domingo, 9 de julho de 2023

 nunca tive um carro novo, nunca me interessou, nunca tinha pensado nisso até ser obrigada a pensar e ainda bem que pensei, nunca ninguém me deu nada, tudo consegui sempre sozinha, e o meu carro novo já chegou e fui dar uma grande volta com ele, norte acima, redundância sobre rodas, conhecer-lhe os simbolos e a pegada, apalpar-lhe as perliquitetas minudências. já o adoro com paixão: é grande e muito alto e muito confortável e muito seguro e muito esperto e muito gentil e muito parceiro de viagem. e depois tem um som, música em volume para o céu, maravilhoso. decorei-o com flores e também com uma almofadinha em pétalas. começa por BB - bonito beículo, pois claro, e quando cheguei recebi uma prenda Viçosa do Ronito. este fim de semana promete.

terça-feira, 4 de julho de 2023

nunca sabemos se estamos preparados. amamos sem saber se estamos preparados para amar e quando escutamos a voz já estamos a amar, sem um esquisso, sem um ensaio, assim, ao léu e sem rede, estamos a amar. nunca sabemos se estamos preparados para degustar esse amor que não sabemos se estamos preparados para amar e quando damos conta já estamos a amar - assim como não sabemos se estamos preparados para enfrentar um dia até o dia acabar e percebermos que, sem sabermos se estávamos preparados, o vivemos. porque viver é não estarmos preparados para sabermos se estamos preparados: viver é preparar ao segundo, um segundo como um sopro de vida no coração, tic-tac, tic-tac,

é a vida que nos prepara e nos convida a viver. sabemos disso quando ficamos pasmados, sentimos pensando que pensar é sentir, no querer ver a vida a acontecer. no querer. nada é mais rijo do que o querer. e, sem qualquer preparação, tic-tac, tac-tic, taic-tiac, converte-se o querer em viver. 

o meu querer é superlativo do Ramor. é o meu bem. vindo.

sábado, 1 de julho de 2023

 como eu queria dizer-lhe, ouve, eu estrangulo o medo por ti, confia em mim, deixa-me mostrar-te o caminho, deixa-me tirar-te desse castigo, dói em mim a tua dor, a minha fantasia és tu. depois choro até o meu ventre ficar dorido, dilacerado, rompido. depois penso que um dia posso ficar sem lágrimas, um deserto nos meus olhos, porque também elas fugirão de mim, filinha indiana de mansinho, a acenarem-me com carrancas. depois volto a elas, às lágrimas, e faço-as prometerem-me que nunca me abandonarão, preciso delas para converter os males em tristeza e acalmar. e dizia-lhe, vezes sem conta, quero-te bem, tão bem, tão tão bem, meu bem, meu Ramor. e mete a fotografia dos olhos a ficarem verdes e os lábios a sorrirem para mim. os lábios e os olhos só para mim. não metas, penso, deixa-me vê-los e lambê-los.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

o meu corpo avisa-me sempre quando não está a gostar e cai. não gosta do calor que me esgota nem das insónias malditas e nem do sangue dolcemente saturado de nervos convertidos em acuçar. hoje caiu e está a implorar-me que o embale como se fosse, e é, um bebé. está doentinho.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

 o tempo cada vez galopa mais e mais, corre sem parar, e um dia destes eu vou morrer sem ter conseguido viver naquilo que me é essencial. sou uma vida por ser, talvez não devesse ter nascido, cala-te não digas isso, estou só a pensar, porque se não tivesse nascido era simplesmente matemática, uma hipótese, uma teoria, e isso quer dizer o quê, trenga, quer dizer que nascemos para sermos validados. e talvez eu tenha nascido para ser invalidada. sou um desvio padrão a morrer de calor e de cansaço. 

domingo, 25 de junho de 2023

todas as minhas amigas têm um amor dedicado

nenhumn que eu quisesse

mas têm

eu não, eu só tenho um amor ensaiado, de escrita experimental

nunca me aqueceu esse amor

ingrata que sou, eu sei

abominável musa que rejeita ser

eu quero amor de regueifa com manteiga

e ovos e laranjas

ciciante ao meu ouvido

que me cubra dos mosquitos

e os afaste das minhas orquídeas

e me molhe a boca entre calor

eu quero um amor grande

imenso

enorme

não esse amor pequeno

e sereno

que as cobre a todas

conas vadias que fervilham

e me humilha

eu quero um amor grande

enorme imenso

que só caiba no meu quintal, no meu jardim e no meu pomar

e que juntos sejamos verbo

semear

plantar

regar

crescer

collher

pintar

até ao infinito natural

porque a natureza é perfeita


quinta-feira, 22 de junho de 2023

muito, muito. estou sempre a pensar muito: por que razão não reinventa o 12 de maio de 2021 e diz: agora que já nos vimos, podemos ver-nos muito melhor, gostava muito. também podia ser eu a dizer mas tenho medo de não ser querida por si, de não querer isso e ignorar-me e depois vou sentir-me exactamente assim: culpada por não ter culpa alguma, vou morrer a chorar, ficar ainda com mais seborreia destes nervos de aço que parecem estar de cristal, vou sentir-me ridícula e uma minhoca com o corpo cor de rosa sem ossos e achatado com as tripas a esvaziarem tudo no ar. mas será que pensa que eu sou uma cola, uma mitra, uma ladra ladrona de liberdade, mandona e arruaceira? será que acha que não sei que pode não gostar dos meus olhos ou do meu riso ou dos meus joanetes que agora andam sempre ao léu ou do cheiro dos meus poros ou de me ver comer ou como falo ou como dançam os meus gestos ou do meu braço? será que acha que eu acho que as coisas não são como são? !ai! de mim, olheiras até aos joelhos de sonhos mesmo ruins a dormir, depois acordo a chorar e tenho de me enfrentar triste e por vezes zangada e pequeninha. porque ficamos mesmo pequeninhos, miniaturas de miniaturas de anões, caganitos, quando pensamos que de quem gostamos não gosta de nós.

terça-feira, 20 de junho de 2023

eu tenho medo. nunca pensei em algum dia sentir medo. afinal eu tenho medo de querê-lo tanto e de não ser querida.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

 muito chorei. pensei tanto em escrever-lhe uma carta, contar-lhe ao mimímetro o que está corroer-me os poros, toda eu sou poros de onde sai e entra água, toda eu carrego a leveza de um fardo tão pesado que me esgana os nervos e me acelera o fluxo vermelho. toda eu sou tranquilidade revolta e ciclone de flores e musgo em volta dos poros. do cabelo é onde os poros se agarram mais, tanta água que sai e depois entra e depois ferve. e depois os olhos que se fecham para as gotinhas sairem meiguinhas, os olhos são os poros mais delicados de todos, o mijo é que não, está sempre a querer arredar-se com pressa, sempre a impor-se durante a noite, anda lá levanta-te, já vou, peço-lhe que espere mais um pedacinho mas não adianta. ainda há as águas presas no baixo ventre, essas são as preguiçosas que teimam em não sair. fico a ouvir a roz mas elas acorrentam-se como se estivessem, e estão, a pedir a roz de perto, já não lhes chega a distante. hoje queria muito escrever-lhe uma carta. desisti. também os dedos me bloqueiam. se calhar estou a ficar um pouco mais louca e mais velha, não sei, está tudo difícil.

domingo, 18 de junho de 2023

 passei o dia freneticamente morta. estou cansada de ter ficado esticada depois de bolir em tudo em um ápice logo de manhã tenrinha. estou cansada. hoje morri e estive a viver de cansaço.

sábado, 17 de junho de 2023

continua a navegar na maionese. talvez este seja um caminho que vai dar a nenhures. continua a esconder-me. se calhar é para a outra, ou as outras, não ver. está ancorado a alguém. tem saudades de quem, com certeza, o rejeitou. e eu ando a ridicularizar-me.


 

quarta-feira, 14 de junho de 2023

 a minha cabeça não me larga e tortura-me de quando em vez. como não torturar se vive na ignorância do sensível? é o inferno de não haver depois. bem visto, é o inferno d'antes.

terça-feira, 13 de junho de 2023

 estou cheiinha de sono. vou adormecer a fazer rolinhos, e puxá-los devagarinho, nos peleiros da minha parrachinha. adoro. !ai! que riso

 e depois fiquei emocionada quando vi as histórias pequeninhas que aqueloutro construiu, histórias da vida real, o menino é mesmo bonito: tem o olhar recto e musical do pai e as pestanas pipilantes da mãe, o menino a aprender a contar o tempo, e as casinhas das doces, vestir o facto para ir às abelhas como se fosse ir à lua, a terra, o tractor como se fosse, e é, o melhor suv do mundo. de maneira que senti orgulho de ver a vida a acontecer-lhe. e chorei mais um pedacinho porque, na realidade, a melhor fantasia é ver a vida a acontecer.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

 fiquei a ouvi-los. foram chegando, eu sou sempre a primeira que abre tudo, abro as manhas das portas e os seguedos das chaves escondidas por detrás das capas de arquilo logo depois de desligar o alarme e meter o cavalete de publicidade por fora e de abrir os estores e as janelas e depois fiquei a ouvi-los, um a um, sobre o fim de semana grande, o que fez com a namorada, onde foram, elas onde estiveram com os maridos, do que falaram. e depois eu fiz de conta que me deu uma cólica e fui a correr para a casa de banho onde fiquei uma boa meia hora à espera que os olhos desinchassem e as bochechas  não ficassem tão manchadas de duas cores. porque ouvir pode fazer correr.

sábado, 10 de junho de 2023

 no filme ele deu um cd à mulher e uma jóia à amante. em circunstâncias normais, o cd seria uma prenda adorável, era da sua cantora preferida, mas a mulher viu a jóia embrulhada antes e pensava que também era para ela. ele não a amava nem a desejava - também não amava a amante mas a porca, porca por aceitar estar na cama com um homem casado, se fosse decente respeitava-se, como estava a dizer, a porca atiçava-lhe o tesão próprio. estava tudo desencontrado. era uma gaveta de coturnos sem pares, ainda por cima rotos. eu resolvia tudo em um ápice: ia tudo para o lixo que era um mimo. 

