sábado, 29 de abril de 2023

 acordei às três da madrugada para ler o livrinho, estava a chamar por mim desde o dia anterior quando chegou, filha, tens aqui uma encomenda embrulhada com um fio vermelho, disse assim que liguei na hora do almoço, ligo todos os dias, abre e vê se tem livros, pai, abriu e confirmou. depois fiquei em pulgas e pulguinhas que tive de domesticar por falta de tempo e por sono quando o tempo teve tempo. é como digo, sou um cu de sono, tenho horinhas de bebé ainda para mais se tiver de estar a olhar um computador. se tivesse rolhos seria diferente, pois claro, o sono havia de querer dançá-lo e cantá-lo e ri-lo e conversá-lo e apreciá-lo muito muito. mas como estava a dizer, fiquei a pensar na fusão da realidade com o sonho e da realidade que é fazer parte da vida - da minha; da dele. e se eu, neste amor de que sou feita e carrego, não sou atordoada o suficiente para salvá-lo? não é que tenha entrado em pânico mas em modo de alguma preocupação, passageira é certo, passageira porque logo me veio à ideia que não sei ser de outra maneira além daquela que sou. mas e então se o meu amor não o atordoar até ao infinito como é? como é se sequer o meu corpo não entra no atordoamento? e se? e se? e se? 

quinta-feira, 27 de abril de 2023

 sabia lá eu que o trapézio é, não um osso, um músculo, homessa, só sei que descobri que tenho lá cócegas, !tantas!, fartei-me de rir e contagiar a fisioterapêuta de riso também, e ficamos a ouvir as invejoss que riso não tinham. pedi-lhe desculpa, não pelo meu riso, era o que faltava, por talvez lhe tenha trazido ao algum problema por se estar a rir comigo enquanto trabalhava. ora essa, de facto nunca tinha tratado ninguém com cócegas no trapézio, nunca me aconteceu, dizia e ria do meu riso. de maneira que as cócegas deixaram-me toda quilhadinha, pois, alternadamente um dia é ombro e outro é cotovelo. hoje foi a vez do ombro. 

e a verdade, é inegável, é que quando ela não está ao serviço, já é outro assunto, o ambiente ganha bem estar, trabalhamos bem e divertidos, ela é tóxica só por respirar. 

e depois tenho andado a pensar em todos os detalhes da boca dele, por dentro e por fora, nos cantinhos onde as minhas cócegas podiam chegar. e o riso. bem visto, podia bem ser um trapézio. !ai! que riso

quarta-feira, 26 de abril de 2023

 dormi tão mal, as minhas fadinhas por vezes pregam-me partidas - ficam agitadas e cansam-me. também há uma coisa, qualquer ruído me acorda e depois para agarrar o soninho novamente é um trinta e um, o meu cérebro é incrivelmente disciplinado nisto de fixar acordares. naquele dia que lhe ouvi a voz, por exemplo, naquela noite inesquecível, andou a minha massa cor de rosa meses a fio a acordar na exacta hora da voz. depois lá se convenceu de que a voz se calaria. de maneira, como estava a dizer, que dormi mesmo mal e quando estava a entrar no rem o sinal de mensagem no telemóvel acordou-me. fiquei furiosa, era a minha Anita para irmos almoçar hoje. e fomos, comemos peixe fresquinho quase em cima da areia, restaurante elegante, um restaurante é para mim elegante quando as toalhas e os guardanapos são, como gosto, em tecido branquinho com aquela espécie de marca de água, e a casa de banho limpinha denuncia igualmente a elegância, assim como a comida boa e quentinha, fartei-me de engolir caroços de azeitonas pretas com azeite e alho também, muita conversa, risota nunca falta, está bem a minha Anita. e depois, ao chegarmos ao carro, houve uma árvore que me chamou, agarrei-me a ela com viço e pimba, pedi-lhe uma chapa. calhou bem, assim faz mais ou menos parelha com a chapa bonita do Ronito que vi assim que alapei o cu na cadeira do escritório. digo eu. e os beijos? por que não me dá beijos?

