domingo, 10 de fevereiro de 2013

alma de canapé

na clínica, uma mesa com vários montes de revistas de aquelavestiuaquiloeooutroandacomaprimada outra. no fundo, bem escondido, um livro com uma capa grossa e brilhante e diferente, fundo de louça chinesa, chamou-me: era um livro de leilões de antiguidades que me fez companhia durante algumas horas e, desconfiando que ficaria ali subestimado e ignorado por muito tempo, me pediu para vir, mãos dadas, comigo. porque não é roubar tudo aquilo que pode ser feito mais feliz. 

deslumbrante o par de baldaquinos portugueses do século XVIII, em talha de madeira e dourados a ouro fino, com falhas e defeitos, 171 cm; e as cadeiras, onze, Luís XVI, em nogueira, decoradas com talha cordoada terminando em florão, estofadas a veludo verde com poucos sinais de uso? lindas de viver. apaixonante a pequena chaise-longue forrada a seda azul com armação em mogno, faltas e defeitos, do século XIX. e depois a garrafa e o frasco de prata em vidro cor de rosa lapidado, com copo, prato e uma tampa partida em prata javali de colar os olhos e deixá-los ali ao abandono da beleza. seguiu-se, passadas muitas folhas, a taça chinesa em jade branco com armação em ouro com esmaltes do século XIX, deliciosa, poderosa. e o quadro Di Cavalganti (1897-1976), desenho sobre papel representado duas figuras, datado de 1943 com uma moldura linda? tanta sobriedade de cor e existência. mas a minha peça preferida foi o canapé, com vestígios de xilófagos, estilo Luís XVI, francês do século XIX, em madeira entalhada e dourada, assento e costas forrados a tapeçaria de flores, cheio de defeitos, falhas no dourado. 

é maravilhoso o detalhe de todos estes objectos como se houvesse uma tentativa desesperada de lhes dar uma alma na sua concepção. e é isso que a modernidade não faz, foi isso que a revolução industrial e a produção em série veio retirar da criação: a alma. a alma mora no pormenor, nos pormenores que fazem o todo de cuidado, de dedicação, de tempo. até um canapé para ser feito precisa de amor.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

provérbio desenrascado

quando tudo tudo corre mal só há uma coisa que pode correr bem - manteres a saúde mental.

outra coisa boazuda pr'a comer e chorar por mais:

Socratopatia

não posso esquecer de partilhar isto

porque é muito, mesmo muito, bom: quatro aproximações à criatividade.

que não queira

mesmo antes do final do ano que passou, ainda eu morava em Vila do Conde, ai que saudades dos esquilos e das árvores e da areia e do mar, criei neste meu pc uma conta para o meu pai: combinamos que iria aprender a mexer nele. costumam ser os filhos a não terem paciência para ensinar os pais mas neste caso é o meu pai que não tem paciência para aprender comigo. pronto, sendo assim vou tirar a conta dele. olha Franklim, não me vou ficar triste: há muito futebol para veres e muita máquina de ginásio para gastares - faz muito bom, excelente, proveito.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

fornicanço

ontem à noite, enquanto passeava a minha cadela, vi um casal a fornicar dentro da viatura. vamos lá esclarecer isto: tenho nada contra o fornicar e muito menos contra o fornicar em viaturas - mas tenho contra o fornicar em viaturas na praça pública e à minha frente. não eram sete e pico nem oito e meia mas eram nove e tal, hora de muita gente passar na rua para afazeres ou passeios. mas será precisamente a adrenalina de alguém os ver que os excita, pois claro, porque fornicar é algo íntimo e, portanto, não partilhável com terceiros. fará falta a esta foda de gente causas efectivamente potenciadoras da excitação e, na falta delas, saem para a rua para se roçarem nos olhos dos outros. até me parece que serão estes os maiores voyeurs. comigo não têm sorte e se estivessem mais perto da minha entrada era menina, era sim senhora, para desandar com um balde de água para cima do carro. ao menos teriam o gozo de ter uma experiência efectivamente encharcada.

don juan

descobri esta música que apesar de não perceber nadinha do que diz a canção, a não ser don juan, conseguiu pôr-me a abanar a cabeça e o sorriso. é gira.


quase que conseguia

fotografar. não é que ele se tivesse mexido - ficou, aliás, bem quietinho a ver-me observá-lo com alegria. se é verdade que sentimos o que vem de nós também o será afirmar que o que vem de nós também nos sente. e ele sentiu-me. sentiu a minha vaidade perante ele, perante a força da natureza que o terá esculpido com tamanha perfeição sem, obviamente, sem pressa. sim porque fazer à pressa o que quer que seja só pode dar em meros esquissos tantas vezes ranhosos. mas como estava a dizer, não é que seja uma amante da perfeição do fora: gosto muito da imperfeição perfeita mas já no que respeita ao dentro...vá...admito...sou perfeccionista. e não é que hoje caguei, sim, eu sei, cagamos todos todos os dias se tudo está a correr bem e há obstipação quando alguma coisa corre mal, mas eu hoje caguei um coiso absolutamente perfeito. gosto de ver o que faço antes de fazê-lo desaparecer e não tenho memória de um coiso assim: liso, homogéneo, inteiro, nem fino nem grosso, exactamente a meio do orifício da retrete, sem ter espirrado resquícios para lado algum, um coiso, como já disse, absolutamente perfeito. e fiquei ali, aí uns dez minutos, a olhá-lo como de não houvesse amanhã, como se tivesse cagado para sempre. foi um momento feliz, de muita alegria, tanta que corri a buscar a minha máquina para registar a evidência da perfeição. e nada, a puta da máquina fechou-se nela, talvez como que em protesto contra a perfeição. sim, eu sei, a esta altura já estará alguém a pensar que sou porca e execrável e blábláblá. e que seja. mas de uma coisa não me podem acusar - a de ser dada a uma perfeita porcaria. e isso fará de mim uma porca perfeita de uma imperfeição tamanha. excelente.

sem limites



nunca entendi muito bem a expressão "o céu é o limite" por me sugerir, precisamente, limite. talvez precisasse de ler e ver isto para entendê-la. como se voar fosse, e é, com e para além das nuvens, alucinação. e alucinar, entenda-se-me, como apaixonar - sair da caixa da paixão como desvario sem razão mas antes tê-la ali ao lado em consciência de que é lá que conseguimos ser, paixão e razão, ambas.

a nebulosa da gaivota mostrou-me, inspirou-me, que é precisamente quando mantemos o padrão saindo dele que podemos ser quem somos. é aqui que neste ponto, que rocei ainda agora, que ser e identidade se cruzam naquilo que é ser sempre três: 
nós
os outros
o amor/a amizade/(..)

ou assim:

nós
o amor/a amizade/ (...)
os outros

e nunca assim:

o amor/a amizade/ (...)
os outros
nós

nem assim:

os outros
nós
o amor/a amizade/ (...)

atente-se que a gaivota, veja-se como o infinito é sábio, é nebulosa. fantástico.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

contentor de riso

levar o lixo ao contentor pode ser hilariante se encontrarmos alguém que nos diz: amanhã vou dar-te uma coisa para enviares pela ternex. mas depois tens de ficar atenta na ternex. tive de conter o riso, muito riso, porque foi dito com muita convicção e gosto. foi uma questão de aguentá-lo, para soltá-lo, uns minutos até entrar em casa. posso dizer que levei tanto o lixo como o riso ao contentor.

dica esperta

não há melhor hidratante, e protector solar, para os cabelos compridos e morenos, do que a abóbora. faz assim: coze meio quilo dela e, depois de a escorreres muito bem, faz um puré. acrescenta-lhe um iogurte natural e aplica nos fios da beleza quando estiverem húmidos e deixa passar um quarto de hora. depois lava-os normalmente e repete isto de quinze em quinze dias. o resultado? o resultado é teres cabelos como os meus: brilhantes e nunca espigados mesmo só cortando uma vez por ano com a tesoura do peixe. verdade.

