domingo, 9 de julho de 2023

 nunca tive um carro novo, nunca me interessou, nunca tinha pensado nisso até ser obrigada a pensar e ainda bem que pensei, nunca ninguém me deu nada, tudo consegui sempre sozinha, e o meu carro novo já chegou e fui dar uma grande volta com ele, norte acima, redundância sobre rodas, conhecer-lhe os simbolos e a pegada, apalpar-lhe as perliquitetas minudências. já o adoro com paixão: é grande e muito alto e muito confortável e muito seguro e muito esperto e muito gentil e muito parceiro de viagem. e depois tem um som, música em volume para o céu, maravilhoso. decorei-o com flores e também com uma almofadinha em pétalas. começa por BB - bonito beículo, pois claro, e quando cheguei recebi uma prenda Viçosa do Ronito. este fim de semana promete.

terça-feira, 4 de julho de 2023

nunca sabemos se estamos preparados. amamos sem saber se estamos preparados para amar e quando escutamos a voz já estamos a amar, sem um esquisso, sem um ensaio, assim, ao léu e sem rede, estamos a amar. nunca sabemos se estamos preparados para degustar esse amor que não sabemos se estamos preparados para amar e quando damos conta já estamos a amar - assim como não sabemos se estamos preparados para enfrentar um dia até o dia acabar e percebermos que, sem sabermos se estávamos preparados, o vivemos. porque viver é não estarmos preparados para sabermos se estamos preparados: viver é preparar ao segundo, um segundo como um sopro de vida no coração, tic-tac, tic-tac,

é a vida que nos prepara e nos convida a viver. sabemos disso quando ficamos pasmados, sentimos pensando que pensar é sentir, no querer ver a vida a acontecer. no querer. nada é mais rijo do que o querer. e, sem qualquer preparação, tic-tac, tac-tic, taic-tiac, converte-se o querer em viver. 

o meu querer é superlativo do Ramor. é o meu bem. vindo.

sábado, 1 de julho de 2023

 como eu queria dizer-lhe, ouve, eu estrangulo o medo por ti, confia em mim, deixa-me mostrar-te o caminho, deixa-me tirar-te desse castigo, dói em mim a tua dor, a minha fantasia és tu. depois choro até o meu ventre ficar dorido, dilacerado, rompido. depois penso que um dia posso ficar sem lágrimas, um deserto nos meus olhos, porque também elas fugirão de mim, filinha indiana de mansinho, a acenarem-me com carrancas. depois volto a elas, às lágrimas, e faço-as prometerem-me que nunca me abandonarão, preciso delas para converter os males em tristeza e acalmar. e dizia-lhe, vezes sem conta, quero-te bem, tão bem, tão tão bem, meu bem, meu Ramor. e mete a fotografia dos olhos a ficarem verdes e os lábios a sorrirem para mim. os lábios e os olhos só para mim. não metas, penso, deixa-me vê-los e lambê-los.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

o meu corpo avisa-me sempre quando não está a gostar e cai. não gosta do calor que me esgota nem das insónias malditas e nem do sangue dolcemente saturado de nervos convertidos em acuçar. hoje caiu e está a implorar-me que o embale como se fosse, e é, um bebé. está doentinho.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

 o tempo cada vez galopa mais e mais, corre sem parar, e um dia destes eu vou morrer sem ter conseguido viver naquilo que me é essencial. sou uma vida por ser, talvez não devesse ter nascido, cala-te não digas isso, estou só a pensar, porque se não tivesse nascido era simplesmente matemática, uma hipótese, uma teoria, e isso quer dizer o quê, trenga, quer dizer que nascemos para sermos validados. e talvez eu tenha nascido para ser invalidada. sou um desvio padrão a morrer de calor e de cansaço. 

