na clínica, uma mesa com vários montes de revistas de aquelavestiuaquiloeooutroandacomaprimada outra. no fundo, bem escondido, um livro com uma capa grossa e brilhante e diferente, fundo de louça chinesa, chamou-me: era um livro de leilões de antiguidades que me fez companhia durante algumas horas e, desconfiando que ficaria ali subestimado e ignorado por muito tempo, me pediu para vir, mãos dadas, comigo. porque não é roubar tudo aquilo que pode ser feito mais feliz.
deslumbrante o par de baldaquinos portugueses do século XVIII, em talha de madeira e dourados a ouro fino, com falhas e defeitos, 171 cm; e as cadeiras, onze, Luís XVI, em nogueira, decoradas com talha cordoada terminando em florão, estofadas a veludo verde com poucos sinais de uso? lindas de viver. apaixonante a pequena chaise-longue forrada a seda azul com armação em mogno, faltas e defeitos, do século XIX. e depois a garrafa e o frasco de prata em vidro cor de rosa lapidado, com copo, prato e uma tampa partida em prata javali de colar os olhos e deixá-los ali ao abandono da beleza. seguiu-se, passadas muitas folhas, a taça chinesa em jade branco com armação em ouro com esmaltes do século XIX, deliciosa, poderosa. e o quadro Di Cavalganti (1897-1976), desenho sobre papel representado duas figuras, datado de 1943 com uma moldura linda? tanta sobriedade de cor e existência. mas a minha peça preferida foi o canapé, com vestígios de xilófagos, estilo Luís XVI, francês do século XIX, em madeira entalhada e dourada, assento e costas forrados a tapeçaria de flores, cheio de defeitos, falhas no dourado.
é maravilhoso o detalhe de todos estes objectos como se houvesse uma tentativa desesperada de lhes dar uma alma na sua concepção. e é isso que a modernidade não faz, foi isso que a revolução industrial e a produção em série veio retirar da criação: a alma. a alma mora no pormenor, nos pormenores que fazem o todo de cuidado, de dedicação, de tempo. até um canapé para ser feito precisa de amor.