 15 de setembro de 2012

então o que vai ser, meu amor?

, gosto de conversar quando estou a pagar, gosto de ver o peixe fresquinho ainda a saltar como se em desejo da minha boca, gosto de ver as carnes serem desmontadas e do cheiro a morcela, gosto de ver as alfaces vestidas de gotas para o baile do almoço. gosto mesmo. gosto de ser antiga, gosto do comércio tradicional, gosto de ser recebida com sorrisos e vozes cantadas: então o que vai ser, meu amor?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

é bom, muito bom, não é errado, é fardo


conversar é sexy.
sorrir e rir é sexy.
a simpatia é sexy.
a gentileza é sexy.
a cumplicidade é sexy.
a confiança é sexy.
a inteligência é imensamente sexy.
há olhares, aqueles, em dança, sexys.
é sexy, ele.
as vontades são, efectivamente, sexys.
todo isto é lascivo, tudo isto existe, não é errado, tudo isto é fardo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

pausa no relatório

sou suspeita para falar de ovos, amo-os com todas as minhas gustativas, além de gostar de lavá-os e olhá-los, adoro comê-los cozidos, estrelados, escalfados, inventados. só não sabia, ainda, o gosto de ovos ministrados - sabem, que delícia, a riso. parece-me, no entanto, que além da pimenta e do sal, deve aprimorar-se mais o sabor com um pouco de pontaria.

andar sempre parado - que paradoxo interessante

o tempo tem mesmo de parar e cabe, a cada um de nós, fazer parar o tempo. parar, não no, o tempo é aquele intervalo de absoluta consciência que acontece imediatamente a um pensamento. sim, eu sei, os pensamentos nascem e reproduzem-se como ratos, tem vezes que não temos mãos neles. mas se conseguirmos parar o tempo, uma espécie de excurso interno, departamento federal de averiguação, conseguimos transformar o resto do percurso. por exemplo, eu saio à rua para colocar o lixo no contentor e qualquer coisa prende a minha atenção - se eu dissecar isso, e dissecar poderá até fazer crescer ou embelezar ou descartar, a minha ida ao contentor tornou-se numa viagem especial. outro exemplo: se um assassino parar o tempo, não quando está a premeditar, quando vai executar o crime - talvez não haja crime.

o que quero dizer é que o tempo que nos habita é um tempo muito diferente do tempo do relógio. se a troika parasse o tempo quando está a analisar o caso português, focava-se no douro e desfrutaria de uma bela tarde rio acima ou, então, pele dourada, banhava-se nas águas quentes do sul e  - estou certa - as resoluções seriam muito mais acertadas, mais sadias. se o primeiro ministro tivesse preparado o discurso de mais e mais austeridade quando estivesse, calças baixadas e fivela do cinto a roçar o chão, sentado na sanita a puxar para cagar (é uma expressão tosca, eu sei, mas é a única cuja imagem reproduz o que eu quero dizer exactamente) e nesse instante o seu tempo parasse, talvez o discurso oficial tivesse tido lugar, não antes, no intervalo do jogo de futebol. e o que é que isto que estás a dizer contribui para a nossa felicidade? nada. pouco. ou muito: enquanto estiveste a ler o meu tempo parado, paraste também o teu e isso vai influenciar todo o resto do teu tempo.

quando duas pessoas começam a apaixonar-se, o tempo parado de uma começa a coincidir com a paragem do tempo da outra. às vezes acontece ser apenas por telepatia - a telepatia é uma espécie de telefone invisível - mas não deixa de ser tempo a parar; outras, acontece mesmo com os olhos, ou com a boca. quando acontece com o corpo todo dá-se uma explosão de tempo a parar e, depois, quando os dois decidem reconstruir a explosão, vezes sem conta, até conseguirem fazer parar o tempo antes, durante e depois dela, aí, aí o amor acontece e o tempo anda sempre parado. que bela definição de amor acabei de achar: o amor acontece quando o tempo anda sempre parado. já valeu a pena eu ter parado o meu tempo hoje.

pelos meus olhos

estou muito feliz: a equipa de arquitectos do projecto da casa girassol gostou muito do que aqui escrevi, uns posts mais abaixo, e pediu-me autorização para divulgar a casa também pelos meus olhos. autorização concedida, pois claro, Senhor Arquitecto Simão, e votos de muito sucesso.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

é mentira: as cartas de amor não são, de todo, todas ridículas

foi de Fernando Pessoa que surgiu o dito que todas as cartas de amor são ridículas. talvez porque ele, sim, viveu de forma ridícula e escreveu, de facto, cartas de amor ridículas. um exemplo:

Bebezinho do nininho-ninho

oh!
venho só quevê pâ dizê ó bebezinho que gotei da catinha dela. oh!
e também tive munta pena de não tá ó pé do bebé pâ le dá jinhos.
oh! o nininho é pequinininho!
hoje o nininho não vai a belém porque, como não sabia s'havia carros, combinei tá aqui às seis o'as.
amanhã, a não sê qu'o nininho não possa é que sai daqui pelas cinco e meia (isto é meia das cinco e meia).
amanhã o bebé espera pelo nininho, sim? em belém, sim?

jinhos, jinhos e mais jinhos

Fernando
31/5/1920

ora o ano de 1920 foi precisamente quando conheceu a Ofélia, a tal bebezinha, e nesse mesmo ano pensou em internar-se numa casa de sáude (deveria ter concretizado o pensamento) e contava com 47 anos de existência. talvez Pessoa vivesse em constante crise de identidade e daí até a necessidade de inventar e reinventar os seus fantasmas. de notar que poucos anos antes de escrever esta carta matara Alberto Caeiro, o mais inocente e puro dos seus heterónimos, o poeta-filósofo.

mas voltando às cartas ridículas, estou certa que foram apenas uma extensão do homem ridículo que Pessoa foi - porque ser escritor, um grande escritor, muito raramente significa ser homem, um grande homem. haverá, com toda a certeza, excepções: oxalá as hajam - o mundo será um sítio bem melhor se os grandes escritores conseguirem ser, ser-se, grandes homens.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

à procura da do clitóris

«Esta foi uma boa semana para o clítoris» diz o Pedro, o Mexia, que mexe para abanar, que esta foi a melhor abertura de crónica que conhece. e eu fiquei, sorriso rasgado de consolo, com a imaginação regada - igualmente deliciada com a frase. mas ainda assim prefiro clitóris desta forma, com o acento no ó, acaba por ser uma abertura bem maior. e vou mesmo, agora, tentar procurar a tal crónica, fiquei curiosíssima, para filtrar as tais excrescências erécteis e ter um grande momento de oxigenação intelectual.

tomatar, chéri

também é preciso ter tomates para ser feliz.

domingo, 9 de setembro de 2012

casa girassol

chama-se girassol

flor reengenhada, música que roda ao sol, vento que entra na festa, valsa de dança.

chamam-lhe casa: madeira e cortiça, luz em cobiça, espaço de crescer e de minguar,

movimento, agitação, ademane: flor de futuro de ser.
e de estar.



sábado, 8 de setembro de 2012

bacalhau ao natural é fundamental

o bacalhau, da Maria, qu'é para cheirar, quer alho - o melhor tempero - mas dispensa polifosfatos. é bom que fique, esta alteração legislativa, em águas do tal já que para quem o é não basta, alma magra dele sueco, aqueles que fazem de conta que é dia de s. silvestre - bacalhau é peste. e que se anulem, pois, as alterações em bruxelas que nós, por cá, apertamos-lhes o dito cujo. ou então as goelas.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

resolução do dia seguinte

no sonho mau, ele concretizou a ameaça.

os sonhos, os bons e os maus, são uma espécie de grande película de cinema numa sala enorme, gigantesca, com uma só cadeira, uma poltrona larga e dourada com pés de animal que segura uma bola com as garras, em que os próprios são, ao mesmo tempo, actores e espectadores do filme. e lá estava eu na última vez que saí à noite, de branco vestida e trança a segurar uma rosa a roçar no peito. e lá estava ele, o homem que me assediou, olhos de predador angustiado habituado a mulheres reles, insultou e ameaçou com porrada após verificar que eu não seria uma presa e muito menos uma presa vulgar. mas no filme, no meu filme do sono, ele cumpriu com a ameaça e acordei sarapantada e em gotas de suor gordas de aflição.

no dia seguinte à tal noite, no entanto, a vida tratou de resolver o assunto e talvez nunca mais me volte a cruzar com ele - amigo de sexo de uma amiga de uma outra, aniversariante, que eu tinha como amiga - porque escolhi não mais voltar a sair à noite a não ser com excelentes companhias, as excelentes companhias não têm amigas nem amigos destes, com quem eu me sinta segura e protegida e que não me proporcionem momentos de solidão por forma a eu ser atacada por gente podre.

agora já respiro melhor.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Carrol, querido, a Olinda está contigo!