tolinho número três

ontem à noite fui recebendo no telemóvel disto assim:

boa noite quanto quer pelo carro
boa noite, com quem estou a falar?
André e você quem é
Olinda deFreitas. Seiscentos euros negociáveis.
E ta bom
nunca me deu problemas, e tem a inspecção em dia, a não ser da normal manutenção para um carro de 94. é uma questão de ver e experimentá-lo.
a sua idade é 94
não percebi. o carro é do ano de 1994 e está comigo há 12.
posso saber a sua idade é que dizem sempre que é de velhinhos ou de velhinhas
que disparate. tenho trinta e oito anos.
você é extravaganza
não. mas tenho telefone fixo se quiser ligar e fôr gratuito.
e se ligar não tem bebés que podem acordar
aqui não há bebés mas há uma adulta que não quer brincar.

e assim se calou mais um emplastro supostamente interessado em comprar o meu carro. foda-se.

onde está a risota?

no dentista perguntei ao meu pai se me dava leite de vaca quando eu era bebé por conta da fragilidade dos meus dentes e as persianas da boca dele nem se mexeram - só as do doutor.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

ja me estava a esquecer disto

diz ela, como que à espera de respostas mudas à questão lançada para o ar, nem sei bem o que é uma alma gémea. logo a seguir ouviu isto: é aquela que não pára de nos surpreender com a sua ao mesmo tempo que não se cansa de ver, e apalpar, as mamas que vão murchando. o silêncio confrangedor que se seguiu levou-a a mudar de assunto. a mim só me deu vontade de rir muito depois do dito, do meu, e da aflição, da dela. e ri.

dilema acabado de desfazer

há aqui um pequenino dilema: devo escrever Português que se preze, por convicção e paixão, ou brasileirês, por mera conveniência, para prestar provas em uma entidade brasileira? das duas uma: ou faço o que tenho vontade e orgulho e há a forte possibilidade de me lixar redonda ou castro a língua e sei, com absoluta certeza, que estou nas segundas eliminatórias. por outro lado, vai doer-me p'ra caralho estar a amputar letras e travessas e sentidos - mas também dói ficar no banco a ver jogar. verbalizar, de facto, ajuda e já sei o que farei: delicadamente vou perguntar, imediatamente antes de começar a escrever, se é com ou sem acordo e depois mediante a resposta, se fôr o caso, seguirei o caminho dos carneiros mascarada de lobo - até conseguir impôr e contagiar, por direito, abraços em sorrisos, o meu querido e estimado Português. é isso, galera, está tudo em cima bicho.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

no meio da confusão, de repente, isto.

"bom dia, 7 de Julho

ainda deitado a minha mente suspira por ti, minha amada imortal, de vez em quando alegremente, depois tristemente, esperando o destino, se ele nos ouvir. só posso viver contigo, ou de todo. sim, decidi estar o mais longe possível, até poder voar para os teus braços e sentir-me em casa contigo, e enviar a minha alma envolta na tua para o reino dos espíritos - sim, lamento, tem de ser. vais recuperar ao conheceres a minha lealdade; mais ninguém terá o teu coração, nunca - nunca! meu deus, porque é que alguém se há-de separar daquela que se ama tanto, sendo a minha vida em W. tão triste. o teu amor faz de mim o mais feliz e infeliz ao mesmo tempo. na minha idade preciso de alguma estabilidade na vida - mas poderá isso existir para nós? anjo, acabo de saber que há correio todos os dias - devo concluir, para que esta carta te chegue de imediato. tem calma - ama-me - hoje - ontem.
que saudades em lágrimas por ti - tu - a minha vida - meu tudo - até breve. oh, ama-me sempre - nunca duvides do coração fidelíssimo do teu amado.

L.
sempre teu.
sempre meu.
sempre nosso."

Ludwig van Beethoven
(1770-1827)

que vivam as cartas de amor. melhor: que haja amor passível de ser, além de vivido, também escrito.


contorcionar




a palavra do dia do Priberam é vigorexia. e fiquei a pensar em quem será o maior vigorexico da actualidade. lembrei-me de muita má e boa gente mas fiquei-me pelo dono do Cirque du Soleil: o despedimento de quatrocentos funcionários de uma só vez faz parte do coadunar o negócio com a performance do mesmo, interpretação contorcionista minha,  não tendo nada que ver com uma eventual crise instalada na empresa.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

madame

dei por mim a pensar assim, no mercado, sobre a abóbora:

madame meia descascada, e de pevide ao ar, a arejar, cor de vitamina, pele lisinha e malhada, semeia fisgados olhares, p'ra doce ou panelão, inveja das alfaces verdinhas ao sol a corar que suspiram assim: nunca mais chega o verão para sermos inteirinhas desejar.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

dormideira





caule em erecção, preguiça ao acordar, olhar de lua verdadeira: põe o chapéu, aperta o laço, sorri - é assim a minha de branco dormideira.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

pressão

uma das piores coisas que a vida tem, senão a pior - não sei bem, é a de se conseguir lidar e gerir e aguentar e ultrapassar a pressão que os outros fazem sobre nós - sobre aquilo que, o que querem que sejamos, somos. as maiorias servem para esmagar as minorias, não tenho dúvidas.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

vida da morte

ele dizia sempre que não queria ir ao hospital porque era lá que morreria - que o matavam.  e dizia-o em tom de riso, dizem, como piada convicta de domingo em família. era asmático e custava-lhe respirar, especialmente naquele dia, há três meses. quiseram levá-lo ao hospital e resistiu mas, como respirava mal, foi. nesse dia, nessa noite, deram-lhe medicação à qual era alérgico e morreu. morreu no hospital - mataram-no. e a mulher, enfermeira nesse hospital, sabe que lhe administraram medicação interdita. mas calou-se, não reagiu, por pensar, atendendo ao que ele sempre disse, que foi o destino .

(o destino faz-se anunciar e é esse o destino do destino? nesse caso o destino também morreu - mataram-no. foi a morte. é a vida.)


quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

estafa Capital

saí e cheguei de noite. não é fácil ir e vir no mesmo dia a Lisboa mas pelo menos perdi a aversão que tinha a comboios - já não apanhava um há mais de vinte anos. mas houve mais coisas boas: a largueza e a luminusidade da praça do comércio; a dúvida se estariam a limpar o D. José; a agitação engraçada da praça luís de camões; a caminhada em meias pela baixa da cidade por conta de os saltos já não aguentarem os pés; a pronúncia deliciosa dos conterrâneos. agora as coisas chatas e feias: o cheiro a mijo das ruelas, típico das zonas antigas das cidades por onde páram as gentes porcas; o lixo pelo chão das mesmas ruelas; os trezentos e tal quilometros andados apenas para dois minutos de entrega de documentos; a ordinarice dos assédios; a longa viagem de regresso sem uma bacia de água quentinha com sal para saciar os pés; a falta de alegria na cozinha lisboeta.

