estava difícil chorar, chorar, chorar. o universo esqueceu-se de mim, abandonou-me assim que nasci, não há outra explicação para uma vida tão pesada de carregar. porque dos outros ele não se esqueceu, aos outros deu-lhes gente como eu que se toca com tudo o que acontece ao redor. é a guerra sem fim e as queixas por todo o lado a arreliar-me, desabafos revoltados, é a minha amiga ucraniana que está desempredaga e sem subsídio e com refugiados para tratar,é a vizinha com três filhos que tem de sair da casa porque o senhorio quer realugar para ganhar o triplo, é a chefe que não cabe na inveja e recomeçou a atacar, é a miúda que não veste a roupa que lhe dei, dei porque se queixou, e nem bom dia me dá, é o sobrinho que só me liga porque precisa de dinheiro, é o cunhado que se continua a drogar enquanto se está a tratar, é a irmã ausente que só aparece para pedir dinheiro, o filho herdou-lhe a manha, é a amiga de cancro cerebral que agora - não sendo por mal - me pede comida para a visitar, sequer quer ter trabalho de cozinhar, é o pai absorto no futebol, é a irmã sempre a ligar para apoio no recomeçar, é a tendinite no braço direito que apareceu de tanto trabalhar e ao final da semana mal tenho força para mexer e nem sequer há vaga em lado algum para imediatamente a analisar com exames, é o mundo em ruído que me quer sugar, é uma multidão de vozes que não se afinam em uma só: é o universo que só me sabe mostrar que me abandonou, e abandonará, fiquei esquecida para sempre assim que nasci, ninguém quer a lavoura de me amar, ninguém sabe sequer da hora nem do esgar para me contar. estou sozinha, estás sozinha, moça, só podes chorar.
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