terça-feira, 15 de novembro de 2011

reclamando

de braços abertos, carrego tanto as maleitas como as romarias do mundo. divertem-me, apesar de muito me cansarem, as reclamações: consigo quase sempre, dizer sempre só me fica mal porque não sou de falar do alto da burra, sempre que tenho a razão comigo, desesperar a paciência dos que me afligem e beneficiar. a incompetência tira-me do sério e passo-lhes as palhetas mesmo a brincar. 

(saia uma passadeira bem engomadinha para eu me passar)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

que puta de voz castiça que contagia o cambar

viço

acender e manter a lareira acesa é uma espécie de ritual que me agrada muito: não me desanima ter de andar acima e abaixo a carregar lenha; tampouco o ter de limpar todos os dias o cagaçal - é daquelas coisas que valem a pena, o suor e as forças. o mais curioso é que ainda nem sequer senti frio e as canhotas já vão ao ritmo de inverno. e não, não é que esteja a chamar o frio mas estou a mostrar-lhe, não o descuro, é muito bem-vindo, cá o espero, que o trato com viço.

domingo, 13 de novembro de 2011

breve monólogo feliz

acordar com a tal ruralidade sonora. mas hoje estou caprichosa e também queria gri-gri de grilos, não vejo onde está o problema, resposta à segunda voz que me julga de eu tanto querer, de querer aumentar os músicos dos concertos. antes contratar um ou dois grilos que ir aos gambozinos de galochas. ah, estás indiganada - e isto mesmo antes de eu te chamar alguma coisa que justifique, cá da nossa casa, a célebre frase: és uma serigaita, uma ladina!

sábado, 12 de novembro de 2011

na vida e na comida quando o inimigo são elas

há pessoas que têm uma maldosa, estranha e de desamor, relação com a comida: escolhem-na, provam-na, enchem-se de prazer, e logo a seguir rejeitam-na, querem ver-se livre dela, tamanha a dificuldade e resistência em retribuirem, em aceitação, o que escolhram e gostaram.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

borbulhas de sorrisos nos ouvidos

agora sentadinha, menina cheirosinha

não digo proibir, uma ditadura na libertação é paradoxalmente agressiva, mas parece-me mesmo bem a ideia de os homens, tal e qual no restaurante edible canada na ilha de granville,  não urinarem de pé. aquela coisa do culto da pinguinha não traz benefícios nem ao portador.

(digo eu, mulher, que se fosse homem havia de andar sempre de consciência molhada por saber que a probabilidade de ir deixando odores e manchas por aí é mesmo grande. a ir deixando rastos que sejam de cheiros e de poças interessantes)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

porque não o colector menstrual?

desconhecia a sua existência até descobrir toda a informação aqui através daqui .

romper-romper

parece que vai nascer, traços pintados em romper.
parece que vai acabar, breve claridade de começar.
barcos na ria, rio, são como lírios no campo
ora doces carroças em calçada
e sopa quente de madrugada,
é isto o começar - que virado do avesso, estugado, estonado, sempre a condizer
será o outro
amanhado
estofado
estafado
aquele que do romper faz romper.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

funkaria

conjugar cenoura crua com chocolate pode parecer estranho - mas não é, é delicioso. e é nestas alturas que o ser funk adquire um novo significado.

passar com a varinha mágica três ovos, duas chávenas de farinha e outras duas de açúcar, duas cenouras partidas aos cubos, duas colheres de chá de fermento e uma chávena de óleo. (pormenores importantes: peneirar a farinha e o fermento antes da mistura permite alcançar a macieza suprema; derreter uma chávena de margarina em vez do óleo permite uma textura bem mais suave. as calorias? as calorias nem sequer são aqui desprezadas, são muito bem recebidas e apreciadas.) levar ao forno a 150º, durante quarenta minutos, em forma de silicone não será imprescindível mas evita que o fundo e os lados colem, mesmo com farinha e manteiga. derreter chocolate em pasta com açúcar e barrar todo o bolo, ou pintá-lo a gosto, depois de pronto, será o acabamento final: uma funkaria em doçura.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

pequena nota

a quem me escreveu chamando-me a atenção para a palavra cohabitar, que não está bem escrita, muito obrigada e aqui fica a explicação: o h, além de mudo não pode ser cego - de outra forma a deficiência comum será miseravelmente cabal.

atavismo e atadismo

durante a leitura deste texto, são raras as vezes que não sorrio ao ler o tempo contado por este Homem, e a propósito de atavismo, ocorreu-me, alguma relação deve ter se levarmos à letra o que a outra, de não haver coincidências, diz, que em relação ao casamento a coisa processa-se de forma inversa mas com tendência ao inverso do tal inverso. chamemos-lhe atavismo da geração vindoura. a geração anterior à minha, com as devidas excepções que fazem parte de qualquer assunto, ainda acreditava na conjugalidade via casamento que a geração dos pais e dos avós lhe passou - talvez por referências positivas dos tempos, de outros, e das vontades, não posso saber. na minha, ainda há uma parte que sim mas uma outra, grande, que não. na seguinte, muito menos. não estou a querer dizer que o amor não cabe tanto dentro como fora do casamento, não, até porque são poucos os que se unem, e muito menos os que se fundem, por amor mas antes a afirmar que os que recusam o amor são exactamente os que recusam apostar. sim, porque casar é fazer uma aposta, apostar - passo o pleonasmo - em si e no outro perante uma vida a três (a mim, a ti e a nós); já quase ninguém acredita que vale a pena apostar em alguém e nalguma coisa a não ser em si. e é daí que surgem as ligações de uma tal igualdade de contas bancárias e de contas correntes e de previsões, a curto prazo, de afectos.

garantias não há, em lado algum e sobre coisa alguma: pode-se casar e descasar; pode-se cohabitar e descohabitar mas a derradeira diferença entre o casar e o não casar reside no risco da aposta, na convicção de que partilhar o sono e o sexo tem exactamente a mesma importância que partilhar o riso e o choro. é como se o sentir que vou amar-te e respeitar-te, com todas as variâncias que o amor e o respeito possuem, todos os dias e todos os momentos da tua vida e aposto que vou conseguir apenas porque é o que de facto quero porque o sinto, andasse a ser trocado pelo o amor é um estado de espírito e por enquanto podemos tentar viver na mesma casa e dividir as contas, porque até temos bom sexo, até que apareça alguém que me encha todas as medidas. será uma espécie de cohabitação entre solteirões - ser solteiro é, muito mais que um estado civil, um estado de corpo e de alma - um estado de completo descomprometimento do corpo e da alma - incapazes de se entregar, ora porque não sentem ora porque cagam-se todos na possibilidade de perderem esse estatuto de estado. e assim se vive em conjugalidade solteira, tanto em casamento como por casar, nos nossos dias.