quando Lewis Carrol, pseudónimo de Charles Lutwidge Dogson, escreve uma - de muitas - carta de amor a Gertrude (Oxford, 28 de Outubro de 1876) em que diz colocar cento e oitenta e dois beijos em uma caixa, cuidadosamente, para não se perderem, está a revelar a sua timidez e a razão porque dedicou grande parte da sua vida literária às crianças. trata-se de uma infantilidade tão gostosa, tão inocente, que senti subitamente vontade de lhe dizer que poderia, igualmente, ter comprado um apito de madeira e soprado nele antes de enviar à Gertrudes - onde ela poria também os seus lábios, tamanha a absorção da saliva acetinada, como só poderia ser a sua, pela madeira.

mar de rosas

acordei a cantarolar esta música e vim logo procurá-la. não fazia ideia do nome mas caçei uma parte do refrão, escrevi no google e pus a tocar no you tube. costumava ouvi-la e dançá-la, quando adolescente, com o meu pai maravilhoso - o meu pai ainda hoje dança muito, tem uma agilidade fora do comum e uma elegância corporal invejável. deve-se talvez ao facto de contrariar a casa dos sessenta porque, de facto, ele quase nunca se senta. e agora pequeno almoço bem especial - ovos e laranjas e leite e pão e fiambre e queijo - tomado, descobri que esta música, gosto mesmo é da melodia alegre, apareceu toda lampeira na minha boca logo pela manhã porque me transporta para momentos felizes. e ontem, eu tive um final de dia feliz.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

tourettados. haverá cura?

a comunicação social de um país que se concentra repetidamente - em elites azeitolas de várias estirpes, pois claro -, neste caso, na tristeza de um jogador de futebol que não comemora os golos que marca só pode andar com a síndrome de tourette.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

do nome das terras se faz riso

é admirável a criatividade, ou o acaso, (não sei bem), dos nomes das terras por este nosso Portugal fora. passei por Paramos e logo fiquei ansiosa por imaginar que a localidade seguinte se chamaria Andamos. isto porque desejava muito, em riso mental e explícito também, que, como não há duas sem três, a que se seguisse à seguinte da primeira tivesse sido baptizada de coxos.

breve explicação para o lápis invisível

consta-se que as mulheres, não todas pois claro - em tudo existe excepção -, têm dificuldades no imediatismo de distinguir a direita da esquerda. curiosamente, nos meios mais rurais esta dificuldade também se estica aos homens que substituem a indicação das direcções por um simples vira ao para cima ou vira ao para baixo, deixando o viajante com os olhos na direcção da ponta do nariz. cheguei à conclusão que este erro, e não digo falha por não se tratar de um defeito, um erro é um pequeno desacerto, tem que ver com a verdadeira essência feminina que é, por natureza, não facciosa, não discriminadora, apartidária, atemporal, atavista. há homens, por isso, mais femininos do que outros apesar de todos terem uma costela espititual de mulher. (está bem, alguns possuem apenas uma célula - são os que eu chamo de machos, não latinos, ladinos: uns mijões de gente.)

o que eu quero mesmo dizer é que estar perante uma mulher que confunde direita com a esquerda de forma espontânea é ter perante si a raça pura do feminino no que o feminino tem de melhor. eu, por exemplo, tenho de simular o jeito de pegar num lápis a escrever para acertar depois de errar - é que o erro está lá, de outra forma não precisaria pegar no lápis invisível.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

eu não: elesphoria

chama-se euphoria e intitula-se uma loja de produtos naturais.

já não os via há algum tempo e resolvi convidá-los para almoçar quando me ligaram a dizer que estavam de fim de semana no parque de campismo. chegaram contentes e com novidades: descobriram a euphoria e têm andado a experimentar os fertilizantes de plantas. despreocupados com a polícia de caça nocturna, porque a loja passa factura e tudo, preparavam-se para mais uma noite eufórica. relatam-me as sensações desta droga legalíssima: cerca de quarenta minutos depois de a ingerirem diluída em água, sentem vontade de abraçar e beijar toda a gente e com uma energia que chega a durar dois dias sem o descanso do sono. é como se tivessem mesmo sido fertilizados com aquilo que na verdade não têm - alegria. e depois, ao terceiro dia, sentem-se a morrer, corpos cansados e impotentes e cérebro inactivo. aguardam, no entanto, a próxima fertilização para se sentirem, enfim, vivos.

a alienação não deixa de ser um fenómeno social curioso: os produtores alienam-se quando se convencem que estão a fazer surgir algo diferente e legal para o mercado; os logistas alienam-se quando colocam a vender o tal algo diferente, nome alienado, que é legal e ainda por cima irá fazer as gentes sentirem-se mais legais; os compradores alienam-se com o consumo da falsa alegria; a polícia aliena-se quando revista os consumidores e se depara com a factura da droga absolutamente legal. e com alguma boa sorte, e muita alegria, ainda recebem uns beijos e uns abraços durante a operação stop. quem sabe um dia destes estas operações não poderão vir a chamar-se space-stop; quem sabe não será este fertilizante de plantas o grande motivador das actuais políticas de austeridade: serão os cortes e os aumentos decididos sempre ao terceiro dia?

domingo, 2 de setembro de 2012

o amor é como a galinha: caga ovos brancos. e é forte com'um cabrão

o branco é a cor da luz e por cá, pelo novo ocidente, é igualmente paz, calma, limpeza, ordem. e é por isso que cada vez menos as mulheres se vestem de branco para casar. casar não significa subir a um altar e atolar a pança dos convidados, troncos nus e gravatas a roçar os peitos, a cabrito e vinho; casar não é um bordel onde duas pessoas, por vontade própria, se prostituem em troca de segurança e estabilidade e cama certa; casar não é viver em mancebia sem efectivos laços. não.

casar é ter absoluta noção que a cara de um condiz com a careta do outro, de branco vestidos e - acima de tudo - de branco despidos; casar é ser três, diz-se da conta que deus fez, o eu, o tu e o nós, é ser verdade, fidelidade é verdade, é ter certeza em consciência que ele ou ela é do melhor que há porque nos enche de alegria e de amor e de tesão e sendo inverno é cobertor assim como é água fresca no verão. casar é, sim, um tratado sobre a partilha, uma ode exuberante ao dia-a-dia, uma aposta do cabrão, por ser forte e teimoso, do coração: e chame-se, sim, um conservador para que no meio dos vivos, das flores e dos bichos se exalte um brinde ao menu agri-doce que deve ser, em paixão dos dias, a paixão também sabe ser serena e tranquila, o amor.

sábado, 1 de setembro de 2012

salmão com sumo de laranja e ternura

colocar lombinhos de salmão numa frigideira anti-aderente e temperar com sal, pimenta, salsa e umas gotas de limão deixando cozinhar de ambos os lados até ficarem douradinhos. durante este tempo, espremer o sumo a três laranjas e cortar a casca em tiras bem fininhas e juntar aos lombinhos até o molho adquirir uma textura grossa e suculenta. acompanhar com batatas cozidas em ternura. hum.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

a crise é bela

não obstante os efeitos nefastos e tristes da puta da crise, há que reconhecer os custos de oportunidade da sua existência: enquanto caem as vendas de máquinas de lavar louça e roupa, aumenta o tempo passado em em casa - o que significa deixar de fazer outras coisas e passar mais tempo no seio do oásis familiar. ora este barómetro que indica que tanto os que que vivem sozinhos como os que vivem acompanhados estão mais disponíveis para o lar é maravilhoso. vejamos.

tomaste a decisão de viver sozinho mas, rédea curta, não tens guito para comprar os tais electrodomésticos - não só passarás menos tempo a consumir outras coisas fora por teres de fazer as lavagens à la mano como também te inibirás aos convites porque sabes que é a ti que te sai do corpo a pilha de louça para lavar. sim, é verdade, quando se vive sozinho o mais recorrente é levar a roupa a casa dos pais e não vou fazer sugestões a contrariar a infeliz tendência. resultado: poupança;

vives acompanhado(a) e num pequeno apartamento: olha que rica maneira de incentivar a partilha. depois de jantares, visto que almoçarem juntos está difícil, enquanto um lava a louça o outro pode ir esfregando o fogão e os azulejos ao mesmo tempo que conversam sobre o dia e se apalpam. e até podem usar a espuma da louça em momento de poesia. e se o tal apartamento é mesmo pequeno e nem espaço há para um tanquezinho, deixem a roupa de molho na banheira enquanto cozinham e lavam a louça. depois é só passar por água limpa e pendurar, só vale a pena esfregar com afinco se as cuecas tiverem brasão. perdes, talvez, um jogo de futebol na tv ou a novela, sim eu sei, mas ganhas aquela sensação de partilha efectiva - levas para a cama muito mais do que simples sexos de erecção biológica e poupas uns euros valentes em luz;

tens uma família grande, miúdos que chegam - como deve ser - sujos e cheiinhos de fome. bom, aqui já não se aplica o custo de oportunidade dos electrodomésticos de lavar visto que tiveste de abdicar de muita coisa mesmo, inclusivé da televisão, para apostares tudo no crescimento da família: parabéns!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

o povo tem sempre razão

anda meio mundo a foder outro meio, diz o povo. ora aqui está uma excelente forma de expressar o tão moderno, política dos desafectos, sexo em grupo.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

em comum

o que têm em comum homens na lua e vacas no fundo do mar? aparentemente, constituem evidência do avanço da ciência para comprovar que o Homem é o rei, bicho deixado de ser, do universo. mas depois, entre uma e outra descoberta, há disto. ou disto que vem deitar, completamente, por terra a teoria de que não vivemos no planeta dos macacos. 

