segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

como não querê-lo na vida? pois claro que é na vida, eu queria ter estado lá, deu-me aquela coisa e fui procurar a saber se havia novidades, escrevi no google sabichão e fiquei nervosa de vontade, como estava a dizer, eu queria ter estado lá a ouvir sobre o ostjuden pela sua exclusiva voz de gengibre com mel, ouvir também pelos olhos, tanta atenção, arregalar os olhos sorridentes quando os dele se cruzassem comigo, código secreto, e depois bater muitas palmas, correr para abraçar e beijar. e até pensei no petisco depois: chegar na casinha e preparar gambas em azeite e alho e piri-piri com ninhos de ovos e espargos frescos sem esquecer da tacinha toda mimosinha com o molho agridoce para mergulhar os bichinhos. e depois, o ar do seu respirar atrás no meu dorso, anda, deixa isso, e sermos jardineiros nas estrelas das mais bonitas flores do universo inteiro. e em verso 

sem eira nem beira

com a ternura sempre à beira

domingo, 26 de fevereiro de 2023

 é a camisa das amoras

 que me habita

 por dentro e por fora

minha amora tecida

de te ser

as férias terminaram e serviram para os meus nervos se expressarem em todo o seu esplendor: a seborreia explodiu, alergia nas mãos fez-me coçar até fazer feridas, a diabetes ficou tolinha e o braço tem momentos que perde toda a sua exuberante força de que tanto me orgulho. sou um corpo encolhido e parado. mas pelo menos as insónias foram à vidinha delas e já durmo a noite inteira. estás como um farrapo, moça, para recomeçares a trabalhar e a aturar malucos ao vivo. és um bicho de uma raridade comovente em um amaldiçoado vinte e três de fevereiro, não dá para escapares disso, é para sempre.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 estava o céu azul

da cor das botas minhas

saltos a enterrar

mas o céu não passa

faz pandã com o mar

um sossegado está

e o outro faz sossegar

cócórócócó sou eu que estou a dizer porque o galo deixou de cantar mais cedo já há uns dias. se calhar o galo de antes é o que agora pasta com as chibas no campo grande que vejo da cozinha. tinha pensado, quando vi, vão-se matar, ou ele a elas ou elas a ele, mas não. cada um vai para um lado diferente, tenho apreciado, mesmo as duas chibinhas não gostam de muita interacção, de quando em vez lá se juntam na brincadeira e mais nada. de maneira que o galo ali, no meio de tanta erva e sem paredes que lhe prendam o cantar, nem pia. tratar-se-á de um verdadeiro macho-galo, concluo, às tantas só cantava de galo lá mesmo no capoeiro onde havia galinhas para o aplaudir. mas também pode dar-se o caso de o seu cantar ter sido sempre, afinal, a cantiga de ralhar para as fazer trabalhar: andai, preguiçosas, cagai os ovos do dia. estou a pensar seriamente que o galo tinha um acordo chorudo com o homem da capoeira e agora mudou de dono. agora o galo que antes cantava cedo é o pseudo pastor das chibas que dele se fartam de rir de sol a sol. anda, galo-macho, cada um tem aquilo que merece.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

chega a ser ridículo, penoso. arranjar explicações, massacrar a alma fresca, cansá-la, infernizá-la com dúvidas para o que não tem explicação. não existe explicação para quem não quer explicar; não existe explicação para a ausência, para o abandono, para a crueldade. não existe explicação para o não querer. porque dizer que ou se quer ou não se quer foi fácil - foi fácil porque é mentira. porque dizer a verdade é que é difícil, dizer a verdade é um acto de amor. e quando não há amor não pode haver verdade.

 desejar o seu sorriso

como se deseja a brisa da manhã

croché com linha de orvalho

na boca direitinha

amanhã tenho de ir ver e cheirar e sentir o mar para me livrar da entropia que me anda a assaltar dia para dia, invade-me a cabeça e oprime-me o coração, fico vazia, cheia de dor e de confusão, uma espécie de cola pegajosa que se gruda em mim, isto e aquilo, resolve menina, aqui e acolá, corcunda de dores as minhas costas, parece não ter fim. amanhã tens de ir ao mar, ouço-me de repente, tens de soltar as correntes fortes e opressoras nas  águas do gigante mar, tirar as meias, chapinhar, sentir o vento com sal no nariz, saltar, croquetar nas areias, respirar cheia de graça, regressar. amanhã tens de regressar a ti, menina, assim não podes continuar - como se fosses uma bomba que puseram em ti para um dia rebentar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 já chegou o meu Solmi, mesmo hoje, notícia boa ao regressar. ao menos isso. se eu conseguisse pensar agora, ler é sempre pensar, pensar e sentir, está bem, mas não consigo, fui engolida pelo frenesim dos tolos hoje, ontem também, ouvidos frágeis os meus que querem rebentar, não pode ser, se foste engolida esfaqueia-lhes o papo, sai, anda, pega na faca, desfaz-lhes as entranhas e sai. sai para respirar e chora como se do ventre acabasses de sair, anda, vem à superfície, chora até adormecer porque amanhã há outra manhã. até amanhã se o teu amor quiser. ademais amanhã pode ser dia de dias ramor. não sei, só nascendo de manhã amanhã, lá está. !ai! coração descontrolado que não te consigo parar. e se eu arranjar uma zebrinha bonita só para em cima dela me veres passar?

 andam-me os nervos à flor da pele

e quem disse que a minha pele deles gosta?

gosta não

gosta não

a minha pele gosta da flor

e ralha-me por isso

menina, estão a cair nervos nas pétalas minhas

vê se atinas

ignora as afrontas a laborar

estais tão picadinha, menina minha

descansa, vem descansar

vem-me regar

domingo, 29 de janeiro de 2023

 estava difícil chorar, chorar, chorar. o universo esqueceu-se de mim, abandonou-me assim que nasci, não há outra explicação para uma vida tão pesada de carregar. porque dos outros ele não se esqueceu, aos outros deu-lhes gente como eu que se toca com tudo o que acontece ao redor. é a guerra sem fim e as queixas por todo o lado a arreliar-me, desabafos revoltados, é a minha amiga ucraniana que está desempredaga e sem subsídio e com refugiados para tratar,é a vizinha com três filhos que tem de sair da casa porque o senhorio quer realugar para ganhar o triplo, é a chefe que não cabe na inveja e recomeçou a atacar, é a miúda que não veste a roupa que lhe dei, dei porque se queixou, e nem bom dia me dá, é o sobrinho que só me liga porque precisa de dinheiro, é o cunhado que se continua a drogar enquanto se está a tratar, é a irmã ausente que só aparece para pedir dinheiro, o filho herdou-lhe a manha, é a amiga de cancro cerebral que agora - não sendo por mal - me pede comida para a visitar, sequer quer ter trabalho de cozinhar, é o pai absorto no futebol, é a irmã sempre a ligar para apoio no recomeçar, é a tendinite no braço direito que apareceu de tanto trabalhar e ao final da semana mal tenho força para mexer e nem sequer há vaga em lado algum para imediatamente a analisar com exames, é o mundo em ruído que me quer sugar, é uma multidão de vozes que não se afinam em uma só: é o universo que só me sabe mostrar que me abandonou, e abandonará, fiquei esquecida para sempre assim que nasci, ninguém quer a lavoura de me amar, ninguém sabe sequer da hora nem do esgar para me contar. estou sozinha, estás sozinha, moça, só podes chorar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

 o meu sangue desceu durante o sono sem me avisar nestes dias embaciados que ainda me fazem ver melhor. devo ter sonhado com o ramor, não me lembro, mas devo ter sonhado porque assim que acordei lavada em vivo e abundante escarlate sorri. eu acho que ele é um espião, o melhor do mundo inteiro, qual 007, e ainda sorrio mais. os dias têm passado a voar com tantas arreliações, e se os dias se escolherem para se imporem como querem mediante as arreliações que cada um pode suportar?, penso, então está tudo muito bem explicadinho e eu sou a rainha, saia uma coroa bem brilhante, por favor, que adore champô de aveia, já que falo nisso adoro escrever champô, adoro este acento, pô. !ai! que riso