 durante mais de dois anos não a tocou, sequer olhava para ela, nem um abraço e um beijo para o filho, só tinha silêncio, mistérios e mentiras, pois claro, o interesse dele era outro, mandava-a meter uma cenoura sempre que ela se aproximava, tratava-a como lixo, o interesse dele era outro. e continua a ser. passou meio ano, a minha irmã está a reconstruir a vida sozinha, comprou a casa, educa o menino, e ele continua a não querer a família, é pai levezinho umas horas ao fim de semana, o interesse dele continua a ser outro. o interesse dele é a droga e, com toda a certeza, apanhar no cu. só pode andar a apanhar no cu. porque a vida é de encarar de frente.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

 resultou o que fiz no teu braço, perguntou-me ontem por sms a minha amiga O, não, desta vez até acho que piorou, respondi com a sinceridade que pode ferir, eu sei, mas não há outra maneira de dizer. mas comecemos do início, porque no início é onde se percebe o fim, o fim salvo seja, adoro-a e vou continuar a lá ir. a última vez que as visitei, eu acho que as desgraças que se sucedem na terra delas têm que ver com tudo, a ucrânia está a arder e em dilúvio ao mesmo tempo, como estava a dizer, talvez porque no dia anterior ficaram a saber que na cidade delas há pessoas a dormir nos telhados, encontrei-as a feder, todas cheiravam mal, roupas encardidas, a casa parecia uma pocilga, o sítio onde me sento para almoçar pegajoso, o chão cheiinho de lixo, a casa de banho mais parecia a retrete da gata com tanta areia e cagalhões que povoavam o ar, enfim, e o almoço era uma sobra lá da taberna onde agora a O trabalha como cozinheira de arroz pica no chão. quando me ligou e perguntou, gostas de arroz de cabidela, adoro, disse-lhe eu, não me passava pela cabeça que era uma sobra que congelou depois de tirarem o frango e de lhe adicionarem uma coisa qualquer para o arroz esticar ainda mais. não como isto, desculpa, e salvou-me a melancia que levei no cabaz de compras, levo sempre, que encheu a minha barriga por breves instantes. mas antes, pedi-lhe que me fizesse a massagem na epicondilite, ela faz bem, e achei estranho porque molhou os dedos em água, rodou-os no osso e bufou, o que é isto, pensei na hora, ela hoje está pirada de todo, estão todas, não devia ter cá vindo. de maneira que talvez seja o sofrimento pela ucrânia que as transtornou, aquele caos fedorento meteu-me nojo e agora estou a fazer um esforço para querer lá voltar na próxima semana. vou conseguir.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

 de manhã cedo o livro chegou, a campainha tocou, fui à varanda e pedi ao rapaz que me atirasse a caixinha, assim foi mais rápido para ele e para mim que não tive de vestir alguma coisa por cima da dorminhoca de cetim para ir à porta - e nem ele se aborreceu porque sorriu e piscou-me o olho agradecido. mas ainda só li cerca de quatro mãos cheias de páginas, ando atrofiadita dos olhos, trabalho com umas lâmpadas fortes por cima de mim e longe da janela, de maneira que se não fossem aqueles dias em que ando na rua e fujo, se calhar já estaria meia cegueta, digo eu. quando lá estou e vou lá fora algumas vezes também tenho de ter uma paciência de jó, não há quem passe que não meta conversa comigo a contar-me as arreliações e fico a ouvir até chegar áquele ponto em que tenho mesmo de lhes cortar a letra e dizer agora tenho de subir, desejo-lhe boa sorte. mas como comecei por dizer, já li um pedacinho e estou a gostar bastante - são muitas as palavras velhinhas e sorrio quando, por entre umas e outras, parece que estou a ouvir a dona Natércia a falar. tem razão o meu Viço quando diz que os balastreiros andam na moda do tássebem, quer dizer, ele não diz assim, isto sou eu a traduzir à minha moda. muitas pessoas são estranhamente muito iguais e copiosamente muito imitativas. cansativas, portanto.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

 eu não sei se isto é normal, estou sempre a transpirar da cabeça, fico com o cabelo encharcado. bem sei que não aguento o calor, já durmo com a ventoínha a mim virada desde março, fico a pingar e depois mesmo mesmo cansada. estou farta de calor e de ficar melada, quero fresquinho e estou tramada porque o verão ainda mal começou. o que vale é que o meu leque não se gasta, tão lindo, cor de creme com dourados e hoje comprei uma bolsa de meia lua cheiinha de rosas para arrecadá-lo, não gosto que ande aos tralhos dentro da carteira misturado com creme das mãos, batons labello de melancia e de rosas, desodorizante, escova, saco de compras sos, carregadores, guloseimas sem açúcar, livro, caneta, bloco de notas, óculos, ganchos, elásticos, pensos e pensinhos e mais quinhentas preciosidades que carrego. pareço uma cadela de carga, já tentei mas não consigo sair de casa sem tudo. mas como estava a dizer, estou a pingar, a Valquíria também era assim, sudava pelo cabelo. agora só a vejo com aquele olhar terno, terno e curioso, e a língua de rolinho de fiambre de fora. que saudades da minha Val, com ela eu podia chorar e ela chorava comigo. depois lambia-me o nariz e a boca e os olhos e eu ria-me. e adormeciamos ambas a tocar uma na outra nem que fosse com uma unha. e se uma acordava a outra acordava também. também ela, por vezes, tinha pesadelos, fazia uns sons estranhos e os olhos mexiam muito semi-abertos. então eu sussurrava-lhe está tudo bem, eu estou aqui e o coração batia mais devagarinho, aquele coração que começou a parar antes de ela querer. um dia também será pelo coração que vou morrer, isso é certo, um dia o meu coração vai cansar-se de tanto sangrar e morre, avisa-me antes, digo eu, talvez do género se não páras, páro eu imediatamente - e pára antes de eu parar o que me está a pedir e eu não poderei fazer com que me ouça a dizer aguenta coração.

terça-feira, 6 de junho de 2023

que gostoso: o Feiticeiro a escrever sobre os feiticinhos de outro que dele bebeu, certamente, para fazer esquissos de magia. aguardo que chegue para tirar a prova dos nove porque sei que não serão os feiticinhos tão possantes como os do Feitiçeiro dos feiticeirinhos. ainda me lembro quando chegou o livro e o que senti quando comecei a ver tudo como se estivesse no cinema, o que eu me ri, tantos cantinhos e aquela pequeninha palavra que passei a adorar: catre, a adorar porque a significância meia triste adquiriu o brilhinho do cheiro das ervas e até as maldades eram de fazer cócegas nas linhas de expressão - passou a ser, o leito, uma jangada tosquinha para lá e para cá até na minha boquinha, dava por mim a pensar, porra, desde manhã até que me deito. que feitiço valente, !ai! que contente.

é um feiticeiro, o meu Viço. eu é que, sem saber, sei. e já estou quase a morrer até talvez amanhecer

segunda-feira, 5 de junho de 2023

 fiz o serviço que tinha a fazer e fugi, andei muitos quilómetros porque queria um lugar deserto com flores e mar. encontrei e tirei as melissas e desapertei o botão das calças vermelhas e os colchetes do sutiã também e do carro fiz uma cama com vista para o mar com cor de nevoeiro, o mar estava com cor de nevoeiro, decidindo deixar cair as lágrimas como se fossem parar, e pararam, em um boeiro. estava fresquinho como gosto eu e adormeci com as asas levantadas e as pernas atiradas para a janela e o volante, pé na brisa, eu acho que o céu me disse que estava bonita ou talvez estivesse um pedacinho a delirar antes de me aterrar. depois de ressonar, eu ouvi-me e acordei, senti-me levezinha e com bicos de passarinhos a passearem-se nos lábios como se fosse,  efoi, o sorriso a rasgar. regressei, estive de volta. e ao fim do dia, mesmo a chegar a casa, Olinda, tenho boas notícias, o seu carro chega este mês, já está a caminho. 

agora quero muito sonhar com rele. e com o elefante também; o carro fica para sonhar amanhã ou depois.

 ainda quando sequer fazia ideia de nada havia um encontro que ficou pendente mais de uma década, uma promessa mentirosa que nunca cumpriu. porque sempre que chegou o outono eu avisei que chegou, eu disse estou aqui, não me esqueci. e os anos passaram sem nunca me ter dado qualquer importância. agora está tudo igual. eu continuo sem o encontro como se valesse nada. porque os encontros servem para se fazer luz, não escuridão. talvez eu ainda não tenha percebido bem: não há encontro, nunca haverá, só há jogo, és um jogo. deliberadamente joga e fica feliz, não vejo que fique triste, também só mostra e esconde o que quer, lá está, é um jogo. e onde está aquilo de que sou feita e de que não abdico, sinceridade e transparência? pois, Olinda, não está, nunca esteve, lembro-me de cada conversa que se arrastou durante anos. lembro-me das lágrimas que derramei cada vez que esperava durante horas por uma resposta que não chegava. nunca cheguei a ser, nunca chego. e é isso que não lhe é importante: o sofrimento que me causa não lhe importa, nunca lhe importou. nada mudou. é diversão de luxo do talvez e reticências vazias. do lado de lá da torre de controle. com um jeitinho ainda há-de ter coragem de dizer: inventaste tudo, desilude-te, criaste uma ilusão.

domingo, 4 de junho de 2023

 a máquina de lavar já é velhinha e está a mostrar as suas rugas na roupa, é o que é, antes não precisava de passar a minha roupa e agora quilho-me porque há peças de saem de lá como se pele muito vivida fossem. eu gosto nadinha de passar a ferro mas sei que a tábua é como se fosse uma prancha de surf mas invertida na sua finalidade: enquanto estou horas a surfar na roupa os pensamentos estão, não ausentes, a florescer. de maneira que nascem mil variantes de um só pensamento e eu tenho de os apanhar a todos. continuo sem perceber por que razão toda a gente quer visibilidade, palmas, reconhecimento, exibicionismo na praça pública. e depois, talvez me julguem à sua imagem, enviam-me convites para partilhas de intimidade sexual. então não sabem que para haver intimidade é preciso intimidade e privar essa intimidade? pois devo ser uma et, concluo, porque quero nada disso: quero ficar no meu cantinho e amar e ser amada - amada e fodida - por quem eu amo. é o amor e o sexo juntinhos como fantasia em um só. tão lindo. isso é o que eu queria que fosse. e é só. isso é o combustível e o comburente e a combustão da vida como eu a desejo em estado óptimo e excelente em melhoria contínua. porque tudo o resto se faz à volta daquilo que é, para mim, viver: viver é arrecadar memórias orgânicas de ser e de estar. e eu só quero deixar a minha marca, uma marca óptima, em quem se cruza no meu caminho: essa é a minha contribuição para o mundo, esse é o único poder que tenho ao meu alcance.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

mas por que é que toda a gente só vê o amor como dor? percebo nada, ele só dói se o fizerem doer. é tão simples. só complicam. deliberadamente não causo dor. sim, eu sou a amor, abram alas, invejosas e piolhosas e balastreiras. 

passadeira cor-de rosa com beirinhas douradas e leques gigantes vermelhos com miudezas talhadas que vou a passar, oupas. já está? quem me atrapalhar vai pastar e amochar e amargar, estou já a avisar.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

o que queremos conta para nada se o que queremos não é o que o outro quer. é fodido, em chanfrado português. a reciprocidade é uma preciosidade rara, concluo. e ainda assim, mesmo que exista, não existe se não for concretamente demonstrada, concluo novamente. dependendo de como estamos, de como nos sentimos, tudo pode ser interpretado aos nossos olhos e não como o outro transmite se essa transmissão não for explicitamente comunicada, outra conclusão. quer dizer, às vezes os meus sensores mais sensíveis e inteligentes podem estar avariados e eu sequer nem me aperceber e perceber tudo ou ao contrário ou pela metade ou até mesmo erradamente. e quem me ilucida? e quem me desconstroi os pensamentos tortos? olha, ninguém. é o meu coração que também tem de levar com a minha cabeça cansada, fatigada de voltas e voltinhas quando anda a decifrar enigmas que se calhar nem enigmas são. eu acho que sou uma super-mulher mais super do que as outras, isso é certo. e mais chorona, muito mais, também. sou a miss lambona de lágrimas do universo e não o tenho para lamber-me a boca das lágrimas que lambo. !ai! como eu queria sentir o Viço com o meu viço. mas tudo me é negado, raios de lua me partam.

