sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

só faz sentido se morrermos todos. se for só eu a morrer, ou rele, não faz nenhum, é sentido proibido. portanto ou o mundo acaba e morre inteirinho ou mais nada tenho a acrescentar. ou se acabe o mundo ou mais nada. não dá para negociar, pensamento.

 às vezes estou muito cansada e sinto que uma vírgula me transporta de um extremo ao outro, é o cansaço de final de uma semana, tantos dias seguidinhos em esforço, tantas emoções, tantos fracassos, ah e tal, isto e aquilo, aguenta-se tudo a trabalhar, que remédio, depois aquela vontade de atirar com os papéis ao ar e desandar, pois, mas não pode ser, então de manhã acordo fresquinha e recebo coisas bem bonitas e o ar de Viço, lambo cada letra e cada traço do seu rosto, traços mil, rostos sempre a mudar, depois rio-me muito, o coração começa em brasa, sento-me à sua lareirinha, cheirinho bomque me chamusca, e entro na chuva para me refrescar, ouço-a meiguinha quando não está a ralhar, nunca é para mim, penso, !ai! dela, não lhe faço mal, para bem era, e fica a escorrer certinha, olho-a à janela e encosto a minha à cabeça dela. depois entro na tarde adentro e, de repente, com ganas de me refundir no tempo, apetece-me chorar, chorar muito, e tenho de segurá-las, a elas que são ganas, faço-lhes um rabo de cavalo, um rabo farto, depois invento uma trança e junto-lhes uma dança, troco plalavras de ouro que reluzem mais lá para o luar, está tudo na minha cabeça a pulsar, a pulsar e a pular, *as vezes a cabeça é também o coração e o pulmão e depois sossego e desejo as minhas fadinhas que me esperam. que me esperam para sempre.

domingo, 25 de dezembro de 2022

 não tenho uma única memória exuberante da festa que é o natal, pelo contrário, nestes dias fico sobrecarregada como as árvores e só penso na naturalidade de amanhecer alegremente com a magia do amor. porque eu quero celebrar o amor todos os dias e a qualquer hora. eu queria que o amor do amor se enchesse e se despisse de rosas só para mim. porque eu queria aquele amor exclusivo que mais ninguém pudesse sentir e ver e ler e escrever e ouvir e tocar. mas esse não se chega à frente para mim, não se chega porque tem todo o tempo do mundo apenas para, dando-se a todo o mundo sem para mim ser, se inventar sem parar. nunca vai parar para me ramar. ele é de todos e de todas, é assim que se quer ser. 

sábado, 24 de dezembro de 2022

mas falta-me os rolhos do rai ratal

talvez ninguém me entenda no que do natal entendo. faço-o e celebro-o, celebro-o porque o faço, todos os dias quando nasce, e por isso eu nasço, nasço porque vejo o dia nascer, nascemos em conjunto e união de viver, como estava a dizer, eu faço o natal acontecer. e estes dias  marcados e gozados até ao osso do bacalhau e do perú, ou do polvo e do cabrito ou do bolo que é rei em último grito, ensaia-se a alegria de estar em vez de ser - do passar em vez do ficar. mas está bem, eu participo: porque mais vale um par de dias no ano em alegria de estrear amor infinito do que, afinal, nenhum. está dito e digo e repito. mas falta-me os rolhos do rai ratal ronito inteirrinho ró parra mim.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

tenho dito

consegui finalmente ler o artigo. que carago, é só isto?, pensei, foi o que pensei em um misto de alegria com insatisfação e indignação, tudo ao mesmo tempo. também senti alguma raiva lá do fulano que relatava o nome, os nomes, que adoro. de maneira que eu acho que estão todos enganadinhos: o próprio e os outros que se riem do nome em três. é que está lá tudo e agora percebo ainda melhor por que razão eu assimilei tão bem, quando soube, e sem saber, ao que já conhecia há anos e aos que vou conhecendo. é que o nome completo é perfeito. a primeira palavra é curta e grossa de exímio carácter; a segunda é uma antiguidade preciosíssima; a terceira é uma cauda da cabeça do primeiro nome com a coroa do essencial que se prolonga na segunda. e talvez ele achasse, na altura, que seria uma anedota para os outros e os outros, percebendo isso, riram-se tortinhos sem perceberem nadinha. pois eu adoro a trilogia do seu nome até ao infinito. e se o nome também é ele, eu acredito nisso, olha o meu, então ele é o melhor e mais perfeito nome do universo inteiro. tenho dito.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