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

 nem penses, menina, nem penses passar mais uma noite e um dia sem verbalizares isso, foi que que acabei de pensar. às vezes fico desesperadamente triste depois de revoltada, a tristeza é o melhor remédio para a revolta, como estava a dizer, às vezes fico desesperada com esta coisa feroz que me assiste, feroz porque está em mim, de ser mãe do meu pai e dos meus irmãos e dos meus sobrinhos, tanta carga sua burra, anda, mas ser mãe não é só ser rodilha, menina, há a outra parte do abraço e do beijo e das palavras que se dizem e por isso ferozes na sua intensidade. pois, mas não há. e a carga que se carrega com gosto fica pesada e a cansar e a esgotar sem rebentar. vão todos à vidinha deles, tranquilos, e fico eu a carpir as suas dores e os seus horrores e a lavar a louça das comidas amorosas que lhes dou. é isso, estás na minha vez, diz-me a sorrir a minha mãe amiúde nos últimos dias, aparece e desaparece, estás na minha vez. e eu não queria a vez de alguém, a vez dela, só queria a minha - e a minha ninguém há-de pegar. depois fiz uma variante de empadão, pois claro, tinha de criar alguma coisinha para massajar a minha tristeza: meti a carne a picar com cebola, alho francês e do outro, salsinha fresca, pimentos vermelhos e amarelos e chouriça. depois refoguei com louro e azeite, meti-lhe piri piri e tomatate aos pedaços com caldo de galinha. preparei o puré bem consistente e deixei a carne apuradinha com abundante molho para lhe juntar queijo mozarela ralado até ficar uma espécie de papa aveludada e fôfa. e depois, em vez de cobrir a travessa som ovo batido meti-lhe maionese caseirinha acabadinha de fazer. o resultado, imaginei que assim ficaria e logo o percebi pelo cheiro, foi nadinha surpreendentemente: delicioso. que empadão maravilha. depois percebi que o meu pai gostou muito, não que me tenha dito aluma coisa, por conta de ter repetido a dose. é assim, o empadão maravilha que reinventei amou-me na sua travessa inteirinha.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 um piropo pode transformar-se em assédio sexual quando, repetido e repudiado, passa a insistir. ontem fui assediada por um sapateiro e um sushi man. sem ter qualquer ligação, adoro sapatos e nunca porvei - nem tenciono provar, comer peixe cru manipulado pelas mãos mete-me nojo - sushi. adiante. como estava a dizer, um piropo é um inofensivo piropo. quando o piropo não é aprovado deve parar ali, tem de haver noção de que deve retirar-se e ir à sua vidinha. o piropo que continua quando me sinto incomodada e mostro-o passa imediatamente para outra categoria e acaba muito mal: o piropeiro ouve o que não estava à espera e ficará humilhado no seu propósito. entre o sapateiro e o outro o mais badalhoco foi, e será para sempre no que me diz respeito, o sapateiro, o sapateiro que ainda juntou aos seus apetites a velha cantiga do mas olha que sou casado. andar na rua cansa; andar na rua e ser assediada deixa-me de rastos. eles não sabem mas eu regressei à empresa com as mãos cheiinhas de sangue, estas mãos que tanto dão como tiram vidas, estas minhas mãos fazedoras de justas acções. bonitas e estilosas são as minhas acções, cabrões, é o que eu penso depois que passam a linha que só eu estabeleço. eles não sabem nem nunca vão saber. sabem apenas do que lhes dei: desaprovação, desprezo, nojo. e depois não tenho a quem contar, nunca tenho a quem contar quando preciso contar, as amigas estão ocupadas e o ramor parece que não existe, não se quer existir, na sua saga de real ficção. estou sozinha.

domingo, 8 de janeiro de 2023

mas eu gosto tanto do teu cabelo rebelde, ramor, mais comprido, com lulinhas de caracol, disse-lhe durante o cafoné, agora só tenmos de deixá-lo crescer outra vez para assim se manter por entre o sorriso enquanto fazes rolinhos sedutores nas barbas pardas. porque nos meus sonhos ele mantém-se sempre crescido.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

e agora que descobri o reitoso na rádio movimento, coisa fresquinha, já ando a ver e a ouvir tudo, lailailai, sabe tão bem apesar de ser poucochinho, lailailai

quando o dr. rosas que me vigia os olhos me disse que já preciso de outras lentes para ver ao perto, corri à óptica josé josé, !ai! que rica coincidência, a sorrir para fazer parelha, e escolhi uma armação em forma de borboleta. deixei-me levar pelas botas de verniz azul turquesa. no final do dia percebi que se o tempo passa a voar é, bem perto visto, tudo uma questão de deiscência visão caleidoscópica. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

 mas saiu um estudo sobre as batat, não quero saber de estudos foi o que me disse sem me deixar terminar, mas eu, interrompeu-me novamente, já lhe disse que comigo só tem de fazer o que lhe digo. quer dizer, este médico é um imbecil. corta-me a palavra como se eu fosse acéfala e um mero objecto do seu estudo, não me deixa expressar as minhas preocupações ao contrário - sim, ao contrário,  porque para eu chegar aos resultados que ele próprio disse estarem excelentes tenho de começar por mim indepenmdentemente do que ele diz, era o que faltava. então deixei-o aliviar os fígados, e isto tudo sobre o meu fígado, para voltar à carga: mas não quer saber do estudo, porquê? não lhe interessa ou ficou invejoso de também eu estudar os estudos que possivelmente estuda? riu-se e sossegou, agendou nova consulta para o final do ano e até me acompanhou à porta. depois saiu e passou à minha frente, bem sei o que ele fez, quis que eu o visse em pé e em movimento, quis fazer-se apreciado à força. o que ele não sabe é que só me apetecia dar-lhe um biqueiro e um safanão e que nunca nesta vida lhe conseguiria apreciar o corpo, aquele corpo desatraente aos meus olhos e ao meu cérebro, a começar pela forma como me corta a palavra. boi d'areia.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

só faz sentido se morrermos todos. se for só eu a morrer, ou rele, não faz nenhum, é sentido proibido. portanto ou o mundo acaba e morre inteirinho ou mais nada tenho a acrescentar. ou se acabe o mundo ou mais nada. não dá para negociar, pensamento.

 às vezes estou muito cansada e sinto que uma vírgula me transporta de um extremo ao outro, é o cansaço de final de uma semana, tantos dias seguidinhos em esforço, tantas emoções, tantos fracassos, ah e tal, isto e aquilo, aguenta-se tudo a trabalhar, que remédio, depois aquela vontade de atirar com os papéis ao ar e desandar, pois, mas não pode ser, então de manhã acordo fresquinha e recebo coisas bem bonitas e o ar de Viço, lambo cada letra e cada traço do seu rosto, traços mil, rostos sempre a mudar, depois rio-me muito, o coração começa em brasa, sento-me à sua lareirinha, cheirinho bomque me chamusca, e entro na chuva para me refrescar, ouço-a meiguinha quando não está a ralhar, nunca é para mim, penso, !ai! dela, não lhe faço mal, para bem era, e fica a escorrer certinha, olho-a à janela e encosto a minha à cabeça dela. depois entro na tarde adentro e, de repente, com ganas de me refundir no tempo, apetece-me chorar, chorar muito, e tenho de segurá-las, a elas que são ganas, faço-lhes um rabo de cavalo, um rabo farto, depois invento uma trança e junto-lhes uma dança, troco plalavras de ouro que reluzem mais lá para o luar, está tudo na minha cabeça a pulsar, a pulsar e a pular, *as vezes a cabeça é também o coração e o pulmão e depois sossego e desejo as minhas fadinhas que me esperam. que me esperam para sempre.