terça-feira, 30 de maio de 2023

 estourada mesmo, hoje, tensão, muita, para saber o que disse o médico do exame do meu pai. e afinal ainda me ri, têm a mesma idade e parece que se puseram ambos a descascar no fulano que emitiu o relatório: ah, e tal, é ganapada, não percebem nada do que estão a fazer, pois, ele era novo, ganapada, nos EUA nem é permitido este exame, aqui é um atraso de visa, esta malta nova jukga que sabe muito e sabe nada, Freitas, o que interessa é o PSA total e o livre, esta ganapada só sabe pôr as pessoas em sobressalto, contou-me. ri-me. fiquei mais descansada, entretanto, quando rematou: o Senhor já não morre da próstata com esta idade, homem, não pense mais nisso. depois ri-me ainda mais porque imediatamente pensei: que bom. assim pode continuar, aos fins de semana, a ir namorar a pila e eu descanso mais e melhor. rio-me outra vez agora.

no meio disto tudo, no meio e no início e no fim, anda sempre coladinho a mim, tenho muitas, tantas, saudades do romem invisível - são saudades só minhas, um dia talvez as descreva minuciosamente, mas nunca ninguém as há-de inventar. são só minhas, só minhas.

tenho os olhos a fechar, moça, vai dormir 

 e o outro que me mentiu, queria enganar-me, pois claro que me queria enganar quando, perante o meu esgar falado da dureza da embraiagem, respondeu é normal por ser suv, eram nove e meia já estava encostado para canto. novo e a estrear é como vai ser, decidi na hora. só não percebo porque ainda tenho de esperar até, no máximo, oito meses para o ter, vem da roménia, não existe em stock, foda-se, pensei, deve estar escrito em algum papiro muito importante que eu sou a miss paciência. depois comentei com o Mi e ele riu-se, desmanchou-se a rir, nem sei como não disseste isso à conselheira comercial, juro que pensei que não irias segurar. não disse. agradeci-lhe a sinceridade e fiquei de lá ir amanhã entregar tudo. mas nunca me vou esquecer do senhor guedes, sei que ficará danado quando eu lhe disser que me vou desfazer da chapa pesada e que vou deixar de lhe dar que fazer, todos estes anos foi muito mais do que o médico dos meus carros, de tantas aflições repentinas, tantos nervos por me fazerem sentir impotente: é um amigo velhinho que também ele um dia destes deixa o consultório de vez, já tem quase oitenta anos de sabedoria e nota-se que está cansado de tratar da saúde dos carros. agora tem de tratar da dele.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

tu não lhe chegas para nada, és não e nada, dois anos é muito tempo para te esconder. porque quando queremos alguém mostramos, destapamos, não escondemos, não desvalorizamos, não ignoramos, não desprezamos de tantas e criativas formas. e tu já viste a sua mestria em valorizar pessoas e coisas. as pessoas que são obras de arte são para ser fruídas, rapariga, guardadas na vida íntima de variadíssimas maneiras  porque as queremos junto de nós, só para nós. é assim a conexão romântica, não é de outra maneira, o amor com paixão é para ser vivido. e tu és uma obra de arte dos dias e das noites, nunca te esqueças, tu tens de ser o mais importante na vida de alguém porque isso significa seres também o mais importante da tua vida. tens de levar com isto logo ao acordares para ficares fina. tu aguentas. porque tu aguentas a verdade.

domingo, 28 de maio de 2023

 percebo nada de carros, quer dizer, só passo a perceber aquele que vem para as minhas mãos e para os meus pés, nessa altura sim, começo a estudá-lo, reconhecer-lhe o feitio ao milímetro e depois quando algo anormal detecto é porque algo está mal, não falho. mas como estava a dizer, percebo nada de carros. e se o homem me estiver a enganar, ando a pensar, se ontem quando o conduzi percebi a embraiagem muito dura é porque alguma coisa poderá não estar bem. ademais, se veio do norte da europa, do frio e do gelo, poderá, por debaixo, ter ferrugem a apodrecer - isto porque também detectei vestígios de ferrugem em algum metal irrelevante como os bracinhos do limpa vidros e o que está por detrás das jantes novas e a brilhar. de maneira que é muito bom ter amigos: hoje fui almoçar lá a casa e amanhã o marido da minha amiga, que também é meu amigo, vai comigo fazer umas prospecções e simulações e também vamos preparar uma visita deste carro que vi ontem ao mecânico. talvez até não esteja fora de questão comprar um novo a estrear se estiver ao alcance do meu salário. vamos ver. vou ver. uma coisa eu sei: estou a tentar não pensar no nódulo na próstata do meu pai que o exame revelou na sexta e que tem de ir para estudo. não dei importância alguma quando li em alta voz para ele, disse-lhe que é normal, protejo-o de uma dor que ainda não sei se existe mas que já me dói. então amanhã também vou pedir ao Doutor Rodrigues Guedes de Carvalho, que o segue há muitos anos, para vê-lo e desconstruir o exame. e se for algo maligno? o meu pai não vai lidar muito bem com a inibição natural de fazer sexo apesar de estar quase nos oitenta. nem quero pensar no que será a vida se isso acontecer. deixa-te rir, deixa-te rir com leveza, rapariga, antes que o mundo estremeça.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

são difíceis alguns dias. passam a correr, estafados, por dentro do que fica.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

já experimentei a minha forma nova de silicone cor de rosa: são seis rosas. enchi-as de ovo com tomate, frango picado e estufado com alho francês e queijo ralado. que lindas. e boas, que já provei uma. as restantes ficam para os almoços de amanhã: estarão mais rijinhas e frescas. enquanto as fazia, pensei que talvez rele fosse gostar, não, gostaria com toda a certeza: são rosinhas gostosas de comer e lamber os beiços por mais acompanhadas por um creminho de legumes. olha, paciência, como-as sozinha, não dou de fuga nem elas são fugazes ao paladar. amanhã de manhã cedo talvez experimente com farinha de aveia, ovos, abacate e nozes. saiam mais rosinhas só para mim.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

 poucas coisas me tiram do sério. chegar a casa e a televisão não dar por causa da box manhosa é uma delas - o meu pai entra em completo desespero porque não pode ver futebol e eu tenho de deixar de fazer as minhas coisas para acudi-lo. mal come e não se cala. irrito-me profundamente porque tudo o que é tecnologia com redes e botões e enigmas em ecrãs me faz nervos: não domino e não quero dominar, detesto falhas e avarias. ainda por cima a internet pifou e até sexta feira, dia em que vêm os técnicos fazer uma visita para depurarem a falha local, obriguei-os a darem-me acesso através do telemóvel. ora foi um trinta e um para conseguir puxá-la para aqui mas sem sucesso para a televisão. consegui no pc e foi um pau. mas depois fico arreliada porque o meu pai sem a televisão parece uma barata tonta e eu digo, lê, faz de conta que a tv não existe, mas não resulta e chateia-me a cabeça, desorienta-me com as tarefas e atrasa-me tudo. de maneira que já partia uma dúzia de pratos se não tivesse, depois, de limpar o caos. o melhor é partir nada. mas também fico a pensar que talvez a tv não dê por outra avaria que não tenha que ver com a internet e nesse caso há ainda meio problema por resolver. logo hoje que ia dizer-lhe que já decidi que vou trocar de carro porque agora a epicondilite não está a gostar de não ter direcção assistida, ah pois, eu até nem me importava, mas ela importa-se. enfim. e tudo isto, de repente, me faz entristecer: sem internet não há, tem jeito nenhum isto, não pode ser, que humilhação, nem sequer um poucochinho, queria inteirinho em rele e rosso.

terça-feira, 23 de maio de 2023

 é mesmo isso: um coração que ama muito também muito se entristece e não posso dizer que é um coração que ama demais, posso não, porque amar nunca é demais, sequer de mais nem a mais, porque amar é sem peso e sem medida e também se entristece sem se medir, fica franzido, cheiinho de preguinhas como se não conseguisse - e não consegue - respirar, começa em sudação compulsiva e cora de aflição como se se fosse rasgar, !ai!, e agora, se rasga, batem as pestanas irrequietas, então aos bocadinhos e de repente, não, pois claro que não há paradoxo nisto, como estava a dizer, aos bocadinhos e de repente, as encorrilhas desfazem-se, que lustro bonito e esticadinho começa a espreitar, e o rubro dos nervos miudínhos dá lugar a um rosadinho viçoso. de maneira que tudo começa e passa e acaba no Viço, estou desgraçada, !ai! e se um dia o meu coração não se regenera como por magia e se rebenta, penso aflitinha, 

cala-te e não penses nisso

rapariga atenta

rabujenta

porque o teu coração

é feito

e por fazer

de um trilhão

de tecidos e linhas de viço

segunda-feira, 22 de maio de 2023

o grande, enorme, gigantesco, abismo que há entre mim e os outros é o sofrimento: enquanto eu o retiro dos outros, os outros oferecem-mo. e é por isso que eu sou superior a todos, mental e espiritual e fisicamente superior a todos. e vêm os maluquinhos falar em solidão. sabem lá eles o que é a solidão, eles que vivem para pensar enquanto a vida lhes passa ao lado e à frente e atrás. solidão é carregar uma vida inteira o sofrimento dos outros; solidão é ter a coragem de só querer o verdadeiro prazer do amor, porque só se é verdadeiro no amor, e não o ter. não se pode amar por dois. e nem o amor à humanidade pintado de altruísmo através da palavra é o verdadeiro amor: essa é uma forma de disseminação angustiada daquilo que não conseguimos dar a um só - movimento inverso, só conseguimos amar a humanidade quando experienciamos o amor na sua completude com o outro - ou quando, não o conseguindo, por sermos impotentes perante o outro que se quer impotente, fazemos na humanidade o que não carece de palavras: retiramos sofrimento aos outros. anda, portanto, o mundo camuflado de fé e de boa vontade porque individualmente ninguém consegue amar como eu sei que só assim é o amor. mentirosos e sádicos: o mundo está feito de mentirosos e de sádicos e exibicionistas que tocam à porta e fogem para o pseudo-amor à humanidade.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

