não é que sejam muitos mas há dias em que o ler esgota o tempo e se sobrepõe ao escrever. começamos a ler e a ouvir isto e aquilo, mimos, e quando vamos a dizer já não há, naquele tempo, tempo. enchemos as bolsas do que lemos e aguentamos, assim, o tempo até podermos dar a encher as bolsas dos outros. as bolsas não têm peso nem tamanho e moldam-se ao que queremos, ao que naquele momento nos faz bem - e só o que nos faz bem guardamos nas bolsas, embora possamos ler muita coisa, aprovisionamos e protegemos do sol e da chuva. às vezes até misturamos as bolsas com o sol ou com a chuva quando queremos sentir-lhes refinadamente o sabor. hoje de manhã foi um desses dias - quando ia para escrever, depois de ler e de ouvir pérolas, não deu. quando um pai adoece, tudo pára menos as perguntas mascaradas de ânimo e calmia: as perguntas que guardamos por não as querermos chamar nem lembrá-las, nem lembrar-nos, que se estão lá é porque existem; queremos que as perguntas vistam a gabardina e desapareçam, inventamos-lhes nevoeiro cerrado e trovões para ficarem longe. mas se elas estão lá, ao contrário de quem possa incansavelmente satisfazer-lhes a existência, logo existem e se existem está tudo fodido. os pais não deveriam adoecer porque os pais são sempre respostas; os pais, que fique registado, possuem um ship por dentro do dentro, que só os filhos vêem, que não admite perguntas, porque os pais são certezas e são respostas. queria tanto que fosse assim.
mas eu não tenho a certeza. e as perguntas estão a cobrir-me toda.