(e isto a propósito de atavismo. e de atadismo emocional também.)

a carta que esteve em banho-maria

quando acordei foi nisto que pensei em dizer. depois de alimentar os meus vivos e a mim, já não me apetece - talvez o melhor que lhe posso dizer, sem dizer, seja desvirtuar a importância que lhe dei. lamentavelmente, apenas o reconhecimento público da importância é, de facto, importante para, oxiúros de gente, muitos.

caro xx,

agradeço-te imenso a ausência de resposta ao pedido que te fiz sobre a autorização de utilização das tuas fotografias para fins literários - sei bem que é o que acontece a quem desconhece a acção que a palavra empatia potencia e também a quem não sabe, de todo, lidar com o elogio vernáculo. para que fiques menos pesado de vaidade, devo dizer-te que todos os outros donos de talento da captura de beleza, que eu reconheço, fizeram questão de, com retorno - positivo mas se negativo igualmente válido e pertinente -, mostrar serem merecedores e reflectores de tal beleza.

após este agradecimento resta-me, portanto, dizer-te que podes meter as tuas fotografias, todas as que tinha já seleccionado e também as outras, no cu, que é onde devem ser guardadas as coisas que já não cabem no umbigo do ego, e foder-te todo com elas.


agradeço, uma vez mais, o tempo que perdi contigo, pois ajudou-me a concluir que as fotografias não te espelham e por isso não fazem sentido no meu projecto, e apresento os meus cumprimentos.


Olinda de Freitas

ps.: curioso. agora que verbalizei o que pensei, definitivamente vou enviar-lhe, já de seguida, esta carta por email. simplesmente porque o que me é importante não pode deixar de ser feito.




a Rosa

chama-se Rosa e vive, não sei bem se vive ou apenas aguarda que morra, ou estará em morte progressiva, talvez a morte não pertença ao mundo do definitivo e escala-se, há oitenta e cinco anos. sei que passa os dias numa cadeira, a uma só perna, a um só olho; sei que não usa calcinhas para ser mais fácil urinar e defecar; sei que come apenas refeições preparadas segundo as suas indicações; sei que faz questão de demorar trinta minutos exactos, nem mais nem menos, a lavar os dentes; sei que lava também, todos os dias e no mesmo local, na cozinha, o seu olho postiço. mais não sei. mas imagino que seja uma mulher forte que persiste em ser independente. e que tenha muitas histórias para contar. pareceu-me precisar muito de mimo e de atenção, como precisam todos os que são fortes. a casa tem um cheiro feio, os cheiros feios sentem-se na temperatura ambiente: abre-se uma porta e a um passo do fora para o dentro a temperatura faz toda a diferença quando nos invade, com terrorismo, a zona superior da cabeça e o centro do estômago. a casa tem um cheiro feio e as janelas nem sequer abrem - e nem sequer fecham, estão sempre assim, quietas, tal e qual a Rosa.

não vou lá voltar porque não quero, não quero adoptar mais uma vida. não posso esquecer-me, ainda mais, de mim.

domingo, 6 de novembro de 2011

a beleza dos poios

acho bonito um poio numa estrada ou num passeio, em locais por onde os passos, não da pressa, são do vagar. e fico vaidosa a vê-la poiar, às voltas como se em festa e celebração, e deixar ali resquícios de vida que hão-de misturar-se com bichos e flores que crescem, também rebeldes, por lá.

sábado, 5 de novembro de 2011

Val Union






sem peso, soltas, soltam-se em mistério de momento
douradas, recortes de flores e de louças
repousam
como entretidos descansam os sentidos e o vento
que se agita, não grita, fica
sobrevive às quedas e ao tempo
ai que folhas de ramos de abraço!
ao que perduram, livres de cansaço, ai!
donas do chão, pisadas de mão
que emolduram, do ar, o altar
não sei se vão mas sei que ficam
nos olhos da face do meu olhar


pesadelo

já não existem terras de sonhos. mas a emigração e a imigração continuam a ser, na terra dos pesadelos, possibilidades impossíveis - não são os pesadelos que nos fazem andar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

harmonia dos sexos

a moda na capital, pelo menos é da capital que chegam os testemunhos da reportagem, é as mulheres de um casal cometerem adultério com outras mulheres. choca-me o uso da palavra adultério que me faz imaginar um clássico em que se vive o amor fora do casamento, por este ter sido imposto e preferível à morte, em que os amantes se encontram num lugar de uma pedra em cima de um monte só para se olharem e trocarem um lenço com o cheiro do outro. isto aqui, esta coisa da moda, não é adultério a não ser pelo dicionário; isto aqui será falta de imaginação para quebrar a rotina do sexo esgotado pela ausência de amor - será uma reles alternativa a um passeio na montanha russa da feira popular, hormona ao rubro, já fora de moda. e depois os maridos encornados prestam o seu testemunho de indignação positiva: é que não é de todo mau ser trocado por uma mulher, virilidade não afectada. a moda na capital é a de brincar à harmonia dos sexos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

rabanadas gordas

pensei assim: se gosto tanto de rabanadas, porquê fazer apenas de pão fatiado e não de molete - que é gordo e maior?

(cortar as extremidades aos moletes deve ser essencial para que o leite, açucar e canela penetrem e os encharque bem. será melhor, então, deixá-los bem molhados e espremidos a aguardar uma hora antes de passá-los por ovo e fritar.)


ao sol


ando aqui a pensar ao sol
que se fosse uma flor
queria ser um bem-me-quer
para decidir os dedos teus
sempre que me despisses as pétalas

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

viver dói

viver é mesmo difícil. 