domingo, 25 de junho de 2023

todas as minhas amigas têm um amor dedicado

nenhumn que eu quisesse

mas têm

eu não, eu só tenho um amor ensaiado, de escrita experimental

nunca me aqueceu esse amor

ingrata que sou, eu sei

abominável musa que rejeita ser

eu quero amor de regueifa com manteiga

e ovos e laranjas

ciciante ao meu ouvido

que me cubra dos mosquitos

e os afaste das minhas orquídeas

e me molhe a boca entre calor

eu quero um amor grande

imenso

enorme

não esse amor pequeno

e sereno

que as cobre a todas

conas vadias que fervilham

e me humilha

eu quero um amor grande

enorme imenso

que só caiba no meu quintal, no meu jardim e no meu pomar

e que juntos sejamos verbo

semear

plantar

regar

crescer

collher

pintar

até ao infinito natural

porque a natureza é perfeita


quinta-feira, 22 de junho de 2023

muito, muito. estou sempre a pensar muito: por que razão não reinventa o 12 de maio de 2021 e diz: agora que já nos vimos, podemos ver-nos muito melhor, gostava muito. também podia ser eu a dizer mas tenho medo de não ser querida por si, de não querer isso e ignorar-me e depois vou sentir-me exactamente assim: culpada por não ter culpa alguma, vou morrer a chorar, ficar ainda com mais seborreia destes nervos de aço que parecem estar de cristal, vou sentir-me ridícula e uma minhoca com o corpo cor de rosa sem ossos e achatado com as tripas a esvaziarem tudo no ar. mas será que pensa que eu sou uma cola, uma mitra, uma ladra ladrona de liberdade, mandona e arruaceira? será que acha que não sei que pode não gostar dos meus olhos ou do meu riso ou dos meus joanetes que agora andam sempre ao léu ou do cheiro dos meus poros ou de me ver comer ou como falo ou como dançam os meus gestos ou do meu braço? será que acha que eu acho que as coisas não são como são? !ai! de mim, olheiras até aos joelhos de sonhos mesmo ruins a dormir, depois acordo a chorar e tenho de me enfrentar triste e por vezes zangada e pequeninha. porque ficamos mesmo pequeninhos, miniaturas de miniaturas de anões, caganitos, quando pensamos que de quem gostamos não gosta de nós.

terça-feira, 20 de junho de 2023

eu tenho medo. nunca pensei em algum dia sentir medo. afinal eu tenho medo de querê-lo tanto e de não ser querida.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

 muito chorei. pensei tanto em escrever-lhe uma carta, contar-lhe ao mimímetro o que está corroer-me os poros, toda eu sou poros de onde sai e entra água, toda eu carrego a leveza de um fardo tão pesado que me esgana os nervos e me acelera o fluxo vermelho. toda eu sou tranquilidade revolta e ciclone de flores e musgo em volta dos poros. do cabelo é onde os poros se agarram mais, tanta água que sai e depois entra e depois ferve. e depois os olhos que se fecham para as gotinhas sairem meiguinhas, os olhos são os poros mais delicados de todos, o mijo é que não, está sempre a querer arredar-se com pressa, sempre a impor-se durante a noite, anda lá levanta-te, já vou, peço-lhe que espere mais um pedacinho mas não adianta. ainda há as águas presas no baixo ventre, essas são as preguiçosas que teimam em não sair. fico a ouvir a roz mas elas acorrentam-se como se estivessem, e estão, a pedir a roz de perto, já não lhes chega a distante. hoje queria muito escrever-lhe uma carta. desisti. também os dedos me bloqueiam. se calhar estou a ficar um pouco mais louca e mais velha, não sei, está tudo difícil.

domingo, 18 de junho de 2023

 passei o dia freneticamente morta. estou cansada de ter ficado esticada depois de bolir em tudo em um ápice logo de manhã tenrinha. estou cansada. hoje morri e estive a viver de cansaço.

sábado, 17 de junho de 2023

continua a navegar na maionese. talvez este seja um caminho que vai dar a nenhures. continua a esconder-me. se calhar é para a outra, ou as outras, não ver. está ancorado a alguém. tem saudades de quem, com certeza, o rejeitou. e eu ando a ridicularizar-me.


 

quarta-feira, 14 de junho de 2023

 a minha cabeça não me larga e tortura-me de quando em vez. como não torturar se vive na ignorância do sensível? é o inferno de não haver depois. bem visto, é o inferno d'antes.

terça-feira, 13 de junho de 2023

 estou cheiinha de sono. vou adormecer a fazer rolinhos, e puxá-los devagarinho, nos peleiros da minha parrachinha. adoro. !ai! que riso

 e depois fiquei emocionada quando vi as histórias pequeninhas que aqueloutro construiu, histórias da vida real, o menino é mesmo bonito: tem o olhar recto e musical do pai e as pestanas pipilantes da mãe, o menino a aprender a contar o tempo, e as casinhas das doces, vestir o facto para ir às abelhas como se fosse ir à lua, a terra, o tractor como se fosse, e é, o melhor suv do mundo. de maneira que senti orgulho de ver a vida a acontecer-lhe. e chorei mais um pedacinho porque, na realidade, a melhor fantasia é ver a vida a acontecer.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

 fiquei a ouvi-los. foram chegando, eu sou sempre a primeira que abre tudo, abro as manhas das portas e os seguedos das chaves escondidas por detrás das capas de arquilo logo depois de desligar o alarme e meter o cavalete de publicidade por fora e de abrir os estores e as janelas e depois fiquei a ouvi-los, um a um, sobre o fim de semana grande, o que fez com a namorada, onde foram, elas onde estiveram com os maridos, do que falaram. e depois eu fiz de conta que me deu uma cólica e fui a correr para a casa de banho onde fiquei uma boa meia hora à espera que os olhos desinchassem e as bochechas  não ficassem tão manchadas de duas cores. porque ouvir pode fazer correr.

sábado, 10 de junho de 2023

 no filme ele deu um cd à mulher e uma jóia à amante. em circunstâncias normais, o cd seria uma prenda adorável, era da sua cantora preferida, mas a mulher viu a jóia embrulhada antes e pensava que também era para ela. ele não a amava nem a desejava - também não amava a amante mas a porca, porca por aceitar estar na cama com um homem casado, se fosse decente respeitava-se, como estava a dizer, a porca atiçava-lhe o tesão próprio. estava tudo desencontrado. era uma gaveta de coturnos sem pares, ainda por cima rotos. eu resolvia tudo em um ápice: ia tudo para o lixo que era um mimo.