sábado, 17 de setembro de 2022

a rapariga com o cilindro de pérola

tinha acabado de adormecer quando o cilindro estourou. toda a gente deveria passar pela experiência de, pelo menos uma vez na vida, estar perante um rebentamento assim: ficar com a calma e a paciência necessárias a assistir com absoluta impotência ao esvaziamento de um depósito enorme, antigo. porque entretanto a luz também se quilhou. então era a água e a escuridão, em uníssono, a testar-me. estou a esquecer-me do meu pai que estava a tentar arranjar justificações absurdas para a pequena tragédia e também a sofrer pela privação do futebol. 

o resultado foi uma inundação e muitas horas a conseguir apanhar a água com alguns centímetros de altura. não me enervei, não me doem os braços. só estou ainda mais convencida de que sou um monumento de paciência, não sei se é bom ou mau, só sei que sou. a melhor parte foi deitar-me encharcada, não liguei a ventoínha e percebi que o silêncio já me fazia falta.

estou com contade me de chamar a rapariga com o cilindro de pérola, sou uma obra de arte por ser, sou, miss elegia, a melhor experiência do mundo bruto e agressivo que me quer - em vão - converter.  

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