(desenganem-se. desenganem-se.)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

SOS estilo

li, algures, que na escuridão todos os corpos são iguais. apesar de perceber o contexo, o artigo falava da preferência (pouco atilada) de algumas mulheres pelo escuro na hora da intimidade sexual, não posso concordar. vergonha implicita do seu próprio corpo e absoluta falta de cumplicidade com o homem a quem supostamente se estão a entregar será a minha explicação e depreendo que deixam o acontecimento nas ruas da fantasia, da dele, e daí todos os corpos serem iguais - o homem, efectivamente, estará a possuir aquele corpo que na verdade corresponde a um outro de uma qualquer outra mulher que não aquela mas a que vagueia na sua imaginação. e é só nesta, e apenas nesta, perspectiva que consigo entender o tal chavão de que na escuridão serão todos iguais, os corpos.

na minha verdade a escuridão não é, não pode ser, tão determinantemente comunista - se os olhos abertos são mesmo os guardadores do desejo, a luz do tantrismo que é a intimidade sexual, o toque e o cheiro são assessores inseparáveis. conhecer cada canto do corpo do outro, como se de olhos vendados, é o desafio dos que sentem o sexo como uma arte; captar o cheiro do lugar onde mora o outro, o lugar que é o corpo, é de uma alquimia que distingue o prato gordurento do dia daquela refeição, absolutamente maravilhosa, gourmet. é preciso estilo, para tudo é preciso estilo: até a sexualidade requer estilo.

e o que é, afinal, o estilo - não é ser sobejo apuro no sentir, no pensar, no dizer, e no fazer?

domingo, 26 de agosto de 2012

simfonia

há alguma coisa que eu precise saber mais para que digas sim?
sim, sim.
o quê?
estou a pensar de que forma os meus sim te podem fazer mais feliz.
nesse caso, obrigado, és de uma graciosidade ímpar.
na verdade, estou a pensar em como dizer-te sim, fazer-te mais feliz, possa fazer-me, também a mim, mais feliz.
ah, percebo, graciosidade a dobrar.
sim, é isso: uma simfonia com simtonia lá dentro.

sábado, 25 de agosto de 2012

escargot petit gris

eram sete horas quando vim cheirar o fresco e o silêncio da aurora ao meu terraço e deparei com esta maravilha:

decidi chamar-lhe, a este escargot petit gris, apesar de saber que os caracóis não possuem audição, Harren pela mochila que traz às costas - lembrei-me de um fulano que certa vez me abordou na praia e que nos minutos seguintes à abordagem percebi tratar-se de um saltimbanco, manha a transbordar, de raízes patriotas. também este Harren, naturalmente com os sexos ao lado da boca, corninhos erectos, se movia em lentidão deixando para trás a sua natural viscosidade. aproveitava, penso, a humidade matinal do piso para ir para a parte sul do canteiro, aspiração de férias, talvez, gozo profundo em travessia. vou considerar este episódio tal e qual como quando se apanha um trevo de quatro folhas visto que é muito raro estes Harren se deixarem - vê-los a moverem-se - fotografar durante o dia: são criaturas, pulmão fanado, da noite.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

D. Miguel Januário, O IDIOTA

Funeral de Portugal, curiosidade minha a mil, fui ler para corar de vergonha pela pseudo-arte de pseudo-artistas através de uma pseudo-brincadeira de mau, péssimo, execrável, gosto. brincar à morte do país, do meu país, é dizer que todos os que perderam as casas e os empregos também morreram; enterrá-lo a choro de mulheres e amantes e carpideiras é, por outro lado, assumir que andaram a ser valentemente fodidas e choram, por isso, de saudade; carregar Portugal pelas mãos durante quilómetros a fio é um apelo à resignação do que vai e não volta. (há, depois, aqui, o parêntesis de dizerem que após o funeral espera-se a ressurreição e a reconquista) 

olha que nojo de abordagem em timbre católico - como se católica fosse a encenação de uma morte anunciada na capital europeia da cultura. agora lembrei-me do Woody Allen, satirizar merece inteligência, qu'isto só pode ser uma valente cagadela de boi para acabar de vez com a cultura.


(quem me dera que D. Afonso Henriques entrasse na brincadeira e enrabasse o D. Miguel Januário, O IDIOTA, autor do evento.)




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

a histeria de crianças histéricas filhas de pais histéricos

passeio matinal, não tão cedo como o habitual por conta da noite mal dormida devido à sua excessiva agitação, com ela. liberdade depois de atravessar a estrada, sempre. a sua alegria é contagiante, a sua expressividade e doçura - apaixonantes.

quase sempre são os pais que têm medo dos cães. são eles que dizem, olhos mijados, foge, olha o cão. e depois os filhos, como se em espelho, saem exactamente iguais aos pais - os mesmos medos estúpidos estupidamente vividos.

ela passou a largar o charme às ervas e às pedras e aos pássaros. avistou duas crianças com a avó e correu a dar-lhes o bom dia, a beijá-las como se a celebrar o início de mais um sol. gritos, muitos gritos, trânsito parado a perceber a desgraça, olhos aflitos da avó e ouvidos irritados: os meus. preocupação em acalmar as crianças e agarrar a cadela para acabar com o drama da avenida. vontade de gritar ainda mais alto do que as duas crianças defeituosas que mais pareciam cantadeiras minhotas com bagaço na voz.

consegui agarrar a cadela e colocar as mãos das duas criancinhas estúpidas nela; consegui fazê-las sorrir perante a doce e feliz criatura de quatro pernas; consegui, por fim, passar uma descompostura à avó, mãe de um dos pais das crianças, pelo comportamento histérico e anormal das bestinhas, monstrinhos inocentes em crescimento e completamente despreparadas para a ingenuidade e inocência daqueles que são os melhores amigos na vida.

pontos bem colocados nos is do histerismo conjunto, uma verdadeira orgia de sons descontrolados e irritantes, prosseguimos o passeio ainda mais convencidas - eu e ela - de que cada vez mais há pais com cada vez menos capacidades de o serem e que mancham a benção daquela que é a maior responsabilidade da existência: fazer e fazer crescer um filho. é que a forma como reagiram perante uma cadela terá sido tal e qual a forma como os pais terão ejaculado aquando da sua concepção. nem sequer vou descrever onde é que a minha imaginação me leva para não ter de abrir esta minha bocarra nos meus dedos e vesti-los, a eles, aos pais, de vergonha. adiante.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

terça-feira, 21 de agosto de 2012

por vir

a terra onde eu, e os meus manos, fui feita e crescida cheira a leitão e sabe a fins de tarde na varanda com a serra como a grande, imensa, verde testemunha de sonhos - ao contrário do que se diz por aí os sonhos não são cor-de-rosa - a quererem torcer o pepino; sabe a limoeiros corcundas de amarelos filhos e a pernas esfoladas de patins; sabe a travões de bicicleta cansados e a pés negrinhos de alegria.

sabe a saudade sem saudade porque o melhor está sempre por vir.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