 às vezes fico a ouvir a chuva e chovo-me, fico triste, inundo-me de dúvidas e nessa altura é quando me sinto sozinha, um grão de poeira insignificante e invisível por entre o dilúvio, sou minha e sou de mim, penso, até ao meu fim, de mim não saio e de mim ninguém me tira. porque só vale viver se me continuar a ser, não por teimosia mas porque assim sinto. e se nunca me cumprir por inteiro, como só me quero cumprir, só quero porque assim sinto e penso, pelo menos sei que assim vivi e morri: aqui jaz quem se cumpriu sem conseguir cumprir-se. quem me dera poder adormecer agora outra vez e acordar no futuro, um futuro com a leveza e o perfume que eu vejo e sinto sem ver, eu rejo e não rejo e só sinto e choro por entre tanto riso, tanto riso bom. às vezes fico cansada e encolhidinha e com o coração que anda sempre inchado a parcerer que vai rebentar. não rebenta, nunca rebenta, tem sempre, e cada vez mais, mais espaço para o mesmo. estou sozinha com este coração inchado. estou sozinha com este coração inchado e vermelho - um coração que é também um cérebro e um clitóris. pode ser que esteja a ficar tolinha. tudo é possível, tudo é possível.

sábado, 17 de dezembro de 2022

espreito, ando sempre a espreitar, sacar-lhe um esgar, e saco tudo, tudo o que é do olhar: saco-lhe o sorriso que dá ganas de lamber e de trincar, saco-lhe o brilho de bailar no olhar, o algodão que de certezinha que é doce de apalpar, cafoné no meu sonhar, saco-lhe os beijos que pouso na almofada do meu arfar, almofada branquinha como a ramisete sua. e fico com tudo, tudinho, é tudinho para mim - para mim que sou dormir e acordar.

isto é de dia 16, ficou em rascunho sua trenga

o que diz a carta é: colheita de produtos para exames analíticos. lá se vai o meu pequeno almoço, estou cheiinha de fome, dormi acordada, hoje, estou com essa sensação. quer dizer, estou com muita vontade de não me levantar já, tenho sono e tenho fome e tenho de ir para o meio de muita gente e estacionar naquele parque onde só há lugar lá no fundo onde não há ar. estou rabugenta, muito rabugenta, vou preparar um penico de suminho de tangerina e uma sande gigante com manteiga e fiambre e queijo e ovo e alface para depois me consolar, quando puder comer. pronto. até lá ai de quem se meter comigo no caminho.

o meu sangue finalmente desceu, tanta alegria minha olhar as calcinhas e vê-las borratadas de mim como se a panela tivesse fervido toda e corado por entre o fogo gostoso e meiguinho do meu coração que é o corpo inteirinho e a mistura de tristeza com preocupação com os que sofrem e que, por isso, também eu sou quem sofre. agora ainda sou mais eu, penso, com o meu selo ruborado que tenho de vigiar amiúde, o copo não pode encher, o cálice do meu sangue, !ai! que riso, eu tenho um cálide de sangue dentro de mim, sai quente para ser despejado e para voltar a encher. talvez eu seja isso mesmo: um cálice de sangue a ferver apaixonadamente apaixonada pela paixão por quem - e pelo que- me apaixono amorosamente amante pelo amor por quem amo. sou um cálice a ferver de exagero que não existe. porque quando ramo apaironadamente, nunca é demais.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

 o 

sorrriso dele

entra

em mim

direitinho caos

enche-me

de jade

!ai!