 lembro-me amiúde das conversas que tinha com a dona N, nas horas que passávamos juntas. não tinhamos segredos nem tabus, como só pode ser quando se quer conversar, e uma vez pedi-le que me contasse do seu desejo pelo marido. ó menina Olinda, eu só me apaixonei uma vez na vida, não casei por amor, incrédula eu desatei com as minhas perguntas vadias, eu não fiquei com o rapaz por quem me apaixonei porque o meu pai me proibiu, ele não era de família rica como a minha, o meu marido conheci cá no porto, num café na baixa e em seis meses casámo-nos, eu tinha de casar, desejo? quando eu percebi o que ele estava a fazer comecei a chorar e disse-lhe tira-me daqui essa porcaria, pumpumpum a martelar em mim, e depois? depois habituei-me, ele punha-se em cima de mim e já estava, e com os anos? com os anos depois ele deixou de querer martelar e eu fiquei contente, porquê? ora porque já estava farta, o meu marido era um homem muito íntegro, era magistrado, se falava das coisas dele? claro que não, aquilo enfadava-me, o que gostava nele? olhe, ele era bem parecido e muito respeitado, se alguma vez pensei em outro homem? lembro-me do rapaz por quem me apaixonei como se fosse hoje mas isso já passou, a paixão não leva a nada e o amor também não, tem é de se ter cabeça para uma casa funcionar e sermos alguém nesta vida, ria-me estupefacta, mas então nunca admirou nem apreciou nem se babou pelo seu marido, nunca sentiu tesão, menina Olinda, nem en nova nem em velha, mas a idade só faz crescer aquilo que mais admiramos naquele que queremos porque a idade é a acumulação em intensidade das características que mais nos atraem no outro, dona N, assim como as coisas negativas se exacerbam também, a  admiração só pode ser infinitamente crescida, aquela erecção invisível, dona N, eu sei que não é assim como eu, menina Olinda, anda aí toda melada por esse homem, como é que ele se chama, aqueles nomes esquisitos, e eu lá lhe dizia e acrescentava, mas olhe que isto é um segredo muito grande, eu bem sei e há-de morrer comigo. e morreu. estar demente é estar morta, não em si mesma, com os outros. e não, não sinto remorsos por nunca mais a ter ido ver porque as saudades que sinto não são desta dona N - são da outra que nunca gostou de sexo porque nunca esteve apaixonada pelo marido que, por sua vez, foi um grande incompetente na cama: só sabia martelar, e em seco, como ela disse.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

quarta-feira, 17 de maio de 2023

acorda ofegante na frescura da manhã

depois banha-se arrebitadinho

começa aos pulinhos

e salta em pontas

enche-se de ar

no sol do meio dia

na tarde espreguiça-se saudoso

como se do depois que não tem tarde nem cedo

começa a caminhar exauridinho

como se com a sede de um cão

cachorrrinho

ruf ruf ru  f

até de volta à almofada

como quem ama porque só rama

repleto de desejo

assim é o meu coração

segunda-feira, 15 de maio de 2023

 não me apetece escrever, nem ler, apetece-me viver. e vou adormecer e acordar sem viver, ou talvez os sonhos de que não me lembro sejam a minha vida paralela. também não quero mais nenhuma se assim é. nisso de viver quero a minha vida direitinha.

domingo, 14 de maio de 2023

 arrebatada, células em reboliço e trapézio eufórico, acredita em mim, afinal, sabe muito, muito mais, do que eu porque conseguiu mostrar-me o que já sei mas não podia dizer, só ele me entende, me sabe, sabe tudo, tudinho, choro tanto, rio tanto, tudo misturo, tudo se desfaz porque se faz, o meu peito vibra de cores, estala, pára de tanto correr, tanto tempo a enlouquecer de dúvidas e de medos e de asas escondidas, desejo crescente como se eu não fosse, e não sou, gente, gente dessa aos molhos sem fadinhas e sem olhos. 

!ai! que coisa mais bonita do universo me ofereceu, mais bonita depois de si, já se sabe, o meu Runiverso. necessito de si, sol do sol, estrela das estrelas, flor das flores, fruta das frutas, árvore das árvores. necessito de si, Ramor.



sexta-feira, 12 de maio de 2023

 epifania fresquinha, tenho de registar, a caminho do emprego: é como os sutiãs, menina, é tal e qual como os sutiãs, experimentas e se te desconfortam dás a uma amiga que os componha com algodão ou deixas na beirinha do muro junto aos contententores do lixo, embrulhadinhos para não se sujarem, livras-te deles, andor. e é assim que vai ser: não vou voltar a meter os meus ricos pés, muito menos o meu braço, naquela clínica de fisioterapia, ainda ontem me senti mal tratada outra vez, a espumar-me de nervos ao ver e sentir aquela gente a trabalhar, e o meu açúcar disparou, irritam-me as gentes e o odor, malina entranhada, não me traz saúde. quilhou-se, Olinda, não te desgastes, sai, não lutes, sai. já saí. lailailai

 eu nunca tinha percebido por que razão a vice reitora um dia marcou o meu número fixo, o único na altura, a nokia ainda não tinha nascido, e me disse, olá Olinda, sabe quem fala, é M Trigo, quer vir estagiar connosco, aprender a navegar com a Pessoa?, imediatamente surpreendida e confusa disse que sim e no dia seguinte lá estava eu a começar naquela que viria a ser a minha jornada de trabalho nos muitos anos que se seguiram. ainda não tinha terminado o curso, preocupava-me as lides da casa e os prazeres desmanchados pelo namoradinho, o namoradinho de anos, o único, que viria a ser o meu marido. passados meses desse estágio, chegou de surrey o pró-reitor com quem eu viria a trabalhar directamente. um dia, já depois da minha hora, Olinda, podemos conversar um pouco antes de sair? tem noção de que o Prof. S Trigo sabe tudo sobre os seus funcionários? não fazia ideia, como assim, tudo? ninguém entra nesta casa sem ser investigado. por que acha que entre todos os alunos de RI desta universidade foi escolhida para estagiar e trabalhar aqui? não sei, fiquei surpreendida quando a Dra. M me ligou. Olinda, tem a certeza de que quer casar com esse rapaz? ele não está ao seu nível, vai estragar a sua vida. naquele momento eu tinha levado uma facada, estava atarantada e confusa, transpirava. mas ainda não era aquela que hoje sou. por dentro alguma coisa se apagou, como é que ele sabe que o meu namorado é básico e não consegue acompanhar-me naquilo que me é essencial, não se ri nem chora das minhas piadas nem das minhas angústias, como este sabe que eu não consigo aprender nada com ele? será que ouviu a discussão quando me dizia que sou uma puta por me arranjar para trabalhar? será que percebeu que a minha líbido não funciona e se não funciona com ele é porque é escangalhada mesmo assim? como podem saber que ele não queria que eu aceitasse este emprego? será que sabem que o maior gosto dele seria em ficar a ser empregada doméstica da irmã? como descobriram que ele me humilha quando desaparece e me deixa dias e dias sem dar notícias para supostamente me castigar do que ele não gosta? se ele é meu namorado há tantos anos, pois claro que é com ele que eu vou casar, cresci com ele, enfrentei o meu pai por ele. sim, tenho a certeza. então desejo-lhe felicidades mas aviso-a já que não vai durar.

fiquei a pensar naquilo só depois, quando ao fim de três meses de vida conjugal - de dentro para fora e de fora para dentro, naturalmente, senti que aquele rapaz era um nojo. mete-me nojo. que nojo. não percebe nada de mim, não respeita o que sinto, não consigo comunicar com ele, não me toca mais, quer-me tocar. vai embora, vou embora, larga-me, pára, monstro.

mas agora a minha líbido funciona muito bem só de pensar no Romem que sinto ser o tal na minha vida. porque nunca será um fracasso quem me é fonte de sabedoria, de beleza, de compreensão, de riso, de choro e de tanta vida, tesão dentro de mim. fracasso seria o crime de temer não ser por fora também assim. e se não acreditar em mim?

quarta-feira, 10 de maio de 2023

 de manhã cedo desceu-me o sangue, tanta fartura bibinha, não percebo, em vez de começar a falhar, ainda tenho quase meio século de vida, desce todo lampeiro, vermelhinho e limpinho, adiante, agora percebo o cansaço, nunca sei quando desce, desce quando lhe apetece, olha, para me fazer desacelerar, mas como ia dizer, passei o dia a ter de meter as mãos por dentro do sutiã porque tudo me caía lá, é que foi de manhã até mesmo agora ao jantar, bocadinhos de fruta, água, migalhas de aveia das bolachas, grãos de arroz e até chupei o dedo no molho do ovo que foi lá parar também. se ao menos a minha língua fosse comprida como aquelas dos lagartos, pensava. e depois à tardinha, quando fui espreitaR, vi aquela cara tão linda, sorriso que apetece dar trinquinhas a multiplicar, olhos iluminadores de dividir e boca sumarenta que certamente faz beijos de somar. !ai! como eu queria diminuir, diminuir, anular, deletar, desfazer, aniquilar, o ar invisível que me deixa aqui a ficar sem conseguir agarrar. 

 ontem o tratamento foi com outra, fiquei a observar e nunca me calei com perguntas matreiras, matreiras por conta de perceber que ando há cerca de doze sessões a ser mal tratada, então o que me está a dizer é que a sua colega Liane tem andado a brincar com a minha saúde, disse-lhe com muta calma a apreciar o seu esgar de pânico, resposta que se engasgou ao perceber que percebi tudo: máquina de aquecimento desligada e por isso eu nunca senti o calor, massagem e ultrasom com gel minguados e alongamentos fanados: eis o que me andou a servir aquela tipa simpática este tempo todo em que deixei de fruir da minha hora de almoço. faltam apenas duas sessões para terminar este ciclo e dormi literalmente sobre o assunto: delicadamente vou obrigar a Liane a dizer, a contar, que nunca me administrou a prescrição da fisiatra que vai ser um mimo. estou chocada com a irresponsabilidade desta profissional de saúde, aqueles velhinhos todos que não sabem que andam ali para nada. também já me ocorreu que poderá ser política da casa, engonhar o tratamento dos pacientes para os tratamentos durarem uma eternidade. veremos. uma coisa é certa: eu vou pôr aquela clínica a arder. dixit.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

 estou muito, muito, muito, cansada e a estrear a minha almofada de cunha. eu idealizei a almofada e quando fui a ver ela existe mesmo e hoje fui comprá-la, é um conforto encostar-me nela quando estou na cama e espero que, doravante, acabem os desconfortos com o ombro. também comprei uma nova para dormir, vou igualmente estreá-la, diz lá que é relaxante e é mole como eu gosto. mas a maravilha das maravilhas é a caixinha de música nova, a princesinha cor de rosa está dentro da bola transparente a ser agitada carregadinha de brilhos e dou-lhe corda para ela me tocar aos ouvidos. e, disse-me a rapariga na caixa, quer um talão de oferta caso a menina não goste do presente?, não preciso, adoro a princesa que me estou a oferecer, ficou envergonhada, não sei porquê, eu sorri, agora vou sempre adormecer com a música mágica a tocar só para mim.