F(e)rida Kahlo

quando os Americanos a rotularam de surrealista, Frida Kahlo respondeu que nunca pintava sonhos mas sempre a sua realidade. deliciosa a definição que usou para surrealismo: não há, de facto, nada melhor do que o sonho, só o sonho é isto, para descrever a ausência de lógica e de arte e de moralidade. a analogia, por outro lado, que de forma implicita fizeram entre a sua vida e a sua arte não podia ser tão desmesuradamente à medida: Frida Kahlo teve, intransmissível e miserável, porque foi a sua, uma vida de sonho.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

chuva

como é mansinha e branda
, goiabada,
certeira e alinhada
, viço em desfolhada,
por vezes.
outras cai sem ser discreta
como se a barafustar de porta aberta
quando é tocada por ele a assobiar
, que o vento gosta de mandar,
e exigente obriga as gentes
a adornar as cabeças, os pés,
e mais tudo o que se quiser
:
ora esbaforida leoa ora tranquila pomba
ela é tal e qual mulher.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

breve cumprimento

depois de pouco mais de três anos cruzei-me, pela primeira vez, com ela na rua. falou-me, mostrou-me a filha e eu sorri. fez questão de me acompanhar ao café e começou a falar sem parar. tentou explicar-me como não tinha sido uma grande cabra comigo e eu tranquilamente ouvi. o ex, aquelas duas letras que significam passado distante e frio e esquecido, tem um peso pouco significativo para algumas pessoas. a amiga que durante tantos anos eu cuidei e mimei e amei via-se agora, ontem, perante mim e confundia perdão com aceitação. quanto mais ela falava menos eu sentia - apoderava-se de mim qualquer coisas que não soube descrever na altura mas que após metade da noite a analisar o sucedido agora sei: compaixão. esqueci todos os pormenores que me levaram a romper com ela, a minha memória é fantástica quando toma decisões, e foquei-me no, eventual, por vir. força o afecto de querer vir a minha casa e eu à dela mesmo naquele instante como se fosse, e é, um ritual de intimidade e confiança - mas não foi. deixei-a entrar no meu oásis como que a buscar definições para o que estava a sentir ou, melhor ainda, para o que eu não estava a sentir. e deixei-a observar cada canto meu, cada poesia do meu viver. depois aceitei, por insistência, ir a casa dela e deixei que me abraçasse - sentir nada foi o máximo que senti. e já em casa, sono afastado, finalmente senti: senti que perdoar assim, naturalmente e com espontaneidade, é bom. é bom eu sentir que aquela ex-amiga continuará a ser uma ex no meu mundo, não a quero de volta à minha vida, aos meus dias. já aconteceu uma outra vez, com outra, e eu senti uma alegria imensa perante a sua vontade de me voltar a ter, desejo reprimido também meu que apenas aguardava sincero arrependimento. mas desta vez, não. desta vez eu escolho, não será ela a escolher em nome do perdão, perdão não é aceitação mas mais um tranquilizante para quem o pede porque quem o dá não o faz em consciência, eu escolho não a querer na minha vida. fui-lhe amiga, mãe, avó - fui tudo o que podia ser até ela, depois de me esfaquear, me morrer. agora será um breve cumprimento sem a devassidão de vidas e a pornografia de evidências que é, para mim, a amizade.

sábado, 11 de agosto de 2012

estou cada vez mais démodè e fico contente por isso

hino à superficialidade.

os peixes dormem?

levantou-se-me esta questão ontem, mesmo antes de me deitar, quando olhei a peixa Clotilde. vim investigar ao de leve quando acordei e não cheguei a uma conclusão séria. também não aprofundei o tema, ainda, foi só uma pesquisa básica: uns dizem que sim e outros que não embora tenham estados de repouso. fiquei com a curiosidade ainda mais aguçada e tomei a decisão de saber ao certo disto, talvez para fazer uma chalaça dedicada à minha Clotilde - a reina da vigília.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

fé electrónica

vou acender duas velinhas para ti, amanhã, quando for à missa - daquelas que se mete a moeda. vou pôr duas de vinte cêntimos, disse-me ela. eu agradeci, fé é fé, mas ri e pensei em acender outras duas para que o sistema electrónico da caixa das esmolas nunca entre, fios descarnados possíveis, em curto circuitar.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

despersonalidades

há personalidades que simplesmente mudam de cor consoante o espaço onde permanecem. na verdade são personalidades cuja característica principal é, precisamente, a não permanência. à semelhança do camaleão, mesclam-se do que está em redor: no início e no meio e no fim são, isso sim, não ser.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

breve história de vida

o sonho dele era o canto lírico. um dia cortaram-lhe os cantos e, à semelhança das unhas, encravaram-lhe a vida.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

obituário

mulher.
mulher de letras.
mulher sem muita letra.
mulher de levar à letra.
mulher de palavras.
mulher de palavra.
mulher.

domingo, 5 de agosto de 2012

chover, comunicar

há macacos tímidos, na Birmânia e ao que parece também na China, que espirram quando chove e para encontrá-los basta seguir o som dos espirros. uma maravilha. a parte de ficção seria a da história do primeiro espirro depois de anos de silêncio ao sol. uma aldeia de espirracos onde nunca chovia quando o sol, aliado do marasmo e dos olhos e das bocas cerradas, um dia se fez tapar por nuvens roliças e húmidas dispostas a uma revolução sem igual. e choveu. e o primeiro espirro, imitado por todos os habitantes da aldeia, os espirracos a partir daí, vingança do sol ao silêncio, tornou-se num marco da comunicação universal.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

gargalhada

quando o meu pai vem almoçar comigo traz sempre broa. gosta, sabe-lhe bem. e a mim sabe-me a alegria, perante o meu comentário, a sua gargalhada: ela é broa comómilho.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

câmara lenta

se a pressa é a sola dos sapatos da modernidade - a lentidão, ai! como eu adoro a lentidão!, é a planta do pé, não de aquiles porque esse era dado aos calcanhares, daqueles que sabem como manter o bom e extinguir o mau. abrandar o ritmo seja do que for, orgânico ou mental ou espiritual, só pode fazer crescer ou fazer desaparecer - tudo se apanha, tudo se consciencializa e tudo se transforma. e a espontaneidade em câmara lenta é mais bonita ainda, não há paradoxo algum: nunca se atrasa a uma hora que não está marcada mesmo não usando relógio. já assim era, a bonita espontaneidade, mas em lentidão não precisa sequer fugir do trânsito porque já não há trânsito (o trânsito é uma invenção da pressa). afinal, começa a ser mais fácil e simples viver.

vamos celebrar.


terça-feira, 31 de julho de 2012

meditação

chorar. precisar chorar tanto quanto precisar de rir. chorar é uma libertação muito mais aproximada de urinar do que de defecar - quantas vezes não precisas de fazer força, de laxantar a vontade para defecar? urinar é sempre naturalmente espontâneo. é como chorar. é como rir. chorar com toda a intensidade, fazer catarse, expiar por elas, pelas gotas, o que está a mais. e lambê-las: reciclar desperdícios; e depois rir, rir muito, rir com as gotas até depois da última gota ter-se exibido nua, as gotas não usam sequer triquinis - último grito de modernidade, e rematar assim o que te dita, com o que me dita. 

pára tudo.

choro, vá, agora sou eu e tu; vem, riso - só estamos nós os dois. vamos petrificar o instante, fazer a casa, o jardim nasce depois - e é por isso que chorar, e é por isso que rir, é uma das melhores formas de, te ditar e me ditar, meditação.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

(trecho do relato do jogo)

algures, em campo, entre a divergência e a traição está Relvas - o árbitro com apitos de vidro.

sábado, 28 de julho de 2012

são as árvores de natal que apontam o dedo

é bizarra a imagem de quando apontamos um dedo: vá visualiza, e se precisares faz o gesto para que não restem dúvidas, o apontador em riste e os outros três dobrados como que escondidos para não serem vistos. evito sempre fazê-lo, as visões afuniladas - ao contrário das periféricas - conduzem quase sempre ao engano. no máximo, quando a necessidade de verdade obriga, encho bem a minha mão, que é pequena, e esfrego-a bem nos olhos. os olhos são um oceano de conhecimento, um alfabeto de expressão, uma tabuada de memória. e é quando precisamente eles fogem, eles os olhos, que a mão - não é um dedo meramente esticado a esconder os outros - é tão certeira como as missas das dez ao domingo ou como as sardinhas prateadas nas festas populares ou como os ciclos de sangue nas mulheres ou como as algas no mar ou ou ou. 

isto porque pensei nas árvores em geral e no pinheiro que continua a crescer no canteiro da minha janela em particular: à altura acompanha-se-lhes a profundidade; o que está à vista tem exactamente a mesma beleza das raízes que vivem no mundo do debaixo. isto porque os olhos são os ramos e as folhas verdes com as raízes ao fundo quando não são, caixa com um kit montável de ramos pintados e suporte instável, plástico feio que é preciso cobrir, árvores take away de natal.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

água justa

entro numa empresa bem cedo. observo tudo à minha volta e confirmo, sentido de humor bem apurado, se na carteira não trago, efectivamente, um regador. dou duas ou três gargalhadas mentais - por fora apenas se me adivinha um sorriso tranquilo: em todos os vasos e recipientes com plantas há etiquetas que dizem "proibido regar as plantas". depois de algumas horas de formação sobre a cultura da empresa cujas palavras sonantes são amor incondicional, verifico a razão de ser das etiquetas: eles esperam que quem colabore com eles seja uma daquelas plantas frágeis - esperam que os colaboradores sejam capazes de crescer e de dar flor sem que os alimentem; esperam que sejam capazes - por amor incondicional à entidade - de dar sem receber, trabalhar sem esperar remuneração. pego no telemóvel para ver as horas, penso rapidamente e enceno um compromisso inadiável. saio. já a toque com a ignição volto para trás e dirijo-me à máquina da água - encho com completude um copo e escolho a planta do vaso redondo e verde. despejo-o como que num brinde, com água, à justiça. e agora sim, sigo o meu caminho de amor incondicionalmente justo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

sakuras, beleza efémera, não

qualquer uma das muitas filosofias japonesas se rege pelo princípio da melhoria contínua como um processo do bem-estar de dentro para fora e sempre na aproximação à natureza: é assim nas práticas de administração e gestão, na arte, na vida quotidiana. viver cada dia em cerimónia de chá, elegância de kimono, sol - não nascente - renascente, primaveras quentes em montanhas vulcânicas, em perfeita harmonia com o que somos, identidade de olhos em bico, só pode ser - e é - maravilhoso.