gengibrada raíz

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

acho-a engraçada e sensual


há muito, muito, tempo eu disse-lhe que um dia haviamos de dançar aquela outra música de então. e inesperadamente, hoje, abalei tão cedo, e depois no caminho ouvi esta música e, sem perceber muito bem porquê, o que se sente raramente é explicável, como estava a dizer, senti exactamente a mesma coisa e até disse em alta voz: !ah! um dia eu queria dançar esta música com Rele, assim coladinhos com todas as saliências. depois ri-me, como se a minha verbalização me fizesse cócegas. adorei a música, acho-a engraçada e sensual. e agora vim ouvi-la novamente.

prostituta de graça

 por volta desta hora há um pássaro (ou dois) que começa a falar, e não digo cantar porque de facto parecem estar a discutir, é um som que eu nunca tinha ouvido. da primeira vez fiquei confusa sem saber se era apenas um - mas logo percebi ser uma conversa em alta, bastante alta até, voz. não demora mais do que dois minutos, o tempo suficiente para me acordar. depois calam-se, de repente calam-se, é como fazem os trovões, dizem o que têm a dizer e pronto. o mundo é um lugar estranho e as pessoas não são como os pássaros raros nem como os trovões; as pessoas mentem, enganam, manipulam, são peritas em oferecer aos outros presentes envenenados. e se não temos aquela capacidade de ver detalhes estamos lixados, tudo reside no detalhe, tiramos conclusões provisórias que perante mais um ou outro pormenor se tornam definitivas. às vezes, com certas pessoas, tudo é sempre definitivamente provisório - isso acontece nas gentes por ser, começa e acaba por ser engraçado, engraçado porque dessas pessoas nada nos fica, tudo é moldável e descartável. são palhaças. também há aquelas pessoas que nos tentam ferir para se sentirem poderosas, pensam essas que conhecem as nossas fragilidades. rio-me com essas talvez mais do que com outras quaisquer. ontem uma, lá onde trabalho, estava a contar que cobriu as paredes do quarto com espelhos mas não teve estrutura para colocar o barão. achei curioso e perguntei se sabe dançar no barão. falou com aforismos populares: sei fazer de lagartixa e dar suadelas de quatro joelhos. percebi nadinha, pois claro, terei sido a única, riram-se de mim. o único colega homem que tenho disse mas tu és de que mundo, afinal, não liguei, estava a pensar e respondi à outra: mas então nisso que dizes não existe contacto visual e isso é estranho. riu-se e disse que não precisa dos olhos do marido porque tem os espelhos. e essa é a mesma colega que no outro dia disse que tem empregada doméstica porque não casou para ser uma prostituta de graça.

domingo, 11 de dezembro de 2022

 eu nem sequer sei de quando é a olha o passarinho do sorriso rasgado, galã todo aprumado. nunca sei de nada sobre tudo e nunca saberei. vou mas é para as minhas fadinhas, só elas é que me podem valer.

não há artigo do expresso, que pôrra,  nem há pachorra para gentalha. mas o que pensa ela que eu sou? pensa que chega o natal e liga e me suborna com prendas? sim, porque ela quer que eu vá ao lar no dia e na hora que decidiu só porque é natal e me quer dar uma prenda, uma esmolinha com chocolate, é isso que ela quer. e insiste. pois o que eu lhe disse foi que não quero, amei a tia dela todos os dias incansavelmente durante seis anos e não preciso do natal para nada, não vou. e voltou a insistir com mensagens, que me liga no fim de semana para o reencontro de amigas. eu quero que ela vá pastar, que vá cagar ao monte neste natal. é o que eu quero.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

e depois ataco outra vez

ando há tantos meses a tentar arranjar a crónica do expresso de abril que tanto cobiço, parece impossível. então um destes dias quando fui almoçar com a minha amiga, ouvi o M, o marido, que também é meu amigo,  e que também lá estava, a dizer que tem um colega lá na GNR que é assinante, plim, em sentido, pedi logo uma forma de me arranjar o que quero. ontem disse-me que arranjou já eu estava para dormir e hoje já fui ver o email, quer dizer, pensei, vai ser mesmo agora que estes balões cheiinhos de água para o sangue descer vão rebentar de alegria, vou ler aquilo sobre o meu derriço, lailailai, enquanto me meti a desbravar os links. nada. continua tudo igual, conteúdo para assinantes. o fulano não deve ter percebido que preciso que me envie o texto já abertinho, abertinho menino, e não sei agora como vou pedir mais isso ao M que já deve estar farto de me aturar. vou fazer assim, vou deixar passar algumas horas e depois ataco outra vez.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

