terça-feira, 29 de novembro de 2022

todos, todos, junto a mim

ontem de manhã passei por uma montra e vi um cavalinho alado branquinho que parecia estar em movimento por dentro de uma bola de vidro em água. apaixonei-me imediatamente e pois claro que o comprei para ficar a olhar para mim coladinho ao candeeiro das flores e às caixinhas antigas e aos espelhos e às pinturas. estão todos, todos, junto a mim e às minhas fadinhas incansáveis.

domingo, 27 de novembro de 2022

um fastio

ultimamente não ando a acertar em nenhum livro que encomendo. escolho pelo resumé, pois claro, depois chegam, eu gosto de encomendar coisas que me chegam pelo correio ou que tenha de ir levantar: escolho, pago e depois esqueço-me de que comprei e passam os dias e um dia chegam e é como se fossem prendas, fico surpreendida e feliz, como estava a dizer, depois chegam e começo a ler e encosto-os para canto, perco logo o interesse, já é o terceiro. os livros têm de ter aquela magia da descoberta, de as ideias serem sempre um estímulo às que se seguem, vibrantes, aquelas ideias, ideias que se fazem de palavras e imagens e silêncios, os silêncios são uma espécie de convite induzido à reflexão. de maneira que não tem havido livro que me chegue, que eu própria me faça chegar, pelo qual me apaixone. têm sido um fastio, um desconsolo total e absoluto. e depois, já se sabe, releio o que já reli quinhentas vezes para encontrar sempre algo novo. e encontro.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

tece bem a noite, noite

 agora tenho de contar, já passaram os dias e neste momento senti vontade, talvez porque me contagiou o sorrriso. na segunda feira eu saí da empresa com um destino marcado e fiz um desvio, impulsivamente fui dar comigo na loja do meu cunhado e entrei e chamei-o lá atrás convencida de que iria mandar-me embora com voz áspera como tem feito com todos os amigos a quem andei a ligar, alguns já antigos que se tinham afastado, para que pudessem ajudar a desenterrar. de maneira que tudo aconteceu ao contrário e pedi apenas que me ouvisse e abracei-o, beijinhos no rosto, tu sabes que gostamos muito de ti, és família, mas antes de tudo és uma pessoa incrível, tens muito valor e eu vim pedir-te que te queiras curar. depois ele chorou e eu também. inesperadamente nesse mesmo dia, chegou-me a notícia de que deu o passo: pediu ajuda aos pais e depois ligou à medica e já está a começar o processo de recuperação. eu não sei bem o que aconteceu, talvez eu tenha conseguido passar-lhe toda a minha energia porque depois desse dia fui ficando cada vez mais fraca, sem forças e hoje andei de rastos. penso eu que terá sido isso, dei-lhe tudo o que me corria nas veias, toda a minha força. agora arrebitei um pedacinho depois de ver as estrelas nos olhos ronitos, acho que senti um pouco do céu, um pouco porque lhe reconheço uma imensidão que só poderá ser abraçada e beijada ao milímetro. e agora talvez as forças me cheguem pela noite que nunca se cansa de trabalhar para me fazer um novo dia, a noite nunca dorme, e prefiro pensar que fica acordada só para me fazer acordar para que um dia talvez eu possa, todas as estrelas do réu, agarrar. tece bem a noite, noite.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

decifro tudo em um ápice e choro. e vejo outra vez o outro retrato e choro. e quero adormecer para sempre, pronto. vou chorar, já está decidido, é o que vou fazer imediatamente quando, de repente, já sinto a língua salgada como se fosse, e é, um coador. e o que coas língua minha? estou a coar, não me lembro como se escreve na primeira do singular, o teu ranho e a tua baba, diz-me lampeira, como se isso fosse, e também é, estrume de amor.

