quinta-feira, 20 de agosto de 2015

a urina, um carinho

dizem os mais antigos cá na rua que andava por cá há mais de vinte anos. não me lembro dele antes de daqui sair para viver e conheci-o há cerca de três anos e meio quando para aqui regressei. no olhar tinha doce, nos passos a sabedoria de um velho - de um cão velho. seguia-nos para todo o lado mesmo com o tesão já afrouxado e limitava-se a lamber a urina dela. um carinho. e ela, desafiando-o, não o deixava tocar-lhe mas sentia-lhe a falta sempre que dando meia volta ele voltava para trás e não finalizava o passeio connosco. 

na segunda feira adivinhei-lhe a morte quando também ele sabia que ia morrer. vi a puta da morte nos seus olhos e vi-a também no seu desapego pelos humanos e no passear das lembranças enquanto vagueava no campo feliz onde cresceu, virou moço e depois homem e depois velho. disse ao meu pai: o cão está a morrer, tenho a certeza. não acreditou. ontem morreu ainda a manhã ia a meio e já sinto a sua falta. era um silêncio calmo e meigo apesar de distante. era o silêncio de um cão velho. porque os velhos que não são cães não são silêncio bom.

1 comentário:

  1. Vim por um acaso - e ainda bem! - pelo gosto de gostar de leituras, como esta - parabéns. Vou ficar por cá...

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