(e os fazedores de corpo presente nas massas, cambada de imitadores que vão na corrente, identidades manetas e pernetas - incapazes de baterem punhetas porque o sexo sem personalidade é o ópio do povo - que se vão encher, bichinho comum, de moscas)

terça-feira, 24 de julho de 2012

breve tratado sobre a lealdade da não-lealdade

a lealdade é, sem dúvida, o pilar da amizade. e esta última distingue-se, por isso mesmo, do coleguismo. entre colegas a lealdade existe apenas no sentido de firmar, finca-pé de superficialidade, que para ela não há lugar.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

domingo, 22 de julho de 2012

não te deixarei morrer, poesia

chama-se Transporte Sentimental e é o novo blogue do que me é tão querido José do Carmo Francisco, o Zézinho, uma das figuras que durante tantos anos encheu de beleza o Aspirina B. na mesma linha a que nos habituou, escreve memórias passadas e as por vir - não fossem estas últimas, porventura, momentos criativos que se transformam em eternidade, as melhores.

fica, então, a minha sugestão para uma leitura assídua de um dos homens que continua a jurar ao mundo que a poesia não há-de morrer. ele invoca e eu convoco: com uma grande, enorme, salva de palmas.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

epítase

a questão da dúvida sobre a autoria de grande parte das obras de Shakespeare, o bardo, está agora mais levantada do que nunca. é como se o Homem, em história, precisasse de inventar histórias para fazer História. pegando no "ser ou não ser, eis a questão", passou a haver dificuldades em se aceitar se afinal a criatura terá feito somente uma hamleta depois de misturar amor em romeu e julieta. a importância passa a ser dada - não à obra - ao que poderá não ser (ou se afinal for que bom que é). desonestidade intelectual em causa, quase quatro séculos depois de o bardo deixar de respirar, é uma epifania prolongada fodida - principalmente por ele não poder defender-se. é o que se poderá chamar de epítase à medida das frustrações da modernidade.

terça-feira, 17 de julho de 2012

sexo oral

uma mulher acha que já ouviu de tudo. e engana-se. ah, pois: quando se chega de uma maratona psicológica com o pai, ser filha é sempre uma corrida prolongada de grande fundo, e de uma espera infernal em plena VCI por conta de trabalhos nocturnos, nervos em bicos de pés, com a estupidez do povo que prefere pendurar-se nas pontes a ver as obras andar do que fazer uma outra coisa qualquer que não inclua capacetes, botas de biqueira de aço e coletes reflectores, e se estaciona no café - não é num café qualquer mas no café, naquele, no the one -, como se remédio para a descompressão, ouve-se histórias do arco da velha. melhor - ouve-se histórias do arco daquilo que é apanágio do ser irreverentemente jovem: histórias de sexo que não é brando, é bravo. diz-me o mestre da barca, adulto de barba cerrada e charmosa, particularmente interessante, que tenho de experimentar aquando da minha pergunta sobre a definição; diz-me o discípulo tenro, barba por romper, que é daquele do tipo trigolimpofarinhaamparo, traztraztrazjáestá. riso, muito riso, boa disposição, ouvidos apurados que captam o essencial do acessório - os meus. 

o início da vida no mundo dos adultos tem a particularidade dos viços: a exuberância que faz com que tudo pareça leve e forte, a força que contagia. e é, pois, saudável que os adultos, de quando em vez, se misturem com adolescentes, adultos ainda por madurar, que nos dão a ideia de sermos poderosos pela admiração que nos devotam e pela alegria que nos fazem nutrir.

(eu só posso dizer que ambos, tanto o sexo bravo como o outro, o que não é bravo, o que merece que no fim, aquele fim que é sempre um recomeço, se diga exactamente como se pensa e sente: bravo!, são deliciosos temas de conversa - trata-se, bem visto, de sexo oral. porque tudo pode ser motivo de conversa. porque conversar, fazer oral, tanto quanto navegar, é preciso.)

domingo, 15 de julho de 2012

ó Relvas, ó Relvas, Badajoz à vista: és contrabandista

Relvas é um homem muito à frente do seu tempo, do pensamento do mundo contemporâneo, e conseguiu fazer em um ano o que eu - em tempo mínimo exigido - levei cinco, a bolonhesa só se justifica em estudos d'alquimia de mesa, a fazer. isto pode levar-nos a concluir que talvez o senõr Relvas, sem qualquer outro motivo que não altruísta, viva já em regime de eurocidades, futuro à vista, tamanha é a quantidade de caramelos, sem fronteiras, que amealha.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

o escandaloso lobbie do mundo dos autores

participo, amiúde, em campeonatos e concursos de escrita. da última vez, uma obra de oitenta e muitas páginas que ao que parece seria a vencedora foi excluída pelo júri através de uma metodologia muito simples e eficaz: alteraram alguns items do regulamento a que estava sujeita e passei, sem sequer ter conhecimento a não ser por conta própria à custa de muita curiosidade irrequieta, a estar fora da avaliação por não ter idade até trinta anos.

não fosse eu suficientemente convencida do meu talento e da minha raridade enquanto mulher, porque são as pessoas que dão dignidade às obras e não as obras que dão dignidade às pessoas, a minha pudicícia aplica-se a muitas outras coisas que não estas, estaria agora banhada em choro, estima rasteira, de manifesto. mas não: eu quero que todos os culpados, que vêm ao caso, de serem corruptos vão apanhar no cu com um ferro bem quente e que restem queimaduras irreversíveis que os façam sangrar, até com um simples e leve flato, até ao fim dos seus dias.

(obrigada aos autores das fotografias que tão carinhosamente se deixaram escrever e obrigada ao grande Rentes de Carvalho pelo maravilhoso elogio que me ofertou)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

e esta, hein?

é assim mesmo: o racismo, a xenofobia, o terrorismo, a violência, a ignorância de quem não quer saber, a indelicadeza - são-me altamente inibidores de tesão e de desejo. por outro lado estimulam a minha glândula, de estimação, da repulsa que se chama - acabei de baptizá-la - Gabriela.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

reflexão de quarta-feira

com tantos avanços e recuos no preço dos combustíveis é mais que certo que o primeiro ministro não quer assumir que está apaixonado, aquela instabilidade estável, pela crise.

terça-feira, 10 de julho de 2012

o que eu gosto de uma boa ventania

quase sempre são correntes frescas que agitam as multidões - gosto mais de lhes chamar ventaneiras pela imagem de volta à tripa que me sugerem. isto a propósito da notícia sobre a senilidade de Gabriel Garcia Marquez, de Gabito, de um dos escritores dos meus olhos, amigo de tantas travessias, o melhor contador de histórias do mundo. e é isto que é ser senil neste mundo de sãos: é conseguir ver o que não está ao alcance dos olhos; é entrar por dentro do que está dentro; é viver repleto de alegria e humor, o que só conseguem fazer os sãos quando estão alienados. a senilidade é isto, é viver para contar até ao fim dos dias que temos. e eu recuso-me a aceitar que o Gabito esteja a ficar são. escrever-lhe-ei a mais linda carta para que renuncie a esta cólera que são os tempos de sanidade - vou lembrá-lo do amor.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

a vingança do etanol


bom dia apurados

a palavra do dia do priberam é rotacismo e não podia ser melhor: é à segunda feira de manhã que os érres, ora por excesso ora por defeito, se fazem sentir - érres em rescaldo de rotos, de rudes, de rascas, de roscofes, de reles, de ruins.

