quarta-feira, 2 de novembro de 2022

invento coisas bonitas de morrer. de adormecer

é como digo, como me digo, tu metes-te em cada lavoura, rapariga, depois andas em noites de são joão, como se diz por cá quando não se prega olho, quer dizer, adormeço e acordo vezes sem conta, depois escolho - não contar carneirinhos - contar rorrisos e rolhares, invento-os, que remédio, depois acrescento-lhes flores e cores, é uma festa, depois lá adormeço até reacordar e depois quando está para chegar a hora fresquinha, passa, passa-se, acordo sarapantada, despertador cerebral que em silêncio me dá um coice e corro para carregar nos botões toda remelada. detesto acordar remelada e aos coices mas que queres, rapariga, metes-te em lavouras e depois a massa fica mesmo cinzenta e esquece-se de que é cor de rosa e está sempre a arreliar-te o sono. agora estou muito preocupada com a minha amiga O, ucraniana, vai com a filha buscar as avós à fronteira na Alemanha, são velhinhas e têm mesmo de vir, não há água nem luz lá, só há bombas e fome, e será cá que vão ficar até ao fim dos seus dias. não queriam, pois claro, ucraniana que é ucraniana quer ficar na terra até ao fim. mas como vão de autocaravana, tivemos de conseguir arranjar todos os recursos. e se são assaltadas? e se alguém lhes faz mal? depois nas noites de são joão também entra o drama da casa da minha mana mais nova e a doença do meu sobrinho rei e o que tenho de esconder ao patriarca para lhe poupar o coração e a memória a falhar da minha amiga A e o útero doente da minha amiga I e os clientes que não pagam e e e e. o que me safa é a colecção de sorrisos e olhares do viço, é o que é, é o que há, não me posso queixar: pelo menos invento coisas bonitas de morrer. de adormecer.

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