por volta desta hora há um pássaro (ou dois) que começa a falar, e não digo cantar porque de facto parecem estar a discutir, é um som que eu nunca tinha ouvido. da primeira vez fiquei confusa sem saber se era apenas um - mas logo percebi ser uma conversa em alta, bastante alta até, voz. não demora mais do que dois minutos, o tempo suficiente para me acordar. depois calam-se, de repente calam-se, é como fazem os trovões, dizem o que têm a dizer e pronto. o mundo é um lugar estranho e as pessoas não são como os pássaros raros nem como os trovões; as pessoas mentem, enganam, manipulam, são peritas em oferecer aos outros presentes envenenados. e se não temos aquela capacidade de ver detalhes estamos lixados, tudo reside no detalhe, tiramos conclusões provisórias que perante mais um ou outro pormenor se tornam definitivas. às vezes, com certas pessoas, tudo é sempre definitivamente provisório - isso acontece nas gentes por ser, começa e acaba por ser engraçado, engraçado porque dessas pessoas nada nos fica, tudo é moldável e descartável. são palhaças. também há aquelas pessoas que nos tentam ferir para se sentirem poderosas, pensam essas que conhecem as nossas fragilidades. rio-me com essas talvez mais do que com outras quaisquer. ontem uma, lá onde trabalho, estava a contar que cobriu as paredes do quarto com espelhos mas não teve estrutura para colocar o barão. achei curioso e perguntei se sabe dançar no barão. falou com aforismos populares: sei fazer de lagartixa e dar suadelas de quatro joelhos. percebi nadinha, pois claro, terei sido a única, riram-se de mim. o único colega homem que tenho disse mas tu és de que mundo, afinal, não liguei, estava a pensar e respondi à outra: mas então nisso que dizes não existe contacto visual e isso é estranho. riu-se e disse que não precisa dos olhos do marido porque tem os espelhos. e essa é a mesma colega que no outro dia disse que tem empregada doméstica porque não casou para ser uma prostituta de graça.
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