domingo, 25 de dezembro de 2022

 não tenho uma única memória exuberante da festa que é o natal, pelo contrário, nestes dias fico sobrecarregada como as árvores e só penso na naturalidade de amanhecer alegremente com a magia do amor. porque eu quero celebrar o amor todos os dias e a qualquer hora. eu queria que o amor do amor se enchesse e se despisse de rosas só para mim. porque eu queria aquele amor exclusivo que mais ninguém pudesse sentir e ver e ler e escrever e ouvir e tocar. mas esse não se chega à frente para mim, não se chega porque tem todo o tempo do mundo apenas para, dando-se a todo o mundo sem para mim ser, se inventar sem parar. nunca vai parar para me ramar. ele é de todos e de todas, é assim que se quer ser. 

sábado, 24 de dezembro de 2022

mas falta-me os rolhos do rai ratal

talvez ninguém me entenda no que do natal entendo. faço-o e celebro-o, celebro-o porque o faço, todos os dias quando nasce, e por isso eu nasço, nasço porque vejo o dia nascer, nascemos em conjunto e união de viver, como estava a dizer, eu faço o natal acontecer. e estes dias  marcados e gozados até ao osso do bacalhau e do perú, ou do polvo e do cabrito ou do bolo que é rei em último grito, ensaia-se a alegria de estar em vez de ser - do passar em vez do ficar. mas está bem, eu participo: porque mais vale um par de dias no ano em alegria de estrear amor infinito do que, afinal, nenhum. está dito e digo e repito. mas falta-me os rolhos do rai ratal ronito inteirrinho ró parra mim.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

tenho dito

consegui finalmente ler o artigo. que carago, é só isto?, pensei, foi o que pensei em um misto de alegria com insatisfação e indignação, tudo ao mesmo tempo. também senti alguma raiva lá do fulano que relatava o nome, os nomes, que adoro. de maneira que eu acho que estão todos enganadinhos: o próprio e os outros que se riem do nome em três. é que está lá tudo e agora percebo ainda melhor por que razão eu assimilei tão bem, quando soube, e sem saber, ao que já conhecia há anos e aos que vou conhecendo. é que o nome completo é perfeito. a primeira palavra é curta e grossa de exímio carácter; a segunda é uma antiguidade preciosíssima; a terceira é uma cauda da cabeça do primeiro nome com a coroa do essencial que se prolonga na segunda. e talvez ele achasse, na altura, que seria uma anedota para os outros e os outros, percebendo isso, riram-se tortinhos sem perceberem nadinha. pois eu adoro a trilogia do seu nome até ao infinito. e se o nome também é ele, eu acredito nisso, olha o meu, então ele é o melhor e mais perfeito nome do universo inteiro. tenho dito.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

 às vezes fico a ouvir a chuva e chovo-me, fico triste, inundo-me de dúvidas e nessa altura é quando me sinto sozinha, um grão de poeira insignificante e invisível por entre o dilúvio, sou minha e sou de mim, penso, até ao meu fim, de mim não saio e de mim ninguém me tira. porque só vale viver se me continuar a ser, não por teimosia mas porque assim sinto. e se nunca me cumprir por inteiro, como só me quero cumprir, só quero porque assim sinto e penso, pelo menos sei que assim vivi e morri: aqui jaz quem se cumpriu sem conseguir cumprir-se. quem me dera poder adormecer agora outra vez e acordar no futuro, um futuro com a leveza e o perfume que eu vejo e sinto sem ver, eu rejo e não rejo e só sinto e choro por entre tanto riso, tanto riso bom. às vezes fico cansada e encolhidinha e com o coração que anda sempre inchado a parcerer que vai rebentar. não rebenta, nunca rebenta, tem sempre, e cada vez mais, mais espaço para o mesmo. estou sozinha com este coração inchado. estou sozinha com este coração inchado e vermelho - um coração que é também um cérebro e um clitóris. pode ser que esteja a ficar tolinha. tudo é possível, tudo é possível.

sábado, 17 de dezembro de 2022

espreito, ando sempre a espreitar, sacar-lhe um esgar, e saco tudo, tudo o que é do olhar: saco-lhe o sorriso que dá ganas de lamber e de trincar, saco-lhe o brilho de bailar no olhar, o algodão que de certezinha que é doce de apalpar, cafoné no meu sonhar, saco-lhe os beijos que pouso na almofada do meu arfar, almofada branquinha como a ramisete sua. e fico com tudo, tudinho, é tudinho para mim - para mim que sou dormir e acordar.

isto é de dia 16, ficou em rascunho sua trenga

o que diz a carta é: colheita de produtos para exames analíticos. lá se vai o meu pequeno almoço, estou cheiinha de fome, dormi acordada, hoje, estou com essa sensação. quer dizer, estou com muita vontade de não me levantar já, tenho sono e tenho fome e tenho de ir para o meio de muita gente e estacionar naquele parque onde só há lugar lá no fundo onde não há ar. estou rabugenta, muito rabugenta, vou preparar um penico de suminho de tangerina e uma sande gigante com manteiga e fiambre e queijo e ovo e alface para depois me consolar, quando puder comer. pronto. até lá ai de quem se meter comigo no caminho.

o meu sangue finalmente desceu, tanta alegria minha olhar as calcinhas e vê-las borratadas de mim como se a panela tivesse fervido toda e corado por entre o fogo gostoso e meiguinho do meu coração que é o corpo inteirinho e a mistura de tristeza com preocupação com os que sofrem e que, por isso, também eu sou quem sofre. agora ainda sou mais eu, penso, com o meu selo ruborado que tenho de vigiar amiúde, o copo não pode encher, o cálice do meu sangue, !ai! que riso, eu tenho um cálide de sangue dentro de mim, sai quente para ser despejado e para voltar a encher. talvez eu seja isso mesmo: um cálice de sangue a ferver apaixonadamente apaixonada pela paixão por quem - e pelo que- me apaixono amorosamente amante pelo amor por quem amo. sou um cálice a ferver de exagero que não existe. porque quando ramo apaironadamente, nunca é demais.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

 o 

sorrriso dele

entra

em mim

direitinho caos

enche-me

de jade

!ai!

gengibrada raíz

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

acho-a engraçada e sensual


há muito, muito, tempo eu disse-lhe que um dia haviamos de dançar aquela outra música de então. e inesperadamente, hoje, abalei tão cedo, e depois no caminho ouvi esta música e, sem perceber muito bem porquê, o que se sente raramente é explicável, como estava a dizer, senti exactamente a mesma coisa e até disse em alta voz: !ah! um dia eu queria dançar esta música com Rele, assim coladinhos com todas as saliências. depois ri-me, como se a minha verbalização me fizesse cócegas. adorei a música, acho-a engraçada e sensual. e agora vim ouvi-la novamente.

prostituta de graça

 por volta desta hora há um pássaro (ou dois) que começa a falar, e não digo cantar porque de facto parecem estar a discutir, é um som que eu nunca tinha ouvido. da primeira vez fiquei confusa sem saber se era apenas um - mas logo percebi ser uma conversa em alta, bastante alta até, voz. não demora mais do que dois minutos, o tempo suficiente para me acordar. depois calam-se, de repente calam-se, é como fazem os trovões, dizem o que têm a dizer e pronto. o mundo é um lugar estranho e as pessoas não são como os pássaros raros nem como os trovões; as pessoas mentem, enganam, manipulam, são peritas em oferecer aos outros presentes envenenados. e se não temos aquela capacidade de ver detalhes estamos lixados, tudo reside no detalhe, tiramos conclusões provisórias que perante mais um ou outro pormenor se tornam definitivas. às vezes, com certas pessoas, tudo é sempre definitivamente provisório - isso acontece nas gentes por ser, começa e acaba por ser engraçado, engraçado porque dessas pessoas nada nos fica, tudo é moldável e descartável. são palhaças. também há aquelas pessoas que nos tentam ferir para se sentirem poderosas, pensam essas que conhecem as nossas fragilidades. rio-me com essas talvez mais do que com outras quaisquer. ontem uma, lá onde trabalho, estava a contar que cobriu as paredes do quarto com espelhos mas não teve estrutura para colocar o barão. achei curioso e perguntei se sabe dançar no barão. falou com aforismos populares: sei fazer de lagartixa e dar suadelas de quatro joelhos. percebi nadinha, pois claro, terei sido a única, riram-se de mim. o único colega homem que tenho disse mas tu és de que mundo, afinal, não liguei, estava a pensar e respondi à outra: mas então nisso que dizes não existe contacto visual e isso é estranho. riu-se e disse que não precisa dos olhos do marido porque tem os espelhos. e essa é a mesma colega que no outro dia disse que tem empregada doméstica porque não casou para ser uma prostituta de graça.

