nem penses, menina, nem penses passar mais uma noite e um dia sem verbalizares isso, foi que que acabei de pensar. às vezes fico desesperadamente triste depois de revoltada, a tristeza é o melhor remédio para a revolta, como estava a dizer, às vezes fico desesperada com esta coisa feroz que me assiste, feroz porque está em mim, de ser mãe do meu pai e dos meus irmãos e dos meus sobrinhos, tanta carga sua burra, anda, mas ser mãe não é só ser rodilha, menina, há a outra parte do abraço e do beijo e das palavras que se dizem e por isso ferozes na sua intensidade. pois, mas não há. e a carga que se carrega com gosto fica pesada e a cansar e a esgotar sem rebentar. vão todos à vidinha deles, tranquilos, e fico eu a carpir as suas dores e os seus horrores e a lavar a louça das comidas amorosas que lhes dou. é isso, estás na minha vez, diz-me a sorrir a minha mãe amiúde nos últimos dias, aparece e desaparece, estás na minha vez. e eu não queria a vez de alguém, a vez dela, só queria a minha - e a minha ninguém há-de pegar. depois fiz uma variante de empadão, pois claro, tinha de criar alguma coisinha para massajar a minha tristeza: meti a carne a picar com cebola, alho francês e do outro, salsinha fresca, pimentos vermelhos e amarelos e chouriça. depois refoguei com louro e azeite, meti-lhe piri piri e tomatate aos pedaços com caldo de galinha. preparei o puré bem consistente e deixei a carne apuradinha com abundante molho para lhe juntar queijo mozarela ralado até ficar uma espécie de papa aveludada e fôfa. e depois, em vez de cobrir a travessa som ovo batido meti-lhe maionese caseirinha acabadinha de fazer. o resultado, imaginei que assim ficaria e logo o percebi pelo cheiro, foi nadinha surpreendentemente: delicioso. que empadão maravilha. depois percebi que o meu pai gostou muito, não que me tenha dito aluma coisa, por conta de ter repetido a dose. é assim, o empadão maravilha que reinventei amou-me na sua travessa inteirinha.
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