mas gostei

tantas histórias de laurinda que eu ouvi e outras que queria inventar, por inventar no fundo ruídoso, que horror é comer assim no meio de tanta gente estando absolutamente sozinha no lugar, só no lugar de tanta gente, enquanto só queria o corpo a deitar e a descansar com reijos, eu só queria reijos. a cabeça parece que ficou aos papos, aquele barulho a martelar, aquela música, aquelas pessoas a terem de se tocar para passar, tão estreito espaço com tanta largueza, !ai! que cansaço de horas que pareceram anos, tanta comichão, tanta água na bexiga por sair com nojo de partilhar onde verter. 

mas gostei da massa chinesa e também do pêssego em calda.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

semanas com três dias de trabalho são bem boas mas também tem de ficar tudo prontinho antes e depois, azáfama, esta semana acaba-se outra vez amanhã e com jantar de natal no prelo. esperam-me quatro diinhas de pijama e picho e muitos rrisos e sorrrisos. assim querro.

sem cuecas nem calcinhas

recebemos todos ontem a notícia de que o Senhor António, o empregado do patrão há mais de quarenta anos, cresceram juntos na miséria desse tempo, sofreu um AVC. ficou paralisado do lado direito. depois liguei à Rosinha, costureira e mulher dele, ganhamos amizade neste seis anos em que trabalhava no seu cantinho em frente a nós e ligava-me, e liga-me, amiúde a desabafar. fiquei mesmo triste porque também gosto muito do Senhor António, é muito gentil comigo. e uma vez mais senti a força do universo tão equilibrada e justa. a Rosinha despediu-se da costura em Agosto, foi para casa, precisava desligar-se da costura, disse-me ela, esse trabalho que fazia apenas por necessidade. mas na verdade ela foi para casa para que pudesse agora cuidar do Sr. António e amá-lo porque ele está inválido, ele que há anos deixou de lhe mostrar que a ama talvez porque nunca a amou. mas ela ama-o: nunca precisou dele para pagar contas nem para criar as filhas e, mesmo assim, nunca quis sair do casamento e de uma espécie de amor incestuoso de irmãos. e agora ele será amado sem merecer o amor dela e ela vai amá-lo porque merece amar. é um amor não correspondido entre os dois e apenas cheio de universo justo, justo porque tirando-lhe a destreza física de usar o corpo com outras deu-lhe a oportunidade de apenas receber amor de quem sempre também só o amou assim, as filhas terão sido meras intermitências de duas noites de pila cheia sem cuecas nem calcinhas. 

domingo, 4 de dezembro de 2022

ouve lá, rapariga,

confesso que às vezes me esforço para ser má, esforço em vão. fico a conter-me para não fazer coisas boas, recordando o mal, a quem me fez coisas más. depois o meu coração ralha-me, fica arreliado, começa a disparar batidinhas tumtumtumtumtum a uma velocidade que mais parece um cavalo no prado, a aguardar que eu não me esforce. e vence. e lá vou eu acudir e ajudar. é assim. depois fico cansada, pois claro, fazer coisas boas cansa. mas e se não as fazer cansar mais ainda? pois, essa é a mensagem que o meu coração me manda: ouve lá, rapariga, tu queres ficar como se fosses o cavalo possante no prado depois de parar?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

eu antes ficava confusa por conta de o seu caos me fazer caos. agora não, já não fico confusa, fico serena e surpreendida com a capacidade de gestão de tanta coisa diferente, com a vontade de querer viver em tantas gavetinhas isoladas entre si, umas mais do que outras. para mim é um só e nem sequer adianta passar-lhe pela cabeça que eu me convença que não, que não é um só. a minha admiração já transcende o mar e o céu juntos, essa imensidão incontável. mas há instantes em que entristeço, porém, nesses instantes é como se tudo não passasse de um jogo programado, programadíssimo. e é porque eu não sei jogar, nunca soube e nunca saberei. mas e se tudo na vida for um jogo e eu sou a única que não sabe jogar?