domingo, 11 de dezembro de 2022

 eu nem sequer sei de quando é a olha o passarinho do sorriso rasgado, galã todo aprumado. nunca sei de nada sobre tudo e nunca saberei. vou mas é para as minhas fadinhas, só elas é que me podem valer.

não há artigo do expresso, que pôrra,  nem há pachorra para gentalha. mas o que pensa ela que eu sou? pensa que chega o natal e liga e me suborna com prendas? sim, porque ela quer que eu vá ao lar no dia e na hora que decidiu só porque é natal e me quer dar uma prenda, uma esmolinha com chocolate, é isso que ela quer. e insiste. pois o que eu lhe disse foi que não quero, amei a tia dela todos os dias incansavelmente durante seis anos e não preciso do natal para nada, não vou. e voltou a insistir com mensagens, que me liga no fim de semana para o reencontro de amigas. eu quero que ela vá pastar, que vá cagar ao monte neste natal. é o que eu quero.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

e depois ataco outra vez

ando há tantos meses a tentar arranjar a crónica do expresso de abril que tanto cobiço, parece impossível. então um destes dias quando fui almoçar com a minha amiga, ouvi o M, o marido, que também é meu amigo,  e que também lá estava, a dizer que tem um colega lá na GNR que é assinante, plim, em sentido, pedi logo uma forma de me arranjar o que quero. ontem disse-me que arranjou já eu estava para dormir e hoje já fui ver o email, quer dizer, pensei, vai ser mesmo agora que estes balões cheiinhos de água para o sangue descer vão rebentar de alegria, vou ler aquilo sobre o meu derriço, lailailai, enquanto me meti a desbravar os links. nada. continua tudo igual, conteúdo para assinantes. o fulano não deve ter percebido que preciso que me envie o texto já abertinho, abertinho menino, e não sei agora como vou pedir mais isso ao M que já deve estar farto de me aturar. vou fazer assim, vou deixar passar algumas horas e depois ataco outra vez.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

mas gostei

tantas histórias de laurinda que eu ouvi e outras que queria inventar, por inventar no fundo ruídoso, que horror é comer assim no meio de tanta gente estando absolutamente sozinha no lugar, só no lugar de tanta gente, enquanto só queria o corpo a deitar e a descansar com reijos, eu só queria reijos. a cabeça parece que ficou aos papos, aquele barulho a martelar, aquela música, aquelas pessoas a terem de se tocar para passar, tão estreito espaço com tanta largueza, !ai! que cansaço de horas que pareceram anos, tanta comichão, tanta água na bexiga por sair com nojo de partilhar onde verter. 

mas gostei da massa chinesa e também do pêssego em calda.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

semanas com três dias de trabalho são bem boas mas também tem de ficar tudo prontinho antes e depois, azáfama, esta semana acaba-se outra vez amanhã e com jantar de natal no prelo. esperam-me quatro diinhas de pijama e picho e muitos rrisos e sorrrisos. assim querro.

sem cuecas nem calcinhas

recebemos todos ontem a notícia de que o Senhor António, o empregado do patrão há mais de quarenta anos, cresceram juntos na miséria desse tempo, sofreu um AVC. ficou paralisado do lado direito. depois liguei à Rosinha, costureira e mulher dele, ganhamos amizade neste seis anos em que trabalhava no seu cantinho em frente a nós e ligava-me, e liga-me, amiúde a desabafar. fiquei mesmo triste porque também gosto muito do Senhor António, é muito gentil comigo. e uma vez mais senti a força do universo tão equilibrada e justa. a Rosinha despediu-se da costura em Agosto, foi para casa, precisava desligar-se da costura, disse-me ela, esse trabalho que fazia apenas por necessidade. mas na verdade ela foi para casa para que pudesse agora cuidar do Sr. António e amá-lo porque ele está inválido, ele que há anos deixou de lhe mostrar que a ama talvez porque nunca a amou. mas ela ama-o: nunca precisou dele para pagar contas nem para criar as filhas e, mesmo assim, nunca quis sair do casamento e de uma espécie de amor incestuoso de irmãos. e agora ele será amado sem merecer o amor dela e ela vai amá-lo porque merece amar. é um amor não correspondido entre os dois e apenas cheio de universo justo, justo porque tirando-lhe a destreza física de usar o corpo com outras deu-lhe a oportunidade de apenas receber amor de quem sempre também só o amou assim, as filhas terão sido meras intermitências de duas noites de pila cheia sem cuecas nem calcinhas. 

domingo, 4 de dezembro de 2022

ouve lá, rapariga,

confesso que às vezes me esforço para ser má, esforço em vão. fico a conter-me para não fazer coisas boas, recordando o mal, a quem me fez coisas más. depois o meu coração ralha-me, fica arreliado, começa a disparar batidinhas tumtumtumtumtum a uma velocidade que mais parece um cavalo no prado, a aguardar que eu não me esforce. e vence. e lá vou eu acudir e ajudar. é assim. depois fico cansada, pois claro, fazer coisas boas cansa. mas e se não as fazer cansar mais ainda? pois, essa é a mensagem que o meu coração me manda: ouve lá, rapariga, tu queres ficar como se fosses o cavalo possante no prado depois de parar?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

eu antes ficava confusa por conta de o seu caos me fazer caos. agora não, já não fico confusa, fico serena e surpreendida com a capacidade de gestão de tanta coisa diferente, com a vontade de querer viver em tantas gavetinhas isoladas entre si, umas mais do que outras. para mim é um só e nem sequer adianta passar-lhe pela cabeça que eu me convença que não, que não é um só. a minha admiração já transcende o mar e o céu juntos, essa imensidão incontável. mas há instantes em que entristeço, porém, nesses instantes é como se tudo não passasse de um jogo programado, programadíssimo. e é porque eu não sei jogar, nunca soube e nunca saberei. mas e se tudo na vida for um jogo e eu sou a única que não sabe jogar?

terça-feira, 29 de novembro de 2022

todos, todos, junto a mim

ontem de manhã passei por uma montra e vi um cavalinho alado branquinho que parecia estar em movimento por dentro de uma bola de vidro em água. apaixonei-me imediatamente e pois claro que o comprei para ficar a olhar para mim coladinho ao candeeiro das flores e às caixinhas antigas e aos espelhos e às pinturas. estão todos, todos, junto a mim e às minhas fadinhas incansáveis.