eles eram dois e agora são quatro - uma amiga que não tem paciência para os pássaros, trouxe-mos e adoptei-os. gosto mesmo muito deles e só não os solto porque, tendo sido criados em cativeiro, morrem e a viver numa casa que vivam comigo que os entendo e amo. vieram numa gaiola pequena - os meus vivem numa gigante com tudo o que os pode fazer felizes: limpo-lhes a casa todos os dias, as paredes estão pintadas e frescas,  os baloiços estão decorados a cetim e há um espelho amarelo que toca ao baloiçar e uma banheira da mesma cor, também com fundo de espelho, para se assearem. na lateral, há uma borboleta verde muito grande que lhes garante protecção e alegria, tanta que eles - o Jaromil e a Josefina - adoram picá-la para repousarem os cansaços. e os outros dois chegaram para habitar o grande chalé. tirá-los do quarto antigo não foi fácil: ela resistiu um pouco mas deixou-se apanhar facilmente mas ele, ai ele, ainda me doi sentir as bicadas nas mãos e nos ouvidos. e de tanto que fez força contra mim, fiquei-lhe com o rabo comprido que tinha na mão e uma das patas ficou afectada, inutilizada. agora a casa tem alguém que está mais frágil e eu nem sequer posso abraçá-lo para me desculpar do que fiz sem fazer, mas a verdade é que ficou com as capacidades reduzidas e mais limitadas. alegra-me apreciá-los com atenção e verificar que naquela casa existe compaixão e solidariedade: o Jaromil e a Josefina receberam-nos muito bem e cruzaram-se logo com eles no baloiço e, é difícil de acreditar, eu sei, todos ajudam o pequeno Gouchinha a esquecer que pode contar com uma só pata: ajudam-no a aceder aos locais menos fáceis de pousar e a troca de beijinhos e de afectos é constante. parecem-me todos felizes pelo alvoroço de canções que vão, ora ensaiando, ora ao desafio, oferecendo a quem quiser ouvir. 

viver é mesmo difícil quando pensamos que, mesmo sem querer, temos sempre nas nossas mãos a vida dos outros.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

como é que um sexo erecto pode ser violado?

a sábado refere uma notícia em que três mulheres violaram cerca de dezassete homens para, a fim de obterem ganhos, lhes sacarem o esperma através dos preservativos. como é que uma mulher viola um homem? se o pénis fica erecto, capaz de suportar uma carapuça, como é que isso é contra a vontade?

guardador

são sempre vadias as chuvas
mesmo quando são de amor
e não há mesmo mesmo sol sem chuva
nem chuva sem guardador

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

trincheira

não interessa nada que ele seja bipolar. gosta de ouvir música e ela não deixa porque é barulho a mais e até nem há rádio nem gira -discos lá em casa; gosta de desenhar pássaros, até já me trouxe um desenho às escondidas, mas ela diz que é uma perda de tempo; gosta de ler, na língua mãe, mas ela chama-lhe tolo por andar com poesia em francês. penso muitas vezes chamar uma guerra fria a isto que é o eles mas, depois, mudo de ideias e só me consola, em desconsolo, chamar guerra das trincheiras. ele sabe que sem ela não existe, trinta anos a amparar-lhe as crises, apenas porque com ela só vai, entre um aqui e um ali, existindo. sem ela morria-se-lhe o corpo e com ela vai-se-lhe morrendo a alma. já a baptizei. ela é a veladora oficial, em trincheira de morte, da sua vida.

domingo, 30 de outubro de 2011

passos vadios

arranham o chão que se pisa, céus invertidos de olhar: é líquido o que os faróis apontam, passos vadios, e se esbatem ao passar.

sábado, 29 de outubro de 2011

encaralhando

ouvi assim: se eu tiver de ir para o caralho, prefiro ir logo e não ficar a dar trabalho nem a sofrer.
pensei assim: ir para o caralho, morte anã, é tão grande como ir, morte gigante, para o caralho. se soubessem no que penso mandavam-me para ele, para o caralho. isto é, ou pode bem ser, esta conversa a solo, bem perto de tão longe, a definição de ficar encaralhada. então, concluo, ando sempre encaralhada de caralhos frescos. Caralho, Olinda!, faz lá uma pausa! 






sexta-feira, 28 de outubro de 2011

jantarar



coisa bonita de se ver, sabedoria apertadinha por crescer reunida na sala p’ra jantar: hoje há sopa de letras, ralada por canetas – a aguardar mastigar o pensar.

os cereais biológicos e o loureiro são inibidores

alto! Portugal está, de facto, no bom caminho: o Minho já se dedica a produzir cerveja biológica com rolhas de cortiça e depois da descoberta publicada pela revista Journal of Neuroscience, estudo revelador de que a cannabis produz caos cognitivo no cérebro, tenho a certeza que em breve os estudantes vão passar a queimar loureiro.

ora mais não será de esperar do que uma nova geração vindoura, uma geração desprovida de químicos e de conservantes. como é que depois vão conseguir manifestar-se?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

viva a caganeira!


sem destino, desatino



fossem assim, rectas, as linhas da vida
(como quando o burro, ora em palas, leva o que leva no dorso ao destino)
e ela, já curta, mais curta seria:
a vida anda em dançar de serpente
e corre, veloz, puma esfomeada, no dia
voa, picada, como faz o repente
(cai, gatinha, erge-se, imperfeita!, como só pode ser desatino)

misturas apaixonadas



de entre todos os ingredientes escolho a malagueta como sendo o mais apelativo: é bonita de se ver: lisinha e de um vermelho doce, usa chapéu verde e elegante. ao despi-la, encontro-lhe as sementes que fazem arder e nunca tenho vontade de deitá-las fora, talvez por ser-me convencida que paixão não é coisa de colocar no lixo, por isso atiro-a inteira e aprecio-a, enquanto se mistura com os outros sabores, vejo-a tornar-se, como parte, o todo. e depois é ver quem a prova em brasa, a mostrar o que vale de dentro para fora, já que de fora para dentro é uma bomba de sensualidade.




quarta-feira, 26 de outubro de 2011

tempestades, flores e fruta

quantas vezes dizemos, ou se não dizemos pensamos, esta é a pior fase da minha vida. e depois, inesperadamente num dia qualquer, sentimos que afinal esta está a ser bem pior do que a outra. a última. e vamos vivendo, arrecadando forças para sair desta para depois aguentarmos com outra. será, talvez, isto, esta capacidade de superar não conformidades, leixões nos caminhos, que nos faz viver mais - e talvez melhor: curiosamente durante as tempestades, nas embarcações que vemos afundar, deixamos que tudo o que importa permaneça. e rega-se, assim, a árvore da força. flores, nasçam as flores. e a fruta.

amarelo-vivedor

 

encontrar vida na merda de vida
que coisa dorida que é ser vivedor.
 preferes tu ser liquificador de vida?,
preferes sim, sim senhor,
que os sólidos são meus e são dele
são de amarelo-vivedor.