frasco frasquinho frascão

nos dias em que não aguento o cansaço

faço uma toma do frasco que chamam verde

verde por ser da grama

vejo-o sempre de vidrinhos muitos

mosaicos brilhantes

tampinha redonda mas recortada

frasquinho de luz esperto

esperto como um coral

e de espertar

e afã

e depois volto a cansar-me

porque também me cansa quem pensa que me engana

deixo pensar

e faço a toma do frasco frasquinho frascão

logo se vê amanhã


terça-feira, 22 de novembro de 2022

leve e fresco

estou cada vez mais certa de que a idade, a frequência acumulada de tempo de vida, traz-nos sabedoria. eu já sabia de que o meu pai é o nosso herói, mas duvidei que conseguisse lidar de forma tão serena com uma situação tão devastadora. estou que não me aguento, emocionalmente devastada, a conversa foi triste e dura como só o que é importantemente inadiável na tragédia pode ser. e ainda estive a tentar convencê-lo a comprar a casa, investir no imóvel, e ser senhorio da minha irmã, tudo legalmente preto no branco. pode ser que sim, oxalá que sim, é a única forma de ser justo com todos os filhos e de ajudá-la. quem me dera que alguém tivesse, algum dia, ter-se lembrado de me ajudar assim, penso, choro, antes de entrar no meu paraíso do sono. assim espero, espero que esta noite me faça um acordar leve e fresco. é bom sentir a leveza de não mais guardar um segredo tão pesado sozinha. é bom.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

tumbatumbatumba

no meio de tantas coisas bonitas que me andam a oferecer para eu ver e ler - a bomba tinha de explodir, mais uma. o drogado não se quer tratar e está a destruir tudo à sua volta. de maneira que amanhã será a vez do meu pai saber, quem lhe vai dizer é o meu mano, tudo o que ele diz o meu pai aceita, se calhar é porque insistiu tanto para o conseguir ter, não sei. só sei que já estou com o coração dele frágil no meu a aguardar que chegue amanhã para quando eu chegar, ao fim do dia, lidar com a sua tristeza e mais alguma coisinha: talvez revolta ou raiva ou vontade de o desfazer. não sei.amanhã quando ele for treinar com o meu irmão, vai pegar em um peso mesmo mesmo pesado. oxalá que o coração dele aguente mais um golpe. e se não aguentar? quantas vidas tem um coração? eu acho que os corações escolhem as pessoas onde querem, querem porque decidem, bater. então escolhem as pessoas por aquilo que consideram que conseguem aguentar. e se assim for, então o coração do meu pai escolheu-o mesmo bem e ainda vai querer tumbatumbatumba continuar a bater.

e também não há-de vir mais mal ao mundo se eu ronhar muito e bom esta noite - afinal de batimentos, o meu coração escolheu-me e, por isso, compreenderá o meu desejo ardente e contente e amoroso.

brilhantes por toda a parte

a árvore da pintura bonita que vi é azul

, azulona, 

monocromatico azul forte

como não é o céu e o mar

a minha é despropositadamente inacabada

para cima e para os lados

carregadinha de turquesa a roçar o olhar

e com as delícias do mundo como se fosse

, e é, 

um jardim-pomar

pode com tudo esse tronco branquinho que o segura

segurado pelas raízes fundas

tão fundas que parecem carreirinhos de água entranhados em poros de terra e orlas de rio que desliza o ar ao mar

depois os brilhos que não se vêem

que fotógrafa mediocre que eu sou

, que carago, 

não consigo captar

se calhar sou avessa à lente

, sei lá eu, 

como estava a dizer

os brilhos são isso mesmo

, não há segredo,

brilhantes por toda a parte

como se viver fosse

, e é, 

sem saber como fazer

a minha maior arte



um rrico sonho com o meu guião

 ontem foi domingo e depois do almoço, como gosto no domingo depois do que adoro logo de manhã, adormeci a ver o barco do amor. gosto muito do sentido de humor da tripulação e dos enredos com finais felizes que nunca acabo de ver, rio-me depois, porque quando estão a começar é quando me apago, por já adivinhar como vai ser, depois de apreciar as cabeleiras com laca, os vestidos esvoaçantes, as calças à boca de sino e o riso da plateia invisível. a banda sonora é incrível e, por si só, é uma viagem em alto mar. depois à noitinha fui para lhe ouvir a voz no link que mais gosto e pimba, já está indisponível, invejosos já ma cortaram, lancei-lhes um feitiço de sapo-sapão e revi outro também com imagem, extenso, vi tudo até ao fim, e juntei-lhe a banda sonora do que nunca acabo de ver, misturei tudo, e depois tive um rrico sonho com o meu guião.