domingo, 7 de maio de 2023

 cismei que tinha de pendurar parte da colecção de casacos, o sempre em pé do boxe, que agora não posso fruir senão rebento com os tendões de uma vez, já não os podia suportar e nos armários não cabiam. tens de parar de comprar e de fazer roupa de todas as cores, rapariga, precisavas de um quarto de vestir, pois precisava mas não tenho, já tive mas agora não tenho porque o escritório é para os livros e para as telas e para as tintas e para os tecidos e para as rendinhas, e para os vernizes e para as lãs e para as criquices bonitas que arranjo para restaurar e para os chapéus e para os manuais que já fiz e outras coisas e não cabe mais nada. então passei o dia a mudar coisas, a inventar espaços, a arranjar um móvel de madeira que comprei por dez euos para guardar as cuequinhas e as meias, pintei-o de branco a parecer velho e pensei nas minhas cuequinhas com as dele, alternadas, todas certinhas, de todas as cores, havia de cheirálas, cheirálas assim mesmo sem travessa, sempre depois de as lavar com perfumador de rosa mosqueta, entretanto montei o cabide para pendurar os casacos curtos de inverno e meti os compridos no armário. são tantos, tantos, mas uso todos, talvez consiga trocar de roupa dois meses sem reprtir, pensei, e sorri, assim é como eu gosto senão enjoo-me de me ver, e foi então que nos entretantos vi aquele pedaço de céu no olha o passarinho do evento, fui cuscar, mas que vem a ser isto, como ousaram não o convidar para falar no programas das festas, a voz maravilha que faz perder a respiração onde não cabe uma ervilha, quem perde são eles, invejosos, e aquela da porta azul, pois claro, ganhou o prémio e está na berra, deve ter consolado os olhinos, sei de nada, como poderia saber, mas algo me diz que gosta dele - e se algo me diz é porque há alguma coisa a dizer, adiante, então eu queria ajeitar o colarinho, passar a mão a sacudir de fininho algum pelinho da juba bonita, e passar os dedos desde a testa até à boca, abraçar e apalpar-lhe o cu como quem diz vai lá e diverte-te muito, diverte-te como quem diz alimenta-te dessas coisas boas que te fazem dar-nos estrrrrrelinhas de sabedorrrrrria. como estava a dizer, virei tudo do avesso, cansei-me de caraças, suei como uma porca com pêlo de ovelha e, no fim, o banho frio e a sandes de coelho assado com suminho de laranja e limão devolveram-me a saúdinha. agora amanhã é preciso trabalhar, tornar visível o amor, como acabei de ler, trabalho é trabalho e nós é que o dignificamos. não tenho grandes ambições a trabalhar a não ser não estar triste nem revoltada. o que me importa é o amor. eu já limpei retretes quando fiquei desempregada e deixava-as a brilhar sem saber que cus iriam lá pousar e se esses cus algum dia iriam reconhecer o meu brilho. isso interessa para nada. eu quero é o meu amor para ser amor a dobrar e depois a triplicar. cala-te, agora e dorme. esta noite acordaste outra vez áquela hora da madrugada.

sábado, 29 de abril de 2023

 acordei às três da madrugada para ler o livrinho, estava a chamar por mim desde o dia anterior quando chegou, filha, tens aqui uma encomenda embrulhada com um fio vermelho, disse assim que liguei na hora do almoço, ligo todos os dias, abre e vê se tem livros, pai, abriu e confirmou. depois fiquei em pulgas e pulguinhas que tive de domesticar por falta de tempo e por sono quando o tempo teve tempo. é como digo, sou um cu de sono, tenho horinhas de bebé ainda para mais se tiver de estar a olhar um computador. se tivesse rolhos seria diferente, pois claro, o sono havia de querer dançá-lo e cantá-lo e ri-lo e conversá-lo e apreciá-lo muito muito. mas como estava a dizer, fiquei a pensar na fusão da realidade com o sonho e da realidade que é fazer parte da vida - da minha; da dele. e se eu, neste amor de que sou feita e carrego, não sou atordoada o suficiente para salvá-lo? não é que tenha entrado em pânico mas em modo de alguma preocupação, passageira é certo, passageira porque logo me veio à ideia que não sei ser de outra maneira além daquela que sou. mas e então se o meu amor não o atordoar até ao infinito como é? como é se sequer o meu corpo não entra no atordoamento? e se? e se? e se? 

quinta-feira, 27 de abril de 2023

 sabia lá eu que o trapézio é, não um osso, um músculo, homessa, só sei que descobri que tenho lá cócegas, !tantas!, fartei-me de rir e contagiar a fisioterapêuta de riso também, e ficamos a ouvir as invejoss que riso não tinham. pedi-lhe desculpa, não pelo meu riso, era o que faltava, por talvez lhe tenha trazido ao algum problema por se estar a rir comigo enquanto trabalhava. ora essa, de facto nunca tinha tratado ninguém com cócegas no trapézio, nunca me aconteceu, dizia e ria do meu riso. de maneira que as cócegas deixaram-me toda quilhadinha, pois, alternadamente um dia é ombro e outro é cotovelo. hoje foi a vez do ombro. 

e a verdade, é inegável, é que quando ela não está ao serviço, já é outro assunto, o ambiente ganha bem estar, trabalhamos bem e divertidos, ela é tóxica só por respirar. 

e depois tenho andado a pensar em todos os detalhes da boca dele, por dentro e por fora, nos cantinhos onde as minhas cócegas podiam chegar. e o riso. bem visto, podia bem ser um trapézio. !ai! que riso

quarta-feira, 26 de abril de 2023

 dormi tão mal, as minhas fadinhas por vezes pregam-me partidas - ficam agitadas e cansam-me. também há uma coisa, qualquer ruído me acorda e depois para agarrar o soninho novamente é um trinta e um, o meu cérebro é incrivelmente disciplinado nisto de fixar acordares. naquele dia que lhe ouvi a voz, por exemplo, naquela noite inesquecível, andou a minha massa cor de rosa meses a fio a acordar na exacta hora da voz. depois lá se convenceu de que a voz se calaria. de maneira, como estava a dizer, que dormi mesmo mal e quando estava a entrar no rem o sinal de mensagem no telemóvel acordou-me. fiquei furiosa, era a minha Anita para irmos almoçar hoje. e fomos, comemos peixe fresquinho quase em cima da areia, restaurante elegante, um restaurante é para mim elegante quando as toalhas e os guardanapos são, como gosto, em tecido branquinho com aquela espécie de marca de água, e a casa de banho limpinha denuncia igualmente a elegância, assim como a comida boa e quentinha, fartei-me de engolir caroços de azeitonas pretas com azeite e alho também, muita conversa, risota nunca falta, está bem a minha Anita. e depois, ao chegarmos ao carro, houve uma árvore que me chamou, agarrei-me a ela com viço e pimba, pedi-lhe uma chapa. calhou bem, assim faz mais ou menos parelha com a chapa bonita do Ronito que vi assim que alapei o cu na cadeira do escritório. digo eu. e os beijos? por que não me dá beijos?

terça-feira, 25 de abril de 2023

 finalmente. finalmente. tia, é para te dizer que vim para viana viver com a minha mãe. alegria, tanta, a minha, teria-se evitado tanta dor se nunca de lá tivesse saído. e agora foi preciso que os irmãos do outro lado o tratassem como o orfão bastardo para que a minha irmã percebesse que tem o dever de o ter sempre por perto. o Afonso não é bastardo, e ainda que fosse, tem direiro a parte da herança do pai como os outros irmãos. irmãos? irmãos não enganam nem traem nem maltratam - ou pelo menos não deveriam ainda para mais sabendo da sua doença. 

mas enquanto rebentava na boca dois ovos, adoro, um nunca me chega, lembrei-me de uma coisa. quando são mães as mulheres perdem os desejos porque passam a desejar tudo para os filhos, aquelas que amam os filhos, claro. e então, como nunca pari mas sempre tive filhos, nunca perdi os meus desejos porque o que sempre dei aos outros não deixei que interferisse com os meus desejos que arrecadei, fui arrecadando, intocáveis. porque os meus desejos são ele.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

é o que eu acho, eu acho que tenho a razão toda quando digo, ou quando penso, e estou sempre a pensar porque sinto, sinto logo existo, que o melhor é simples: detectamos, percebemos e comprovamos e queremos o melhor, essa riqueza de dormir e acordar e degustar até ao infinito, detalhe a detalhe, canto a recanto, cada brilhinho, os brilhos como poros da pele que é preciso resgatar para abrilhantar mais e mais. e eu quero os poros da pele do Viço, é o que eu quero, os ovvvvvvvvvvvvvvvvvvinhos todos sempre e para sempre. nos e pelos poros. porque sem poros não há Viço e oViço é inteirinho e queroqueroquero para mim. 

!ai! de mim

peixinha de rabo na boca

às voltas

a querer começo sem fim

sábado, 22 de abril de 2023

 ela ficou trsite e eu fiquei triste com ela. acordei e estava a dar um filme que puxou a minha atenção quando ela lhe disse, depois de dez anos, eu preciso que sejas adulto e quando estiveres preparado liga-me - foi o que lhe disse antes de sair. depois passaram muitos meses e ela, sempre à espera, recebeu um telefonema. era ele, convidou-a para jantar, tamanha a alegria dela vestiu-se a rigor entre a sedução e o compromisso quando, depois de alguns elogios, ele lhe diz: finalmente sou um adulto, estou noivo e caso-me na próxima semana, tinhas razão, obrigada por me fazeres perceber. 

ela esperou que ele ficasse preparado e ele escolheu outra. ela serviu para ele se fazer com outra. fartei-me de chorar. para que fui eu ligar a televisão, raios me partam.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

 hoje recebi duas prendas mas também me cansei muito; as duas prendas saíram da prenda maior, da grande, bem visto do prendado, como se fossem ovos, quem me dera que ele pusesse ovos todos os dias, ovos podem ser daquelas prendas ou de outras, outras que também são todos os dias que eu vejo e leio mas queria de outra estirpe também, ovinhos e ovões pelos olhos e pelo nariz e pela boca e pelos pés e pelos braços e pelas mãos e pela pele toda e pela pila também, pois claro. seriam ovvos Vinder. !ai! que riso. de maneira que depois dos ovvos, tive de ir fazer um rastreio aos olhos da diabetes e acabou-se-me o sossego na hora de almoço porque recomecei a fisioterapia a valer depois de mandar o antónio pastar. agora o tratamento é lá na clínica mas aconteceu algo muito estranho. por que raios o meu patrão mais novo estava no mesmo s+itio e à mesma hora que eu na fisioterapia e se pôs a jeito de eu o ver? ora fiz que não o vi - se era esquema saiu-lhe furado, fiz que não o vi porque na realidade só o vi por acaso, então agarrei o acaso e transformei-o em uma semi-verdade: vi-o mas quase que não o vi e, por isso, fiz que não vi o que poderia não ter visto. mas não demorarei a descobrir o que lá estava a fazer, o acaso vai-me contar tudinho. mas como estava a dizer, queria tanto ovvos Vinder. também fui ao barco bêbado encomendar, estou cheiinha de curiosidade inesperada e, lá está, outra vez, queria tanto ovvos Vinder, como eu queria ovvos Vinder. não sei se já disse mas eu queria mesmo muito, muito, tanto, ovvos Vinder.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