apagados





sonhos lambidos de terra, apagados de chuva e de vento
descansam, sem lamento,
de flor ao peito.
é assim o amor esquecido
de chuva e de vento lambido
sem pesar e sem proveito.

mudidão


ouve-se, diz-se, solidão - dos espaços abertos do tudo, por onde escapam os tesouros do tempo. que é mudo.



terça-feira, 25 de outubro de 2011

cor de aceitação

as mudanças, as transformações, percebem-se em pequenas, e talvez disparatadas, coisas: já não me sobem os calores de irritação quando percebo que para certas gentes os únicos tombos existenciais de que sofrem são cambalhotas de sexo. já não fico roxa, crítica na ponta da língua, fico da cor do marfim - aquela que serena qualquer parede de uma qualquer assoalhada de uma casa. aceitar, dos outros, o profundamente diferente e impraticável, por mim,  até é bonzinho. mas há-de ser mesmo bom; há-de ser como passar uma tarde a ver se um pinheiro cresce.

aldrabice generalizada

nem sei para quê que continuam a dizer que ler é remédio santo para chamar o sono.

(eu, se começo a ler, desperto)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ser ininterrupto

ficar indiferente perante um cão ou um gato ao sol, é ser-se besta. se estes estiverem estendidos e feridos, é ser-se horrendo. passar por uma criança sem olhá-la, esteja ela feliz ou triste, é ser-se cego de alma - e desprezá-la em sofrimento é ser, simplesmente, não ser.

alerta-se todos os não ser que ser é o mínimo que se exige para viver no mesmo mundo. é urgente ver sorrisos num cão, filosofia numa pedra e sol num olhar de uma criança: é urgente viver, ser amar, ininterruptamente, em ficar.

domingo, 23 de outubro de 2011

é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre

como diz, e bem, a canção " é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre". isto, esta frase isolada, retrata claramente como tantas vezes, e com tantas vidas, se acaba exactamente da mesma forma que se começa todos os dias. acabam banhados em sangue, cegamente agredidos. mas será agressão aquela coisa de experimentar em si o que se dá a provar aos outros? existem direitos quando se vive a castrar os direitos dos outros?

sábado, 22 de outubro de 2011

prenda da rádio



agora fiquei derretida como fica a manteiga, antes da farinha, na forma.

nubleza



cantos espessos de vida, na vida encontrados, embelezados de nu –
crescem para cima, para baixo, para os lados; crescem de frente nas traseiras dos dias,
como encantos, melodias, fazem sombras desensombradas e sadias
 em cantos embelezados de nu:
(como não vês o que vejo eu, tu?)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

a putice da humanidade

a propósito da doação cadavérica, não me parece bem ser uma acção meramente filantrópica pela simples razão de que existem outras acções, como ser-se cobaia de ensaios de fármacos ou doação de esperma ou de óvulos, remuneradas para o mesmo efeito. mais: enquanto no primeiro caso estaremos a doar a morte para potenciar vidas, nos segundo e terceiro casos estaremos a doar vida por vidas. ora se é neste ponto que reside a diferença, num ponto de vista de morte ou de vida, mais pertinente será remunerar a dádiva da morte em vida - uma espécie de celebração anticipada, sem lágrimas e cheiro de fim, com alegria.

o mundo vende, a cada segundo, o sexo do corpo sem qualquer propósito de amor à humanidade. mas isso, sim, é aceitável e é para o lado que ela, a humanidade, dorme melhor. puta de humanidade.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

lastre






prenúncio de sorte, mudança a vapor
no vazio se veste
escala sem pressa, cor ante cor,
sabe de cor, a alegria,
que para se encher esvazia
lastre






o amor usa cachecol

agora ainda acordo mais cedo só para sentir a brisa fresquinha do orvalho na ponta do nariz. e de repente, estas coisas surgem-me assim sem pedir licença, penso que o amor é bem mais do frio do que do calor porque precisa de acrescento, mais e mais, para ficar erguido. e nu.

(não é estranho imaginar o amor de cachecol - é quentinho)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

chibatadinhas de amor

fiz ontem, ao fim da tarde, a minha primeira colheita de cidreira, oregãos e hortelã - a salsa ainda não cresceu e o que fiz foi dar-lhe chibatadinhas de amor, o mesmo é dizer que esfreguei as minhas mãos nela para lhe soltar e espalhar as sementes, para fazê-la viver.

e andei a pensar numa música para celebrar.



terça-feira, 18 de outubro de 2011

doença terminal

se não conseguimos ver um mundo propriamente educado e limpo e dócil às regras, se não coubermos na razão do cabresto, antibiótico que esteriliza a vida - estilizando-a à matemática e à lógica-, somos decadentes e vivemos, em desordem, em poesia existencial, mesmo mesmo, difícil de tratar?

então essa doença é a minha e acabei de descobrir qual é o meu malzinho.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

camas do povo




sua flor, que é minha e tua
jardins nossos, garridos, lavados e com cheiro a novo
tesouro, aos olhos, maior não há
e eu, rainha decreto
os lençóis de papoilas as camas do povo!

hey

cresci a ouvir o Julio. e o Roberto. hoje apeteceu-me, em sintonia com a rádio que fez de lembrete, esta:


domingo, 16 de outubro de 2011

morte embarcada

não. não está meio olhado nem meio por olhar; nem meio suspenso nem meio por suspender;
não está meio puxado nem meio por puxar - não, não está.  estas águas não entram em conchavo, são de tino, brilhante, molhado, maré viva do que o mar faz prever - não está meio olhado nem meio por suspender: está, embarcado, a morrer.


sábado, 15 de outubro de 2011

poesicida

acabei mesmo agora de pensar que quando um dia eu me acabar será porque a poesia acabou comigo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

ternura





usa barba rasteira, a ternura – é relva regada, aparada, meiguinha, que passeia em meias de lã. e vive do eco do silêncio, sem amargura, sorriso em sorriso: é assim o hoje que se calça de amanhã.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

o que se pode aprender nos baptizados

ouvir e rir muito é, sem dúvida, a melhor forma de passar o tempo em certas festas convencionais. por exemplo, comer uvas um dia inteiro para emagrecer é das coisas mais hilariantes que há se atendermos ao facto de isso implicar andar a cuspir caroços chatos quase ininterruptamente. imaginar um gato que incorpora um espírito e se transforma em vaca também - isto bem explorado comprova o sucesso dos restaurantes chineses. prestar atenção à conversa de duas mulheres que se debatem sobre o pressentimento de o salão de festas as remeter para uma caverna ancestral e imaginar, tal e qual um casting para a Hanna.Barbera Productions, qual delas mais se parece com as personagens dos flinstones. o truque de quase arrancar a etiqueta de um casaco - quase porque a intenção é ficar semi-operacional, para devolvê-lo após a festa, também dá que pensar no tamanho da crise na cabeça das gentes: aquela coisa do usar o que não se tem é meio casaco andado para mostrar que as aparências desiludem.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

doravante



tela cinzenta de olhar, não é, oásis sem dissipação - são assim os encantos invisíveis, perto dos olhos, barcos em águas constantes, rios discretos de agitação, desenhos serenos. doravante.