terça-feira, 25 de abril de 2023

 finalmente. finalmente. tia, é para te dizer que vim para viana viver com a minha mãe. alegria, tanta, a minha, teria-se evitado tanta dor se nunca de lá tivesse saído. e agora foi preciso que os irmãos do outro lado o tratassem como o orfão bastardo para que a minha irmã percebesse que tem o dever de o ter sempre por perto. o Afonso não é bastardo, e ainda que fosse, tem direiro a parte da herança do pai como os outros irmãos. irmãos? irmãos não enganam nem traem nem maltratam - ou pelo menos não deveriam ainda para mais sabendo da sua doença. 

mas enquanto rebentava na boca dois ovos, adoro, um nunca me chega, lembrei-me de uma coisa. quando são mães as mulheres perdem os desejos porque passam a desejar tudo para os filhos, aquelas que amam os filhos, claro. e então, como nunca pari mas sempre tive filhos, nunca perdi os meus desejos porque o que sempre dei aos outros não deixei que interferisse com os meus desejos que arrecadei, fui arrecadando, intocáveis. porque os meus desejos são ele.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

é o que eu acho, eu acho que tenho a razão toda quando digo, ou quando penso, e estou sempre a pensar porque sinto, sinto logo existo, que o melhor é simples: detectamos, percebemos e comprovamos e queremos o melhor, essa riqueza de dormir e acordar e degustar até ao infinito, detalhe a detalhe, canto a recanto, cada brilhinho, os brilhos como poros da pele que é preciso resgatar para abrilhantar mais e mais. e eu quero os poros da pele do Viço, é o que eu quero, os ovvvvvvvvvvvvvvvvvvinhos todos sempre e para sempre. nos e pelos poros. porque sem poros não há Viço e oViço é inteirinho e queroqueroquero para mim. 

!ai! de mim

peixinha de rabo na boca

às voltas

a querer começo sem fim

sábado, 22 de abril de 2023

 ela ficou trsite e eu fiquei triste com ela. acordei e estava a dar um filme que puxou a minha atenção quando ela lhe disse, depois de dez anos, eu preciso que sejas adulto e quando estiveres preparado liga-me - foi o que lhe disse antes de sair. depois passaram muitos meses e ela, sempre à espera, recebeu um telefonema. era ele, convidou-a para jantar, tamanha a alegria dela vestiu-se a rigor entre a sedução e o compromisso quando, depois de alguns elogios, ele lhe diz: finalmente sou um adulto, estou noivo e caso-me na próxima semana, tinhas razão, obrigada por me fazeres perceber. 

ela esperou que ele ficasse preparado e ele escolheu outra. ela serviu para ele se fazer com outra. fartei-me de chorar. para que fui eu ligar a televisão, raios me partam.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

 hoje recebi duas prendas mas também me cansei muito; as duas prendas saíram da prenda maior, da grande, bem visto do prendado, como se fossem ovos, quem me dera que ele pusesse ovos todos os dias, ovos podem ser daquelas prendas ou de outras, outras que também são todos os dias que eu vejo e leio mas queria de outra estirpe também, ovinhos e ovões pelos olhos e pelo nariz e pela boca e pelos pés e pelos braços e pelas mãos e pela pele toda e pela pila também, pois claro. seriam ovvos Vinder. !ai! que riso. de maneira que depois dos ovvos, tive de ir fazer um rastreio aos olhos da diabetes e acabou-se-me o sossego na hora de almoço porque recomecei a fisioterapia a valer depois de mandar o antónio pastar. agora o tratamento é lá na clínica mas aconteceu algo muito estranho. por que raios o meu patrão mais novo estava no mesmo s+itio e à mesma hora que eu na fisioterapia e se pôs a jeito de eu o ver? ora fiz que não o vi - se era esquema saiu-lhe furado, fiz que não o vi porque na realidade só o vi por acaso, então agarrei o acaso e transformei-o em uma semi-verdade: vi-o mas quase que não o vi e, por isso, fiz que não vi o que poderia não ter visto. mas não demorarei a descobrir o que lá estava a fazer, o acaso vai-me contar tudinho. mas como estava a dizer, queria tanto ovvos Vinder. também fui ao barco bêbado encomendar, estou cheiinha de curiosidade inesperada e, lá está, outra vez, queria tanto ovvos Vinder, como eu queria ovvos Vinder. não sei se já disse mas eu queria mesmo muito, muito, tanto, ovvos Vinder.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