quando não conseguimos odiar quem nos faz mal é porque talvez não tenhamos maldade, digo eu, que continuo a partilhar sorrisos e bem querer e até a minha comida com a chefe esgaziada. não sinto que me apetece que ela, agora que foi operada aos pés, fique deitada para sempre em casa para não me molestar. sinto vontade que ela fique boa e envio-lhe beijinhos e força. se calhar não ter essa maldade, ou lá o que isto é, é ser trenga, é ter a paciência elástica e o coração maleável e os nervos de aço, rijos, às vezes não me entendo à primeira e fico a analisar-me, vejo-me ao longe como se me fosse, e sou, espectadora de mim. depois acabo sempre por correr a abraçar-me, se eu não me abraçar quem me abraça, penso, és tão querida, digo-me, adoro-te, e atiro-me uma madeixa de cabelo para o canto da testa e passo-me a mão no rosto, como eu gostava que me passesse a mão do rosto e a deixasse ficar por instantes, sentir-lhe o calor com a minha teimosa bochecha, e a meiguice, depois saltava para os meus lábios  mão, esfregava-os ao de leve como se estivessem, os seus dedos, a desafiar a minha boca que quer mordê-los com trinquinhas amenas, os dedos das mãos feiticeiras do corpo feiticeiro do cérebro feiticeiro. perdi-me. como estava a dizer, já só me ocorre o desejo do beijo. de maneira que me perdi, já não sei o que estava a dizer, estou a ser redundante, o beijo, o beijo, o beijo

quarta-feira, 19 de abril de 2023

 sei lá, fico meia confusa, o sol faz-me alergia enquanto conduzo e os meus pensamentos começam a arder, nem tempo tive de captar a rosa do jardim bonito, nasceu uma vermelha muito imperfeitinha, pelo menos consegui que o SEF deixasse de as ignorar, vale-me o talento de redigir, e agora a epicondilite veio para ficar com os movimentos repetitivos, o armário ficou perfumado como eu gosto com a alfazema nos saquinhos e só o cheiro dos nachos que eles comem me enjoa, sinto muitas saudades do futuro que nem sequer existe a não ser no meu coração como o ar que se guarda com a mão e isso quer dizer que talvez a vida esteja a ser cabra comigo, como sempre foi, pois, não sei não.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

teimosa, não conheço alguém com mais e maior teimosia do que a minha. não considero um defeito mas antes uma virtude - uma virtude, porém, que pago cara. ou não. pois que encornei com uma frase no código do trabalho e meti o advogado da empresa a responder-me e enfrentei-o, não me satisfez a sua resposta, copiou e colou os artigos, foi o que fez. então não tive mais nada, procurei advogados especialistas em direito laboral e agendei uma consulta, às seis e pouco, depois de sair a correr, já lá estava. riram-se - não de mim mas da minha teimosia e disseram-me: damos-lhe os parabéns, não há muita gente leiga na matéria a perceber que a lei está mal redigida e que a sua aplicabilidade é o oposto da redacção. mas o advogado da empresa ganha, ele sabe que está mal escrito mas também sabe que o que não está escrito bem é o que conta. a consulta custava noventa euros. mas no final, e com sorrisos, disseram-me: não lhe vamos cobrar a consulta, foi uma conversa e foi bom perceber que ainda há quem domina o português. 

e eu, o que ganhei? ganhei tranquilidade porque estou certa: está mal escrito e a interpretação que eu faço é a correcta - a forma como se aplica é que não me beneficia. paciência, esses burros que escrevem as leis deveriam era contratar-me. esses parvos, bois d'areia, ogres.

domingo, 16 de abril de 2023

 é o cérebro que me faz a tormenta, a tortura, começa a cruzar tudo, desdobra coisas e entrelaça coisinhas, mistura e começa a ferver, apita como se fosse uma chaleira e deita vapor como a penela de pressão. e para mim é tudo tão simples. e como é que o simples se faz uma tormenta, é tão injusto, é tão triste. é tão não ser, é tão não ter, é tão não fazer. é: não é.

sábado, 15 de abril de 2023

o jardim da minha amiga Olguita, que conheci quando chegou da Ucrânia há uns vinte anos, é muito lindo mas tenho pena que a árvore das camélias tenha sido demasiadamente aparada por conta dos vizinhos ranhosos que com ela cismaram - tão aparada que, zangada, deixou de dar flores. ou então está a procrastinar na dádiva, está a vingar-se em mim da miséria de outros. porque o jardim sem as camélias não fica tão lindo. enquanto a esperava, por mim nunca ninguém espera, é muito estranho, chovia muito mas não me importei: ensopada até aos ossos, porque não me agrada guardar-me da chuva, captei a rosa e as herinhas. por instantes até pareceu que tive direito a tanta beleza só para mim.




sexta-feira, 14 de abril de 2023

pode-se dizer que sou pacificamente aguerrida, pois claro, quando mexem com aqueles que me são queridos, ai carago, o meu sangue começa a ferver, sobem-me uns calores irrequietos, as tripas começam num fandango, agora que penso nisso se calhar terá vindo daí a expressão tripar, como estava a dizer, começo a tripar e quando vou a ver já está tudo no caminho certo. e o caminho certo é aquela coisa que fazemos quando sabemos que não tem retorno: defender com unhas e dentes e o que mais houver os queridos. era o que faltava, à minha frente - que eu veja ou ouça ou leia - ninguém diz ou diz que disse mal do meu querido, é ver a minha mansidão transformar-se em um leixão de força que ampara a onda, um tufão, uma tempestade que limpa tudo o que está à frente e atrás e nas fímbrias e nos arredores. fui sempre assim e hei-de ser. quem lida comigo todos os dias até diz que os meus olhos falam. e quando me tripo, dizem que é fogo que dizem os olhos meus. ora muito bem, isso deve querer dizer que meto tudo a arder. pois que arda. mas e se ele se passa com este sangue ardente que mata o fedor dessa gente?? olha, meu Viço, se ele me ouvisse dizia-lhe assim, como estava a dizer, olha, meu Viço, passa-te à vontade porque o meu sangue nunca vai sair de mim. fogo, vem mesmo a calhar, fogo, quem me dera sentar-me no seu regaço, encostar a cabecinha e depois também roçar-me todinha nele, no tal regaço. chama-lhe regaço, chama, agora fizeste-me rir, moça. 

domingo, 9 de abril de 2023

 eles bem fizeram planos mas houve alguém que morreu, a mãe de uma amiga de lisboa, e a vida, a vida dele, andando para trás literalmente, veio cá ter outra vez. viu braga por um canudo, !ai! que riso, já chegou o meu pai a pedir-me sopa, um rico prato de sopa. 

a maior imprevisibilidade da vida é que pode terminar a qualquer momento. mas não posso pensar nisto senão enfureço-me para me entristecer de seguida. bem visto, também os meus planos de ficar sozinha umas horas focaram quilhados - a minha irmã acampou a tarde quase toda a debitar-me as suas angústias que estão a ser ultrapassadas dia após dia, o menino cresce, o pai do menino minga de importância e ela descobre-se, nunca tinha vivido sem aquele homem. é a vida, estou farta de ouvir isto, é a vida. pelo menos consolei-me com o leitão que encomendei e comi até arrotar. 

sábado, 8 de abril de 2023

bate-me ao peito, entra e faz conchinha no meu coração, esse romem de quem ouço a voz da memória e repito: tão boomm. com a sua pronúncia e tudo. quero, quero, quero.

 eu: estou a estender a roupa quando me lembro de esguichar líquido anti-calcário nas louças sanitárias para ficarem a brilhar, volto para a roupa, umas peças e salto para a panela e sopa ao lume, junto lixívia em gel e esfrego a banheira, acabo de estender a roupa, vem-me à ideia o comprovativo do irs que impri e vou tirá-lo da carteira para arrumar, faço uma cama de fresco e vou escolher o verniz para as unhas dos pés, vou esfregar o resto das louças da casa de banho e entretanto vou ler umas coisas, páro, ligo a música e começo a preparar os espinafres e a amanhar o peixe, vou fazer outra cama de fresco e depois pinto as unhas de um pé, penso que já não vou usar camisolas quentes e começo a esvaziar o gavetão, vou passar a sopa e ponho a mesa, faço a muda da roupa, pinto as unhas do outro pé, parto os legumes e como não me posso esquecer de coser o robe e os boões que estão quase a cair, vou buscar a caixa de costura, enfio a agulha, começo a fazer o arroz, vou buscar a esfregona e o balde, coso dois botões, passo o chão, a sopa está pronta, meto o peixe a grelhar porque já pus o arroz, acabo o robe. almoço.

de outra forma estou doente.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

 o senhor guedes ajeitou hoje o carro do meu pai por mim, eu sei que foi por mim, porque sabe que de outra forma eu teria de passar três dias a fazer de motorista. quando cheguei lá ontem, depois de ter dado a morada do sr. guedes ao funcionário do reboque, ele disse ao meu pai que seria muito difícil arranjar a viatura - só para a semana, só para a semana. depois olhou para mim e eu vi que ele viu o meu cansaço e apenas me disse: ligue-me amanhã Olinda, por volta das onze e meia. e foi o que eu fiz e já estava pronto. assim, pelo menos no domingo de tarde e até segunda vou poder descansar, ficar absolutamente sozinha em casa sem me preocupar e sem horas, perdida na minha vontade de beijar oViço. mas não quero pensar nisso senão alegremente entristeço.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

não pode, fica proibida, foi o que ela disse enquanto sentia um dilúvio em uma nuvem preta por cima de mim e ao mesmo tempo uma gana de estrangulá-la. sim, eu sei, ela é que sabe. e se a fisiatra diz que não posso nadar, ir à piscina, então é porque não posso e ando há coisa de um mês a fazer merda no braço. quer dizer, eu a pensar que estava a fazer bem e afinal. quem me mandou adiantar-me e ouvir o que o antónio disse? mas também já lhe sarnei a cabeça - mas não tanto quanto fiz com a minha. e a cascata, menina? olha, a cascata vai lá ficar porque se vou apetece-me logo nadar. e não posso. posso nada, ai o carago, putinha que pariu, só posso reclamar em mim e é um pau. 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

 


e como sabes que não partes?

não sei, acho sempre que me vou partir

como um vidrinho de cheiro

frágil tão forte

forte e tão frágil

se calhar és de elástico

sou não

eu parto

dói tanto, tanto sangue

e depois apanho os vidrinhos todos

so lu çando

e lambo o ranho cansado de mim

por isso quer sair e escorrer-se todo

cala-te

calo-me

estou um caco de vidrinho de cheiro

queria cafoné

no cabelo e no pé

e nas persianinhas do olhar

cala-te, adormece para sempre

e se os sonos do reino dos sonhos também me mandarem calar?