domingo, 9 de outubro de 2011

deusas de calor




ai que furor!, erectas de bom humor!, reinas d'encantar jardins! - vão, vestidas a rigor, em olhos de alegria, curar fígados, embelezar com mestria: são deusas de calor.

sábado, 8 de outubro de 2011

o mundo em doze linhas

o mundo está assim: acha-se, 
achar é um verbo que inocenta a culpa de usar o que não é nosso, 
uma carteira carregada de notas, 
e de identidades,
avalia-se se a pele é genuína, 
uma pele genuína é aquela que tem punção cara,
corta-se aos bocadinhos todo o recheio à excepção das notas,
cortar tudo é igual a isto nunca aconteceu,
e gozam-se as notas com o gozo de gastar o décimo terceiro mês.

e a vida segue,
de quem não sente as voltas de uma caganeira a chegar,
com tranquilidade.


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

céu de liberdade




é como o céu, de azul pintada, e rochosa, a liberdade: metade de abertas, risonhas, ao sol e a outra metade em quadrados, escravos, da saudade.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

epifania d'amor




diz ele, e bem, que "as andorinhas são uma aceitável metáfora para os amores da adolescência e as incertezas da velhice."
e eu, digo assim:  


são amores-menina, são, são sonhos pendurados no ar, em filo d'epifania, sem abrir e cerrar fila.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

os podres não estão para mimos

ofereceram-me um saco, em plástico resistente, pintado de mulheres, desenhadas em antigo, e de dizeres, ideal para transportar mimos - bolos ou rissóis ou o que levo quando vou jantar a casa de amigas. o destino que lhe dei, logo no imediato, quando os meus olhos lhe pousaram está agora desfeito. enquanto o apreciava com toda a minha atenção, ainda só o tinha mirado ao de leve, por entre o pequeno almoço, descobri-lhe um podre tão podre tão apodrecido que o sonho de ele ser o meu transporte de mimos desfez-se. virei, revirei, tentar perceber ironia ou escárnio, algo que justificasse tamanha desilusão. mas não, está mesmo podre o saco: por entre as palavras desenhadas aparece maçagem em vez de massagem. eu até tentei que o sentido da frase recaísse para o linho. mas não, não há escapatória possível: o suposto transportador de mimos terá o que merece: vou recortar a palavra aprodrecida - e como depois ficará um buraco enorme que retira utilidade ao saco, irá para o lixo e para junto do que cheira mal.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

viva o rei! viva!

durante a madrugada fui tia, quero dizer tia em estado activo porque já o sou desde que ele nada nas águas do dentro, pela segunda vez. ser tia de dois reis não é fácil, é um desafio constante. e se for um rei da estirpe do outro, ai que reinado! de gente, ai que amante do saber!

(agora só quero pegar-lhe e dizer-lhe, em abraço de cristal, que sou a tia amoricultora do seu reinado)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

flores, perdão, escolho uma


 chamo-vos deusas,
reinas dos sentidos,
o que seria dos homens sem vós,
que são sementes da história,
estaríamos, estou certa, perdidos, 
ah, queridas ternuras da glória!


as flores fazem, também elas, a história da humanidade – e o que seria da humanidade sem jardins e dos jardins sem histórias de flores? religião, mitologia, folclore, alimento, medicamento, ideal, sentimento, celebração: elas cabem em todas as nações, gerações e ocasiões. 

talvez a rosa seja a mais marcante de percurso, muito antes da coroação de cloris como rainha das flores e da rosa como símbolo do amor e do desejo e emblema do silêncio e do sigilo, reza a história que a forma selvagem da rosa possui espécimes fossilizadas com mais de trinta e cinco milhões de anos.

no século V a.c. os chineses extraíam óleo das rosas, cultivadas no jardim do imperador, a ser utilizado pelos nobres; cleópatra tinha uma paixão por rosas. durante as festas em atenas jovens de ambos os sexos, coroados de rosas, dançavam nus na sombra do templo de hymen para simbolizar a inocência da era de ouro; os romanos acreditavam que ao decorar os seus túmulos com rosas iriam apaziguar os manes (espíritos dos mortos); nero era louco por rosas; durante os generosos jantares, pétalas caíam dos tectos dos salões de banquete; cristãos viam na rosa o símbolo de paganismo, orgia e luxúria - tertuliano escreveu um volume total contra a flor; em liturgias católicas, a virgem maria é chamada "rosa mística"; depois de leão IX ter sido eleito papa em 1084, instituiu a cerimónia da rosa de ouro - muitas variedades foram perdidas durante os anos entre a queda do império romano e da invasão muçulmana da europa. durante as eras das trevas, as rosas encontraram refúgio em mosteiros. a rosa tornou-se num importante símbolo heráldico; durante a "guerra das rosas", a casa de york foi simbolizada por uma rosa branca e a casa de lancaster por uma rosa vermelha - a paixão por estas flores e respectiva propagação, nasce da frança para as ilhas britânicas e em toda a europa ocidental para a américa e austrália;  a rosa selvagem é a flor do estado de iowa, dakota do norte, geórgia e nova york. é também a flor oficial da Inglaterra.

mas de entre as flores, sendo a rosa privilegiada de história, não é que goste de contrariar mas, antes, de quebrar a rotina dos textos, escolho a orquídea - flor com longa duração de vida e particularmente perfeita. com aparência elegante e jovial, costuma chamar a minha atenção imediata: veste-se de exotismo e, invento, incomumnismo, evocando-me refinamento e inocência, sedução e delicadeza.

no mundo, fora do meu mundo, existem cerca de trinta mil variedades de orquídeas e cerca de trezentos e cinquenta géneros na américa latina.

