sexta-feira, 17 de junho de 2022

o sofá do conforto dos outros

o livrinho escuro tinha chagado na quarta, fui buscá-lo aos CTT, e li-o ontem de manhã cedo em uma assentada. nada de novo, portanto, até me parece, pelo conceito, um pastiche da parte escura do livro do Rei - mas só da parte escura e não como um todo e muito menos pela parte que me reiluminou assim que o li: o brilho ultra-romântico.

como estava a dizer, li-o em uma assentada e penso nas cinco estrelas por tanto que já conheço: do particular para o universal só vai quem conta os tiros no escuro. ora eu divirto-me imenso com os escuros e os tiros dos outros, é verdade, por saber que é mesmo assim, palhaços com uma bola no nariz e uma cenoura no cu, cornos, desmesuradas irresponsabilidades, vícios, porcarias, enfim, erros justificáveis por conta de se ser humano porque ser humano é ser um erro feito de muitos erros. e depois a lengalenga literária de que é o escuro que nos faz vivos e aptos a desenvolvermos a nossa actividade vivencial, e tal, uma espécie de ficha de aptidão, que sem escuro não há vida e que andamos aqui mesmo só para nos fodermos uns aos outros e o resto é paisagem. 

então e onde é que eu fico no meio disto tudo, penso amiúde, olha fico a divertir-me com os erros da literatura sobre os erros da humanidade em geral e que não são, nunca foram e nunca serão, os meus em particular. porque eu não posso confessar o que não há, o que não me há porque não houve. e depois vem o choradinho do abandono e da punição porque há sempre alguém que no meio da podridão - a podridão que é normal nos podres porque ser podre é ser humano - dá de frosques. ora o meu escuro é pegar na faca ou na caçadeira e foder as ventas aos escuros que escurecem a vida dos outros; fodo-lhes as ventas até aos ossos e isso é-me irremediavelmente certinho.

mas o que me deixa triste no meio da palhaçada dos outros que me diverte na realidade da literatura é perceber claramente, na realidade fantástica, que estes são incapazes de perceber que é a claridade que me ilumina. e continuam, afincadamente, a escarafunchar o escuro deles próprios. é o sofá do conforto.

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