sábado, 19 de novembro de 2011

leite amoroso

pois claro que o leite - marca preta, marca branca, marca amarela -, é todo igual em termos de cálcio mudando apenas o sabor de mais ou menos gordura e outros. quero dizer, pode ter mais ou menos mas todo ele sai da vaca com cálcio e depois é temperado a gosto. as vacas não usam marcas e quanto mais amor recebem mais leite amoroso dão. é assim a natureza, não há nada que enganar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

o longe

há quem diga que de noite os caminhos são mais longe. na verdade, nunca ouvi alguém dizer. mas hão-de ser as crianças que muito bem assim pensam.

moderato cantabile

quando me lembro de moderato cantabile, bato palmas à teimosia que mais não é do que ser, por amor, obedientemente desobediente.

de fora para dentro é que há sexo vivo

ontem li que o derradeiro prazer dos homens é o sexo e o assassínio. talvez seja verdade, mas não creio, se pensarmos no que é o sangue, porque será o sangue a fazer toda a diferença. pode fazer-se sexo sem sangue e matar sem sangue. em ambos, sangue e prazer, há vitalidade, alegria e entusiasmo - o que pressupõe vida e não morte. então, embora não use pénis senão quando ando em reflexões, não me parece que seja verdade. eu diria que o derradeiro prazer dos homens será o sangue do assassínio do sexo - do sexo que ejacula por mera fricção, que é um sexo morto, será matar esse sexo morto e fazê-lo orgasmar-se de sangue - de vida. e a vida não passa em segundos de ejaculações expelidas: a vida vai ficando, e crescendo, também, pelos momentos de orgasmos absorvidos. o sangue, a vida do sexo, é coisa de fora para dentro - e não, ao contrário da vida dos afectos, o contrário.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

dar também é receber vida

não é que um caso isolado tenha mais importância que tantos outros mas, tem vezes, por vezes levamos um abanão colectivo que nos alerta, no meio de tantas outras, para uma pontualidade. eu vou fazer os testes de compatibilidade de genes no cromossoma 6 para, oxalá possa ajudar seja quem for, doar do meu tutano e salvar, se não for o pequenino noticiado, alguém - que interessa quem?

no Porto, pode ser aqui.

sem lamento





são cimentos crescidos de sonhos ou sonhos que em cimento ficam, mas são - são passados presentes de gentes,
são luzes com gentes por dentro: são vida a querer viver
sem vidas que trazem lamento.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

reclamando

de braços abertos, carrego tanto as maleitas como as romarias do mundo. divertem-me, apesar de muito me cansarem, as reclamações: consigo quase sempre, dizer sempre só me fica mal porque não sou de falar do alto da burra, sempre que tenho a razão comigo, desesperar a paciência dos que me afligem e beneficiar. a incompetência tira-me do sério e passo-lhes as palhetas mesmo a brincar. 

(saia uma passadeira bem engomadinha para eu me passar)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

que puta de voz castiça que contagia o cambar

viço

acender e manter a lareira acesa é uma espécie de ritual que me agrada muito: não me desanima ter de andar acima e abaixo a carregar lenha; tampouco o ter de limpar todos os dias o cagaçal - é daquelas coisas que valem a pena, o suor e as forças. o mais curioso é que ainda nem sequer senti frio e as canhotas já vão ao ritmo de inverno. e não, não é que esteja a chamar o frio mas estou a mostrar-lhe, não o descuro, é muito bem-vindo, cá o espero, que o trato com viço.

domingo, 13 de novembro de 2011

breve monólogo feliz

acordar com a tal ruralidade sonora. mas hoje estou caprichosa e também queria gri-gri de grilos, não vejo onde está o problema, resposta à segunda voz que me julga de eu tanto querer, de querer aumentar os músicos dos concertos. antes contratar um ou dois grilos que ir aos gambozinos de galochas. ah, estás indiganada - e isto mesmo antes de eu te chamar alguma coisa que justifique, cá da nossa casa, a célebre frase: és uma serigaita, uma ladina!

sábado, 12 de novembro de 2011

na vida e na comida quando o inimigo são elas

há pessoas que têm uma maldosa, estranha e de desamor, relação com a comida: escolhem-na, provam-na, enchem-se de prazer, e logo a seguir rejeitam-na, querem ver-se livre dela, tamanha a dificuldade e resistência em retribuirem, em aceitação, o que escolhram e gostaram.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

borbulhas de sorrisos nos ouvidos

agora sentadinha, menina cheirosinha

não digo proibir, uma ditadura na libertação é paradoxalmente agressiva, mas parece-me mesmo bem a ideia de os homens, tal e qual no restaurante edible canada na ilha de granville,  não urinarem de pé. aquela coisa do culto da pinguinha não traz benefícios nem ao portador.