(a cortesia, a delicadeza, a elegância, a suavidade, enfim, a variedade de letras é tão deliciosa que só está acessível a poucos: aos apurados.)

domingo, 8 de julho de 2012

expectativas versus esperanças

são difíceis de gerir, as expectativas. e dão um trabalho enorme para conseguirmos mantê-las - acabar com elas poderá ser a coisa mais fácil do mundo se o caminho por onde queremos seguir é o da facilidade. e não, não quero o fácil porque o fácil sabe - não a merda porque a merda faz crescer e o sabor deve ser de pôr as pupilas em saltos de banhada de água -, provavelmente, e digo provavelmente porque não lhe sei o sabor, a mijo ácido. foi sempre assim: os atalhos, caminhos quase sempre manhosos e rápidos, sempre me atulharam de sentidos proibidos; as cartas sempre as escrevi - e escrevo - à mão; nunca entendi o fascínio pela epídural nem pelo puré de saco; neguei sempre o quase e o mais ou menos com olho no tudo. são difíceis de gerir, as expectativas, e se há alturas em que, tal e qual como um copo que cai no chão, as queremos ver fragmentadas, táxi de apanhador rumo ao caixote do lixo, outras - as bem mais assíduas outras - cuidamos delas como se de bebés se tratassem: amámo-las incondicionalmente com o leite da imunidade e limpamos-lhes o rabinho vezes sem conta por conta de evitarmos assaduras. e vamos vendo o bebé crescer com a única garantia, a melhor, do mundo: sabemos o que lhe damos sem sabermos no que se irá tornar aquando da passagem de adolescente para adulto. e é nessa altura, e só nessa, que - ao contrário do que é ser mãe ou ser pai - devemos decidir se deixamos cair o copo ou não.

o dicionário também lhes chama, às expectativas, esperanças. mas não posso concordar: as esperanças são sopros do coração e as expectativas são lufadas da razão. gosto das duas mas falo apenas das primeiras porque a inutilidade de falar das segundas impera - as esperanças são tão intensas que rejeitam as palavras; as esperanças só sabem sentir.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

ouvir dizer que tenho uma estranha forma de vida merece um pequeno apontamento: há quem no viver se vista de casual - eu visto-me de laços.

terça-feira, 3 de julho de 2012

o homem é o animal mais fraco da selva

 meia noite, sono espantado, leitura, zapping por excepção. Cathouse na SIC Radical, nunca tinha ouvido nem visto nem lido, e curiosidade a mil. castings para a profissão: duras. uma delas tinha como talento conseguir enfiar uma banana inteira, esquece lá isso que podia ser das da madeira, pela garganta sem a danificar; outra transformava-se em uma boneca articulada passível de meter ao bolso; uma outra baseava-se no histerismo para se diferenciar das demais. as peças funcionam ao mesmo tempo como reportagem e reality show: depois do proceso de selecção, e instalação delas na quinta, vêem-se excertos do trabalho de cada uma com os clientes e também as experiências que fazem entre si. dizem-se viciadas em sexo mas fiquei convencida que serão viciadas em dinheiro pela forma como negoceiam cada performance. nada me chocou mas tudo me surpreendeu. surpreendeu-me a falta de intimidade, os risos encenados, os sexos sem rosto. mas o que mais me surpreendeu foi constatar que qualquer um dos homens que ali entrou - vi três peças -, como que bezerrinhos frágeis a aprenderem a andar, se rendeu perante a possibilidade de ser controlado e ainda pagar por isso. questionei-me, mesmo antes de decidir adormecer, se cada um daqueles homens alguma vez satisfez, ou tentou satisfazer, as suas vontades e fantasias com a mulher com quem dorme ou se será a adrenalina provocada pelo desconhecido, pecado implícito a ser evitado pelo afecto, que dita a procura por sexos usados e gastos como se fossem, e não são, tanques do povo que lava no rio - nada se compara ao cheiro fresco da roupa acabada, não de sujar, de lavar.
observo, em outro dia, o processo de acasalamento entre um macho e uma fêmea em plena selva e percebo tudo: é à fêmea que cabe o papel de escolher quem nela vai pousar e o homem é o único animal que, medo em punho de ser rejeitado, paga, não para pousar, ser pousado. o homem é o animal mais fraco da selva.

(às excepções, que o ser reles não é obviamente universal, aqui fica a minha admiração)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

hoje já lá vão dois golos na baliza da alegria

está explicado o porquê de cá em casa as plantas, beleza que salta à vista, serem tão felizes: vêem cor, intensidade e direcção.

gooooooooosssssssssss

Goethe é uma daquelas palavras que nós, por cá, não sabemos como se pronuncia - ora sai goude ora entra guete. e é aborrecido quando queremos dizê-la em alta voz, materializar pensamentos, e há necessariamente uma pausa forçada quando chega ao nome deste senhor genial na arte que é, saber pensar, escrever.

fui à procura de material audio para suportar as minhas dúvidas. pelo caminho, descobri esta frase tão interessante - do homem do nome que é difícil pronunciar - que veio apoiar inequivocamente a minha teoria de que a arquitectura também é poesia: "a arquitectura é música petrificada".

(fiquei feliz. é muito bom sentirmos retorno, retorno do que é mesmo bom, daquilo que pensamos acerca dos detalhes do mundo)

http://diekarambolage.wordpress.com/2012/02/13/como-pronunciar-goethe/

domingo, 1 de julho de 2012

reflexão de domingo

ambos, o bom humor e o bom amor, são filhos da embriaguez sem vinho. mais: um homem que sem vinho é mal humorado só pode ter aquilo que merece - ser mal amado.


sexta-feira, 29 de junho de 2012

(shuuuuuuuuuuu)

parada na av. da boavista naquela parte em que casa sim casa sim as paredes são altas e tapadas por árvores seculares, uma maravilha, imagino uma história por dentro da casa amarela e por musgos verdes raiada. mas agora não vou, não posso, contar: na história, a madame carlota byrne pediu-me para guardar segredo.



quinta-feira, 28 de junho de 2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

prosápiar

prosápia no falar das pudendas de umas e outras é buçal. ou boçal, vogal bem à medida, se a pudenda lhes acerta na boca.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

quando as vaginas batem

é na multidão que tanta vez se nos embacela o silêncio. e o silêncio é sempre uma sinfonia de vozes mudas, de nós para nós, alegro vivo, harmonia. no outro dia o silêncio contou-me que afinal se confirma: há mulheres que possuem o coração, máquina antiga porém com tecnologia de ponta a bombar, na vagina.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

no meu rol não entra

lembro-me de, naquela altura quando o estudei, me orgulhar dele - ouvia e lia com entusiasmo das vicissitudes e glórias da unificação do império acrescido, curiosidade minha nos intervalos do essencial da política externa, das cartas que escrevia à mulher citando Shakespeare e Byron.

agora faço uma comparação entre Bismarck e a mulher mais poderosa do mundo, Angela Merkel, e percebo por que não lhe presto a mesma, nem a mínima, admiração: nunca escreveu cartas de amor.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

o hamburguer e o sexo

são os aditivos de açucar, artificialidade controlada, nas comidas mcdonalds que promovem o vício pela comida rápida. para ela, para elas, os encontros de pasto com ele ora em camas usadas e surdas de motéis ora nos bancos cansados do carro, tempo absolutamente contado, onde ele passeia com a mulher, o que a vicia, as vicia, é o sexo - amarga máscara, doce cobertura, de açucar.

(escolho esta melodia, cozinha em lentidão, para congratular as mãos que cheiram a alho e a cebola)

terça-feira, 19 de junho de 2012

bilhetes sem regresso

desabrocham lentamente como se soltos não estivessem - e não estão.
soltam amarras, gritam abriladas
brindam ao acabar de mãos cheias de nadas
brilham: vestem-se de estrelas airosas, pungentes
que se fodam, pois, as cadentes
mostram alllegria, éles que mostram - tão contentes - os dentes
e aguardam, poesia de cá, os trémulos passos de lá.
bolinhas frágeis de sabão, bilhetes sem regresso
eu vos destituo, para sempre, confesso,
da cadeira barroca, amorfa, padiola
tenho o chaveiro! tenho o chaveiro!
ouve bem, roto, furado, vulpino cativeiro!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

a verdadeira, e única, falência é a da alma - uma contradição no presente negativo: eu não falo.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

súbito

há sempre qualquer coisa de inesperado na certeza - como se nem a certeza tivesse a certeza de estar certa. é como se a certeza nascesse da dúvida que a pariu e a ela sempre voltasse para mamar. e quando crescida, e autónoma, a certeza abana perante a possibilidade de estar - não errada - mesmo certa como se, de repente, um bicho atravessasse a sua rua e parasse: e lá se vai a certeza de que rua estava deserta.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

e não precisa de selo

querido Passos Coelho,

alerto-te, desde já, que escrevo - e escreverei - sempre sem resquícios do novo acordo ortográfico mas com ironia que baste: de outra forma, seria obrigada a substituir querido por cabrão. escrevo-te hoje por resolver fazer um balanço. minto. escrevo-te porque acordei com vontade de purgar o meu descontentamento e não encontro melhor destinatário para a minha carta que não tu - tu és o meu saco de boxe, a minha bacia de limpeza linfática, o meu rolo de papel, preferido; quem melhor do que tu perceberá a minha frustração, o meu lamento e a minha gana de justiça? és, portanto, um privilegiado por também seres um construtor de ideias falido, um mentor do think tank de nicles, um apoiante à ajuda externa, vai-se o azeite e vem-se o vinagre, com picles.

hoje acordei e fui à janela ver se as finanças estavam estabilizadas e apanhei com a cagadela de uma pomba fodida com a vida.