por isso é que tenho pesadelos, acabei de descobrir

tocam os sinos

hoje não posso mais, estou cansada,

por favor deixem-me falar


terça-feira, 4 de abril de 2023

 hoje tive uma surpresa boa. quando cheguei a casa, batata e faca na mão, uma borboleta pousou no vidro da janela, bonita, bonita, mal consegui sossegar os olhos nela. demorou segundos apenas a sair para outro lugar - foi só o tempo de a captar a correr antes que apanhasse o ar. hoje já não tenho vontade de a mostrar aos meus olhos outra vez, amanhã talvez, carrego-a na minha memória que é o que interessa.

quando uma das muitas tragédias me aconteceu a minha madrinha, que hoje está demente e nem se lembra de mim, disse-me: minha filha, nunca permitas que um homem faça pouco de ti. prometi-lhe e faço questão de cumprir. porque eu não sou pouco, sou abundância; porque eu sei o que mereço; porque não sei amar com medida; porque faço do amor uma prioridade; porque eu sou o amor que não pode ficar para depois, nem para trás, nem por detrás, que não é de evitar nem de ignorar. porque eu não sou evitamento, sou confronto portento, portanto, sou amor de ficar à mostra. de maneira que me prefiro sozinha do que mal amada.

domingo, 2 de abril de 2023

 passou mais um mês e nunca me senti tão sozinha e tão triste. quando queremos alguém queremos estar, não há volta a dar nem a inventar nem a manupilar nem a convencer. e também não temos vergonha de mostrar que queremos. é cruel e violento ficar por fazer, é desgastante, é castrador- é matança. é matança, Olinda, e tu sabes disso. sentes cada facada por mais imperceptível que seja, tu sentes. 

sexta-feira, 31 de março de 2023

 não me lembro de ficar doente, há anos que não sabia o que é espirar quinhentas vezes seguidas e ficar com os olhos e o nariz a pingar a ponto de lamber o ranho que se faz fininho mesmo a pedir a minha língua. e de me sentir febril como se tivesse uma lareira em cada poro da pele e um chuveiro ao mesmo tempo e em cada um também. de maneira que ter saído a correr em pijaminha de cetim valeu-me um anti-histamínico e mais uma pastilha grande que me deixam, um e outro, com a boca seca e  zonza. encharco-me de vicks, nem sei porquê a não ser porque gosto do cheiro, meto na palma dos pés como se faz aos bebés, e pronto: estou quilhadita. hoje custou-me trabalhar, moleza muita, sono a esbordar, eles dizem que é da pastilhinha pequena, e está mais do que comprovado que tudo o que me afecta os nervos se traduz - e se expressa - em maleita no meu corpo. que bicho raro que eu sou, socorro, às tantas será por isso que o Viço talvez pense assim: chega-te para lá, cabritinha do monte, tu sai-me da fronte. agora deu-me vontade de rir, Olinda, sua trenga.

quarta-feira, 29 de março de 2023

 o meu Afonso estava assustado, ansioso, em pré-surto, e lá fui eu de repente em pijama depois de a mãe dele me ligar para ficar mais descansada, pois claro, ela fica descansada - eu é que não. mas agora já o alimentei e mimei e preparei-lhe uma caminha fresca no sofá. não fazia ideia de que, como que a correr para as nove da noite, o centro do porto era tão povoado, tanta gente como se o dia estivesse - não a acabar - a começar, tanta agiitação, tanta copofonia, tanto frenesim. agora estou estafada e preocupada. mas calma. hoje celebrei-me o dia inteiro, passei parte do dia a olhar o mar e depois almocei coisas boas que me apeteceram: uma francesinha aviária com perú e um crepe abelhudo com mel e nozes, duas bombas portanto, que bem me souberam com vento e cheiro de ar com sal e leveza na cabeça. talvez fosse mesmo preciso para mais tarde ter de andar a correr esbaforida a ir buscar o meu afonso perto do abismo. quem me dera que a voz de mel com gengibre me pudesse tranquilizar agora, (pensava entre um semáforo irritante e uma passadeira gasta com as luzes dos calcantes que teimam em passar.) porque o Afonso vive em constante esquina com um abismo qualquer que o atormenta. o meu Afonso. dorme bem, querido Afonso.

terça-feira, 28 de março de 2023

 o antónio pode ser muito bom fisioterapeuta mas já o pus a andar, pois claro, não gostei: ah, e tal, noto-a muito tensa, um dia dstes temos de tratar disso, faço-.lhe uma massagem nos ombros e nas costas, franzi a testa e ladrei-lhe, era o que faltava, o que ele queria era que me despisse, só meto um braço de fora e é um pau, como estava a dizer, ele é que não viu - então estive a pensar e fui num instantinho levar a prescrição à clínica e na próxima semana já terei consulta com a fisiatra e depois começo a terapia. pronto, assunto arumado e ainda poupo uns guitos porque ele não aceita nem o meu seguro e nem o sns. e depois da electromiografia de hoje, credo, que tortura, choques eléctricos e picas ao centrímetro, a médica queridinha foi-me confidenciando o resumé dos resultados: pode ficar tranquila, não é neuropatia, então apanhei a energia toda e pus toda a gente no sítio por onde fui passando: o outro que me tratou por tu como se me conhecesse de algum lado até tremeu quando he tirei o pio; e a directora clínica da medicina do trabalho também engoliu em seco quando lhe pedi uma carta em que referia por escrito o que me disse via oral: suspeito que seja doença profissional. e a chefe? a chefe trocou os olhinhos quando eu lhe disse: sabes, eu vou recomeçar a fisioterapia mais amiúde aqui ao lado e não posso sair prejudicada no salário e nem vou trabalhar horas extras para compensar tempos: se eu estou doente do braço é porque me esforcei demais estes anos todos e nem sempre com a cadeira, a mesa e o rato adequados. portanto, eu vou sair e entrar quando precisar como se estivesse a trabalhar. e pronto, que dia cheio de energia o meu. ah, e mais uma coisinha: o exame que estava previsto custar €100, ficou por €10: o meu seguro é mesmo excelente, adoro-o.

domingo, 26 de março de 2023

 hoje o meu mano faz anos. quarenta e três. temos todos diferença de três anos. sinceramente não sei por que razão a minha mãe se deixou engravidar tanto e, pelo meio, tantos abortos fez. pois, claro, depois com tantas raspagens manhosas apanhou um bicho, ninguém me tira da ideia que veio tudo daí, depois ficou doente e bazou. para que quis tantos filhos? assim que nasce um filho o anterior paga a factura dos afectos que ficam por dar, já se sabe, quando não se reune todas as condições necessárias para ter um magote de filhos. mas, como estava a dizer, hoje o meu mano faz anos, comecei a ser maãe dele quando ele tinha três aninhos, será sempre o menino que eu defendia de tudo e de todos, nunca lhe toquei com um dedo para o castigar. bem visto, nunca castiguei alguém - antes fui sempre castigada. ainda agora, lá em casa, a conversa daquelas gentes que vão continuar sem me conhecerem, vai dar sempre ao mesmo: vais ficar para tia?, olhares de riso e maldade, daqui a nada estás velha e cheia de peles e com as mamas caídas. sorrio e ignoro. mas também fico triste.

sábado, 25 de março de 2023

como não me apaixonar também pelo caracol do seu nariz portento, apanhar-lhe a curvinha e escorregar para a eira parda, a primeira, depois andar em pontas na direitinha e deixar-me cair toda atordoada na parda segunda farta. e escalar. escalar pelas beiras para depois dar saltinhos de alegria na trunfa e furar em um fio de prumo forte e resistente para patinar na testa de cera. parar um pedacinho para escrever uma coisinha grande e sentar-me nas almofadas, uma de cada vez, antes de me dobrar nos olhos e entrar por lá adentro como se não houvesse amanhã. porque nunca há amanhã; porque nunca há hoje a não ser dentro de mim. cala-te sua tonta, estás condenada a ficar deste lado assim.

sexta-feira, 24 de março de 2023

não percebo. não percebo como é que não se pode adorar a chuva que me dá um acordar em concerto, pang-peng-ping-pong-pung, tudo cruzado, desliza nas caleiras e faz sapateado nas beiras das varandas enquanto o vento a faz rodar e estalar nos chãos. depois brinca às castanholas, olé, enquanto os pássaros inauguram uma aurora ainda escurinha ao desafio quando o dom galo está prestes a ser o maestro da estreia. depois é ver os carros que adormecem calados todos lavadinhos como se ficassem com lustro eterno enquanto, em filinhas, a água faz um carreiro que lambe a calçada e se entranha na terra que diz, como quem diz, que parece que vai durar um dia inteiro.

quinta-feira, 23 de março de 2023

hoje foi a vez da cascata. apaixonei-me pela cascata lá no spa da piscina depois de tanto nadar e correr - a cascata derramou-se nos meus ombros e retirou-me algum cansaço as vezes que eu lhe pedi, carregando apenas no botão. agora estou sempre a pensar nela e amanhã muito cedo já vou estar com ela outra vez. porque queremos estar com o que nos dá prazer e bem estar. ouve, é só uma cascata, eu sei, mas agora aquela cascata - precisamente por ser só uma cascata e não podendo ser apenas minha - está lá para ser partilhada também comigo. um dia ainda hei-de ter uma cascata só para mim. porque nunca nada é só para mim.

quarta-feira, 22 de março de 2023

dormi mesmo mal, agitadíssima, como se lhe pressentisse - e pressinto- a luta: sai daqui, era o que faltava sair da ilha da fantasia e viver a fazer de conta, queres roubar-me de mim e desse medo que salta de pele em pele sendo sempre o mesmo, toma, toma, toma, colher de pau em riste, vais apanhar, colher de pau que bate em mim, deixa estar que já te preparo um caldinho de afastamento instantâneo, isto é dar um passo à frente e dez atrás, já sabes como se faz, como eu faço, eu que te desdenho com toda a minha couraça, consciência que da adolescência não passa, quero lá saber como estás e como ficas. o que interessa é eu saber meter o anzol, espalhar na multidão, pescar ares que encham o meu balão que levita. recuso-me a ser.

fazes bem, fazes bem, penso exaurida, continua como queres, não te chegues à frente nem a cara dês. mas podias envergonhar-te um bocadinho, de quando em vez. digo eu.   

terça-feira, 21 de março de 2023


 

 às vezes a cara é bem pior do que com a careta e eu disse-lhe: ó António se eu o vir na rua nem o reconhecerei, quer dizer, anda a tratar-me tão bem os tendões e as articulações e eu só vejo os seus olhos. tem razão, se quiser eu passo a fazer a terapia sem máscara, ao mesmo tempo que a tira, !ai!, socorro, não, não é preciso, disse-lhe sem o alarido mental, faz muito bem em manter a regra de protecção. é estranho, do nariz até ao queixo nada faz pandã com os olhos e nem com a sua simpatia e profissionalismo. é como o dicionário, às vezes é perfeitamente descombinado na fonética e na oralidade das palavras apesar de ser o rei porque se um verbo que se escreve, porque se conjuga secretamente, de uma forma que não faz pandã com o outro imediatamente anterior, então sabe bem ignorar a forma correcta e abraçar a que condiz porque fica bem dizer em alta voz e em textos literários, que eu considero literários, e não me interessa que seja considerado erro pelos outros. em casos assim o dicionário sorri para mim, pisca-me o olho, comunga da minha percepção e nem se zanga, pois claro que não, o dicionário ama-me com paixão desde que eu era pequeninha e foi-me um presente de natal, o mais desejado presente de natal. no sentido inverso, ouve-se desde sempre dizer que azul com verde é para escarrar na parede. ora eu adoro conjugá-los e quanto mais fortes, melhor: fazem pandã só para mim. é assim.