(digo eu, mulher, que se fosse homem havia de andar sempre de consciência molhada por saber que a probabilidade de ir deixando odores e manchas por aí é mesmo grande. a ir deixando rastos que sejam de cheiros e de poças interessantes)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

porque não o colector menstrual?

desconhecia a sua existência até descobrir toda a informação aqui através daqui .

romper-romper

parece que vai nascer, traços pintados em romper.
parece que vai acabar, breve claridade de começar.
barcos na ria, rio, são como lírios no campo
ora doces carroças em calçada
e sopa quente de madrugada,
é isto o começar - que virado do avesso, estugado, estonado, sempre a condizer
será o outro
amanhado
estofado
estafado
aquele que do romper faz romper.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

funkaria

conjugar cenoura crua com chocolate pode parecer estranho - mas não é, é delicioso. e é nestas alturas que o ser funk adquire um novo significado.

passar com a varinha mágica três ovos, duas chávenas de farinha e outras duas de açúcar, duas cenouras partidas aos cubos, duas colheres de chá de fermento e uma chávena de óleo. (pormenores importantes: peneirar a farinha e o fermento antes da mistura permite alcançar a macieza suprema; derreter uma chávena de margarina em vez do óleo permite uma textura bem mais suave. as calorias? as calorias nem sequer são aqui desprezadas, são muito bem recebidas e apreciadas.) levar ao forno a 150º, durante quarenta minutos, em forma de silicone não será imprescindível mas evita que o fundo e os lados colem, mesmo com farinha e manteiga. derreter chocolate em pasta com açúcar e barrar todo o bolo, ou pintá-lo a gosto, depois de pronto, será o acabamento final: uma funkaria em doçura.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

pequena nota

a quem me escreveu chamando-me a atenção para a palavra cohabitar, que não está bem escrita, muito obrigada e aqui fica a explicação: o h, além de mudo não pode ser cego - de outra forma a deficiência comum será miseravelmente cabal.

atavismo e atadismo

durante a leitura deste texto, são raras as vezes que não sorrio ao ler o tempo contado por este Homem, e a propósito de atavismo, ocorreu-me, alguma relação deve ter se levarmos à letra o que a outra, de não haver coincidências, diz, que em relação ao casamento a coisa processa-se de forma inversa mas com tendência ao inverso do tal inverso. chamemos-lhe atavismo da geração vindoura. a geração anterior à minha, com as devidas excepções que fazem parte de qualquer assunto, ainda acreditava na conjugalidade via casamento que a geração dos pais e dos avós lhe passou - talvez por referências positivas dos tempos, de outros, e das vontades, não posso saber. na minha, ainda há uma parte que sim mas uma outra, grande, que não. na seguinte, muito menos. não estou a querer dizer que o amor não cabe tanto dentro como fora do casamento, não, até porque são poucos os que se unem, e muito menos os que se fundem, por amor mas antes a afirmar que os que recusam o amor são exactamente os que recusam apostar. sim, porque casar é fazer uma aposta, apostar - passo o pleonasmo - em si e no outro perante uma vida a três (a mim, a ti e a nós); já quase ninguém acredita que vale a pena apostar em alguém e nalguma coisa a não ser em si. e é daí que surgem as ligações de uma tal igualdade de contas bancárias e de contas correntes e de previsões, a curto prazo, de afectos.

