imagino o mundo personificado como se olhos de blimunda tivesse. o mundo é homem ou, pelo menos, assume-se com as características-padrão do que é ser homem: o mundo caminha em linha recta - linha que ele mesmo traçou e desdenha dos ziguezagues dos passos de mulher; o mundo intoxica-se com as conversas dos outros que ouve aqui e acolá - se o mundo fosse mulher usaria gavetas cor de rosa, tantas quanto coubessem no armário e ainda sobrepunha algumas para arrumar as ideias; o mundo não se permite ser emocional - amarra-se na razão para sobreviver; o mundo acolhe as dores sem verter uma única lágrima - confunde tristeza com fraqueza e é mesmo incapaz de dar de mamar. mas também é incapaz de fingir, o mundo, aquilo que é é o que se vê. e depois soltam-se bombas nas palavras e, tarde demais, palavras a quererem perceber as bombas. e depois a fome e a miséria e a doença gritam por colo que ele, esgotado, não dá. e depois os patrões do mundo trabalham-lhe o ego e, cabeça encapuzada, o mundo segue cabisbaixo, murcho, como alma ferida depois de um ralhete. e adoece, falta-lhe força, e de força padece.
é bem simples o que vê o feminino olhar: a alma do mundo, a alma gigante do mundo é feita de todas as almas que o habitam, está doente, tem uma espécie de nuvem imensa e grotesca e grotesca e imensamente negra a rondar-lhe por cima. e urge cuidar e purgar e limpar. eu proponho um clister colectivo: cada um por si.
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