domingo, 27 de novembro de 2022

um fastio

ultimamente não ando a acertar em nenhum livro que encomendo. escolho pelo resumé, pois claro, depois chegam, eu gosto de encomendar coisas que me chegam pelo correio ou que tenha de ir levantar: escolho, pago e depois esqueço-me de que comprei e passam os dias e um dia chegam e é como se fossem prendas, fico surpreendida e feliz, como estava a dizer, depois chegam e começo a ler e encosto-os para canto, perco logo o interesse, já é o terceiro. os livros têm de ter aquela magia da descoberta, de as ideias serem sempre um estímulo às que se seguem, vibrantes, aquelas ideias, ideias que se fazem de palavras e imagens e silêncios, os silêncios são uma espécie de convite induzido à reflexão. de maneira que não tem havido livro que me chegue, que eu própria me faça chegar, pelo qual me apaixone. têm sido um fastio, um desconsolo total e absoluto. e depois, já se sabe, releio o que já reli quinhentas vezes para encontrar sempre algo novo. e encontro.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

tece bem a noite, noite

 agora tenho de contar, já passaram os dias e neste momento senti vontade, talvez porque me contagiou o sorrriso. na segunda feira eu saí da empresa com um destino marcado e fiz um desvio, impulsivamente fui dar comigo na loja do meu cunhado e entrei e chamei-o lá atrás convencida de que iria mandar-me embora com voz áspera como tem feito com todos os amigos a quem andei a ligar, alguns já antigos que se tinham afastado, para que pudessem ajudar a desenterrar. de maneira que tudo aconteceu ao contrário e pedi apenas que me ouvisse e abracei-o, beijinhos no rosto, tu sabes que gostamos muito de ti, és família, mas antes de tudo és uma pessoa incrível, tens muito valor e eu vim pedir-te que te queiras curar. depois ele chorou e eu também. inesperadamente nesse mesmo dia, chegou-me a notícia de que deu o passo: pediu ajuda aos pais e depois ligou à medica e já está a começar o processo de recuperação. eu não sei bem o que aconteceu, talvez eu tenha conseguido passar-lhe toda a minha energia porque depois desse dia fui ficando cada vez mais fraca, sem forças e hoje andei de rastos. penso eu que terá sido isso, dei-lhe tudo o que me corria nas veias, toda a minha força. agora arrebitei um pedacinho depois de ver as estrelas nos olhos ronitos, acho que senti um pouco do céu, um pouco porque lhe reconheço uma imensidão que só poderá ser abraçada e beijada ao milímetro. e agora talvez as forças me cheguem pela noite que nunca se cansa de trabalhar para me fazer um novo dia, a noite nunca dorme, e prefiro pensar que fica acordada só para me fazer acordar para que um dia talvez eu possa, todas as estrelas do réu, agarrar. tece bem a noite, noite.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

decifro tudo em um ápice e choro. e vejo outra vez o outro retrato e choro. e quero adormecer para sempre, pronto. vou chorar, já está decidido, é o que vou fazer imediatamente quando, de repente, já sinto a língua salgada como se fosse, e é, um coador. e o que coas língua minha? estou a coar, não me lembro como se escreve na primeira do singular, o teu ranho e a tua baba, diz-me lampeira, como se isso fosse, e também é, estrume de amor.

frasco frasquinho frascão

nos dias em que não aguento o cansaço

faço uma toma do frasco que chamam verde

verde por ser da grama

vejo-o sempre de vidrinhos muitos

mosaicos brilhantes

tampinha redonda mas recortada

frasquinho de luz esperto

esperto como um coral

e de espertar

e afã

e depois volto a cansar-me

porque também me cansa quem pensa que me engana

deixo pensar

e faço a toma do frasco frasquinho frascão

logo se vê amanhã


terça-feira, 22 de novembro de 2022

leve e fresco

estou cada vez mais certa de que a idade, a frequência acumulada de tempo de vida, traz-nos sabedoria. eu já sabia de que o meu pai é o nosso herói, mas duvidei que conseguisse lidar de forma tão serena com uma situação tão devastadora. estou que não me aguento, emocionalmente devastada, a conversa foi triste e dura como só o que é importantemente inadiável na tragédia pode ser. e ainda estive a tentar convencê-lo a comprar a casa, investir no imóvel, e ser senhorio da minha irmã, tudo legalmente preto no branco. pode ser que sim, oxalá que sim, é a única forma de ser justo com todos os filhos e de ajudá-la. quem me dera que alguém tivesse, algum dia, ter-se lembrado de me ajudar assim, penso, choro, antes de entrar no meu paraíso do sono. assim espero, espero que esta noite me faça um acordar leve e fresco. é bom sentir a leveza de não mais guardar um segredo tão pesado sozinha. é bom.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

tumbatumbatumba

no meio de tantas coisas bonitas que me andam a oferecer para eu ver e ler - a bomba tinha de explodir, mais uma. o drogado não se quer tratar e está a destruir tudo à sua volta. de maneira que amanhã será a vez do meu pai saber, quem lhe vai dizer é o meu mano, tudo o que ele diz o meu pai aceita, se calhar é porque insistiu tanto para o conseguir ter, não sei. só sei que já estou com o coração dele frágil no meu a aguardar que chegue amanhã para quando eu chegar, ao fim do dia, lidar com a sua tristeza e mais alguma coisinha: talvez revolta ou raiva ou vontade de o desfazer. não sei.amanhã quando ele for treinar com o meu irmão, vai pegar em um peso mesmo mesmo pesado. oxalá que o coração dele aguente mais um golpe. e se não aguentar? quantas vidas tem um coração? eu acho que os corações escolhem as pessoas onde querem, querem porque decidem, bater. então escolhem as pessoas por aquilo que consideram que conseguem aguentar. e se assim for, então o coração do meu pai escolheu-o mesmo bem e ainda vai querer tumbatumbatumba continuar a bater.

e também não há-de vir mais mal ao mundo se eu ronhar muito e bom esta noite - afinal de batimentos, o meu coração escolheu-me e, por isso, compreenderá o meu desejo ardente e contente e amoroso.

brilhantes por toda a parte

a árvore da pintura bonita que vi é azul

, azulona, 

monocromatico azul forte

como não é o céu e o mar

a minha é despropositadamente inacabada

para cima e para os lados

carregadinha de turquesa a roçar o olhar

e com as delícias do mundo como se fosse

, e é, 

um jardim-pomar

pode com tudo esse tronco branquinho que o segura

segurado pelas raízes fundas

tão fundas que parecem carreirinhos de água entranhados em poros de terra e orlas de rio que desliza o ar ao mar

depois os brilhos que não se vêem

que fotógrafa mediocre que eu sou

, que carago, 

não consigo captar

se calhar sou avessa à lente

, sei lá eu, 

como estava a dizer

os brilhos são isso mesmo

, não há segredo,

brilhantes por toda a parte

como se viver fosse

, e é, 

sem saber como fazer

a minha maior arte



um rrico sonho com o meu guião

 ontem foi domingo e depois do almoço, como gosto no domingo depois do que adoro logo de manhã, adormeci a ver o barco do amor. gosto muito do sentido de humor da tripulação e dos enredos com finais felizes que nunca acabo de ver, rio-me depois, porque quando estão a começar é quando me apago, por já adivinhar como vai ser, depois de apreciar as cabeleiras com laca, os vestidos esvoaçantes, as calças à boca de sino e o riso da plateia invisível. a banda sonora é incrível e, por si só, é uma viagem em alto mar. depois à noitinha fui para lhe ouvir a voz no link que mais gosto e pimba, já está indisponível, invejosos já ma cortaram, lancei-lhes um feitiço de sapo-sapão e revi outro também com imagem, extenso, vi tudo até ao fim, e juntei-lhe a banda sonora do que nunca acabo de ver, misturei tudo, e depois tive um rrico sonho com o meu guião.

domingo, 20 de novembro de 2022

só sei sentir

o tempo passa tão rápido que deve andar de sapatilhas, franze-se-me a testa, ainda parece que foi ontem aquilo de há muito tempo e, ao mesmo tempo, parece que é há uma eternidade o que lhe conheço, o que lhe sei como se não precisasse de saber, o que não sei como se já soubesse. tudo é estranho sem ser estranho, estive a costurar, a inventar um forro de bolso onde não tinha por onde agarrar, ficou defeituoso mas agora está um bolso, antes era um buraco disforme, agora consegue segurar o que lá se meter se não for uma mão inteirinha a descansar, paciência, é como está e vai ficar, apetece-me ter preguiça de abrir outra vez para depois fechar. mas o que eu quero dizer é que estou sempre a costurar invenções, o que será de mim sem as invenções neste mundo que chora sem parar e não deixa a roupa secar e depois seca para se molhar. pois claro que tenho de inventar, amanhã já é segunda feira outra vez, gente muita a falar e a olhar e o dedo a picar e a corrida nos passos e no pensar. 