(mas não faz mal - para a próxima será melhor)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

há sempre uma boa notícia depois de uma grande dúvida

o que caralhos é uma fotografia em tamanho 3 por 4?

ouvi falar da gostosura das caras de bacalhau e quis experimentar: feitas à espanhola é de chupar nos dedos depois que acaba e se limpa o molho do prato a pão.

o carro mais interessante do (meu) mundo

o mundo está cheio de gente que não sabe o que quer: primeiro pediram-me fotografias do carro para argumentarem o interesse - coloquei-as e nada. depois, mostram interesse e pedem-me para ver o carro - tento marcar e nem com o cu nem com a boca. estão a querer dizer-me que o meu carro não é interessante? é que se for o caso eu guardo-o para mim até cair de podre já que foi, e continua a ser, um amigo muito especial. obviamente que gostava que fosse para alguém que quisesse conhecê-lo a sério, lhe apalpasse os pedais com jeito e o buzinasse com vigor e orgulho mas, na falta de melhor, antes comigo e parado do que com indecisos desapegados a mexer.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

o que pode ser feito

quando, por exemplo, esperamos na loja do cidadão: apreciar os toques dos telemóveis. ele toca e, de imediato, olha-se para onde e para quem. depois, quase em simultâneo, faz-se uma mistura da cara com a careta - ou, neste caso, com a trombeta. e não é que bate certo? há aqueles que tocam um som filho do telefone que pertencem áqueles que têm postura de indiferença e cara de feijoada sem sal; depois, aqueles que seguem as tendências da moda, cabelos esticadíssimos e unhas de gel pirosas, são acordados por aqueles que tocam a Rihanna ou Alicia Keys; depois, talvez pela vontade de ouvir, ouve-se, enfim, um toque diferente, de uma música acomercial - nem sei se esta palavra existe -, que passou em tempos no rádio mas que logo a voar migrou para as memórias de poucos, e que toca para chamar alguém que decerto estará sentado numa ilha mesmo ali no meio do mar das gentes. é difícil escolher as palavras certas para os sons certos, penso. não, é nada difícil, penso logo a seguir. porque os toques, na verdade, saem do toque da alma de quem os escolhe para serem chamados a toque.

pelo caminho deu esta, tão gira, que talvez esteja por aí no chamar de alguém:




questãozinha pertinéintxi

fez-se-me luz mesmo agora quando percebi que um atestado de bons antecedentes é a mesmíssima coisa que um certificado de registo criminal.

será que quando se rouba involuntariamente o coração de alguém - que o agarra e segura com imensa força- fica registado e será isso sinal de maus antecedentes?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

e mais

atendendo a que a culpa está nas alterações informáticas, não há nada que me irrite tanto quanto a informática fora do meu controlo, que têm vindo a ser efectuadas no portal, dizem-me eles, agora a vontade sobrou também o Gaspar. a esse dizia-lhe para se despir todo com excepção das meias, já que não sou igual a ele e não o quero ver descalço tal como ele faz ao povo, e pendurava-o em uma árvore centenária mesmo por cima de uma colmeia - esperando que os zangões lhe subissem às miudezas e lhe deixassem a pila feita em uma laranja bem redonda e de cor viva.

javardice

a nova versão do java está a tirar-me do sério: instalo, desinstalo, vou aqui, vou acolá, dou pinotes, fecho, abro, e não consigo submeter uma declaração pelo portal das finanças. é caso para falar em javardice pegada, já que só tenho vontade de que o programa se transforme em alguma coisa palpável e esmagá-lo todo com as mãos e depois com os pés e aspirá-lo e depois rir-me toda por vê-lo misturado com o pó e os cabelos e os pêlos do saco do aspirador e depois despejá-lo em uma vala de esgotos para ser lambuzado pelos ratos. que nervos. só de pensar que adorava, sim adorava, o desenho da consola. agora nem o posso ver.

domingo, 27 de janeiro de 2013

puta que pariu os cabeçudos, cérebrudos.

pensar sequer que este ou aquele grande pensador ou filósofo ou poeta serve de muleta, pelos dizeres, a quem quer que seja no modus vivendi, dá-me volta à tripa. há quem fale de grandes homens pelo que disseram, pelo rasto de evolução social que deixaram quando falharam redondamente enquanto indivíduos e seres efectivamente vivos - a crítica, e a renúncia a serem gente, baseada no argumento da imobilidade social nada mais é do que um escape, uma saída airosa e covarde, da imobilidade pessoal a que se votaram por impotência inerente a si próprios - uma enorme deficiência emocional tapada a todo o custo pela intelectualidade.

isto a propósito de uma frase que acabei de ler, ainda agora, num texto sobre Nietzsche - esse filho da puta cabeçudo, cérebrudo, contudo com alma de alfinete, de bico de palito. Homem sem alma é Homem, nunca e nunca e nunca grande, rasteiro.


sábado, 26 de janeiro de 2013

balança


só há uma forma de descobrirmos o que os outros querem de nós: sentirmos se a energia que colocamos em alguma coisa que fazemos ou dizemos corresponde à energia do que nos fazem ou dizem. é uma espécie de balança do sentir, daquela balança - peso a peso - antiga. energia apurada, e depurada, fica o que fica. e o que não fica também.

saias de fazendo





ela diz, ela diz, que tem cinco saias de fazenda que a guardam do ar. mas é mentira, é mentira: ela tem é cinco coroas púrpuras, um altar, que fazem os olhos, saias de fazendo, reinado de ela, amar.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

inveja



inveja |â ou ê ou âi|
s. f.
1. Desgosto pelo bem alheio.
2. Desejo de possuir o que outro tem (acompanhado de ódio pelo possuidor).
não ter inveja anão ser somenos; não ficar atrás de.

estava a pensar se alguma vez senti inveja de alguém e não, nunca senti. a não ser, agora, neste presente gerúndio, de todos aqueles que podem fumar um cigarro grego de mentol, porta escarrapachada e pés esticados para o bidé, quando estão a cagar.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

a bela do beber

como um abrir e fechar de olhos o tempo, que não fica, vai-se. dias e dias que não podemos parar por o tempo dos outros precisarem do nosso tempo e o nosso tempo não ter tempo para nós. depois a fadiga, essa cabra insatisfeita, chupa o tempo, e o dia, já longe, deita-se para o dia seguinte se erguer. e depois, também o inesperado que descontrola o tempo que sem já sem tempo traz o intemperado, uma espécie de intempérie. e no meio disto do tempo sem tempo, que espero que não dure muito tempo, não sei viver sem tempo, descobri um tesouro: uma relíquia antiga, do tempo em que o tempo se fazia notar nos vestidos e nos chás e nos rendilhados do beber da vida, que agora é minha e só minha e não me canso de olhar nem de usar.

olha para ela tão delicada, tão a ouro talhada e pintada, tão de poesia enlaçada. e agora arranjei mesmo tempo para mostrá-la, cheiinha de vaidade, e fazer um brinde à decisão. decidir é, por vezes, muito difícil - principalmente quando o caminho é escuro, e literalmente escuro, em outro continente. mas eis que uma luz se acende, tal e qual a do candeeiro romântico que serviu de fundo à fotografia da bela relíquia, e mostra bem às claras que o caminho não é, de todo, para passar. caminho posto de lado por evidências irrefutáveis pesquisadas à custa de muita, imensa, teimosia e desconfiança, é hora de tomar um chá na bela relíquia - e brindar à decisão. à decisão certa. que alívio.

sábado, 19 de janeiro de 2013

asas


há uma forma muito simples e certeira de descobrir, à mesa, como é uma boa parte do ser de alguém: imaginemos uma refeição com frango, vários frangos, e esse alguém serve-se. as pessoas tendem a colocar no prato a parte que mais apreciam. agora reparamos que esse alguém aprecia coxas e pega em três das seis coxas da travessa, precisamente em metade das coxas disponíveis quando na mesa não estão apenas duas mas três pessoas. ora aqui está: estamos perante alguém indelicado, egoísta e grunho. além de encher o prato como se precisasse de comer como um touro, e de uma vez só, nem sequer pensou nos restantes membros da mesa que poderiam querer repetir a coxa. nestas alturas, dá vontade de lhe meter, ao grunho, no prato, todas as asas da travessa como que em desejo de o pormos andar - dar-lhe asas.