domingo, 20 de novembro de 2022

só sei sentir

o tempo passa tão rápido que deve andar de sapatilhas, franze-se-me a testa, ainda parece que foi ontem aquilo de há muito tempo e, ao mesmo tempo, parece que é há uma eternidade o que lhe conheço, o que lhe sei como se não precisasse de saber, o que não sei como se já soubesse. tudo é estranho sem ser estranho, estive a costurar, a inventar um forro de bolso onde não tinha por onde agarrar, ficou defeituoso mas agora está um bolso, antes era um buraco disforme, agora consegue segurar o que lá se meter se não for uma mão inteirinha a descansar, paciência, é como está e vai ficar, apetece-me ter preguiça de abrir outra vez para depois fechar. mas o que eu quero dizer é que estou sempre a costurar invenções, o que será de mim sem as invenções neste mundo que chora sem parar e não deixa a roupa secar e depois seca para se molhar. pois claro que tenho de inventar, amanhã já é segunda feira outra vez, gente muita a falar e a olhar e o dedo a picar e a corrida nos passos e no pensar. 

mas ainda me resta a noite, ouve, ainda te restam as fadas, a costura que costuram em mim, essa invenção que me dão para eu inventar para quando eu acordar ter um ramor intacto crescente, como se até o choro fosse sorridente, !ai! rapariga, não há explicação em solo inteligente, não sei como contar. só sei sentir, só sabes sentir, tonta.

sábado, 19 de novembro de 2022

 vesti vesti

vesti sim

 o pijaminha rosa

 florido de cetim

para sonhar com o Rortuguês sem fim

vai acordar encorrilhado

!ai! de mim

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

 !ai!, o que foi rapariga, então ainda há pouco eu vi, como se fosse um pombo a trazer a má nova, mas viste o quê, desenbucha carago, vi que vai quarentenar, e agora, adoro tanto ver, o que me irá acontecer, não vou rir para não chorar, amanhã logo se vê.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

 e se há tanta água em mim, correntes, pétalas sem fim, sol si mi dó, folhas de letras dançanres, pêlo a pêlo macio , bigodes pardos lambões, arregalados olhos trovões, desejos gigantes verticais, sonhos tantos horizontais, luas sete matinais, cebolas que são saiinhas de descascar o mar, tesouras de dúvidas a aparar o ar, pianinhos de chuva intensa, imensa, sombrinhas de escorrer calor, !ai!, soninho de coar, que ternura, que paixão, que ramor

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

se tudo fosse simples

era tu

era eu

era rós

perdoei. mas não esqueci.

o outro, não sei quem, só sei que li, é que tem razão: tenho mas é de esvaziar as pedras dos outros que carrego nos boldos, são pesos que não me pertencem, ando aqui sobrecarregada e se não me ponho fina já me começam a explorar, era o que faltava, agora já queria, isto porque quer porque quer comprar a casa, que eu desse o meu nome para acrescentar ao dela. sabe-me bem dizer que não, o meu nome é precioso, não o dou assim de bandeja, se não pode comprar que alugue, alugar é bem mais justo e barato, assim não anda a encher a pança da banca, digo eu, disse-lhe eu, sem mencionar que há dez anos, quando eu tive de deixar a minha casa, a única coisa que ela me deu foi desprezo e humilhação. não menciono porque já perdoei. mas não esqueci.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