garantias não há, em lado algum e sobre coisa alguma: pode-se casar e descasar; pode-se cohabitar e descohabitar mas a derradeira diferença entre o casar e o não casar reside no risco da aposta, na convicção de que partilhar o sono e o sexo tem exactamente a mesma importância que partilhar o riso e o choro. é como se o sentir que vou amar-te e respeitar-te, com todas as variâncias que o amor e o respeito possuem, todos os dias e todos os momentos da tua vida e aposto que vou conseguir apenas porque é o que de facto quero porque o sinto, andasse a ser trocado pelo o amor é um estado de espírito e por enquanto podemos tentar viver na mesma casa e dividir as contas, porque até temos bom sexo, até que apareça alguém que me encha todas as medidas. será uma espécie de cohabitação entre solteirões - ser solteiro é, muito mais que um estado civil, um estado de corpo e de alma - um estado de completo descomprometimento do corpo e da alma - incapazes de se entregar, ora porque não sentem ora porque cagam-se todos na possibilidade de perderem esse estatuto de estado. e assim se vive em conjugalidade solteira, tanto em casamento como por casar, nos nossos dias.

(e isto a propósito de atavismo. e de atadismo emocional também.)

a carta que esteve em banho-maria

quando acordei foi nisto que pensei em dizer. depois de alimentar os meus vivos e a mim, já não me apetece - talvez o melhor que lhe posso dizer, sem dizer, seja desvirtuar a importância que lhe dei. lamentavelmente, apenas o reconhecimento público da importância é, de facto, importante para, oxiúros de gente, muitos.

caro xx,

agradeço-te imenso a ausência de resposta ao pedido que te fiz sobre a autorização de utilização das tuas fotografias para fins literários - sei bem que é o que acontece a quem desconhece a acção que a palavra empatia potencia e também a quem não sabe, de todo, lidar com o elogio vernáculo. para que fiques menos pesado de vaidade, devo dizer-te que todos os outros donos de talento da captura de beleza, que eu reconheço, fizeram questão de, com retorno - positivo mas se negativo igualmente válido e pertinente -, mostrar serem merecedores e reflectores de tal beleza.

após este agradecimento resta-me, portanto, dizer-te que podes meter as tuas fotografias, todas as que tinha já seleccionado e também as outras, no cu, que é onde devem ser guardadas as coisas que já não cabem no umbigo do ego, e foder-te todo com elas.


agradeço, uma vez mais, o tempo que perdi contigo, pois ajudou-me a concluir que as fotografias não te espelham e por isso não fazem sentido no meu projecto, e apresento os meus cumprimentos.


Olinda de Freitas

ps.: curioso. agora que verbalizei o que pensei, definitivamente vou enviar-lhe, já de seguida, esta carta por email. simplesmente porque o que me é importante não pode deixar de ser feito.




a Rosa

chama-se Rosa e vive, não sei bem se vive ou apenas aguarda que morra, ou estará em morte progressiva, talvez a morte não pertença ao mundo do definitivo e escala-se, há oitenta e cinco anos. sei que passa os dias numa cadeira, a uma só perna, a um só olho; sei que não usa calcinhas para ser mais fácil urinar e defecar; sei que come apenas refeições preparadas segundo as suas indicações; sei que faz questão de demorar trinta minutos exactos, nem mais nem menos, a lavar os dentes; sei que lava também, todos os dias e no mesmo local, na cozinha, o seu olho postiço. mais não sei. mas imagino que seja uma mulher forte que persiste em ser independente. e que tenha muitas histórias para contar. pareceu-me precisar muito de mimo e de atenção, como precisam todos os que são fortes. a casa tem um cheiro feio, os cheiros feios sentem-se na temperatura ambiente: abre-se uma porta e a um passo do fora para o dentro a temperatura faz toda a diferença quando nos invade, com terrorismo, a zona superior da cabeça e o centro do estômago. a casa tem um cheiro feio e as janelas nem sequer abrem - e nem sequer fecham, estão sempre assim, quietas, tal e qual a Rosa.

não vou lá voltar porque não quero, não quero adoptar mais uma vida. não posso esquecer-me, ainda mais, de mim.

domingo, 6 de novembro de 2011

a beleza dos poios

acho bonito um poio numa estrada ou num passeio, em locais por onde os passos, não da pressa, são do vagar. e fico vaidosa a vê-la poiar, às voltas como se em festa e celebração, e deixar ali resquícios de vida que hão-de misturar-se com bichos e flores que crescem, também rebeldes, por lá.