Fernando Vara

há uma pergunta que nesta manhã , imprescindível, tenham paciência, se impõe: ó mar salgado e agitado quantos dos guarda-chuva são hoje apenas varas em portugal?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

coberta por elas

não é que sejam muitos mas há dias em que o ler esgota o tempo e se sobrepõe ao escrever. começamos a ler e a ouvir isto e aquilo, mimos, e quando vamos a dizer já não há, naquele tempo, tempo. enchemos as bolsas do que lemos e aguentamos, assim, o tempo até podermos dar a encher as bolsas dos outros. as bolsas não têm peso nem tamanho e moldam-se ao que queremos, ao que naquele momento nos faz bem - e só o que nos faz bem guardamos nas bolsas, embora possamos ler muita coisa, aprovisionamos e protegemos do sol e da chuva. às vezes até misturamos as bolsas com o sol ou com a chuva quando queremos sentir-lhes refinadamente o sabor. hoje de manhã foi um desses dias - quando ia para escrever, depois de ler e de ouvir pérolas, não deu. quando um pai adoece, tudo pára menos as perguntas mascaradas de ânimo e calmia: as perguntas que guardamos por não as querermos chamar nem lembrá-las, nem lembrar-nos, que se estão lá é porque existem; queremos que as perguntas vistam a gabardina e desapareçam, inventamos-lhes nevoeiro cerrado e trovões para ficarem longe. mas se elas estão lá, ao contrário de quem possa incansavelmente satisfazer-lhes a existência, logo existem e se existem está tudo fodido. os pais não deveriam adoecer porque os pais são sempre respostas; os pais, que fique registado, possuem um ship por dentro do dentro, que só os filhos vêem, que não admite perguntas, porque os pais são certezas e são respostas. queria tanto que fosse assim.

mas eu não tenho a certeza. e as perguntas estão a cobrir-me toda.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

pressas é que não

prendeu a minha atenção esta palavra: flambear que também pode ser, diz o dicionário, flambar. lembrarei do flambar apenas por conhecimento da palavra mas não vou utilizá-la, discordo com a falta do e, o e faz toda a diferenta fonética no significado da palavra. flambear tem lentidão, movimento arrastado, enquanto que flambar é assim uma espécie de verbo exacto de botar ao segundo. ademais o que é feito às pressas, como flambar, não me cativa.

a primeira música da manhã é quase sempre a banda sonora, o flambear, do dia.



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

cheiro olhado




 xarope de vida
groselha do fundo até à ponta
refresco
olhos colados nela como luzes a piscar de mais
fechá-los para voltar a abrir e fixar o gosto dela
sabor a terra fresca despida que sopra
que sopra, sopra, sopra
que sopra e veste os quintais

descrição discreta

não sei bem se será o caso mas fosse eu a ver um anúncio, para venda, assim e havia de gostar muito muito:

"carro fiel, de alegrias e tristezas, com que se pode sempre contar."

quero mais

soube a liberdade, soube a mim, soube-me bem.

o meu novo carro, parado já há algum tempo, precisava de ser esticado. melhor: precisava de ser esticado, em estreia, por mim. juntar o que tem de ser feito com o que se pode fazer só pode dar certo. e ele, moreno de tez e personalidade, deixou-se esticar: alavanca de velocidades tocada e explorada como se amada pela mão; curvas dobradas por dentro como se os pés as quisessem, e quiseram, passear; volume do rádio no máximo como se os ouvidos quisessem, e quiseram, ouvir apenas aquilo e ali.

a sequência de músicas que o rádio ia tocando tornou-se perfeita:

com esta o meu apetite abriu-se como se a viagem tivesse ainda mais quinhentos quilómetros para rodar.

seguiu-se esta que me fez saltar, e soltar, a voz:

pelo meio, desconhecendo que iria para canto, o Rui Veloso. pausa para deixá-lo calar-se. já só pensava, enquanto o gajo não ganhava vergonha na voz, em uma sopa de nabiças bem quentinha.

e depois, esta que já não ouvia desde o tempo que desenhei o elvis presley nas costas do blusão de ganga. com esta, naquela parte do arroto cantado, senti a euforia da imitação:

e depois, ai que alegria!, mãos, pés e ouvidos esticados, a loucura:

estranho

há dias em que dormimos a correr sem, no entanto, o acordar ser transpirado. estranho.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

disco partido

ao longe, de fundo, aquela voz como um disco riscado, mesmice, que impedia de abalar para outro lugar. impedia, é isso, impedia. já não impede mais.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

dicas espertas

para conservar alface no frigorífico por mais tempo basta borrifar, com água, as folhas e embrulhá-las em um pano húmido ou, mais rápido ainda, cortar um limão e deixá-lo bem ao lado, sedução ácida,  das folhas verdinhas;


quando lavamos
 brócolos e couve flor não nos lembramos dos bichinhos mafiosos que lá ficam escondidos, no meio de tanto aperto - basta deixar estes legumes em água com sal durante um tempo para vê-los, aos bichinhos, consoladinhos e relaxados, a nadar.

(Through the Looking Glass (?) - and what Alice found there)

confundir emoção com sentimento é frequente. desmistificar a confusão é, no entanto, simples: enquanto a emoção surge num movimento de dentro para fora expressa por indícios corporais como linguagem facial e alterações vaso-motoras, o sentimento é eminentemente interior embora possa surgir da emoção e também gerá-la. existem as emoções primárias, aquelas mais selvagens e que não sofreram com o dedo social, onde cabem a alegria, a tristeza, a cólera, a surpresa e a aversão. já nas emoções secundárias, sociedade mestra, figuram a vergonha, o ciúme, a culpa e o orgulho. não havendo consenso optei por escolher estas - tanto para as primárias como para as secundárias - por considerá-las as mais representativas. 

sem querer perder-me no que quero falar, que é da importância das emoções na comunicação à distância, importa referir que constituem a maior, e melhor, valia na detecção dos afectos. obviamente que através de um computador serão poucos os que não manipulam o que escrevem, ou dizem, forjando muitas vezes emoções - e os que não o fazem sentirão, na comunicação, um deserto afectivo não obstante, evidentemente, a intuição de cada um relativamente à falsidade ou veracidade das mesmas. e foi por isso que surgiram os emoticons, para aproximar um pouco mais a conversa à emoção. se por um lado o seu uso excessivo pode causar ruído e efeito contrário à intenção da sua utilização, por outro a completa ausência - quer dos emoticons quer de linguagem que demonstre claramente emoções - gera ineficácia naquilo que é, de facto, comunicar. 

sistemas tecnológicos como o touchphone, lumitouch, pressuremouse, sentic mouse, affective colour, affective, emoto, visions of the future, emotion containers, hot badges, kid pagers são tentaivas de tornar, cada vez mais, a comunicação interpessoal mais e mais eficaz em que as emoções são mediadas pela tecnologia - o que reforça a importância enorme que elas, as emoções, têm nas nossas vidas. toda esta importância dependerá, certamente, se o utilizador se serve da tecnologia apenas como ferramenta ou como espelho e será isso que condiciona a exteriorização, ou não, do dentro e isto levanta um outro assunto, que é do mesmo, relacionado com a identidade na cultura da simulação. fica para a próxima.

controlo ou domínio?

o teste psicológico de Rotter, locus of control é muito usado - não apenas em estudos sociais ou do individuo no que diz respeito à psicologia - em medicina para bem distinguir controlo de domínio, o que demonstra o quanto nós somos psicossomáticos. o caso da asma, por exemplo, é flagrante: salvas excepções alérgicas é quando o medo passa a angustia e esta a pânico que surgem os ataques - o medo de ter medo funciona como o factor paralisante.

creio ser este o maior dos desafios humanos quer na saúde ou na doença, quer no trabalho ou nas relações sociais e pessoais: dominar o medo. e o domínio difere do controlo precisamente na parte em que enquanto este último é condicionado e motivado por aspectos exógenos, o domínio - o patamar acima - será uma definição interna e personalizada das peculiaridades de cada um.

