terça-feira, 20 de maio de 2014
nunca mais
não era como as mulheres da idade dela, pelo menos por fora. aos oitenta anos não usava nem picho nem mise e nem pintava o cabelo de loiro nem o deixava branco, usava os cabelos longos e negros sempre soltos. vestia calças justas pretas e tinha sempre as unhas pintadas de cor de rosa. ouvia mal mas falava bem. quando vim para cá, passei a saltar pela janela uns dias por semana porque ela esquecia-se da chave dentro de casa e chamava-me. entretanto passei a ser eu a esquecer-me da minha durante os tempos, cérebro cansado, mas isso não interessa. depois havia conversa sempre que nos cruzávamos na rua. fazia-me sempre uma festa no rosto e dava beijos à cadela. sempre afável, estava a criar o neto - agora adolescente - desde bebé. agora morreu. nunca mais vou vê-la nem saltar-lhe a janela. nunca mais. é muito tempo. quer dizer, não tive tempo para aprofundar o que queria. e ela, o que guardou de mim? e agora?
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