mas ainda me resta a noite, ouve, ainda te restam as fadas, a costura que costuram em mim, essa invenção que me dão para eu inventar para quando eu acordar ter um ramor intacto crescente, como se até o choro fosse sorridente, !ai! rapariga, não há explicação em solo inteligente, não sei como contar. só sei sentir, só sabes sentir, tonta.

sábado, 19 de novembro de 2022

 vesti vesti

vesti sim

 o pijaminha rosa

 florido de cetim

para sonhar com o Rortuguês sem fim

vai acordar encorrilhado

!ai! de mim

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

 !ai!, o que foi rapariga, então ainda há pouco eu vi, como se fosse um pombo a trazer a má nova, mas viste o quê, desenbucha carago, vi que vai quarentenar, e agora, adoro tanto ver, o que me irá acontecer, não vou rir para não chorar, amanhã logo se vê.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

 e se há tanta água em mim, correntes, pétalas sem fim, sol si mi dó, folhas de letras dançanres, pêlo a pêlo macio , bigodes pardos lambões, arregalados olhos trovões, desejos gigantes verticais, sonhos tantos horizontais, luas sete matinais, cebolas que são saiinhas de descascar o mar, tesouras de dúvidas a aparar o ar, pianinhos de chuva intensa, imensa, sombrinhas de escorrer calor, !ai!, soninho de coar, que ternura, que paixão, que ramor

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

se tudo fosse simples

era tu

era eu

era rós

perdoei. mas não esqueci.

o outro, não sei quem, só sei que li, é que tem razão: tenho mas é de esvaziar as pedras dos outros que carrego nos boldos, são pesos que não me pertencem, ando aqui sobrecarregada e se não me ponho fina já me começam a explorar, era o que faltava, agora já queria, isto porque quer porque quer comprar a casa, que eu desse o meu nome para acrescentar ao dela. sabe-me bem dizer que não, o meu nome é precioso, não o dou assim de bandeja, se não pode comprar que alugue, alugar é bem mais justo e barato, assim não anda a encher a pança da banca, digo eu, disse-lhe eu, sem mencionar que há dez anos, quando eu tive de deixar a minha casa, a única coisa que ela me deu foi desprezo e humilhação. não menciono porque já perdoei. mas não esqueci.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

não quero ler Virginie Despentes

ontem durante a tarde liguei a televisão na três, de repente, ouço sobre a teoria king kong e sentei-me a descobrir. nada de novo, a rapariga foi violada e depois começou a amargar e a odiar e depois converteu-se à putice e a perceber do corpo e do sexo até à exaustão para chegar ao feminismo como brasão. e depois de ler tanta coisa sobre os grandes e vivos, que vivem, e mortos que viveram para sempre, percebo que nada, nadinha, é novo. são mesmo poucos os escritores que me fascinam. raramente são as histórias inspiradas em outras histórias ou nos ódios de estimação - o que me fascina na escrita são detalhes que me captam a atenção, aquele veículo - uma espécie de ponte - que liga a intelectualidade ao coração de forma genuína, sem artimanhas, sem a tal reinvenção forçada que apenas vai de encontro aos outros. e como eu consigo perceber, mesmo quando é pura ficção, logo vejo se um livro é um filho ou do ego uma mera projecção. e se isso importa? pois claro que sim, só quero o melhor para mim, os letrientes que vou absorver fazem toda a diferença no impacto daquilo que sou e no que me possa tocar para ser. de maneira que não tenho vontade de ler esse livro, não quero ler a tóxica Virginie Despentes. dispenso.

não vou

quando estou a normalizar o meu rico soninho, alguém me acorda, pouca coisa me deixará tão arreliada como quebrarem-me o sono. ontem foi a mensagem da vacina do COVID outra vez, eu já decidi que não a quero desta vez, estou farta de médicos e de exames e de brocas e de ambiente de doença para a saúde, e de gentes em volta, não me apetece. não vou.

domingo, 13 de novembro de 2022

!ai! que delícia

!ai! que delícia, troquei os meus karelia por um aparelhinho que dourado escolhi, com cigarros pequeninhos mesmo mesmo de mentol, há que tempos que não fumava mesmo sabor a mentol, não fazem cinza e cheiram a nada no ar e depois é só deitar fora o tal cigarrinho que sai branquinho, branquinho, depois da indução. estou refasteladinha a adorar este sabor a chá.

o ritmo desta música abana-me os ossos todos, adoro

 


a por passar pela passada

tenho feito assim, e dá-me riso só de pensar nisto, quer dizer, estamos no outono a fugir para o inverno geladinho e as camisas são para o meu pai usar por debaixo de uma camisola sempre, certo?, então não as passo, estico-as e penduro-as, e como sou eu que todos os dias lhe escolho a toalete, ele é daltónico, então monto tudo muito bem montadinho na cadeira preta com veludo cor de rosa espevitada lá no seu quarto. até agora ainda não se apercebeu e se algum dia me perguntar, então eu direi que foi um engano, que troquei a por passar pela passada, ah pois, é que assim descobri que fico com muito mais tempo para fazer rendinhas das minhas.

com toda a artilharia

compreendo, há pessoas que agarram o passado, esse pretérito tão imperfeito e triste, como se fosse o eterno retorno do futuro presente. e depois há eu. quem me conhecer percebe, ou terá de perceber, que não há passado que me consiga vencer, eu que acordo e só acordo para amar com toda a artilharia de paixão que o amor romântico pode ter. 

sábado, 12 de novembro de 2022

aquele desenho é realmente triste

 por acaso o desenho de ontem não veio nadinha a calhar apesar de adorar os traços, estava muito agitada, a minha irmã conseguiu finalmente mudar a fechadura e deixar-lhe as malas nos pais, era o que faltava andar a consumir heroína e cocaína em casa e descurar o menino, ser completamente ausente e ainda por cima prepotente, que vá cagar ao monte, tem de se tratar se quiser recuperar os tesouros. e se não quiser quem perde é ele, é assim que ela tem de pensar não sendo mãe dele para o continuar a aturar. de maneira que aquele desenho é realmente triste.

!ai! que ruspiro

andava há uns tempos para olhar para o passarinho depois de acordar, depois de acordar como quem diz, depois de me lavar e vestir, e pimba, um dia destes entrei no carro e lembrei-me, andei às voltas, percebo nadinha daquilo e de truques e posições, se percebesse se calhar ficava em condições, olha, ficou como calhou. depois andei para lhe mostrar na montra e esquecia-me sempre de mudar. mas hoje A Rose chamou-me e não tive hipótese de me esquivar, pois claro, lá me mudei cheiinha de vontade de, beijando-me, o beijar. !ai! que ruspiro.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

há dias que se cansam como se andassem param lá e para cá, estafadinhos, ralados, arreliados, birrentos, irritados, como se fosse - e é - o sangue a descer. ide-vos embora, chispem-se, estou cheiinha de vos aturar, dias assim.