domingo, 13 de janeiro de 2013

sarcasmite aguda (ela retrucou)

que bela ideia, querido. compramos o pit bull e alimentámo-lo, de uma só vez, com comida seca.
comida seca de golada? como assim?
desde que comecei a comer o vizinho do R/C direito percebi a diferença entre petisco e ração.

sarcasmite aguda

o nosso filho faz dezoito meses para a semana, querido.
pois faz, em dia de bola nas antas.
temos mesmo de pensar juntos no que lhe vamos oferecer.
já pensei: vamos amanhã comprar um pit bull.

e do abraceijo se fez sol

como se nunca tivesse recebido um abraço com um beijo a mulher, mulher é sempre mulher tenha a idade que tiver, cabelo de neve e pele de montanha, ficou feliz. e contagiou o dia: o sol abriu-se como um pavão e o pavão envaideceu-se ao exibir o seu fato de todos os dias a um domingo; e o domingo, dia também para o Domingues, ficou mais lento - e o Domingues, senhor Domingues, como lhe chamam desde que cá chegou, voltou a lembrar da terra e do tempo em que Dominguez cheirava a huevos con chopitos. ai señor!

invisível. in visível.

tive um sonho imensamente, incansavelmente, erótico. e andei toda a manhã a pensar como havia de defini-lo visto que os corpos estavam lá mas, contudo, apenas se sentiam, não se viam, uma espécie de energia com carne mas em carne sem rosto. andei então a pensar quando até esqueci a chave por dentro da fechadura e tive de subir uma escada, varanda assaltada, para entrar. 

agora já sei: foi um sonho erótico invisível, estranho, mas o estranho não tem necessariamente de ser negativo, delicioso - estava lá tudo o que preciso e quero, in visível, porém com véu, ai que pena ter acordado! quero dormir! deitar-me nos lençóis da água fresca a escaldar e fazer borbulhas de alegria! lamber cada pedaço do mel que é malagueta! cobrir-me com o edredon de pele em arrepio! ai que quero dormir para perder o pio! 

e a dança começou, o erotismo é sempre uma dança, com este som que, confesso, tive de procurar por não saber de onde vinha. mas encontrei.


sábado, 12 de janeiro de 2013

sim ao aborto na comunicação social

o facto de haver mulheres grávidas no governo é notícia porquê, afinal? relevar o estado de gravidez de alguém no trabalho já é, por si só, uma forma de discriminação. dar importância por a gravidez estar a decorrer em funções governativas, além de discriminação, é também fomentar o elitismo: se qualquer mulher pode engravidar está a considerar-se a gravidez de uma ministra um evento fenomenal a que propósito? a não ser que as razões estejam prenhas de esperança, tal como é ser a luz de uma criança que vem ao mundo, exijo um aborto desta absurda constatação e respectiva exploração da mesma pela comunicação social. já.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

hometa?


guardo até hoje a agenda poética de Albano Martins, distribuída e editada pela Universidade Fernando a Pessoa a todos os colaboradores mais precisamente, se não me falha a memória, em 2001. era, na altura, não faço ideia se ainda é, docente de Literatura, e fico muito contente que ganhe prémios literários - gosto muito da sua poesia. no entanto, como gente este homem era intragável de lidar: antipático, arrogante, altivo e prepotente - perfeitamente verificável, aliás, pelo desenho do sobrolho. pode ser que, entretanto, as rugas do tempo lhe tenham zarpado a densidade e seja, agora, um homem-poeta. um hometa.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

o caso do encontrar antecipado






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Portugal procura diplomatas

Portugal procura diplomatas



04.01.2013
O Ministério dos Negócios Estrangeiros abriu um concurso para diplomatas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros publicou esta semana a abertura do concurso externo para a categoria de adido de embaixada da carreira diplomática. O concurso tem como alvo cidadãos portugueses e decorre até dia 16 deste mês.

Ter uma licenciatura numa universidade portuguesa ou estrangeira, desde que reconhecida, é o primeiro dos requisitos para quem aspira a uma carreira diplomática. Mas a admissão como candidato implica ainda a apresentação do certificado do registo criminal, comprovativo do histórico fiscal, fotografia, certificado de habilitações e a requisição da admissão a concurso através do email concursoadidos2012@mne.pt.

O processo de seleção é rigoroso e implica várias fases. Depois da candidatura, o Governo publicará uma lista dos candidatos com a data, hora e local para a realização de seis provas: cultura geral, língua portuguesa, língua inglesa, prova escrita de conhecimentos, entrevista profissional e prova oral de conhecimentos. A entrevista é a mais determinante.



reúno todos os requisitos para concorrer mas, para além de ler no último parágrafo e última frase, (...) nem a entrevista nem as provas escritas são determinantes para o caso visto que os cartões de visita já foram previamente mandados fazer., em nada me atrai o protocolo e o sorriso pan-american.

será caso para dizer que não quero ser dalmataplomata.

Psiquêrela

curiosa a história da Cinderela que é, também, a da Gata Borralheira. a versão mais antiga chegou da China, ninguém pensa na China como contadora de histórias de encantar ou de belo desencanto, e outras se seguiram na França. a Cinderela, que é igualmente a gata borralheira, possui, de resto como todos os contos de fadas, um lembrete à humanidade, arquétipo fundamental, em sua concepção, muito mais do que uma simples trama romântica: o desejo de a psiquê humana ser reconhecida como especial e levada a uma existência superior. 

(o que eu queria mesmo era que fizessem um filme sobre a Psiquêrela já, neste instante, para me aproveitar dele e desfazer-me, com ele, em água.)


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

o que havia de haver e não há - ou há pouco:

telefones, de discar, com fios (aquele som tanto do rodar os números como do toque é uma delícia);
testos dos tachos com abertura suficiente para colocar uma rolha na pega (quem desdenha de usar panos anda sempre queimadinho);
leitores de cassetes (o problema dos CD's é que, tão frágeis, sem capas quilham-se todos);
livros com capas rígidas (o peso do abrir e do fechar é assim uma espécie de brasão de leitura);
pessoas que não sintam vergonha de dizer obrigada, por favor e desculpa;
pessoas que não vejam o amor como pieguice;

e também uma coisa que nunca houve nem há mas podia haver: clister cerebral. isso é que era, podermos ver o lodo, por instilação, a ser irrigado e purgado e esvaziado. depois podia ser vendido e reutilizado para fazer novelas subnutridas, bem ao estilo do sul. não é que tenha algum preconceito cultural com as novelas, até me parecem um óptimo veículo de exploração da realidade pela ficção. mas estará ainda, esse conceito, em águas de bacalhau e a digerir - com todos -, se tanto, uma vez por ano. chama-se natal das novelas e faz parelha com o dos hospitais.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

os pensamentos são de borla

é um óptimo, maravilhoso, pai; foi um excelente marido; foi e continua a ser, ao que parece, um fabuloso amante. mas para trabalhos manuais o meu pai é uma aberração: foda-se, demora uma manhã e metade da tarde para pendurar um microondas na parede quando eu o teria feito, se ele me deixasse e não tivesse o bichinho do machismo a pôr os corninhos de fora de quando em vez, em uma hora. só mesmo uma filinha de palavrões me sossegam, puta que pariu.

colete? não: forças.

