O tabu do suicídio na religião católica é,
amiúde, motivo de reflexão. Recentemente foi motivo de publicação de um livro,
uma longa narrativa, uma forma de homenagear e expurgar o próprio tema,
segundo a autora de Geografia Íntima do Deserto, Micheliny Verunschk.
Nossa Teresa, vida e morte da uma santa suicida, o
início do fim do tabu do suicídio na religião católica
É
um livro recente e fala do tabu do suicídio na religião católica. Tudo começa
com a imagem de uma menina suicida que foi enterrada vestida como santa. O
paradoxo da escolha de Teresa é justamente o coração desta obra que é contada
por um narrador em uma intervenção constante de manipulação e ironização
daquele que lê.
Micheliny
já tem uma fama na poesia, um caminho até. E acaba de se estrear nas narrativas
longas, optando por fazer uma abordagem que é, ao mesmo tempo, pessoal e
distante. A experiência da autora com casos próximos de suicídio terá
constituído também um estímulo para a realização desta obra. Como
refere, "É um tema que me move e comove. Quando o meu amigo Rubens se
matou eu precisei de lidar com muitos sentimentos confusos, entre eles a raiva
que senti por ele ter decidido partir". "Não sei se ajudou, mas deu
forma a algumas ideias".
A
autora refere também que falar do tabu do suicídio dentro do universo da
religião católica em particular e de uma forma geral é revolucionário já que
"o ser humano afasta o papel de Deus como responsável pela sua vida (e
pela sua morte) e define, ele mesmo, o ponto final".
Teresa,
uma menina que aos olhos dos outros é santa, mata-se. E são reflexões atrás de
reflexões sem que Teresa se transforme em um mero ensaio sobre o suicídio e
sobre o tabu do suicídio na religião católica. Também não há moralismo, até
porque Teresa é, de facto, uma santa - tanto aos olhos dos outros como por se
ter matado.
Narrativa que puxa quem lê para outra narrativa
anterior estando já na posterior: a reflexão sobre a criação de uma narrativa
Neste
livro sobre o tabu do suicídio na religião católica o narrador interrompe a
história para levar quem está a ler para trás, através dos tempos, até à
reflexão sobre a criação de uma outra narrativa. "Tudo o que depende da
linguagem se move sem que se possa determinar fielmente o seu roteiro".
"Esse narrador, esse velho, descobri aos poucos. Parecia que cabia bem
nele uma certa arrogância divina", refere a autora, fazendo referência a
outros narradores-personagens, nomeadamente os de Machado de Assis e José
Saramago.
Um
livro sobre o tabu do suicídio na religião católica escrito em canto de sereia
seduz. Muito. Porque até o suicídio está carregado de poesia - porque, digo eu,
toda a narrativa tem poesia. E música por dentro.