não quero ler Virginie Despentes

ontem durante a tarde liguei a televisão na três, de repente, ouço sobre a teoria king kong e sentei-me a descobrir. nada de novo, a rapariga foi violada e depois começou a amargar e a odiar e depois converteu-se à putice e a perceber do corpo e do sexo até à exaustão para chegar ao feminismo como brasão. e depois de ler tanta coisa sobre os grandes e vivos, que vivem, e mortos que viveram para sempre, percebo que nada, nadinha, é novo. são mesmo poucos os escritores que me fascinam. raramente são as histórias inspiradas em outras histórias ou nos ódios de estimação - o que me fascina na escrita são detalhes que me captam a atenção, aquele veículo - uma espécie de ponte - que liga a intelectualidade ao coração de forma genuína, sem artimanhas, sem a tal reinvenção forçada que apenas vai de encontro aos outros. e como eu consigo perceber, mesmo quando é pura ficção, logo vejo se um livro é um filho ou do ego uma mera projecção. e se isso importa? pois claro que sim, só quero o melhor para mim, os letrientes que vou absorver fazem toda a diferença no impacto daquilo que sou e no que me possa tocar para ser. de maneira que não tenho vontade de ler esse livro, não quero ler a tóxica Virginie Despentes. dispenso.

não vou

quando estou a normalizar o meu rico soninho, alguém me acorda, pouca coisa me deixará tão arreliada como quebrarem-me o sono. ontem foi a mensagem da vacina do COVID outra vez, eu já decidi que não a quero desta vez, estou farta de médicos e de exames e de brocas e de ambiente de doença para a saúde, e de gentes em volta, não me apetece. não vou.

domingo, 13 de novembro de 2022

!ai! que delícia

!ai! que delícia, troquei os meus karelia por um aparelhinho que dourado escolhi, com cigarros pequeninhos mesmo mesmo de mentol, há que tempos que não fumava mesmo sabor a mentol, não fazem cinza e cheiram a nada no ar e depois é só deitar fora o tal cigarrinho que sai branquinho, branquinho, depois da indução. estou refasteladinha a adorar este sabor a chá.

o ritmo desta música abana-me os ossos todos, adoro

 


a por passar pela passada

tenho feito assim, e dá-me riso só de pensar nisto, quer dizer, estamos no outono a fugir para o inverno geladinho e as camisas são para o meu pai usar por debaixo de uma camisola sempre, certo?, então não as passo, estico-as e penduro-as, e como sou eu que todos os dias lhe escolho a toalete, ele é daltónico, então monto tudo muito bem montadinho na cadeira preta com veludo cor de rosa espevitada lá no seu quarto. até agora ainda não se apercebeu e se algum dia me perguntar, então eu direi que foi um engano, que troquei a por passar pela passada, ah pois, é que assim descobri que fico com muito mais tempo para fazer rendinhas das minhas.

com toda a artilharia

compreendo, há pessoas que agarram o passado, esse pretérito tão imperfeito e triste, como se fosse o eterno retorno do futuro presente. e depois há eu. quem me conhecer percebe, ou terá de perceber, que não há passado que me consiga vencer, eu que acordo e só acordo para amar com toda a artilharia de paixão que o amor romântico pode ter. 

sábado, 12 de novembro de 2022

aquele desenho é realmente triste

 por acaso o desenho de ontem não veio nadinha a calhar apesar de adorar os traços, estava muito agitada, a minha irmã conseguiu finalmente mudar a fechadura e deixar-lhe as malas nos pais, era o que faltava andar a consumir heroína e cocaína em casa e descurar o menino, ser completamente ausente e ainda por cima prepotente, que vá cagar ao monte, tem de se tratar se quiser recuperar os tesouros. e se não quiser quem perde é ele, é assim que ela tem de pensar não sendo mãe dele para o continuar a aturar. de maneira que aquele desenho é realmente triste.

!ai! que ruspiro

andava há uns tempos para olhar para o passarinho depois de acordar, depois de acordar como quem diz, depois de me lavar e vestir, e pimba, um dia destes entrei no carro e lembrei-me, andei às voltas, percebo nadinha daquilo e de truques e posições, se percebesse se calhar ficava em condições, olha, ficou como calhou. depois andei para lhe mostrar na montra e esquecia-me sempre de mudar. mas hoje A Rose chamou-me e não tive hipótese de me esquivar, pois claro, lá me mudei cheiinha de vontade de, beijando-me, o beijar. !ai! que ruspiro.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

há dias que se cansam como se andassem param lá e para cá, estafadinhos, ralados, arreliados, birrentos, irritados, como se fosse - e é - o sangue a descer. ide-vos embora, chispem-se, estou cheiinha de vos aturar, dias assim.