são como são as coisas. há um dia ou outro, e um dia a seguir ao outro faz todos os dias, que pergunto por que isto ou aquilo é assim - pergunto a mim ou aos outros ou ao ar, perguntar ao ar nunca dá bom resultado talvez por este ser imenso e as perguntas se espalharem nele; perguntar aos outros também não é o melhor porque os outros não querem saber das minhas perguntas. e os dias que supostamente são equilibrados são aqueles quando, precisamente, nos ficamos por nós, como se fossemos uma concha fechada e dura impermeável ao exterior. supostamente o equilíbrio nasce da sensação de não precisarmos de nada nem de ninguém. supostamente. e essa é a maior mentira de todos os tempos, a capacidade de nos auto-convencermos que nada nem ninguém nos toca no melhor nem aflige pelo pior. é este o equilíbrio mais desequilibrado que há. e eu, amante da verdade, sou uma desequilibrada e, por isso, diariamente me atestam - por actos, palavras ou omissões - que preciso de um colete. a mim parece-me que só preciso de forças.


domingo, 6 de janeiro de 2013

se não és pelo porco, não leias.



a carne de porco anda na berra, como que a gritar eu cá sou boa, sou muito boa, nos melhores restaurantes do país - não é que ande a comer em restaurantes mas ando a ler por aí sobre porquices. longe vão os tempos em que comer a vaca era um luxo (curioso que ninguém pede carne de boi no talho. eu tenho uma teoria que, de resto, parece ser partilhada pela evidência de qualquer boca que se preze: enquanto que a vaca possui aquelas gordurinhas tão suculentas que a fazem tenra e gostosa, a porca é rija e a sua carne tem um sabor inconfundível, amargo, ácido, como que com resquícios de urina no lombo. é como comer galinha em vez de frango - vão-se os dentes e até os garfos e fica a galinha ali, rija, teimosa como se viva ainda estivesse). a nova tendência da cozinha gourmet está no porco: lombo, cachaço, perna. obviamente que se é possível fazer um belo assado para seis pessoas com cinco euros o mesmo não acontece se for vaca e será este, estou em crer, o maior argumento para o porco andar na moda. mas se for só este é fraco: o porco possui mais gordura, é certo, do que a vaca mas em contrapartida muito menos toxinas e, reconheçamos, é uma carne mais bonita, rosadinha, de textura mais uniforme. e depois há o courato, aquela maravilha que quando estala e se apresenta dourado faz-nos ter um orgasmo visual, olfactivo e de paladar - não fosse, isso mesmo, a cozinha e a mesa, os sítios onde são inventados e misturados e preparados e degustados os orgasmos. 

(então e a cama? a cama também, claro. mas a cama é como a mesa: sem a cozinha não existe.)

sábado, 5 de janeiro de 2013

dica

aqui fica uma óptima, excelente, dica para quando alguém que está mesmo à nossa frente a irritar-nos e não podemos ripostar por conta de o pai zangar: imaginar e ver, ali mesmo, aquela pessoa, roupa baixada até aos joelhos ou mais, completamente indefesa a não ser com o cheiro carregado de balas pronto a disparar, a cagar. o resultado não poderá ser uma gargalhada estridente mas uma puta de uma risota pegada cobertinha apenas com um leve e jovial sorriso.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

a atitude não engana

factos são factos e nota-se perfeitamente quando um cão é paneleiro: a minha cadela sai magistosa, da porta para a rua, e ele olha-a de esgueira, como que a dizer credo! que é isto, inhac!, sem se chegar, e dirige-se de imediato para o outro que por lá anda - e desata a lamber-lhe a tringalha.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

andar

vais a pé ou de carro?
vou de carro.
mas faz-te bem andar.
pois faz, se faz, ando sempre muito nas nuvens.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

nevoeiro novo

acordou cerrado, talvez em protesto pelo forte ruído da trovoada artifícial da noite que caiu, mas em jeito de dissipação: que nevoeiro, mesmo teimoso, resiste aos encantos dela - da luz brilhante dos raios de sol?

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2050


a aproximação do novo ano traz uma sugestão para pôr na mesa do jantar: salmonas-touras. dizem eles, os americanos, que mais cedo ou mais tarde esta espécie verdadeiramente gourmet chegará aos pratos dos europeus. chegará o tempo, espero entretanto não ser viva, em que os humanos se alimentarão de pílulas identificadas por cores - azul logo de manhã ao pequeno almoço, vermelha ao almoço e ao jantar, e branca para as refeições intermédias. cada caixa equivalerá a uma estrela, que irá funcionar como um acumular de pontos, e quando as famílias alcançarem as cinquenta estrelas recebem um prémio: uma ida ao cinema para assistirem a uma sequência de curtas metragens sobre cozinhas, alimentos e essas coisas muito antigas.

domingo, 30 de dezembro de 2012

este ou outro

as rachadelas na pele dos dedos começam, finalmente, a cicatrizar. por vezes parece que até a pele perde a noção do tempo, nada de incomum, mas também do espaço: perder a noção do espaço, não dar pelos olhos e pelos ouvidos a ficar, é uma coisa como que do outro mundo, mas qual mundo, de um outro qualquer que não se conhece e que até poder ser mesmo este.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dom Galo Cantão

mais minuto menos minuto o galo começa a cantarolar às seis, digo que é galo pela voz - as fêmeas são mais agudas nos sons que emitem mas, quer dizer, há sempre excepções -, e faço-lhe de imediato uma história: de crista bem desenhada cor de vermelho sangue de boi, apruma-se. de tal forma que, em redor, espalha penas castanhas que dão no olho a quem passa - esteve cá o Dom Galo Cantão, dizem, bem cedo, pela manhã. e ele, depois de o saber, faz também ele uma história quando pensa no que pensam: pois foi, pois foi, é uma grande pena as penas acabarem por voar e o Dom Galo Cantão também vai bem com o sol a querer montar a lua, não só com a aurora, não deveria ir embora.

sábado, 22 de dezembro de 2012

é mais ou menos isto

aquela coisa de comer rissóis com arroz ou massa faz-me comichão. se há quem agora coma muito disso, por conta da crise, outros já o faziam, fazem, e continuarão a fazer. é quase como usar o jornal, que é aperitivo de informação e reflexão, para limpar as pudendas.

que viva

há um mistério por onde o dezembro se embrulha. e não importa se não se é católico, se se é ladrão, se se caga na banheira ou se os sinos dobram: o Dezembro pica as pessoas e da picadela se faz mel. as gentes sorriem mais, distribuem abraços, pedem perdão com os olhos e incitam ao amar.chamam-lhe natal ao mensageiro da reconciliação - eu chamo-lhe cansaço de fim de ano, balanço dos músculos das birras e da maldade, escape, spa da inconstância. e não importa o que é, de onde vem, quem o faz e para onde vai. importa que nem que seja uma vez por ano as gentes páram, olham de frente, muitas até gastam o que não têm; por uma vez durante o ano as gentes dão prioridade aos que mais amam, aceitam em vez de julgar; pelo menos uma vez no ano jantam e conversam à mesa, esquecem os pneus furados da vida e bebem, no copo melhor da cristaleira, alegria tinta ou verde ou madura.

se o natal é isto, o natal só pode ser bom - um vírus altamente contagiante que se propaga à velocidade, não de um carro puxado a renas, de um tgv. mas talvez o natal não pegue em todos - há quem já nasça com o vírus e tenha com ele convivido toda a vida; há quem viva e deseje viver em natal todos os dias; há quem enfeite a mesa do jantar todos os dias, quem faça rabanadas e petiscos em dias que são apenas dias; há quem abrace estranhos porque vê tristeza nos seus olhos; há quem faça um poema a alguém só porque sim, porque esse alguém existe. há quem simplesmente viva para amar e partilhar e morrer e renascer e amar e partilhar até morrer de novo. há. 

de qualquer forma, se é no natal que as gentes amam, nem que seja por um segundo ou um minuto ou uma hora ou um dia ou uma semana ou um mês, que viva o natal. que viva o mistério por onde o Dezembro se embrulha.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

vi. ver. viver.




passamos e vemos o mundo, já não sei bem se vemos ou se é ele que nos vê a nós, umas vezes como se apresenta e outras, muitas mais e melhores, como queremos. naquele minuto em que o vemos como se mostra corremos o risco de morrer, quero dizer morrer mais amiúde, por tanta e tão grande ser a sua miséria. depois tiramos daqui para pôr acolá, pintamos no canto, esticamos a encorrilha, bordamos a dobrinha e escolhemos-lhe uma banda sonora que vamos buscar à reserva - adega que fica na cave da memória. e está feito, passamos por ele airosos: quase tanto como quando ele passa por nós sem nos olhar de frente e apenas indiferente.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

a fundo




quais pérgulas se vêem de longe
que não as do sentir que são perto?
truz-truz, bate na casca da amêndoa que é ainda flor,
de branco enroscada,
porém quente, a ferver,
ai como é estridente o eco em arrepio de lá!
devagar, devagarinho, pousada que está em pousio.
há cheiro de terra queimada, corropio, festa de querer molhar
 - o fundo é sempre bravio, sussurram os querereres,
não há quem nele se queira afundar.