hoje acordei e fui à rua, a correr, ver a alegria dos mais necessitados: fui assaltada por esticão e, de seguida, atropelada por um assaltante de carros em fuga.

hoje acordei e ainda estou de olho no crescimento da economia e do emprego. e sabes que mais? ainda não tomei o pequeno almoço por preguiça e marasmo - a padaria que fica mais perto também já fechou e os bons padeiros devem estar a coçar a pulga no centro de emprego da póvoa de varzim.

mas se eu vivesse em massamá, não escrevia aqui nem acolá: tocava na tua campaínha e, sem esperança que me abrisse a porta a das doce, a ex-bem-bom, tinha uma olho-no olho contigo, conversa de pé de orelha, onde soltava a minha língua fugidia e havias de torcer o rabo à porca. faria, assim, uma espécie de cozido à portuguesa, com ares de selecção, porque afinal o que é nacional é bom, e metia-te um frango dos de verdade por não me falhar a vontade.

com pimentos e sardinhas porque os santos não vacilam,

Olinda

(agora vou ver se chove, que é para colocar bacias a apanhar desperdício de água para as descargas)

terça-feira, 12 de junho de 2012

funiculì funiculà

Strauss pensou tratar-se de folclore para plagiar - como se, mesmo não o sendo, o povo fosse argumento para fraude lícita. como se musicar um vulcão que é o amor, ou o amor que vive num vulcão, fosse coisa vulgacha, daquela coisa de quem conta acrescenta um ponto ou de quem canta seus males espanta. não: celebrar um plano inclinado para chegar ao vulcão é nobre; gritar que o topo gira à volta de alguém é maravilhoso.

escolho esta versão:


sábado, 9 de junho de 2012

o silêncio dos inocentes

e se me perguntarem se gostava agora, depois de tantos outros, de tirar um curso de gestão eu sei bem que respondo que não -  ando a aprender, a meu ritmo e tempo, a fazer gestão do silêncio.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

da putíssima verdade

pois bem: li ontem de relance uma frase bem curta, o que quer dizer que se não fosse de relance de relance igualmente seria, que levanta a ponta do véu sobre a possível homossexualidade de Fernando Pessoa. talvez, penso, isso explique a misoginia e o anti-feminismo, sim, mas não constitui argumento para a sua putíssima, valente, falta de acção, e de erecção, com a Ophélia. ou a sexualidade não é inteira que abrange ao mesmo tempo, e de igual forma, tanto o corpo como a alma? e ele, tão apaixonado que estava, não se fez homem nem dela mulher porque saciava a alma nela e o corpo noutros corpos, ou num só, iguais aos dele - um mundo de pénis e testículos duros obedientes à vontade alheia? fiquei confusa e cada vez mais simpatizo menos com ele. e ainda bem que ela, a Ophélia, casou com outro. vai-se a ver e o flagrante delitro foi mesmo uma mensagem, em imagem, para mostrar - escondendo - o que sempre escondeu. e se assim foi, ela foi um mero objecto de dilúvio do que ele realmente queria ser e não do que na verdade era - posso pensar tudo, este FP tira-me do sério. mas também li uma crónica do Pedro Mexia sobre a verdade em que se não pode amar a verdade se não se a conhece. agora é que acabei de nomear a confusão miss universo.

(como se a beleza fosse universal. Olinda, ordeno, vai dar de comer aos vivos que isso passa)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

amor-próprio

decidiram viver juntos para namorar, na modernidade viver junto é namorar - não no sentido real do que é, seduzir, encantar, viver o amor com paixão, namorar - experimentar o outro com disponibilidade para conhecimento de outros. na realidade, decidiram separar juntos: as contas não são partilhadas, são divididas; as refeições processam-se à medida dos horários e das vontades de cada um; as conversas e os olhares não existem senão para fazerem prevalecer posições do que ficou pré-estabelecido. na cama, dividem o sexo em uma luta desenfreada, sono e riso por partilhar, para ver quem se sacia mais e mais vezes. cada um sovina para umas férias nas maldivas - o mealheiro, porco gigante a barro pintado de rabo retorcido e frágil perante o chão, é o privilegiado da partilha -, as férias são sempre a lua-de-mel dos adultos, ai as férias!, aquele pedaço de realidade fictícia, o pau de cabinda dos amores de mala de dez quilos. depois acabaram-se as férias, o mealheiro já não é um porco mas, souvenir, uma garrafa de formas estranhas com ranhura grossa. os dias recomeçam a nascer como se fossem um ditado detector de erros ortográficos: cada um é apenas responsável por si porque não há forma de saber escrever palavras pelo outro. e o ciclo de morte a dois segue o seu caminho, nadinha sinuoso, tenebroso: finge que nasce, não cresce, não se reproduz e, em processo de decadência contínua, renasce.
chamam-lhe amor. e é - amor próprio.

terça-feira, 5 de junho de 2012

nunca tinha pensado nisto de o coração parar cada vez que há espirro.

(quererá isto dizer que ando a praticar batimentus interruptus)

terça-feira, 29 de maio de 2012

cúmulo

o cúmulo do defeito é o excesso. exemplo prático: todos os alcoolizados se sentem os maiores condutores do mundo.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

volare

e de dentro para fora
entre sol e chuva
nos toca a vida.
crescem plantas, brotam flores, os sapos seduzem as rãs
e os patos, que acasalam sempre com as patas, escolhem cotovias.
e o rio corre num samba tranquilo, lambendo as margens de fio a pavio, em originalidade de hortelã, freios de chocolate amargo, que doce já há
 funicular até ao céu!, ouço em voz de autoridade, sem zangar, e a cumprir com gosto, que os ouvidos que se tocam e se cheiram foram um presente,
dos seus,
do amor que é deus.
do amor que é deus.


http://youtu.be/V5PJ0YXrIOA

sexta-feira, 25 de maio de 2012

o que eu gosto de bombas de gasolina muito mais do que o Jacinto Lucas Pires

é universal: não se pode nem usar telemóvel nem fumar em bombas de gasolina pelo grande risco de explosão. ora eu, que não sou leiga em energias de activação nem em fontes de ignição, questiono se a energia de um telemóvel será suficiente para produzir uma explosão e vou procurar, quem procura acaba sempre por encontrar, alguma coisa e voilá: Enrique Velázquez, professor de electrónica do Departamento de Física Aplicada da Universidade de Salamanca [Espanha], concorda comigo e diz que "Um telemóvel tem uma energia muito baixa, além de produzir uma radiação electromagnética muito baixa, menos de um Watt".


são as boas e as más, as falsas e as verdadeiras, teorias que suportam as boas e as más, falsas ou verdadeiras, práticas. o que é que se costuma fazer quando está um deficiente motor, o empregado mais antigo da casa, de serviço na bomba e que esperamos cerca de meia hora em fila para sermos aviados de combustível? usa-se o telemóvel nem que seja apenas, como eu, para apagar as 543 mensagens acumuladas. na verdade, se o mito for desfeito, as empresas de telecomunicações e as gasolineiras só têm a ganhar - uma campanha de aliança faria aumentar as receitas para ambas: estás a ligar de onde querido? da bomba, estou a aguardar e a aproveitar para falar contigo. sério? isto merece uma comemoração quando chegares mais logo. e ele, entusiasmado, feliz, quando chega à sua vez de carregar, ou pedir para carregar, no pistão da gasolina ou do gasóleo, vai atestar o depósito (a satisfação antecipada do que vai acontecer acontece mesmo ali a segurar num pistão, e chamo-lhe pistão para dar ares de música, numa bomba de gasolina).


passemos agora à questão de fumar: enquanto o tal deficiente motor anda para lá e para cá, moletas raivosas, a causar filas de trinta metros para abastecer, sabe-me pela vida acender um cigarro. ou dois ou três. mas não se pode - não se pode fumar nas bombas de gasolina que são o local mais acessível para comprar cigarros. onde é que vamos comprar cigarros a esta hora? vamos à bomba. é verdade, a demência vive na lei. se por um lado eu (não) me sinto obrigada a sentir que estou a pecar por fumar dentro do meu carro quando estou, parada e ignição desligada, a aguardar o serviço - por outro devo sentir-me aliviada por finalmente renovar o meu stock de cigarros. e onde? na bomba.