quando não conseguimos odiar quem nos faz mal é porque talvez não tenhamos maldade, digo eu, que continuo a partilhar sorrisos e bem querer e até a minha comida com a chefe esgaziada. não sinto que me apetece que ela, agora que foi operada aos pés, fique deitada para sempre em casa para não me molestar. sinto vontade que ela fique boa e envio-lhe beijinhos e força. se calhar não ter essa maldade, ou lá o que isto é, é ser trenga, é ter a paciência elástica e o coração maleável e os nervos de aço, rijos, às vezes não me entendo à primeira e fico a analisar-me, vejo-me ao longe como se me fosse, e sou, espectadora de mim. depois acabo sempre por correr a abraçar-me, se eu não me abraçar quem me abraça, penso, és tão querida, digo-me, adoro-te, e atiro-me uma madeixa de cabelo para o canto da testa e passo-me a mão no rosto, como eu gostava que me passesse a mão do rosto e a deixasse ficar por instantes, sentir-lhe o calor com a minha teimosa bochecha, e a meiguice, depois saltava para os meus lábios  mão, esfregava-os ao de leve como se estivessem, os seus dedos, a desafiar a minha boca que quer mordê-los com trinquinhas amenas, os dedos das mãos feiticeiras do corpo feiticeiro do cérebro feiticeiro. perdi-me. como estava a dizer, já só me ocorre o desejo do beijo. de maneira que me perdi, já não sei o que estava a dizer, estou a ser redundante, o beijo, o beijo, o beijo

quarta-feira, 19 de abril de 2023

 sei lá, fico meia confusa, o sol faz-me alergia enquanto conduzo e os meus pensamentos começam a arder, nem tempo tive de captar a rosa do jardim bonito, nasceu uma vermelha muito imperfeitinha, pelo menos consegui que o SEF deixasse de as ignorar, vale-me o talento de redigir, e agora a epicondilite veio para ficar com os movimentos repetitivos, o armário ficou perfumado como eu gosto com a alfazema nos saquinhos e só o cheiro dos nachos que eles comem me enjoa, sinto muitas saudades do futuro que nem sequer existe a não ser no meu coração como o ar que se guarda com a mão e isso quer dizer que talvez a vida esteja a ser cabra comigo, como sempre foi, pois, não sei não.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

teimosa, não conheço alguém com mais e maior teimosia do que a minha. não considero um defeito mas antes uma virtude - uma virtude, porém, que pago cara. ou não. pois que encornei com uma frase no código do trabalho e meti o advogado da empresa a responder-me e enfrentei-o, não me satisfez a sua resposta, copiou e colou os artigos, foi o que fez. então não tive mais nada, procurei advogados especialistas em direito laboral e agendei uma consulta, às seis e pouco, depois de sair a correr, já lá estava. riram-se - não de mim mas da minha teimosia e disseram-me: damos-lhe os parabéns, não há muita gente leiga na matéria a perceber que a lei está mal redigida e que a sua aplicabilidade é o oposto da redacção. mas o advogado da empresa ganha, ele sabe que está mal escrito mas também sabe que o que não está escrito bem é o que conta. a consulta custava noventa euros. mas no final, e com sorrisos, disseram-me: não lhe vamos cobrar a consulta, foi uma conversa e foi bom perceber que ainda há quem domina o português. 

e eu, o que ganhei? ganhei tranquilidade porque estou certa: está mal escrito e a interpretação que eu faço é a correcta - a forma como se aplica é que não me beneficia. paciência, esses burros que escrevem as leis deveriam era contratar-me. esses parvos, bois d'areia, ogres.

domingo, 16 de abril de 2023

 é o cérebro que me faz a tormenta, a tortura, começa a cruzar tudo, desdobra coisas e entrelaça coisinhas, mistura e começa a ferver, apita como se fosse uma chaleira e deita vapor como a penela de pressão. e para mim é tudo tão simples. e como é que o simples se faz uma tormenta, é tão injusto, é tão triste. é tão não ser, é tão não ter, é tão não fazer. é: não é.