 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

essa cama em quarto minguante

se eu soubesse que sair do lugar seria acabar com o que nos atormenta, então eu agarrava no meu saco grande de flores e chapéus pintados, tão bonito, ou na mala com o quadriculado nude e vermelho, tão elegante, e ia para longe. mas como eu sei que sair do lugar é ficarmos parados no que nos está a atormentar, vale mais ficar ora a carpir ora a ajudar nos dramas dos outros que nem sequer se lembram que também eu posso ter dramas. mas os meus dramas são especiais, tornam-se pequeninhos, minúsculos, insignificantes à beira dos dramáticos dramas dos outros e, por isso, banais: os meus dramas são adoráveis e inocentemente falíveis. quando estão a falir, para entretanto se reerguerem, fazem-me sorrir e rir e choramingar e chorar, carrego-os muito mais ao peito do que em prateleiras de razão. são, por isso, os meus dramas, dramitos, dramões, vestidos com saiinhas sortidas de magia-paixão e calçados com a inesgotável força da admiração. são energia renovável tal e qual as fadinhas que me despem e embalam e velam o sono, o sono essa cama em quarto minguante. 

domingo, 6 de novembro de 2022

rrosas da Rosa

às vezes consigo vibrar pelos olhos. é como se as rosas e as músicas me massajassem o coração, este coração velho e semppre novo a estrear. o meu rico coração é-me, milhão, a minha sorte grande. e é por isso que ele merece todas e as mais lindas rosas do universo. palavra de Rosa, redundante dixit, !ai! as rrosas da Rosa que a Rosa tem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

!ai! como eu queria

conseguir lamber-lhe os medos

(e os meus também)

deitá-lo na minha confiança

sempre acabadinha de lavar

perfumada nos lençóis

abrir-lhe as minhas janelas amarelinhas de tule

levezinho rio para lhe dar o mar

e tirar o cor de rosa ar

(suspiro)

cozinhar-lhe petiscos ao ouvido

e ao pé

apurar o caldo que nem eu lembro como é

não

não posso ter esquecido

(eu sei)

se  está pois por descobrir

(!rapariga!)

essa poção mágica que eu sei

que só sei sentir tratar-se de sem igual elixir

e depois embrulho beijos atrás de beijos

e rego-me como se fosse a chuva vermelha no quintal

imagino as flores acabadinhas de colher

frescos aromas que percorrem a pele e os montes e o feno

de alegrias juntinhas e justinhas que fazem coro e me fazem corar

cabelos de fazenda que nele se enrolam só para ele os afastar

fio.a fio

tão curto só pode ser o meu pavio na maratona de o rolhar

depois os meus olhos são dragões

(pois claro)

nada é morno

(era o que faltava)

fogo que amanhece e anoitece logo no início do beijo em flor

esse beijo carregadinho de pejo bom muito bom

presciente leão desejo

arrebatador saxofone como se fosse marmelada com queijo

na regueifinha apimentada de caril d' amor

é a fruta da árvore do meu desejo doutor

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

espelho meu

espelhos meus

há alguém que consiga

consiga e saiba

amar e ramá-lo

(está mais entranhado do que o cheiro nas rosas

ah pois

e quem ousar dividar leva com um pau

e com picos)

mais do que eu?

está caladinha tonta

e dorme

já estás mais a dormir do que acordada

sabes bem que a resposta está aí

aqui

não tarda nada

és a rainha do amor

e na almofadinha fazes

vais fazer mesmo agora furor

consegui alguma coisa

é um somítico do carago, já se sabe, já sei, mas eu tentei. nunca peço nada para mim a ninguém a não ser que esteja prestes a morrer, a morrer como quem diz tem mesmo de ser, não tens opção, pedir ajuda também pode ser uma forma de amar, de maneira que me lembrei de pedir ao meu pai que abrisse um pouco a bolsa para os netos por conta das dificuldades acrescidas da vida, está tudo mais caro. o que eu fui dizer, o que eu ouvi, e eu disse, repara que não estou a pedir para mim, não tenho filhos, mas podias ajudar um pouco nesta altura. fiquei, ainda estou, com as orelhas a arder de tanto que me ralhou. mas eu insisti e fui entregando argumentos para ver o que conseguia. consegui pouquinho, consegui que pagasse mais de metade da vacina mensal para a esquizofrenia do A. tive de lhe dizer que todos os meses transfiro dinheiro para ele para o sensibilizar um pouco. e é verdade, sei que não é muito justo, tem mais três netos, tenho mais três sobrinhos, mas talvez este seja o que está mais desprotegido. tamém tenho de confessar que o A, tudo o que ele é, é muito de mim. consegui pouquinho mas consegui alguma coisa. alguma coisinha já é bom e fico feliz por isso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

invento coisas bonitas de morrer. de adormecer

é como digo, como me digo, tu metes-te em cada lavoura, rapariga, depois andas em noites de são joão, como se diz por cá quando não se prega olho, quer dizer, adormeço e acordo vezes sem conta, depois escolho - não contar carneirinhos - contar rorrisos e rolhares, invento-os, que remédio, depois acrescento-lhes flores e cores, é uma festa, depois lá adormeço até reacordar e depois quando está para chegar a hora fresquinha, passa, passa-se, acordo sarapantada, despertador cerebral que em silêncio me dá um coice e corro para carregar nos botões toda remelada. detesto acordar remelada e aos coices mas que queres, rapariga, metes-te em lavouras e depois a massa fica mesmo cinzenta e esquece-se de que é cor de rosa e está sempre a arreliar-te o sono. agora estou muito preocupada com a minha amiga O, ucraniana, vai com a filha buscar as avós à fronteira na Alemanha, são velhinhas e têm mesmo de vir, não há água nem luz lá, só há bombas e fome, e será cá que vão ficar até ao fim dos seus dias. não queriam, pois claro, ucraniana que é ucraniana quer ficar na terra até ao fim. mas como vão de autocaravana, tivemos de conseguir arranjar todos os recursos. e se são assaltadas? e se alguém lhes faz mal? depois nas noites de são joão também entra o drama da casa da minha mana mais nova e a doença do meu sobrinho rei e o que tenho de esconder ao patriarca para lhe poupar o coração e a memória a falhar da minha amiga A e o útero doente da minha amiga I e os clientes que não pagam e e e e. o que me safa é a colecção de sorrisos e olhares do viço, é o que é, é o que há, não me posso queixar: pelo menos invento coisas bonitas de morrer. de adormecer.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

caretas de alegria em feitiço

ontem andei trinta quilómetros e fui lá almoçar, fui ao chinês consolar-me com o crepe, as gambas com piri-piri e o arroz naqueles pratos com dragões azuis tão perfeitinhos, os guardanapos de tecido branquinho com linha de água e as toalhas que não são  horriveis de papel, também alvas de que se veste o apetite. e depois os espelhos em redor, !ai! que lindos, pintadinhos de pássaros e flores coloridas a lembrar que a dança dos paus - ou do garfo com a faca - é de grão e lentidão com a música baixinha e de pingpingping a passar tal e qual uma cimarra de poesia que no papo se faz ouvir. e o meu dia ficou um pouco melhor na pressa de chegar para me ligar, pensamento a passar para os dedos, com o coração a vibrar. ando sempre com o coração a vibrar. às vezes pego nele e embalo-o. sem ninguém ver meto a mama de fora e sossego-lhe a fome, dou-lhe palmadinhas para arrotar e depois sorrio ao ver-lhe o viço. porque em vez de adormecer sereninho eu tenho um coração que pula e dança e faz-me caretas de alegria em feitiço.


segunda-feira, 31 de outubro de 2022

continua

de tempos a tempos

há que tempo

a cair mansinha e tocada pelo vento

!ai! a chuva

como eu a compreendo

toca fininha

às vezes grossa  e desmedida

com a força do tormento

sabe desde pequenina

pequenina como quem diz há muito, muito, tempo

o que lhe quer mostrar o vento

sentiu e apaixonou-se

apaixonou-se porque sentiu

o vento ventoso que nunca viu

 e continua desfazer-se a chuva em água

em pezinhos de tule anda molhada

branca e cor de marfim

vermelha sangue de boi

e cor da rosa do éden jardim

azul,verde, alfazema, dourada

apontamentos mil

e amalerinha às pinguinhas

guardo-a no meu cantil



domingo, 30 de outubro de 2022

cá estou eu

chegou aflita, descobriu que o marido anda outra vez a mentir, para me mostrar a bolsa com a droga e o cachimbo e o canivete, pratas muitas e cartões em quadrados. pequenas doses de coisas com diferentes cores em saquinhos e uma pedra branca maior. não faço ideia, nem quero fazer, que drogas são. pediu-me que escondesse e assim fiz, só eu sei onde está a porcaria, não podia mandá-la embora ainda por cima com o meu sobrinho, é preciso protegê-lo. que tristeza. entretanto chegou o meu pai, muito feliz, voltou com a namorada, disto nunca há-de saber, é preciso protegê-lo, e não abriu a boca. quando vem triste, descarrega tudo, conta e pede conselhos. mas como está feliz, nada diz. é assim. cá estou eu.

quem me dera cansar-me para sempre. mas sei que amanhã acordo com o coração brilhante a estrear. outra vez.


