chorei durante horas diante do espelho. quis ver a dor a inchar e a derramar-se, não fico feia a chorar, e falei alto nunca fiz mal a alguém, depois calei-me e gritei sem dizer uma palavra, tal e qual como fazem os bebés. quis ver como é sentir que me estão a enterrar viva, foi isso. a cara de uma viva que é como se estivesse morta, aos mortos é a quem não podemos dar palavras nem sorrisos nem beijos, nem opiniões; aos mortos é que devotamos a esperança de um dia podermos vê-los e abraçá-los. então hoje eu chorei como uma morta deve chorar, gostava muito de saber se é assim como eu fiz. mas deve ser melhor porque os mortos têm a certeza de que não podem ir a nenhum lugar e os vivos que passam a saber que não saem do lugar ficam, então, pior do que os mortos. passou muito tempo e eu acho que as lágrimas cansaram-se de mim. acabaram. acabaram e eu fiquei cansada, lembrei-me do braço que também decidiu não me querer porque parece que quer sair de mim. agora os dias que tens para descansar parecem agulhas, moça, são um desgaste e uma arreliação, dessa maneira vais ficar doente, já não és uma menina e serás para sempre uma menina. aceita e conforma-te: nunca serás um tesouro a não ser de ti própria nisso de quereres amor sem medida. vai ser desmedida para o raio que te parta se é que já partida não estarás.
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