depois de pouco mais de três anos cruzei-me, pela primeira vez, com ela na rua. falou-me, mostrou-me a filha e eu sorri. fez questão de me acompanhar ao café e começou a falar sem parar. tentou explicar-me como não tinha sido uma grande cabra comigo e eu tranquilamente ouvi. o ex, aquelas duas letras que significam passado distante e frio e esquecido, tem um peso pouco significativo para algumas pessoas. a amiga que durante tantos anos eu cuidei e mimei e amei via-se agora, ontem, perante mim e confundia perdão com aceitação. quanto mais ela falava menos eu sentia - apoderava-se de mim qualquer coisas que não soube descrever na altura mas que após metade da noite a analisar o sucedido agora sei: compaixão. esqueci todos os pormenores que me levaram a romper com ela, a minha memória é fantástica quando toma decisões, e foquei-me no, eventual, por vir. força o afecto de querer vir a minha casa e eu à dela mesmo naquele instante como se fosse, e é, um ritual de intimidade e confiança - mas não foi. deixei-a entrar no meu oásis como que a buscar definições para o que estava a sentir ou, melhor ainda, para o que eu não estava a sentir. e deixei-a observar cada canto meu, cada poesia do meu viver. depois aceitei, por insistência, ir a casa dela e deixei que me abraçasse - sentir nada foi o máximo que senti. e já em casa, sono afastado, finalmente senti: senti que perdoar assim, naturalmente e com espontaneidade, é bom. é bom eu sentir que aquela ex-amiga continuará a ser uma ex no meu mundo, não a quero de volta à minha vida, aos meus dias. já aconteceu uma outra vez, com outra, e eu senti uma alegria imensa perante a sua vontade de me voltar a ter, desejo reprimido também meu que apenas aguardava sincero arrependimento. mas desta vez, não. desta vez eu escolho, não será ela a escolher em nome do perdão, perdão não é aceitação mas mais um tranquilizante para quem o pede porque quem o dá não o faz em consciência, eu escolho não a querer na minha vida. fui-lhe amiga, mãe, avó - fui tudo o que podia ser até ela, depois de me esfaquear, me morrer. agora será um breve cumprimento sem a devassidão de vidas e a pornografia de evidências que é, para mim, a amizade.