domingo, 11 de dezembro de 2016

virrer

feliz. feliz com a morte dela que aí vem não tarda. que seja já hoje, queria que fosse mesmo agora mas aguardo que uns sininhos toquem. descobrir a felicidade no meio da tristeza é maravilhoso - descobrir que há vida para além da morte. morre, minha querida, morre depressa em sopro de contramão que não mereces virrer.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ando eu aqui, ai!
por entre as esponjinhas da chuva
a saber de não saber como quem sabe
por que raios e coriscos ser deste jeito
ver a vida como excesso de uva
é mesmo esforçar o dobro para ter a metade

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

ao obscurantismo

e se Camões sonhasse, um dia, com o obscurantismo da humanidade diria assim:

aos amalucados, a glória vã
ai! que pensamentos meus tristes
diz-me tu mar salgado do globo
que és rio doce e qu'existes
prefiro os olhos sós
e as palavras da garganta cortadas
mão, pés, fanados membros,
almas rasgadas
do que viver o que digo como vivido
lá longe na bengala do tempo,
tantae molis erat,
sequer quero pensar
sai má fortuna!, escafede-te!
mata-me a ideia de Trumpar



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

e se me perguntam se quero doçura ou travessura respondo, como só pode ser, travoçura.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Outom

verdes, tantos
, amarelos
rosas, vermelhos, corados
, enfim, marrom.
ai! que engano! de Outono!
quando tinha mesmo de ser Outom

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

os peidos fazem parte da vida

é, por isso, inconcebível viver sem eles. bem visto, os peidos estão para o profano como a fé está para o sagrado: energia invisível em movimento, alívio amiúde, esperança perseverante - e interrupta - em um caminhar melhor.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

vazio

anda sempre tudo ao contrário, pensamento risonho, tudo não e ainda bem, que tudo é o espaço mais vazio que conheço.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

lágrimitas

já não vejo a sua senhora há muito tempo - está melhor? oh! menina! ela nunca mais saiu de casa, anda corcunda, tenho a certeza de que é um tique. mas ela não está doente da coluna? só se for doente para mim, não vejo pingo de amizade, só existe para a besta do filho. às seis da manhã lá está ela a lavar a roupa dele no tanque - e eu, se quero roupa fresca tenho de ser eu a tratar dela. já tenho oitenta anos. e ela não? sim, até tem mais mas se faz tudo ao filho porque não me faz a mim também? a mim, que gastei mais de metade da minha vida com ela, uma mulher sem instrução, eu que tinha tantas fidalgas atrás de mim! menina, montaram-me uma cilada. uma cilada? (espera mais um pouco, Valquíria, já vamos continuar o passeio) sim, menina, sei lá eu se o meu filho é meu ou filho do padre. eram os anos sessenta e eu dei umas voltas com ela. depois apareceu grávida e lá tive de casar. fiz-lhe um favor estes anos todos, ela nunca teve classe para mim. e agora sou eu e a cadelita, tenho de fazer tudo em casa e ela só vive para o marmanjão do filho, o filho que se calhar nem meu é - aquilo é uma besta, menina. ouça, e a senhora não estará, com essas atitudes que me diz que tem, com indícios de demência? mas isso queria eu saber, menina! queria levá-la ao magalhães lemos e interná-la. e depois a besta, que pode ser meu filho ou do padre, que ficasse lá também. tem de ter calma, calma e paciência porque já tem oitenta e a esta altura nem sequer lhe adianta pensar nisso. mas eu não páro de pensar nisso, menina! e se a besta for mesmo filho do padre? precisamente: agora nunca vai saber e já viveu muito mais de metade da sua vida. agora tem de descansar e ficar tranquilo.

as lágrimas que lhe escorriam, teimosas e espevitadas, não eram pela suspeita de não ser pai da besta. as lágrimitas, uma palavra nova meia hispano-dramática que me saiu mesmo agora, para nada de novo, eram, são, o suor da solidão.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

novidade estranha. entranhará?

prometi hoje aos meus colegas de trabalho uma crónica sobre homens e mulheres, vulga guerra dos sexos. decido, entretanto, acrescentar a bonança dos sexos ao mote. mas isso fica para depois porque, em boa verdade, apetece-me discorrer de forma selvagem sobre as guerras do Homem. nem sei bem se faça juízos de valor - não sobre o valor do Bob Dylan - sobre o prémio, o melhor prémio, da literatura. não é de descurar a prosa poética que se trata. trata-se, isso sim, de percebê-la ao milímetro do som. por que raios e coriscos um génio da música, música acrescida de letras - uma espécie de alquimia perfeita por dentro da irreverência, ingerência e (im)pertinência completamente imperfeita - é feito galo da literatura?

percebo. faço por isso. aceito. fico feliz, sim, de ver uma união verdadeiramente perfeita - a das letras com música - ser aclamada. mas precisava de ser assim, a kind of mestre literário, o homem que revolucionou a música lá atrás bem no início da sua já longa vida? o homem não nasceu para escrever, o homem nasceu para criar música, aquela linguagem universal cujas letras apenas acrescentam pitada de magia.

do outro lado lá está ela: a alma das letras que se fazem palavras, a coisa de aquela música sem aquela letra não ser mesmo a mesma coisa. serão todos suspeitos, claro, os que se desgraçam nas letras. voltando à vaca fria: e por que não ofertar um prémio literário a um homem que transpira música quando toda a música tem em si mesma, sem encerrar, uma narrativa? não me parece bem nem mal. antes parece (me), e é, uma novidade estranha que, pelo menos, nos está a dar música.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Vivalder um ano e pico depois

de repente a gana de voltar como se voltar fosse, é é, muito mais do que um verbo, dar a volta e recomeçar. e se o eterno retorno não for mais do que um sereno voltar? a coisa simplificada resume-se ao passar pelas quatro estações, enfrentar a chuva fresca e o sol abrasador e o vento cortante e - que manta de vinil natural! - o nevoeiro. e depois, por dentro da simplicidade, há o complexo mundo das alegrias e das desgraças e das esperanças e das derradeiras dores. é a vida, ouço amiúde, são vidas.

e decide-se voltar a pisar, com a simples naturalidade de Vivaldi, a complexidade do mundo das quatro estações.