 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

essa cama em quarto minguante

se eu soubesse que sair do lugar seria acabar com o que nos atormenta, então eu agarrava no meu saco grande de flores e chapéus pintados, tão bonito, ou na mala com o quadriculado nude e vermelho, tão elegante, e ia para longe. mas como eu sei que sair do lugar é ficarmos parados no que nos está a atormentar, vale mais ficar ora a carpir ora a ajudar nos dramas dos outros que nem sequer se lembram que também eu posso ter dramas. mas os meus dramas são especiais, tornam-se pequeninhos, minúsculos, insignificantes à beira dos dramáticos dramas dos outros e, por isso, banais: os meus dramas são adoráveis e inocentemente falíveis. quando estão a falir, para entretanto se reerguerem, fazem-me sorrir e rir e choramingar e chorar, carrego-os muito mais ao peito do que em prateleiras de razão. são, por isso, os meus dramas, dramitos, dramões, vestidos com saiinhas sortidas de magia-paixão e calçados com a inesgotável força da admiração. são energia renovável tal e qual as fadinhas que me despem e embalam e velam o sono, o sono essa cama em quarto minguante. 

domingo, 6 de novembro de 2022

rrosas da Rosa

às vezes consigo vibrar pelos olhos. é como se as rosas e as músicas me massajassem o coração, este coração velho e semppre novo a estrear. o meu rico coração é-me, milhão, a minha sorte grande. e é por isso que ele merece todas e as mais lindas rosas do universo. palavra de Rosa, redundante dixit, !ai! as rrosas da Rosa que a Rosa tem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

!ai! como eu queria

conseguir lamber-lhe os medos

(e os meus também)

deitá-lo na minha confiança

sempre acabadinha de lavar

perfumada nos lençóis

abrir-lhe as minhas janelas amarelinhas de tule

levezinho rio para lhe dar o mar

e tirar o cor de rosa ar

(suspiro)

cozinhar-lhe petiscos ao ouvido

e ao pé

apurar o caldo que nem eu lembro como é

não

não posso ter esquecido

(eu sei)

se  está pois por descobrir

(!rapariga!)

essa poção mágica que eu sei

que só sei sentir tratar-se de sem igual elixir

e depois embrulho beijos atrás de beijos

e rego-me como se fosse a chuva vermelha no quintal

imagino as flores acabadinhas de colher

frescos aromas que percorrem a pele e os montes e o feno

de alegrias juntinhas e justinhas que fazem coro e me fazem corar

cabelos de fazenda que nele se enrolam só para ele os afastar

fio.a fio

tão curto só pode ser o meu pavio na maratona de o rolhar

depois os meus olhos são dragões

(pois claro)

nada é morno

(era o que faltava)

fogo que amanhece e anoitece logo no início do beijo em flor

esse beijo carregadinho de pejo bom muito bom

presciente leão desejo

arrebatador saxofone como se fosse marmelada com queijo

na regueifinha apimentada de caril d' amor

é a fruta da árvore do meu desejo doutor

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

espelho meu

espelhos meus

há alguém que consiga

consiga e saiba

amar e ramá-lo

(está mais entranhado do que o cheiro nas rosas

ah pois

e quem ousar dividar leva com um pau

e com picos)

mais do que eu?