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

sinais porqueiros

quando os automóveis começam assim como que a tossir, no meio da estrada, quererão dizer-nos que estão doentes ou apenas a avisar-nos que a doença vem a caminho? curiosamente, nestas alturas, nem um stop nem um semáforo vermelho aparecem - só sabem ser inconvenientes na saúde, os porqueiros.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

não há título

querermos o que não é para nós, não porque sentimos que não é mas porque não depende de nós que seja, é triste. e nem sequer há título para disto.

domingo, 16 de dezembro de 2012

irresistível

a edição especial mentos bésame (duas das drageias são cor-de-rosa);


family guy.

a verdadeira Maria Sangrenta




o que teria feito a rainha da casa de tudor se descobrisse, na época, que trezentos padres andariam a abusar de mais de trezentas criancinhas? não tenho dúvidas que justiça seria feita: as criancinhas haveriam de ser punidas.


sábado, 15 de dezembro de 2012

o que é seu a seu dono

vinte e poucos anos, ucraniano, bem vestido e bem parecido. entrou na mercearia como se fosse um cliente e começou a pedir. ao fim de alguma insistência a senhora disse-lhe que todos os dias não podia ser e ele desatou a gozá-la. sangue a ferver, o meu, disse-lhe para ir embora e o gozo mudou de direcção. seguiu-me até casa em rol de piropos e insinuações e de suposto cliente passou a  exímio vendedor. força a porta da entrada sempre a sorrir desconhecendo a minha força. desejei, entretanto, que se fodesse todo - que uma gaivota lhe cagasse em cima e o cegasse ou que fosse atropelado por uma tempestade. maus pensamentos afastados, já em casa, vou ao terraço e ouço gemidos: lá estava ele, estendido no chão do condomínio, que quando molhado parece encerado, escarrapachado. não cegou de merda e não se encharcou até aos ossos - mas caiu. caiu como caem todos os que tentam passar por cima dos outros.  e ainda pensei em descer para ajudá-lo mas travei-me: o que é seu a seu dono.


zangados

zangados, ai qu'os deuses andam zangados!, fazem-na cair cheia de força e direcção em conluio com o vento. sim, porque a chuva também sabe ser doce e serena - isso é quando os deuses se despem todos e trocam águas, de fininho, sem precisarem de nos dar banhada da grossa.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

miséria onde não mora o amor

estás de vida falida mas já amaste uma figura pública? então estás à espera de quê para leiloares as cartas de amor?

são assim os tempos de cólera onde a miséria humana verdadeiramente se despe - ou se veste de oportunismo. aqueles que terão sido os mais bordados sentimentos, vertidos em pensamentos, de amor são violados e massacrados e humilhados. o contrário também existe: também há quem use o que sente, sem ter vivido o que sente, para escrever livros de amor e assim ganhar a vida - a sua. há quem venda livros, compilação de cartas de amor, e transforme o amor em almanaque e assim perca a vida - a dele, a do amor. 

e o amor, ai como é inteligente e sensível o amor!, nunca mais quererá alojar-se em quem se vende, em quem o vende. e é essa a sua justiça. 
porque o amor não pode ser vendido. 
porque o amor, ainda que em papel, não é de papelão ardido.

não

o que nasce primeiro: a confiança e a intuição de intimidade com quem partilhamos a dor e a alegria ou a satisfação e o alívio decorrentes dessa partilha? haverá partilha sem o interesse em quem sentimos que nos podemos entregar?

texto interessante com questão interessante

ontem fiquei a pensar em uma questão daqui e em como partilhar aqui, e em outros sítios, será controlar a doença pelo seu descontrolo. às tantas há um motor de controlo qualquer que desconheço - não percebo nadinha de html.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

foder vinte e cinco euros em um ginásio nem é caro

o kit da morte tem cereais, sabão, velas, fósforos e vodka. ficamos todos a perceber o quanto a morte aprecia energia, limpeza, luz, e descontração. bem visto a morte é, para os Russos, um ginásio de vida.

nestum com pensamento e mel

viver a não esperar nada é, não há paradoxo, esperar tudo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

teoria social crítica da razão indolente


como eu gosto do Boaventura de Sousa Santos.

abandono

rompe o dia, outono de malas feitas a beijar o inverno, a romper o dilema: é preciso continuar a acreditar nas pessoas mas também ter serenidade para aceitar o que não posso mudar. cheira a palavras por cumprir; cheira, de mansinho, a abandono.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

mais de estranheza

disseram-me para passar na junta de freguesia, a buscar o documento que pedi, às dezanove horas. perguntei logo assim: a junta foi privatizada? vi, apenas, olhares cruzados mas ninguém sorriu.

coisa estranha. mas simples.

diz-se por aí, o povo diz, não é só o poviléu, que os sogros e os cunhados são para toda a vida. ora isso não me faz qualquer sentido. os afectos da altura foram, por minha vontade e necessidade, desaparecendo assim como todas as ligações, ficando apenas a memória que quis conservar. assim sendo, como é que se pode enviar uma mensagem dizendo: o teu sogro morreu. o meu sogro? quem caralhos é o meu sogro, pergunto-me de imediato. depois vou à minha gaveta secreta e fico triste porque o senhor morreu, porque vai deixar de tratar da figueira de que tanto gostava - mas não por ter sido meu sogro. é simples, afinal.

pequeno sol





banco de tela achado
pequeno canto
águas em olhos de anzol
rasto d'encanto ao desencanto
cuecas de nevoeiro, ainda, no meu pequeno sol


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TPM, princesa, enfermeira, e probabilidade

há uma probabilidade bastante forte, tão forte como outra qualquer, de toda a série de episódios do internamento da princesa ter sido desencadeada por transtorno pré-menstrual (TPM):

1º episódio: com mais tensão e fragilidade do que o habitual, em fase de TPM, Kate, durante um evento social, terá dito a William que se esquecera de tomar a pílula várias vezes nesse mês ao que ele respondeu: está tudo bem, querida, os esquecimentos também podem ser filhos de Gales;

2º episódio: volvidas algumas semanas, Kate não consegue tomar o seu suco de laranja natural pela manhã e queixa-se, em lágrimas, ao marido que de imediato a transporta ao hospital questionando-a no percurso: querida, não está para te descer o sangue? deverá ser isso mas isso merece um exame, tu não és uma qualquer, tu és a minha princesa;

3º episódio: em altura de TPM, dia de transtorno positivo, sim porque o TPM é inteiro, uma jornalista australiana decide convencer o seu colega a ligarem para o hospital e reinarem com quem lhes atendesse - objectivo cumprido enchem o papo, e o mundo, de riso;

4º episódio: embuste descortinado e a enfermeira, que atendeu o telefone e passou a chamada à sua colega para solidariamente informarem a família real do estado do sumo que ficara no copo do pequeno almoço da princesa, aparece morta - suportamente morta pelos ecos do riso.

cenas do próximo episódio: terá sido o TPM a matá-la, uma espécie de eutanásia (um estou morta por te matar) entre si e si?