sábado, 15 de abril de 2023

o jardim da minha amiga Olguita, que conheci quando chegou da Ucrânia há uns vinte anos, é muito lindo mas tenho pena que a árvore das camélias tenha sido demasiadamente aparada por conta dos vizinhos ranhosos que com ela cismaram - tão aparada que, zangada, deixou de dar flores. ou então está a procrastinar na dádiva, está a vingar-se em mim da miséria de outros. porque o jardim sem as camélias não fica tão lindo. enquanto a esperava, por mim nunca ninguém espera, é muito estranho, chovia muito mas não me importei: ensopada até aos ossos, porque não me agrada guardar-me da chuva, captei a rosa e as herinhas. por instantes até pareceu que tive direito a tanta beleza só para mim.




sexta-feira, 14 de abril de 2023

pode-se dizer que sou pacificamente aguerrida, pois claro, quando mexem com aqueles que me são queridos, ai carago, o meu sangue começa a ferver, sobem-me uns calores irrequietos, as tripas começam num fandango, agora que penso nisso se calhar terá vindo daí a expressão tripar, como estava a dizer, começo a tripar e quando vou a ver já está tudo no caminho certo. e o caminho certo é aquela coisa que fazemos quando sabemos que não tem retorno: defender com unhas e dentes e o que mais houver os queridos. era o que faltava, à minha frente - que eu veja ou ouça ou leia - ninguém diz ou diz que disse mal do meu querido, é ver a minha mansidão transformar-se em um leixão de força que ampara a onda, um tufão, uma tempestade que limpa tudo o que está à frente e atrás e nas fímbrias e nos arredores. fui sempre assim e hei-de ser. quem lida comigo todos os dias até diz que os meus olhos falam. e quando me tripo, dizem que é fogo que dizem os olhos meus. ora muito bem, isso deve querer dizer que meto tudo a arder. pois que arda. mas e se ele se passa com este sangue ardente que mata o fedor dessa gente?? olha, meu Viço, se ele me ouvisse dizia-lhe assim, como estava a dizer, olha, meu Viço, passa-te à vontade porque o meu sangue nunca vai sair de mim. fogo, vem mesmo a calhar, fogo, quem me dera sentar-me no seu regaço, encostar a cabecinha e depois também roçar-me todinha nele, no tal regaço. chama-lhe regaço, chama, agora fizeste-me rir, moça. 

domingo, 9 de abril de 2023

 eles bem fizeram planos mas houve alguém que morreu, a mãe de uma amiga de lisboa, e a vida, a vida dele, andando para trás literalmente, veio cá ter outra vez. viu braga por um canudo, !ai! que riso, já chegou o meu pai a pedir-me sopa, um rico prato de sopa. 

a maior imprevisibilidade da vida é que pode terminar a qualquer momento. mas não posso pensar nisto senão enfureço-me para me entristecer de seguida. bem visto, também os meus planos de ficar sozinha umas horas focaram quilhados - a minha irmã acampou a tarde quase toda a debitar-me as suas angústias que estão a ser ultrapassadas dia após dia, o menino cresce, o pai do menino minga de importância e ela descobre-se, nunca tinha vivido sem aquele homem. é a vida, estou farta de ouvir isto, é a vida. pelo menos consolei-me com o leitão que encomendei e comi até arrotar. 

sábado, 8 de abril de 2023

bate-me ao peito, entra e faz conchinha no meu coração, esse romem de quem ouço a voz da memória e repito: tão boomm. com a sua pronúncia e tudo. quero, quero, quero.

 eu: estou a estender a roupa quando me lembro de esguichar líquido anti-calcário nas louças sanitárias para ficarem a brilhar, volto para a roupa, umas peças e salto para a panela e sopa ao lume, junto lixívia em gel e esfrego a banheira, acabo de estender a roupa, vem-me à ideia o comprovativo do irs que impri e vou tirá-lo da carteira para arrumar, faço uma cama de fresco e vou escolher o verniz para as unhas dos pés, vou esfregar o resto das louças da casa de banho e entretanto vou ler umas coisas, páro, ligo a música e começo a preparar os espinafres e a amanhar o peixe, vou fazer outra cama de fresco e depois pinto as unhas de um pé, penso que já não vou usar camisolas quentes e começo a esvaziar o gavetão, vou passar a sopa e ponho a mesa, faço a muda da roupa, pinto as unhas do outro pé, parto os legumes e como não me posso esquecer de coser o robe e os boões que estão quase a cair, vou buscar a caixa de costura, enfio a agulha, começo a fazer o arroz, vou buscar a esfregona e o balde, coso dois botões, passo o chão, a sopa está pronta, meto o peixe a grelhar porque já pus o arroz, acabo o robe. almoço.