(dizer mais será incomodar-lhe a rara beleza)
vontade de fazer fascículos. vou burilá-la, as vontades são para ser buriladas, e concretizá-la.

domingo, 2 de outubro de 2011

caldo de lágrimas



ouve-se, por aí, que todas as fases da vida são para ser aproveitadas - senão rentabilizadas. talvez com um conta gotas se consiga captar lágrimas e armazená-las em frasco para serem reutilizáveis na culinária e em vez da tradicional frase "adicionar sal qb" passe a usar-se "adicionar duas colheres de caldo de lágrimas. tenho a certeza absulota que é isto que falta para as receitas serem, feitas da cozinheira também produtora da iguaria, verdadeiramente originais.

sábado, 1 de outubro de 2011

música, peixe e quentura

a rádio, que de vez em quando parece escutar-me, presenteou-me com estas músicas por entre o amanhar do peixe fresquinho e o acender do fogareiro quentinho. ou, pelo menos, eu quero que fique. que bom.


o riso e a semântica

o riso é dos domínios do diabo por implicar o festim da alma. mas também é coisa dos anjos pela leveza que produz. mas quando há riso sem festim nem leveza, por mera imitação, ele é simplesmente ridículo.

(e a questão é que há, de facto, dois tipos de riso - sei bem distingui-los - mas uma só palavra, riso, que não os denuncia)

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

caridade também é...

ir a uma sex-shop escolher um kit especial para uma amiga, envergonhada, oferecer ao marido.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

se o dente está podre...

falam com espanto daquilo que nunca sentiram ou fizeram. falam como quem fala de comida sem nunca terem cortado, ao de leve, um dedo na tábua. mas falam. devia, de vez em quando, ser interdito falar tal como é interdito passar ou fumar. mas não é - e é por isso que há bocas em que os dentes apodrecem com rapidez.

ir a cheiros

é de manhã cedo ou durante o coito do sol com o mar que as praias ficam desertas de olhos e de pés. e é nessa altura que a água gelada, e salgada, espera cheirar-me a pele até aos ossos.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

janelas que dormem

camadas de paixão ardente
que de fora para dentro
lambuzam os olhos
até manchar
e ficam às portas sem entrar, tal e qual o compasso sem tapete de flores
porque são assim, umas e outras, as janelas
por conta de se descansarem belas: são amor por acordar

abóborar

 quando aparece uma abóbora gigante, elas não querem - gostam de abóbora em pequenas embalagens, aos cubinhos, completamente despida para mergulhar na sopa. e quem fica com ela sou eu: carrego-a e fico sempre com vontade de a deixar em cima de uma mesa para poder olhá-la, apreciar-lhe as linhas rugosas e as curvas tortas.e assim fica alguns dias. mas como, se a culpa fosse dos meus olhos possessivos, inevitavelmente se estraga, pego-a, antes que isso aconteça, como a uma jarra de flores, escolho a faca mais afiada e começo a recortar-lhe a primeira existência:  faço-a em gomos grandes, dispo-a, separo-lhe as pevides e deixo-a prontinha para ser congelada até, a pouco e pouco, ser vitamina salgada e doce na panela. este ritual, que envolve algum tempo e disposição, aguça-me o valor que lhes dou e faz com que cada vez goste mais delas.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

teleturbar

nunca entendi, não entendo e julgo nunca vir a entender, a coisa de telefonarem ou enviarem mensagens fora de horas. entenda-se fora de horas o tempo em que um simples cabelo, se cair, me espanta o sono. de resto e como anda sempre a cair ao chão - pode ser que o telefone, se tiver alma, fique perturbado tal e qual se deixa usar para me perturbar.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

trio admira - o lembrete que existe nada, o verdadeiro verbo nadar



o que têm em comum este video, um peixe num aquário e um espelho?

tudo nada - têm o nada em comum. o video mostra nada; o peixe só, nada mais faz, nada e o espelho nada reflecte a não ser o que há para reflectir.

domingo, 25 de setembro de 2011

a minha ignorância

desconhecia completamente que as minis se abrem com o clique de uma lata de atum e foi ontem, pela primeira vez, que, em clique para o meu pai, tive contacto com uma.

sábado, 24 de setembro de 2011

e se...

e se os sonhos de olhos cerrados forem frangrâncias alarmantes de futuro - do tipo sininhos secretos; privilégios de cinema sem olhos; brilhos, do sono, indicativos?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

absorver, não exibir, a beleza



existem mundos, no mundo, que nada nos dizem. olhar as joias, tantas delas, tamanhos e formas diferentes, sem fantasiar, por um segundo que fosse, um bico de decote ou um pulso ou um dedo meu com elas. reter, sim, reter os brilhos e as texturas e, sim, fantasiar uma memória descritiva para cada uma delas: fazer sínteses mentais de cada escolha realizada de cada um que a realizou como se cada uma precisasse de uma história muito antes de precisar de uma utilidade. talvez, ainda estou a pensar, considere que a arte da joalharia não pode ser confundida com fatuidade e daí o meu desapego ao desejo de enfeites estilo árvore de natal. e depois, até hoje não houve quem me soubesse explicar convenientemente, faz-me uma tremenda confusão chamar jóia a um bocado de couro com cortiça quando serão os metais e as pedras preciosas que fazem o estatuto de jóia - pela perspectiva da mistura de materiais não preciosos com os preciosos, entendo joalharia contemporânea mas apenas ao uso dos primeiros, tamanha é a grosseria, chamo-lhe multi-pechisbeque.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

e tu, com quem fodias em troca de paz no mundo?


ela propôs-se a fornicar com Saddam Hussein e Bin Laden e isso valeu-lhe uma pensão vitalícia de três mil euricos mensais. não, não estou a falar - por mais que pareça justo - da Paula Teixeira da Cruz; tampouco me refiro à miss universo até porque, está à vista, os americanos gostam mais da paz do que quaisquer outros. falo, pois claro, da Cicciolina.