domingo, 19 de março de 2023

chorei durante horas diante do espelho. quis ver a dor a inchar e a derramar-se, não fico feia a chorar, e falei alto nunca fiz mal a alguém, depois calei-me e gritei sem dizer uma palavra, tal e qual como fazem os bebés. quis ver como é sentir que me estão a enterrar viva, foi isso. a cara de uma viva que é como se estivesse morta, aos mortos é a quem não podemos dar palavras nem sorrisos nem beijos, nem opiniões; aos mortos é que devotamos a esperança de um dia podermos vê-los e abraçá-los. então hoje eu chorei como uma morta deve chorar, gostava muito de saber se é assim como eu fiz. mas deve ser melhor porque os mortos têm a certeza de que não podem ir a nenhum lugar e os vivos que passam a saber que não saem do lugar ficam, então, pior do que os mortos. passou muito tempo e eu acho que as lágrimas cansaram-se de mim. acabaram. acabaram e eu fiquei cansada, lembrei-me do braço que também decidiu não me querer porque parece que quer sair de mim. agora os dias que tens para descansar parecem agulhas, moça, são um desgaste e uma arreliação, dessa maneira vais ficar doente, já não és uma menina e serás para sempre uma menina. aceita e conforma-te: nunca serás um tesouro a não ser de ti própria nisso de quereres amor sem medida. vai ser desmedida para o raio que te parta se é que já partida não estarás.

terça-feira, 14 de março de 2023

de repente, chamam-me os dedos, bomba que não aguento, atiro-a na folha, esta, alva casta guardada no tempo, como se estivesse só, sossega, descansa, meu menino, meu homem, minha predilecta pessoa, meu homem, meu menino, meu oásis de um deserto achado, minha lágrima, meu sorriso, meu rebento, meu menino, meu homem de rosa, meu portento, !ai!, aqui não posso chorar e nunca posso eu te embalar, te abraçar, te amar, meu menino, meu homem, minha pessoa predilecta, meu beijo por beijar, lambo o sal que me pinga, sal que vem do mar de dentro, com o doce se mistura, meu menino, meu homem, meu rebento, impotente me estou, no meu peito rebento, do teu sorriso que procuro e onde me sento, me oriento, da tua força de lições me alimento, a voz rastreio no navegar, do teu verso, que é verso, a prosa é alento, nunca me farás mal, meu bem, meu arraial de fresco vento, meu raio que parte o sol, porque maior e melhor, não invento, vejo, vejo, vejo, sinto, sinto, sinto, meu gigante desfragmento.

sábado, 4 de março de 2023

por que razão é tão importante para si responder uma a uma, sempre a mesma merda, todos os dias, como um ritual imprescindível de sobrevivência? por que quer coleccionar mulheres indiferenciadas de raça e de cor, de idade e de calor, e que precisam de atenção à moda de sermão tranquilo, uma espécie de flirt altruísta que, pelos vistos, tão bem ao ego lhe faz? altruísmo e ego não rimam, digo eu, a mim que oferece silêncio e confusão e ausência e indiferença e raiva. sim, raiva, porque nós só não queremos o que nos faz mal, o que não é bom, o que não nos seduz querer falar, querer estar. porque só rejeitamos o que é mau. e todos os dias me diz, sem dizer, que eu sou algo terrivelmente mau. isto é uma tristeza, um desgosto: é alegre e contente, talvez feliz, cumprindo-se no tão mau que eu sou que me diz.

 pode parecer impossível mas descobri que a lixívia está a curar a minha alergia nas mãos. as pomadas não fizeram qualquer efeito e quando mexo na lixívia a pele reage positivamente. acreditas mais em mim do que eu própria, dizem-me muitas vezes, e eu não sei de onde vem esta coisa que sinto: é como se eu conseguisse ver as pessoas como se elas fossem, e são-me, de vidro transparente por mais que as camadas que vestem as tapem, as encubram. e depois, há sempre uma luta entre aquilo que eu vejo e aquilo que se vê. mas nunca digo o que eu vejo, só quando me apaixono - o que é uma raridade tratando-se de pessoas. não sendo pessoas, apaixono-me muitas vezes, talvez quase todos os dias. de maneira que há mais de uma década que me apaixonei por uma pessoa e aconteceu uma coisa ainda mais incrível: eu vi-a sem a conseguir ver e aquilo que eu vi, por mais voltas que a vida dê, é o que eu continuo a ver. mas não podemos acreditar mais nas pessoas do que elas próprias porque senão elas começam a fazer-nos mal por não se quererem tão bem quanto nós a queremos. e não nos quererem bem faz-nos mal e não haverá lixívia que nos salve.

quarta-feira, 1 de março de 2023

é, vai-te convencendo, um bocadinho todos os dias, um pedacinho de cada vez, aceitar é a única solução, chora muito porque há-de passar, aceitar que tens de continuar a não aceitar aquilo que sabes que não mereces, cada vez mais com mais força: está tudo apenas em ti, não há nada para esperar do cão: ele só quer, porque é o que escolhe e prefere, então que com elas fique, tão alegre e contente gatão, as conas na multidão.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

como não querê-lo na vida? pois claro que é na vida, eu queria ter estado lá, deu-me aquela coisa e fui procurar a saber se havia novidades, escrevi no google sabichão e fiquei nervosa de vontade, como estava a dizer, eu queria ter estado lá a ouvir sobre o ostjuden pela sua exclusiva voz de gengibre com mel, ouvir também pelos olhos, tanta atenção, arregalar os olhos sorridentes quando os dele se cruzassem comigo, código secreto, e depois bater muitas palmas, correr para abraçar e beijar. e até pensei no petisco depois: chegar na casinha e preparar gambas em azeite e alho e piri-piri com ninhos de ovos e espargos frescos sem esquecer da tacinha toda mimosinha com o molho agridoce para mergulhar os bichinhos. e depois, o ar do seu respirar atrás no meu dorso, anda, deixa isso, e sermos jardineiros nas estrelas das mais bonitas flores do universo inteiro. e em verso 

sem eira nem beira

com a ternura sempre à beira

domingo, 26 de fevereiro de 2023

 é a camisa das amoras

 que me habita

 por dentro e por fora

minha amora tecida

de te ser

as férias terminaram e serviram para os meus nervos se expressarem em todo o seu esplendor: a seborreia explodiu, alergia nas mãos fez-me coçar até fazer feridas, a diabetes ficou tolinha e o braço tem momentos que perde toda a sua exuberante força de que tanto me orgulho. sou um corpo encolhido e parado. mas pelo menos as insónias foram à vidinha delas e já durmo a noite inteira. estás como um farrapo, moça, para recomeçares a trabalhar e a aturar malucos ao vivo. és um bicho de uma raridade comovente em um amaldiçoado vinte e três de fevereiro, não dá para escapares disso, é para sempre.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 estava o céu azul

da cor das botas minhas

saltos a enterrar

mas o céu não passa

faz pandã com o mar

um sossegado está

e o outro faz sossegar

cócórócócó sou eu que estou a dizer porque o galo deixou de cantar mais cedo já há uns dias. se calhar o galo de antes é o que agora pasta com as chibas no campo grande que vejo da cozinha. tinha pensado, quando vi, vão-se matar, ou ele a elas ou elas a ele, mas não. cada um vai para um lado diferente, tenho apreciado, mesmo as duas chibinhas não gostam de muita interacção, de quando em vez lá se juntam na brincadeira e mais nada. de maneira que o galo ali, no meio de tanta erva e sem paredes que lhe prendam o cantar, nem pia. tratar-se-á de um verdadeiro macho-galo, concluo, às tantas só cantava de galo lá mesmo no capoeiro onde havia galinhas para o aplaudir. mas também pode dar-se o caso de o seu cantar ter sido sempre, afinal, a cantiga de ralhar para as fazer trabalhar: andai, preguiçosas, cagai os ovos do dia. estou a pensar seriamente que o galo tinha um acordo chorudo com o homem da capoeira e agora mudou de dono. agora o galo que antes cantava cedo é o pseudo pastor das chibas que dele se fartam de rir de sol a sol. anda, galo-macho, cada um tem aquilo que merece.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

chega a ser ridículo, penoso. arranjar explicações, massacrar a alma fresca, cansá-la, infernizá-la com dúvidas para o que não tem explicação. não existe explicação para quem não quer explicar; não existe explicação para a ausência, para o abandono, para a crueldade. não existe explicação para o não querer. porque dizer que ou se quer ou não se quer foi fácil - foi fácil porque é mentira. porque dizer a verdade é que é difícil, dizer a verdade é um acto de amor. e quando não há amor não pode haver verdade.

 desejar o seu sorriso

como se deseja a brisa da manhã

croché com linha de orvalho

na boca direitinha

amanhã tenho de ir ver e cheirar e sentir o mar para me livrar da entropia que me anda a assaltar dia para dia, invade-me a cabeça e oprime-me o coração, fico vazia, cheia de dor e de confusão, uma espécie de cola pegajosa que se gruda em mim, isto e aquilo, resolve menina, aqui e acolá, corcunda de dores as minhas costas, parece não ter fim. amanhã tens de ir ao mar, ouço-me de repente, tens de soltar as correntes fortes e opressoras nas  águas do gigante mar, tirar as meias, chapinhar, sentir o vento com sal no nariz, saltar, croquetar nas areias, respirar cheia de graça, regressar. amanhã tens de regressar a ti, menina, assim não podes continuar - como se fosses uma bomba que puseram em ti para um dia rebentar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 já chegou o meu Solmi, mesmo hoje, notícia boa ao regressar. ao menos isso. se eu conseguisse pensar agora, ler é sempre pensar, pensar e sentir, está bem, mas não consigo, fui engolida pelo frenesim dos tolos hoje, ontem também, ouvidos frágeis os meus que querem rebentar, não pode ser, se foste engolida esfaqueia-lhes o papo, sai, anda, pega na faca, desfaz-lhes as entranhas e sai. sai para respirar e chora como se do ventre acabasses de sair, anda, vem à superfície, chora até adormecer porque amanhã há outra manhã. até amanhã se o teu amor quiser. ademais amanhã pode ser dia de dias ramor. não sei, só nascendo de manhã amanhã, lá está. !ai! coração descontrolado que não te consigo parar. e se eu arranjar uma zebrinha bonita só para em cima dela me veres passar?