de outra forma estou doente.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

 o senhor guedes ajeitou hoje o carro do meu pai por mim, eu sei que foi por mim, porque sabe que de outra forma eu teria de passar três dias a fazer de motorista. quando cheguei lá ontem, depois de ter dado a morada do sr. guedes ao funcionário do reboque, ele disse ao meu pai que seria muito difícil arranjar a viatura - só para a semana, só para a semana. depois olhou para mim e eu vi que ele viu o meu cansaço e apenas me disse: ligue-me amanhã Olinda, por volta das onze e meia. e foi o que eu fiz e já estava pronto. assim, pelo menos no domingo de tarde e até segunda vou poder descansar, ficar absolutamente sozinha em casa sem me preocupar e sem horas, perdida na minha vontade de beijar oViço. mas não quero pensar nisso senão alegremente entristeço.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

não pode, fica proibida, foi o que ela disse enquanto sentia um dilúvio em uma nuvem preta por cima de mim e ao mesmo tempo uma gana de estrangulá-la. sim, eu sei, ela é que sabe. e se a fisiatra diz que não posso nadar, ir à piscina, então é porque não posso e ando há coisa de um mês a fazer merda no braço. quer dizer, eu a pensar que estava a fazer bem e afinal. quem me mandou adiantar-me e ouvir o que o antónio disse? mas também já lhe sarnei a cabeça - mas não tanto quanto fiz com a minha. e a cascata, menina? olha, a cascata vai lá ficar porque se vou apetece-me logo nadar. e não posso. posso nada, ai o carago, putinha que pariu, só posso reclamar em mim e é um pau. 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

 


e como sabes que não partes?

não sei, acho sempre que me vou partir

como um vidrinho de cheiro

frágil tão forte

forte e tão frágil

se calhar és de elástico

sou não

eu parto

dói tanto, tanto sangue

e depois apanho os vidrinhos todos

so lu çando

e lambo o ranho cansado de mim

por isso quer sair e escorrer-se todo

cala-te

calo-me

estou um caco de vidrinho de cheiro

queria cafoné

no cabelo e no pé

e nas persianinhas do olhar

cala-te, adormece para sempre

e se os sonos do reino dos sonhos também me mandarem calar?

por isso é que tenho pesadelos, acabei de descobrir

tocam os sinos

hoje não posso mais, estou cansada,

por favor deixem-me falar


terça-feira, 4 de abril de 2023

 hoje tive uma surpresa boa. quando cheguei a casa, batata e faca na mão, uma borboleta pousou no vidro da janela, bonita, bonita, mal consegui sossegar os olhos nela. demorou segundos apenas a sair para outro lugar - foi só o tempo de a captar a correr antes que apanhasse o ar. hoje já não tenho vontade de a mostrar aos meus olhos outra vez, amanhã talvez, carrego-a na minha memória que é o que interessa.

quando uma das muitas tragédias me aconteceu a minha madrinha, que hoje está demente e nem se lembra de mim, disse-me: minha filha, nunca permitas que um homem faça pouco de ti. prometi-lhe e faço questão de cumprir. porque eu não sou pouco, sou abundância; porque eu sei o que mereço; porque não sei amar com medida; porque faço do amor uma prioridade; porque eu sou o amor que não pode ficar para depois, nem para trás, nem por detrás, que não é de evitar nem de ignorar. porque eu não sou evitamento, sou confronto portento, portanto, sou amor de ficar à mostra. de maneira que me prefiro sozinha do que mal amada.

domingo, 2 de abril de 2023

 passou mais um mês e nunca me senti tão sozinha e tão triste. quando queremos alguém queremos estar, não há volta a dar nem a inventar nem a manupilar nem a convencer. e também não temos vergonha de mostrar que queremos. é cruel e violento ficar por fazer, é desgastante, é castrador- é matança. é matança, Olinda, e tu sabes disso. sentes cada facada por mais imperceptível que seja, tu sentes.