(até me está a passar pela cabeça, mesmo agorinha, se não a poderiam importar para equilíbrio das contas: por exemplo, ela fornicava com o Jardim e em troca o buraco voltava a ficar encoberto por mais uns anos; à medida que fosse chupando o Passos Coelho e ela fosse crescendo, ele serenava e deixava de se masturbar com os impostos; e por aí adiante. também podia ser bem útil no combate aos crimes sexuais: oferecia-se como voluntária a favor da energia nuclear dos tarados e maníacos. e tudo por uma módica quantia de três mil euros por mês em tempos de austeridade apertada. 

e então, já estás a abrir o fecho das calças sem pensares nos cordões da bolsa, Governassos?)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

picante

falo que não são falos nem picam: são flores que nascem na noite beijadas pelos morcegos, regadas de açoite,
e piripiram os olhos no dia.

sonhos cabeçudos

parecem estátuas de chocolate mas não são: são as cores equilibristas da fruta que, sem engonho, penduram as cabeças no sonho.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

fresco de mentol para as costas

os nós ao fundo das costas são aquelas bolinhas que só sentes quando passas a mão e não há dor - mas há um desconforto imenso, aquela sensação de inflamação. pois descobri uma boa terapia: desfazer beringela a cru e colocar a papa numa meia de algodão. amarrá-la bem e afundá-la numa panela com água até imediatamente antes de começar a ferver. depois molham-se toalhas na água quente que vão sendo postas, alternadamente, na inflamação. além de um bem estar imediato, a casa fica com um cheirinho maravilhoso a fresco de mentol. verdade.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

até pode parecer que não

na minha cozinha há um sofá, já foi outro mas agora é este, e nem imagino a cozinha sem sofá. mas na gaveta do armário da cozinha não há quebra-nozes. isto pode até parecer que não faz sentido mas faz: as nozes que andei no outro dia a apanhar lá estão, pacientes, à espera que eu as coma e não se importam que eu as faça feliz à martelada - mas tudo o que eu sei que elas, também sabem que eu sei, querem é descer o canal, tranquilas, por entre enchorradas, nem sei se esta palavra existe mas se não existe passa agora a existir, líquidas até repousarem, moídas pelo cansaço, no sofá.

o quebra nozes é, portanto, perfeitamente dispensável na cozinha. o sofá, as nozes são defendentes dos sofás, é que não.

sábado, 17 de setembro de 2011

bora lá fazer cartoons

se eu soubesse desenhar...

1. Merkel, uma gorda mal fodida, frustrada, a cagar - não postas - pescadas inteiras e a distribui-las pela europa;
2. Berlusconi, pénis bem erecto, a meter telefones, quilos deles, ao bolso;
3. Passos Coelho, de branco vestido, a acarinhar cada um dos seus filhos, anões, ministérios sendo que o maior dos mais pequenos está sem braços e sem pernas e a chorar muito com um plano CRI na boca;
4. Alberto João Jardim nu e cheio de dores de rabo por conta do clister- merda que saiu até fazer eco;
5. os EUA a darem banhada ao povo com balões de água onde cada balão deverá representar uma placenta de esperança.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

dar murro, ser beleza

chamam-lhe imperfeição, olhos no coração, mas eu dou um murro na mesa: de pernas para o ar, imperfeitamente perfeita, chamem-lhe como eu - chamem-lhe beleza.

olhos e ouvidos, pensantes, sentidos


ontem comprovei, para mim, que os homens quando são, e apenas, pontualmente queridos são uns traidores.

(ela continua armada em fina, e em boa (está convencida ser a mulher moderníssima que o dobrou), e ele continua a fodê-la. e às outras também. concluo, portanto, que sou uma excelente analista da política sexual contemporânea. dá cá mais cinco, Sinhã)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

mãos e pés descalços

pensando bem, andar descalça faz o mesmo efeito que fazer trabalhos manuais sem luvas: a sensação de estar em contacto com as coisas não as deixa escorregar e cair. com os pés é igual: é o sentir as bases por onde passo que me faz andar erguida.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

saxofone em silêncio não é crime

esta notícia tão ironicamente bem contada comoveu-me. e eu estou aqui, Constantino - chamo-te guardador de sopros e de sonhos -, para dizer que acredito em ti. e a ti, e a ti, e a ti, e também a ti, Sílvia, caneco, quero dizer-vos que é verdade que há bocas que tresandam a álcool sem o beberem - em criança, uma das empregadas que passou lá por casa tinha uma doença no estômago e tresandava a álcool pela medicação que tomava: não bebia senão água. acredito no amarelo e, à primeira, na Segunda. acredito em tudo, sim. acredito principalmente no abuso de autoridade e na caça às multas e na caça às vidas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

seborreia por contágio




pelo menos uma vez por ano sinto-me obrigada a procurar as mãos de profissionais de cabelos, não porque estejam estragados, para dar-lhes forma. é, no entanto, um momento de grande sacrifício e ando dias e dias a mentalizar-me que alguém desconhecido vai estar a massajar me o cabeludo e a usar nele pentes e escovas e tesouras indiferenciadas que rolam de cabeça em cabeça. é como se cada um dos utensílios carregasse uma colónia de cabelos, e talvez outras coisas, de cabeças sem identidade. e depois há o tempo de espera debaixo do zumzum do secador e das vozes tagarelas em simultâneo e do lixo das cabeças dos outros que quando é aparado salta, atrevido, para nós e faz comichão. e depois é o aspecto do cabelo das cabeleireiras que quase nunca faz jus à profissão e é pintado com a raíz a descoberto e seco e teso. enfim, todo o cenário envolvente faz caspa. mas, como já disse, pelo menos uma vez por ano obrigo-me a ter caspa. 

desta vez, porém, não foi com caspa que saí de lá. 

conversas cruzadas, há sempre uma ou outra que nos entra, mesmo sem pedirmos, no ouvido. falavam de emigração para áfrica e no quanto é difícil para um casal ficar separado - não pela saudade, não pela falta emocional, não pela interrupção espacial e temporal do projecto a dois, mas pelo risco que correm em serem encornadas com pretas. e a conversa segue: despertara, a esta altura, a minha atenção não pelo tema mas por o problema em causa ser preto (cheguei, entretanto, à conclusão que se fossem encornadas por brancas a coisa passava). vim a perceber, mais tarde, que a cabeleireira estivera emigrada uma data de anos na áfrica do sul e que era dela que a conversa tinha surgido. cabelo ainda por podar, levantei-me e vim embora quando, a certa altura, ouvi: lá não senti problema algum porque era normal mas cá, e atenção porque eu não sou racista porque tenho amigos pretos, quando vejo um preto, expressão facial de nojo, atravesso a rua.

como poderia eu colocar nas mãos de alguém assim a minha cabeça? imaginei aqueles seus pensamentos filhos da puta, terroristas, avançarem para as suas mãos. sim, porque o que pensamos extende-se a cada centímetro do corpo - nós somos criaturas inteiras.

desta vez, porém, não foi com caspa que saí de lá: foi com seborreia.

domingo, 11 de setembro de 2011

saudades à soleira

parece apenas um, mas são muitos - homens por dentro do tempo: homens que choraram e que riram, saudades à soleira subiram, nas janelas com cortinas de vento.

verdes fundos



gostava tanto de ter um telhado verde.