sábado, 5 de novembro de 2011

Val Union






sem peso, soltas, soltam-se em mistério de momento
douradas, recortes de flores e de louças
repousam
como entretidos descansam os sentidos e o vento
que se agita, não grita, fica
sobrevive às quedas e ao tempo
ai que folhas de ramos de abraço!
ao que perduram, livres de cansaço, ai!
donas do chão, pisadas de mão
que emolduram, do ar, o altar
não sei se vão mas sei que ficam
nos olhos da face do meu olhar


pesadelo

já não existem terras de sonhos. mas a emigração e a imigração continuam a ser, na terra dos pesadelos, possibilidades impossíveis - não são os pesadelos que nos fazem andar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

harmonia dos sexos

a moda na capital, pelo menos é da capital que chegam os testemunhos da reportagem, é as mulheres de um casal cometerem adultério com outras mulheres. choca-me o uso da palavra adultério que me faz imaginar um clássico em que se vive o amor fora do casamento, por este ter sido imposto e preferível à morte, em que os amantes se encontram num lugar de uma pedra em cima de um monte só para se olharem e trocarem um lenço com o cheiro do outro. isto aqui, esta coisa da moda, não é adultério a não ser pelo dicionário; isto aqui será falta de imaginação para quebrar a rotina do sexo esgotado pela ausência de amor - será uma reles alternativa a um passeio na montanha russa da feira popular, hormona ao rubro, já fora de moda. e depois os maridos encornados prestam o seu testemunho de indignação positiva: é que não é de todo mau ser trocado por uma mulher, virilidade não afectada. a moda na capital é a de brincar à harmonia dos sexos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

rabanadas gordas

pensei assim: se gosto tanto de rabanadas, porquê fazer apenas de pão fatiado e não de molete - que é gordo e maior?

(cortar as extremidades aos moletes deve ser essencial para que o leite, açucar e canela penetrem e os encharque bem. será melhor, então, deixá-los bem molhados e espremidos a aguardar uma hora antes de passá-los por ovo e fritar.)


ao sol


ando aqui a pensar ao sol
que se fosse uma flor
queria ser um bem-me-quer
para decidir os dedos teus
sempre que me despisses as pétalas

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

viver dói

viver é mesmo difícil. 

eles eram dois e agora são quatro - uma amiga que não tem paciência para os pássaros, trouxe-mos e adoptei-os. gosto mesmo muito deles e só não os solto porque, tendo sido criados em cativeiro, morrem e a viver numa casa que vivam comigo que os entendo e amo. vieram numa gaiola pequena - os meus vivem numa gigante com tudo o que os pode fazer felizes: limpo-lhes a casa todos os dias, as paredes estão pintadas e frescas,  os baloiços estão decorados a cetim e há um espelho amarelo que toca ao baloiçar e uma banheira da mesma cor, também com fundo de espelho, para se assearem. na lateral, há uma borboleta verde muito grande que lhes garante protecção e alegria, tanta que eles - o Jaromil e a Josefina - adoram picá-la para repousarem os cansaços. e os outros dois chegaram para habitar o grande chalé. tirá-los do quarto antigo não foi fácil: ela resistiu um pouco mas deixou-se apanhar facilmente mas ele, ai ele, ainda me doi sentir as bicadas nas mãos e nos ouvidos. e de tanto que fez força contra mim, fiquei-lhe com o rabo comprido que tinha na mão e uma das patas ficou afectada, inutilizada. agora a casa tem alguém que está mais frágil e eu nem sequer posso abraçá-lo para me desculpar do que fiz sem fazer, mas a verdade é que ficou com as capacidades reduzidas e mais limitadas. alegra-me apreciá-los com atenção e verificar que naquela casa existe compaixão e solidariedade: o Jaromil e a Josefina receberam-nos muito bem e cruzaram-se logo com eles no baloiço e, é difícil de acreditar, eu sei, todos ajudam o pequeno Gouchinha a esquecer que pode contar com uma só pata: ajudam-no a aceder aos locais menos fáceis de pousar e a troca de beijinhos e de afectos é constante. parecem-me todos felizes pelo alvoroço de canções que vão, ora ensaiando, ora ao desafio, oferecendo a quem quiser ouvir. 