está caladinha tonta

e dorme

já estás mais a dormir do que acordada

sabes bem que a resposta está aí

aqui

não tarda nada

és a rainha do amor

e na almofadinha fazes

vais fazer mesmo agora furor

consegui alguma coisa

é um somítico do carago, já se sabe, já sei, mas eu tentei. nunca peço nada para mim a ninguém a não ser que esteja prestes a morrer, a morrer como quem diz tem mesmo de ser, não tens opção, pedir ajuda também pode ser uma forma de amar, de maneira que me lembrei de pedir ao meu pai que abrisse um pouco a bolsa para os netos por conta das dificuldades acrescidas da vida, está tudo mais caro. o que eu fui dizer, o que eu ouvi, e eu disse, repara que não estou a pedir para mim, não tenho filhos, mas podias ajudar um pouco nesta altura. fiquei, ainda estou, com as orelhas a arder de tanto que me ralhou. mas eu insisti e fui entregando argumentos para ver o que conseguia. consegui pouquinho, consegui que pagasse mais de metade da vacina mensal para a esquizofrenia do A. tive de lhe dizer que todos os meses transfiro dinheiro para ele para o sensibilizar um pouco. e é verdade, sei que não é muito justo, tem mais três netos, tenho mais três sobrinhos, mas talvez este seja o que está mais desprotegido. tamém tenho de confessar que o A, tudo o que ele é, é muito de mim. consegui pouquinho mas consegui alguma coisa. alguma coisinha já é bom e fico feliz por isso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

invento coisas bonitas de morrer. de adormecer

é como digo, como me digo, tu metes-te em cada lavoura, rapariga, depois andas em noites de são joão, como se diz por cá quando não se prega olho, quer dizer, adormeço e acordo vezes sem conta, depois escolho - não contar carneirinhos - contar rorrisos e rolhares, invento-os, que remédio, depois acrescento-lhes flores e cores, é uma festa, depois lá adormeço até reacordar e depois quando está para chegar a hora fresquinha, passa, passa-se, acordo sarapantada, despertador cerebral que em silêncio me dá um coice e corro para carregar nos botões toda remelada. detesto acordar remelada e aos coices mas que queres, rapariga, metes-te em lavouras e depois a massa fica mesmo cinzenta e esquece-se de que é cor de rosa e está sempre a arreliar-te o sono. agora estou muito preocupada com a minha amiga O, ucraniana, vai com a filha buscar as avós à fronteira na Alemanha, são velhinhas e têm mesmo de vir, não há água nem luz lá, só há bombas e fome, e será cá que vão ficar até ao fim dos seus dias. não queriam, pois claro, ucraniana que é ucraniana quer ficar na terra até ao fim. mas como vão de autocaravana, tivemos de conseguir arranjar todos os recursos. e se são assaltadas? e se alguém lhes faz mal? depois nas noites de são joão também entra o drama da casa da minha mana mais nova e a doença do meu sobrinho rei e o que tenho de esconder ao patriarca para lhe poupar o coração e a memória a falhar da minha amiga A e o útero doente da minha amiga I e os clientes que não pagam e e e e. o que me safa é a colecção de sorrisos e olhares do viço, é o que é, é o que há, não me posso queixar: pelo menos invento coisas bonitas de morrer. de adormecer.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

caretas de alegria em feitiço

ontem andei trinta quilómetros e fui lá almoçar, fui ao chinês consolar-me com o crepe, as gambas com piri-piri e o arroz naqueles pratos com dragões azuis tão perfeitinhos, os guardanapos de tecido branquinho com linha de água e as toalhas que não são  horriveis de papel, também alvas de que se veste o apetite. e depois os espelhos em redor, !ai! que lindos, pintadinhos de pássaros e flores coloridas a lembrar que a dança dos paus - ou do garfo com a faca - é de grão e lentidão com a música baixinha e de pingpingping a passar tal e qual uma cimarra de poesia que no papo se faz ouvir. e o meu dia ficou um pouco melhor na pressa de chegar para me ligar, pensamento a passar para os dedos, com o coração a vibrar. ando sempre com o coração a vibrar. às vezes pego nele e embalo-o. sem ninguém ver meto a mama de fora e sossego-lhe a fome, dou-lhe palmadinhas para arrotar e depois sorrio ao ver-lhe o viço. porque em vez de adormecer sereninho eu tenho um coração que pula e dança e faz-me caretas de alegria em feitiço.