 

que bom que é

as pessoas são estranhas. algumas pessoas são estranhíssimas. o meu pai é estranhíssimo. mas se ser estranhíssimo significa desamparar a loja e deixar-me sozinha de sábado para domingo, para estar com a ogre ogríssima, é deixá-lo na sua estranheza superlativa absoluta. assim posso fumar em todos os lugares que me apetecer e não ter cuidados com correntes de ar e nem com o volume da música. assim posso começar já a abrir as janelas todas para deixar o orvalho entrar e até posso onomatopoetizar o cão e o grilo, o canário e o besouro. que bom que é o meu pai ser estranhíssimo.



sábado, 29 de outubro de 2022

como não me preocupar com o futuro se é nele que vou viver o resto da minha vida?

eu acho que o céu zangou, zangou a sério, não costumo estremecer, mas esta noite ele ralhou tanto, e tão alto, e com tanta força, se calhar senti mais por conta de a janela aberta deixar mais entrar, o céu estava-se a rachar e a deixar escorrer a ira, !ai! que estaria a pensar, eu sei, era o eco da sua perfeita imperfeição de considerar, de se manifestar, que Putin quer fazer o mundo acabar. !ai! que aflição, céu, mas e se o mundo acaba sem eu o poder reijar?

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

essencial

acredito, porque sinto, que existe uma realidade paralela durante o sono, daí a sua magnânima importância. o sono, esse conjunto de horas em que morremos, !ai! que morte maravilhosa, é quando o nosso corpo tem a oportunidade de se equilibrar: a alma e o coração encontram-se e conversam e dançam uma valsa em par, talvez, ou duas ou três, chegam a acordo sem o ego, esse invejoso boicotador das vontades divinas que são o par. e depois quando acordamos, se ouvirmos o resultado dessa profusamente romântica fundição do par, sabemos sempre que como nos somos é como nos estamos. sabemos o essencial.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

boca de bebé

estou muito feliz, fiquei sem mais dois dentes lá do fundo, estou feliz porque são menos dois a arreliarem-me. durante a noite logo percebi que estavam a querer cair; começaram, de mansinho, a rabiar e depois a dor a espreitar e eu sem conseguir dormir. então hoje decidi quilhar em dose dupla o meu patrão mais recente. há uns meses tive de ir ficar sem outro dente, que estava por um fio, e ele teve a lata de deixar que me cobrassem cem euros. depois veio ter comigo e disse-me que era um serviço de muita qualidade e que se quisesse ser servida por ele, olho a piscar, o valor era quinhentos euros. ora eu sorri muito, estou ansiosa, pois claro que quero que seja o Dr. J. a mexer na minha boca, olhos dele a brilhar. adiante. a minha querida médica que sempre me tratou desde há sete anos, era empregada dele e deixou de ser há cerca de um ano, abriu uma clínica, e foi lá que eu fui hoje entregar-lhe o meu céu da boca, e fui em horário laboral mesmo sabendo que não trabalha com o meu seguro de saúde. ficou muito feliz por me ver e ainda paguei menos por dois dentes do que por um com o outro e com seguro. então eu hoje quilhei-o a dobrar. para festejar, meti uma dourada grelhada a ajudar-me a desfazer a anestesia e a temperar os pontos por sarar. agora já só penso na semana que vem para ir tapaar os meus buracos novos. estou mesmo feliz: já faltará pouco para ter boca de bebé outra vez.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

pode ser. se para alguém tudo for um estado de espírito, de espíritos à centena, sentir não é possível. nunca será. porque sentir é permanecer. e permanecer é querer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

e a batuta firme

enquanto ouço as músicas bonitas de orquestra, vou fechando os olhos como quando me experimento em auto-estrada: conto até sete em linha recta, nunca consigo passar dos sete, aos oito abro os olhos, maravilhosa sensação do caos que se recompõe, descansa-me, como se o tempo parasse comigo em movimento, movimento a galope por dentro, !ai! que contradição calorenta, brisa depois, repetição, pimentinha rosa em mim, violino, violão, batidinhas de piano, harpa meiguinha, depois o maestro levanta os braços

e a batuta firme que sorri

já lambida

entra firmemente em mim.

domingo, 23 de outubro de 2022

estou conrigo

emociono-me com a facilidade da frescura de uma manhã mas só com o que e com quem, de facto me é emocionante. tempestade. então sorrio muito enquanto choro, enquanto escrevo a provar que escrever não é triste. por entre a confusão de sentir e de pensar que o que sinto pode não ser a verdade a não ser a minha verdade porque sinto, apenas sinto e acredito no que sinto. estremeço e transpiro, serenidade pungentemente inquieta, bebo as suas palavras como se fossem, e são, água. também as como e engulo e só depois as vou mastigando, quando já me são nutrientes que vagueiam, porque do meu corpo não saem e não vão sair, no meu sangue, na minha vitalidade, na minha alegria. e tamanha é a admiração, a minha admiração por si, por ri, que se o mundo acabasse hoje não haveria desejo maior se recomeçasse amanhã. mas como o mundo não acaba hoje, amanhã ele vai crescer e o meu peito vai inchar como um balão mágico até nunca rebentar. 

e quando quase me sinto só

não fico só.

e quando estou só

nunca estou só. estou conrigo.


sábado, 22 de outubro de 2022

como se eu fosse o princípio do fim

depois de ouvir dharmaland e nature boy por aí adormeci. e sonhei depois, acordei cansada de tanto querer, querer nos sonhos cansa por conta de ser dharma por dentro de dharma a acontecer. de olhos abertos sonhar não me cansa e se sonho com o ronito fico firme no meu querer e não arredo pé, arrecado os medos depois de lhes dar estalos nas caras, arrecado e não os mato, ando a aprender que os medos também servem para me defender, estou a mentir agora devagarinho e já explico: arrecado os medos e não os mato porque estes medos são bonzinhos e pequeninhos, nada em si me mete medo de os medos afogar. e depois, confesso, também não mato os medos deste medo porque fico com medo de o magoar. porque o que eu quero é passar o túnel dos medos com o medo ao colo, quero protegê-lo dos sustos do mundo, embalá-lo em mim e ouvir para sempre uma canção, dar-lhe banhinho que esquente até os medos mais casmurros que se levantam em contradição a boicotar tudo como se eu fosse o princípio do fim.

twist

elas acham normal. e se elas acham normal, pois claro que ele vai continuar a deixar as tampas da sanita escancaradas. uma coisa é o meu pai que já tem essa porcaria enraizada até aos tomates, agora um cromo com trinta anos é inadmissível, porco ignorante, porque também elas não fecham a tampa, por isso acham perfeitamente razoável. e como vou fazê-los entender que se não for, pelo menos, por uma questão de elegância - que seja por higiene. as retretes libertam gases e bactérias, por isso têm tampa. por essa razão é preciso fechá-las. os meus olhos arranham-se todos e a minha vontade é ficar sem vontade de usá-la. salvam-me as toalhitas de bebé para limpar tudo antes de usar. e é que depois ainda me chamam a atenção por deixar a retrete fechada, alegam nojo de abri-la. isto dá-me cabo dos nervos, obviamente. mandei vir uma roda twist com massagens aos pés, enquanto rodo a anca e a cintura, descalça em cima daquilo, também faço massagens aos pés. danço e massajo ao mesmo tempo. então sempre que vou à casa de banho, logo a seguir faço cinco minutos de twist lá na minha sala vazia deles, desses trastes.