viver é mesmo difícil quando pensamos que, mesmo sem querer, temos sempre nas nossas mãos a vida dos outros.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

como é que um sexo erecto pode ser violado?

a sábado refere uma notícia em que três mulheres violaram cerca de dezassete homens para, a fim de obterem ganhos, lhes sacarem o esperma através dos preservativos. como é que uma mulher viola um homem? se o pénis fica erecto, capaz de suportar uma carapuça, como é que isso é contra a vontade?

guardador

são sempre vadias as chuvas
mesmo quando são de amor
e não há mesmo mesmo sol sem chuva
nem chuva sem guardador

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

trincheira

não interessa nada que ele seja bipolar. gosta de ouvir música e ela não deixa porque é barulho a mais e até nem há rádio nem gira -discos lá em casa; gosta de desenhar pássaros, até já me trouxe um desenho às escondidas, mas ela diz que é uma perda de tempo; gosta de ler, na língua mãe, mas ela chama-lhe tolo por andar com poesia em francês. penso muitas vezes chamar uma guerra fria a isto que é o eles mas, depois, mudo de ideias e só me consola, em desconsolo, chamar guerra das trincheiras. ele sabe que sem ela não existe, trinta anos a amparar-lhe as crises, apenas porque com ela só vai, entre um aqui e um ali, existindo. sem ela morria-se-lhe o corpo e com ela vai-se-lhe morrendo a alma. já a baptizei. ela é a veladora oficial, em trincheira de morte, da sua vida.

domingo, 30 de outubro de 2011

passos vadios

arranham o chão que se pisa, céus invertidos de olhar: é líquido o que os faróis apontam, passos vadios, e se esbatem ao passar.

sábado, 29 de outubro de 2011

encaralhando

ouvi assim: se eu tiver de ir para o caralho, prefiro ir logo e não ficar a dar trabalho nem a sofrer.
pensei assim: ir para o caralho, morte anã, é tão grande como ir, morte gigante, para o caralho. se soubessem no que penso mandavam-me para ele, para o caralho. isto é, ou pode bem ser, esta conversa a solo, bem perto de tão longe, a definição de ficar encaralhada. então, concluo, ando sempre encaralhada de caralhos frescos. Caralho, Olinda!, faz lá uma pausa! 






sexta-feira, 28 de outubro de 2011

jantarar



coisa bonita de se ver, sabedoria apertadinha por crescer reunida na sala p’ra jantar: hoje há sopa de letras, ralada por canetas – a aguardar mastigar o pensar.

os cereais biológicos e o loureiro são inibidores

alto! Portugal está, de facto, no bom caminho: o Minho já se dedica a produzir cerveja biológica com rolhas de cortiça e depois da descoberta publicada pela revista Journal of Neuroscience, estudo revelador de que a cannabis produz caos cognitivo no cérebro, tenho a certeza que em breve os estudantes vão passar a queimar loureiro.

ora mais não será de esperar do que uma nova geração vindoura, uma geração desprovida de químicos e de conservantes. como é que depois vão conseguir manifestar-se?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

viva a caganeira!


sem destino, desatino



fossem assim, rectas, as linhas da vida
(como quando o burro, ora em palas, leva o que leva no dorso ao destino)
e ela, já curta, mais curta seria:
a vida anda em dançar de serpente
e corre, veloz, puma esfomeada, no dia
voa, picada, como faz o repente
(cai, gatinha, erge-se, imperfeita!, como só pode ser desatino)

misturas apaixonadas



de entre todos os ingredientes escolho a malagueta como sendo o mais apelativo: é bonita de se ver: lisinha e de um vermelho doce, usa chapéu verde e elegante. ao despi-la, encontro-lhe as sementes que fazem arder e nunca tenho vontade de deitá-las fora, talvez por ser-me convencida que paixão não é coisa de colocar no lixo, por isso atiro-a inteira e aprecio-a, enquanto se mistura com os outros sabores, vejo-a tornar-se, como parte, o todo. e depois é ver quem a prova em brasa, a mostrar o que vale de dentro para fora, já que de fora para dentro é uma bomba de sensualidade.