(não perca. mas também não morra, entretanto, de curiosidade)

domingo, 9 de dezembro de 2012

semiótica



o eco é uma reacção ao som perante o vazio. ou então, não: o eco é, simplesmente, a depuração do som ou da imagem ou da palavra ou do gesto.

não restam margens para dúvidas é naquele ponto de o Eco ser Umberto.

sábado, 8 de dezembro de 2012

que rica filha da vida

aflição, tanta dela, pior do que aquela quando se perde a carteira com os documentos sociais todos - porque esses podem não se conseguir recuperar mas renovam-se, quando venho para escrever aqui, entretanto confesso que já se foi de fininho como o vento de outono, e não vejo as definições de administrador para poder escrever. acudam! acudam! que desgraça!, gritei em silêncio que até as membranas sonoras ficaram moucas, dedos em agitação, olhos a procurarem soluções, desatino. depois decidi tomar um banho, a água ajuda a lavar os pensamentos, e já cá estou. estou habituada a virar os imprevistos do avesso, a procurar soluções, a arranjar alternativas, que é como quem diz: sou uma boa filha da...da vida, pois claro.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Valquírias



terá sido amor à primeira vista, aquela coisa do só quero esta e mais nenhuma, que sentimos pelos olhos. o abraço, tão fágil e tão forte, selou aquilo que viria a ser uma das ligações mais importantes da minha vida. ela é especial por ser ela mas cada vez mais me convenço que terão, ela e mais uns quantos a si semelhantes, um mistério-delícia - uma espécie de personalidade e de carácter que as faz maravilhosas, inigualáveis, insubstituíveis.

Miguel Ângelo, no século dezasseis, enquanto pintava a capela Sistina, tinha como companhia uma spitz que presumo querer que se tivesse chamado Donna; Mozart, dedicou uma ária à sua spitz Pimperl no século dezoito; Chopin, no século dezanove, não resistiu aos encantos da sua, vou chamar-lhe assim, Dame dedicando-lhe a Valse des Petits Chiens.

todos os dias eu dedico, e devo-lhe, boa parte do meu tempo e da minha alegria. a Valquíria carrega nos olhos a vida; elas, a Valquíria, a Donna, a Pimperl, a Dame, são forças de vida. até à morte.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

vivertariado precisa-se



fazer voluntariado está na moda - está na moda ser parte activa de uma causa, de preferência de uma que seja notícia e que engrandeça quem nela participa o que é, per si, uma contradição com o altruísmo que é, que só pode ser, o voluntariado. ser voluntário, na vida, é muito mais do que contribuir para bancos alimentares ou juntar e distribuir cobertores e meias pelos sem abrigo - ser voluntário é dar de nós, atendendo às necessidades dos outros, não quando apenas podemos, quando sentimos que de nós precisam. ser voluntário é mais coisa intuitiva do dias do que demanda vestida a rigor nos nossos dias.
somos voluntários quando afagamos um cão abandonado mesmo antes de lhe darmos comida; 
somos voluntários quando ouvimos a nossa vizinha que não tem com quem falar; 
somos voluntários quando cuidamos dos filhos de uma amiga; 
somos voluntários quando ensinamos alguém a escrever melhor - não pelo prazer que sentimos em ensinar mas antes pelo prazer de vermos nos olhos o brilho de aprender; 
somos voluntários quando nos inibimos de ir a uma festa para fazermos companhia a alguém que está triste; somos voluntários quando decidimos partilhar as compras do mês com aquela pessoa que está sem trabalho; 
somos voluntários quando damos aquela força, desenhada a abraço ou palavra, a quem dela precisa; 
somos voluntários quando, simplesmente, fazemos da vida, da nossa, um punhado de versos que embelezam outras vidas.

e é no meio do viver, do viver alheio às crises económicas e políticas, onde o ser e os seres se misturam, do viver que é sempre mancebo da vida, que dar é ser. que dar é ser voluntário.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

há mais medo do que frio

e então, não há cachet para o homem?

breve, brevíssimo, ensaio sobre a cegueira



tamanha foi a vontade de devorar o par de donuts, nunca tinha comido donuts por razão alguma em especial - só mesmo por falta de curiosidade e vontade, mesmo ali, entre a estação de serviço e o carro, que, gula em cegueira, usei a chave do carro para abrir desalmadamente as embalagens. no fim, quase em sintonia com o arroto de consolação, percebi que há abertura fácil. mesmo fácil. e riso também.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

não. não te amo, Porto.

há cidades por onde a luz, ao passar, se deitou. cidades onde não moram dias escuros que arranham a barriga do céu.
há cidades de horizonte, verde à vista, onde a marca do homem não cheira a vã conquista.
há cidades onde o riso das gentes é feliz, breve serenar dos passos da semana, e a compasso.
há cidades onde as viúvas enrugadas cortam o picho e se reunem no doce falar.
há cidades onde os olhos, em tanto espaço, fazem pausas a descansar.
há cidades onde se mistura o urbano com o rural e onde o jumento é portento.
há cidades onde o lixo não dói e as flores são enfeites.
há cidades assim, sim, mas o Porto não é uma delas.

domingo, 2 de dezembro de 2012

a espinha de peixe vai para os Portugueses



política
(grego politiká, assuntos públicos, ciência política)






hoje é domingo e decidi, não ir à missa, ir ao dicionário. 
com algumas definições objectivas e claras podia estar tudo dito. mas não está: o que falta à política em geral, e à portuguesa em particular, é precisamente o prefixo bio - as três letrinhas que exprimem a noção de vida, do viver; que exprimem as costuras dos fundos, dos fundamentos das pessoas e dos bichos e das coisas. falta a consciência de que são as pessoas que dignificam a Cidade e não o contrário; falta o respeito pelo semelhante e igualmente pelo oposto; falta, na Assembleia da República, um punhado de versos nos discursos que arrebatem - e contrariem - o monte de estatísticas e de gráficos de espinha de peixe que mais não são do que isso mesmo - um peixe desnudado até à espinha que nem os gatos querem. 


façam biopolítica, senhores!, apretrechados de bioética!, num estado que é suposto ser de biodireito!


sábado, 1 de dezembro de 2012

Cinquenta anos seria pouco, Renato.

há coisa que nunca me passaria pela cabeça ser: juíz. andar ali a acompanhar as manobras e os contornos à lei das defesas e das acusações; amar cegamente a lei porém sabendo muitas vezes que vai contra os valores e o carácter; decidir o caminho de gentes. mas já que existe o poder, esse poder, para manutenção da ordem da Cidade, custa-me perceber onde está a dúvida perante alguém que matou a mesma pessoa várias vezes depois de andar a tirar proveito e a prostituir-se movido a fama e a dinheiro. custa-me perceber que a insanidade mental possa constituír argumento de não-culpa. parece-me óbvio que alguém que finge estar em poesia apenas para se cobrir de sucesso mostra já indícios de insanidade mental - assim como é obviamente irrefutável que ele matou e esquartejou e voltou, humilhando a própria humilhação, a matar e a esquartejar o mesmo homem. como é que perante provas e evidências e confissão existe a dúvida de condenar quando condenar significa exactamente isto: vais, não pagar pelo que fizeste porque o senhor nunca mais vai poder, sequer, ver o sol, ser castigado a teres uma vida bastante limitada ao ponto de, pelo menos, te debateres com a tua consciência e deixares que ela te consuma alguns anos - sempre poucos - da tua vida.

porque o amor nada tem que ver com injustiça. e a mãe do Renato, estou certa, sabe disso.