é bem mais provável que o pingo doce expluda pela elevada concentração de cheiro a chulé e a sovacos aquando do milagre da promoção da carne do que um cigarro provoque explosão num posto de gasolina onde, supostamente, se as regras de segurança estão a ser cumpridas, não há perigos à espreita - assim como será mais provável que seja a energia da bateria de uma viatura qualquer a causar uma explosão. mas nessa altura a culpa será do telemóvel ou da pirisca.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

deturpar também é preciso

a propósito dos sonhos, ah! os sonhos!, aquela terra onde todos chegamos sem sabermos como e sem exercermos qualquer tipo de controlo porque cada vez mais ser humano é ter controlo, dos sonhos durante a pequena morte que é o sono, é mesmo importante considerar que apesar de a maioria das vezes serem revelações de desejos escondidos - ou por concretizar - nem sempre é assim: tem vezes que sonhamos, tenho a certeza, com as cabeças trocadas de gente. talvez o mais importante, na experiência que é o sonho, não seja o que vemos, aquilo parece tão real - e é - que até mete cor (se fossem a preto e branco a sensação de passividade e de estado de repouso chocava com o que é ser movimento de realidade), mas o que cheiramos e sentimos. é como se os sonhos fossem cegos, parcos de visão e maneiros de outros sentidos. os sonhos são sentidos - e também sem tidos nem achados - entram sem bater e saem porta fora sem sorriso nem cumprimento, os sonhos são rudes no trato. mas é durante o tempo que só fica, sem aviso nem promessa de voltar, que o sonho vive: umas vezes faz-nos felizes e outras deixa-nos miseravelmente tristes, como quando nos tira alguém que amamos e acordamos esganados de aflição. nessas alturas os sonhos são dor que desatina sem doer.

nos sonhos nada se cria, nada se transforma: tudo acontece sem controlo e sem coador. se o Freud, ao invés de relacionar tudo o que é ser humano com o desejo sexual, se tivesse focado na posição horizontal do sonho pelo sono como um forte indício de equilíbrio - talvez hoje a necessidade de controlo estivesse em processo de esvaziamento. é o controlo que fode tudo e será a foder que se perde o controlo, penso. só que se não houver,  antes e durante e depois, catártica vai tudo a correr para o sonho. 

(há-de ser mais ou menos assim a minha deturpação sobre os estudos do Sigui.)

terça-feira, 22 de maio de 2012

olha o provérbio actualizado

em maio come-se cereja p'ra caralho

(e fica em aberto, a frase, porque entretanto tudo o que as caganeiras não precisam é de barreiras arquitectónicas. é verdade, as caganeiras têm uma costela de mobilidade deficiente - vão e vêm de rampante)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

mistério, digo eu.

obviamente que tenho nada, absolutamente nada, contra Lisboa ou contra os lisboetas. gosto muito, até, da elegância com que pronunciam as palavras como se estivessem constantemente a fazer biquinho à boca fechada; gosto tanto da luz, da claridade e da largueza das ruas; gosto muito, também, do maneirismo a roçar o espanhol, aquela coisa de esticar o dia noite adentro de convívio. gosto de muitas mais coisas. só não gosto que o sitemater insista em dizer que estou em Lisboa, não obstante a elegância, a luz, a claridade, a largueza e a festa - não gosto porque sou do norte, nascida e crescida no Porto e Vila do Conde escolhida, há três pares de anos, para viver. e como nunca rejeito nada daquilo que me faz, que me faz ser, fico ofendida com isto de aquela coisa afirmar com convicção que estou em Lisboa, como se tivesse o direito de mexer na minha identidade, alterar-me o sotaque, acrescentar-me pastéis de belém em vez de natas, fazer-me um biquinho quando sou portadora de uma bocarra. e depois ainda festeja, ignorando o que quero, como se eu gostasse de foguetes e de canas. por que caralhos é que isso acontece, não sei: é um mistério. e o que vale é que gosto de mistérios.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

acossar: já chega

a propósito de perseguir, de acossar, há disso em todas as variantes possíveis: há quem seja constantemente inoportuno na rua ou no talho, no emprego, nos sonhos (até nos sonhos) e nos blogues. o problema da perseguição nos blogues é nenhum, se atendermos ao facto de só haver efectivamente um problema quando é passível de resolução. ora havendo um problema que é facilmente resolvido, ou contornável, o caso fica bravo quando de cariz público passa, a sarna, para privado. temos sempre a opção, em qualquer uma das variantes mencionadas exceptuando o sonho, de activamente travarmos o abrupto cuja iteração o torna perfeitamente expectável. menos quando a abordagem salta de um blogue, um local público que pertence talvez a um cae criativo ligado à indústria da saúde e bem estar, para um endereço de correio electrónico - morada de um lar, local absolutamente privado, como se nos metessem cartas abertas, sem envelope, por debaixo da porta. somos, então, obrigados a ler e a ficar, nem que seja por segundos ou minutos, com as mãos sujas e os olhos manchados. passamos depois a limpo que o que é lixo ao lixo pertence e não deixamos que nos afecte - ou pelo menos assim queremos. mas as palavras têm força, talvez a força se muscule de intenção, e por vezes são, de facto, punhais. espera-se, então, que o tempo, pelo menos o tempo que conhecemos nesta dimensão, transforme o acossar e o dissipe. talvez estas minhas palavras tenham força. talvez.

terça-feira, 15 de maio de 2012

por que raios e coriscos havia de pensar, como queriam, em uma antena?

pedem-me que relacione, muito rápido, parabólica com maçã. sem dificuldade respondo que, sem rapidez, se não a como apodrece.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

foder não é para qualquer um

dizem uns que ler é sexy, outros dizem que é um acto de amor. eu digo que é entre o instinto e a intuição - esta última que é bem visto o instinto da alma -, o pensar, o saber pensar, que se situa a base da sedução que depois traz o amor. ler, per si, não é sexy - é sexy conseguir fazer da leitura um joelho a descoberto ou uma copa larga de mama onde se adivinha um mamilo grande; é sexy escolher e cruzar o que se lê, joelho e mama a descoberto em intimidade, concretizar amor. e depois não há leitura sem escrita, novamente volto a dizer: escrever, per si, não é sexy nem resulta em amor - só pode seduzir quem sabe bem pensar e só pode amar e ser amado quem depois de sucumbir à descoberta do joelho e da mama se faz iterativamente amor. também a alma tem carne, tal e qual como o corpo tem alma, e se cumpre de amor em fluidos agitados e fundidos. e é quando, precisamente, a alma está fundida, e fodida, que, sedução sempre erecta, há amor de ler e de escrever. e é por isso que foder não é para qualquer um.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

de alva sete sois


cumpre-se a estrela
fundo barrado a canela
romance no quarto do céu
mais brilhante do que nunca
é de alva
é fundida
em torno o tempo é de moios
como se num momento sete sois

domingo, 6 de maio de 2012

uns falam em economia verde como motor de arranque para contornar a crise, outros em economia social. falam, falam, falam e esquecem que para haver arranque tem de haver investimento no motor. e enquanto isso, arranque por arrancar, o povo canta e bebe e encontra nas farpas e alucinações a maior alegria do mundo. é mais ou menos assim:


sábado, 5 de maio de 2012

estação de serviço

quando um desconhecido chama, raiva na voz, lésbica a uma mulher, após algumas horas de penetra de conversa mole, é porque, garantidamente, se sente frustrado. o que quis mesmo dizer, coragem murcha, foi porque caralhos esta gaja não se deixa seduzir por mim? mais: andará o resto da noite com uma nuvem preta por cima da cabeça, como se a mijar-lhe em cima, a pensar que a tal mulher só pode ser lésbica. e frígida. e cega. e burra. e acabará por ejacular, ego ferido no peito, na oportunidade mais próxima. o processo de sedução da modernidade é, sem dúvida, uma estação de serviço.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

https://www.youtube.com/watch?v=g2KstIkFPIU

é a solidão a fonte e a foz: um mundo gigante por debaixo do mundo dos mundos onde a fixação pela descoberta da existência se mistura entre o palco encenado e o palco da vida- tamanha a triste miséria egoísta da solidão, inocente e frágil bebé, sempre a solidão. e o amor escondido, adiado, sempre adiado, e a urgência de inadiar o inadiável, sempre adiado, é cruz nas costas: ininterruptamente pesado corrompe-se, sem nunca se deixar corromper, com a leveza pesada do sexo. é a solidão, menina velha, a fonte e a foz: um mundo destruído, gigante, por cima, do debaixo, do mundo, pequeno, dos mundos, grandes, onde a existência se perdeu em existir - tamanha é narrativa em desejo por narrar.
a solidão é um lugar estranho, um bicho, corrosivo e contagiante; a solidão vive no mundo das bactérias, grandeza erecta, e, deixando rastos, contagia. e mata. e é assim a vida dos mortos em travessia de vida.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

borrões

há a chuva, há o sol, há o vento, há as palavras, há a música, há os cães, há as árvores e as plantas, há a cozinha, há os pêlos dos homens e as vozes e os cheiros. e depois há o irs e o iva e as facturas e as filas e os rolos de papel higiénico que metem nojo para abrir, borrões de tinta empastados na minha tela.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

olhir

ver um pássaro voar é tal e qual sentir uma lágrima cair: é tanta, tanta, beleza que vês - como quando cai uma, miss transparente, delicada, vê(e)m-se logo duas ou três.