quarta-feira, 26 de outubro de 2011

tempestades, flores e fruta

quantas vezes dizemos, ou se não dizemos pensamos, esta é a pior fase da minha vida. e depois, inesperadamente num dia qualquer, sentimos que afinal esta está a ser bem pior do que a outra. a última. e vamos vivendo, arrecadando forças para sair desta para depois aguentarmos com outra. será, talvez, isto, esta capacidade de superar não conformidades, leixões nos caminhos, que nos faz viver mais - e talvez melhor: curiosamente durante as tempestades, nas embarcações que vemos afundar, deixamos que tudo o que importa permaneça. e rega-se, assim, a árvore da força. flores, nasçam as flores. e a fruta.

amarelo-vivedor

 

encontrar vida na merda de vida
que coisa dorida que é ser vivedor.
 preferes tu ser liquificador de vida?,
preferes sim, sim senhor,
que os sólidos são meus e são dele
são de amarelo-vivedor.




apagados





sonhos lambidos de terra, apagados de chuva e de vento
descansam, sem lamento,
de flor ao peito.
é assim o amor esquecido
de chuva e de vento lambido
sem pesar e sem proveito.

mudidão


ouve-se, diz-se, solidão - dos espaços abertos do tudo, por onde escapam os tesouros do tempo. que é mudo.



terça-feira, 25 de outubro de 2011

cor de aceitação

as mudanças, as transformações, percebem-se em pequenas, e talvez disparatadas, coisas: já não me sobem os calores de irritação quando percebo que para certas gentes os únicos tombos existenciais de que sofrem são cambalhotas de sexo. já não fico roxa, crítica na ponta da língua, fico da cor do marfim - aquela que serena qualquer parede de uma qualquer assoalhada de uma casa. aceitar, dos outros, o profundamente diferente e impraticável, por mim,  até é bonzinho. mas há-de ser mesmo bom; há-de ser como passar uma tarde a ver se um pinheiro cresce.

aldrabice generalizada

nem sei para quê que continuam a dizer que ler é remédio santo para chamar o sono.

(eu, se começo a ler, desperto)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ser ininterrupto

ficar indiferente perante um cão ou um gato ao sol, é ser-se besta. se estes estiverem estendidos e feridos, é ser-se horrendo. passar por uma criança sem olhá-la, esteja ela feliz ou triste, é ser-se cego de alma - e desprezá-la em sofrimento é ser, simplesmente, não ser.

alerta-se todos os não ser que ser é o mínimo que se exige para viver no mesmo mundo. é urgente ver sorrisos num cão, filosofia numa pedra e sol num olhar de uma criança: é urgente viver, ser amar, ininterruptamente, em ficar.

domingo, 23 de outubro de 2011

é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre

como diz, e bem, a canção " é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre". isto, esta frase isolada, retrata claramente como tantas vezes, e com tantas vidas, se acaba exactamente da mesma forma que se começa todos os dias. acabam banhados em sangue, cegamente agredidos. mas será agressão aquela coisa de experimentar em si o que se dá a provar aos outros? existem direitos quando se vive a castrar os direitos dos outros?

sábado, 22 de outubro de 2011

prenda da rádio



agora fiquei derretida como fica a manteiga, antes da farinha, na forma.

nubleza



cantos espessos de vida, na vida encontrados, embelezados de nu –
crescem para cima, para baixo, para os lados; crescem de frente nas traseiras dos dias,
como encantos, melodias, fazem sombras desensombradas e sadias
 em cantos embelezados de nu:
(como não vês o que vejo eu, tu?)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

a putice da humanidade

a propósito da doação cadavérica, não me parece bem ser uma acção meramente filantrópica pela simples razão de que existem outras acções, como ser-se cobaia de ensaios de fármacos ou doação de esperma ou de óvulos, remuneradas para o mesmo efeito. mais: enquanto no primeiro caso estaremos a doar a morte para potenciar vidas, nos segundo e terceiro casos estaremos a doar vida por vidas. ora se é neste ponto que reside a diferença, num ponto de vista de morte ou de vida, mais pertinente será remunerar a dádiva da morte em vida - uma espécie de celebração anticipada, sem lágrimas e cheiro de fim, com alegria.

o mundo vende, a cada segundo, o sexo do corpo sem qualquer propósito de amor à humanidade. mas isso, sim, é aceitável e é para o lado que ela, a humanidade, dorme melhor. puta de humanidade.