vejo o nome e atendo. começo a tremer perante a sua voz trémula e indefesa, tia preciso de ficar a dormir contigo esta noite, não me sinto bem. digo-lhe que sim sem mostrar o meu pânico. desligo. começo a ter um ataque, estava a entregar o carro da empresa no mecânico. fico a chorar a aguardar que me venham buscar. depois chego e meto-me na casa de banho, saio e caio de joelhos no cão, deito-me e molho-me, mal consigo respirar só de pensar no que pode acontecer. nada vai acontecer, ele está controlado, só pressentiu que poderia haver um descontrolo com a mudança de estação e da medicação e ligou-te, ouço-me sem me convencer, está tudo bem. sinto meterem-me umas gotas que sabem a bagaço na língua para me acalmar, de olhos fechados deixo-me acalmar e fico calma. não sei como vou conseguir ficar bem, quando chegar, daqui a pouco, ele também já chegou, depois vou preparar o jantar e o sofá e depois quero dormir mas talvez não consiga, há o medo, o medo que ele faça alguma coisa semelhante ao que fazia antes, o medo que tente atirar-se da varanda ou que saia de noite. só quero conseguir dormir e que amanhã ele esteja bem e que vá embora. eu só quero que ele fique bem e que vá embora, embora. porque eu tenho medo da caixa preta com o meu coração lá dentro, o meu sobrinho é uma caixa preta, quando está assim, e tem o meu coração lá dentro. eu tenho medo que o meu coração se desfaça, quero dormir e guardar o meu coração, quero dormir e guardar o meu coração.
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