(saber-me com uma árvore por cima do meu tecto alimentava a minha carência de raizes e de profundidade)

sábado, 10 de setembro de 2011

a vida e o destino. ou a veia e os sovacos


há quem confunda estar apaixonado por si próprio com estar apaixonado pelo seu destino. o meu Kundera explica isso muito bem, no livro do riso e do esquecimento, mas eu também não lhe fico atrás. (nem à frente. fico, talvez, saltitona, ao seu lado visto que as pernas dele serão bem maiores do que as minhas e apenas dois passos dos meus conseguirão acompanhar um dos seus.)

dizia eu, então, que esta confusão existe quando não é o destino que faz algo pela felicidade, por todos os pilares, senão tarecos, da vida de alguém mas será esse alguém, na sua vida, que faz de tudo pelo seu destino - sente-se responsável por ele sem ele se sentir responsável por si. há, aqui, portanto, uma espécie de amor não correspondido: alguém ama um destino que não o ama a si simplesmente porque leva em consideração os pressupostos da vida desse alguém e não os pressupostos desse alguém sem vida. sim, nós existimos sem vida - se perdermos o emprego e a casa e a conta choruda perdemos a nossa vida, a dos tarecos, mas não perdemos a nossa vida enquanto vida. estou a ficar confusa. mas com convicção.

pensar, por exemplo, em basílico no destino será arranjar sovacos onde não estão - para a veia ter mesmo de por lá passar. mas não é a veia da existência - será a tal veia da vida, dos tarecos.

talvez seja mais fácil rematar, agora, e concluir que é assim que a vida se transforma em destino e que a existência passa a ser de tarecos. mas a esta altura já deturpei a visão do Kundera, já lhe retirei e acrescentei conceitos e esta vida e este destino passaram a ser conceitos só meus. como eu gosto.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

até à quinta e depois dela



a praia não é o sol; a praia é o sol e os outros: as cócegas dos grãos da pedra no mindinho e a brisa do vento fresquinho e o sal do som do mar. a praia é a onda que faz ser onda e as gotas perdidas que fazem ser gota e o vento manso e fininho que faz ser movimento e a areia que faz ser pó. e tudo por debaixo de um sol que faz ser superfície.

(se assim não fosse, sol por sol, bastaria a quinta nota a quente)

está bem, então

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

se és mulher, não vás sozinha inspeccionar a viatura

é incrivel como é completamente diferente, para uma mulher, ir sozinha fazer a inspecção do veículo ou ir acompanhada por um homem: de acordo com a segunda premissa, verifica-se e confirma-se - é mais rápido, mais objectivo e não reprova.

(penso haver, assim, uma espécie de gaytonia implicita que inibe a testosterona de se evidenciar)

ir pensar é um verbo, não são dois

esta coisa dá que pensar. vou pensar.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

el's matadores

o que é que a mata mata, além dos olhos com a sua beleza?

(é que eu hoje vi dois homens, quase idosos, sairem da mata perto da praia: um apertava as calças e o cinto e meteu-se num carro e o outro seguiu o meu caminho. sairam juntos da vereda que vinha da mata mas cada um apanhou o seu rumo. será que as matas também matam outras coisas - mesmo ali, entre vivendas familiares?)

cópia gordurosa roscofe



se há governos que tencionam aumentar os impostos sobre os alimentos gordurosos, como a Hungria e a Dinamarca, para combate da obesidade e, desta feita, diminuir os gastos de saúde - outros há, como o nosso, que quererá copiar a ideia apenas para arrecadar receitas. senão vejamos a coisa numa perspectiva obesa: se o povo anda sem guito, procura almoçar ou jantar barato. e o que é que é barato? é a comida de plástico. então, o aumento dos impostos nos plásticos comestíveis só vai trazer duas coisinhas para o povo: o aumento de peso e o aligeiramento, ainda mais acentuado, dos bolsos - é que ainda continuará a ficar mais caro preparar um jantar de fritos, ao preço que anda a luz, o gás e a água, em casa. ademais - quem é dos fritos, é dos fritos e há-de morrer assado no espeto se mudar para os cozidos e grelhados.

(fazer cópias de ideias inteligentes de economias que em nadinha se equiparam à nossa é, no mínimo, de uma magreza mental colossal)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

rodas do mundo

são vidas, umas sobre rodas erguidas e outras de rodas para o ar, na vida de um mundo que vive, não pára, do pedalar.

da fórmula do provérbio sábio

fazer o luto por aquilo que já, ou nunca, tivemos é estranho. e arde. e se o que arde cura e o que aperta segura, acabei de encontrar a fórmula mágica: deixamos, de segurar, cair - começa a arder e cura.

domingo, 4 de setembro de 2011

i just write to say i love u, música

a música possui um poder incrível, inigualável, mágico. se é verdade que gostar desta ou daquela depende do estado de espírito também não o é menos que é ela que tantas vezes o condiciona. a música remete-nos para o nariz, para os olhos, para a boca, para as mãos, para a vida. e senti-la faz-nos, tantas vezes, sorrir; e senti-la faz-nos, tantas vezes, chorar. a música é, assim, uma espécie de bálsamo para a alma porque não é à toa que nos massaja memórias ou nos desperta desejos. e prolonga-se, o seu efeito, muitas vezes, pelo dia dentro ou por vários até. e depois surge outra que desmontamos até à exaustão para lhe beber o trago da alegria ou da tristeza: dissecamos a música para apurarmos emoções contidas, guardadas ou novas. musicar é tão ou mais importante do que comer ou beber ou defecar - não porque desse verbo depende a sobrevivência - por nos remeter para a essência do que será viver.

e porque viver começa por dentro do mundo do mundo, musicar é preciso.

(hoje, tenho a certeza que não foi por acaso, ouvi esta música. estava a precisar dela para recordar onde a costumava ouvir, rumo à escola na frequência da festival com o meu pai, e transportá-la, fazer a ponte, para os tempos de agora e ganhar força com o que significa ser pai e dar e ser filha e receber. e nem sequer interessa se gosto, sim: gosto muito, ou não - importa que por algum motivo me marcou. obrigada por existires, música.)