segunda-feira, 12 de setembro de 2011

seborreia por contágio




pelo menos uma vez por ano sinto-me obrigada a procurar as mãos de profissionais de cabelos, não porque estejam estragados, para dar-lhes forma. é, no entanto, um momento de grande sacrifício e ando dias e dias a mentalizar-me que alguém desconhecido vai estar a massajar me o cabeludo e a usar nele pentes e escovas e tesouras indiferenciadas que rolam de cabeça em cabeça. é como se cada um dos utensílios carregasse uma colónia de cabelos, e talvez outras coisas, de cabeças sem identidade. e depois há o tempo de espera debaixo do zumzum do secador e das vozes tagarelas em simultâneo e do lixo das cabeças dos outros que quando é aparado salta, atrevido, para nós e faz comichão. e depois é o aspecto do cabelo das cabeleireiras que quase nunca faz jus à profissão e é pintado com a raíz a descoberto e seco e teso. enfim, todo o cenário envolvente faz caspa. mas, como já disse, pelo menos uma vez por ano obrigo-me a ter caspa. 

desta vez, porém, não foi com caspa que saí de lá. 

conversas cruzadas, há sempre uma ou outra que nos entra, mesmo sem pedirmos, no ouvido. falavam de emigração para áfrica e no quanto é difícil para um casal ficar separado - não pela saudade, não pela falta emocional, não pela interrupção espacial e temporal do projecto a dois, mas pelo risco que correm em serem encornadas com pretas. e a conversa segue: despertara, a esta altura, a minha atenção não pelo tema mas por o problema em causa ser preto (cheguei, entretanto, à conclusão que se fossem encornadas por brancas a coisa passava). vim a perceber, mais tarde, que a cabeleireira estivera emigrada uma data de anos na áfrica do sul e que era dela que a conversa tinha surgido. cabelo ainda por podar, levantei-me e vim embora quando, a certa altura, ouvi: lá não senti problema algum porque era normal mas cá, e atenção porque eu não sou racista porque tenho amigos pretos, quando vejo um preto, expressão facial de nojo, atravesso a rua.

como poderia eu colocar nas mãos de alguém assim a minha cabeça? imaginei aqueles seus pensamentos filhos da puta, terroristas, avançarem para as suas mãos. sim, porque o que pensamos extende-se a cada centímetro do corpo - nós somos criaturas inteiras.

desta vez, porém, não foi com caspa que saí de lá: foi com seborreia.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.