deparei-me com um homem daqueles que só aparecem nos filmes de humor: dentes cerrados e olhos, por detrás dos vidros, que fixam sem piscar. o assentir com a cabeça é constante e a palavra obrigado, muito obrigado, sai-lhe cinco vezes a cada dez segundos. indica-me a saída e quando eu já me dava por aliviada por sair dali, ei-lo. sem ser como uma sombra - porque as sombras mostram-se e são grandes e escuras e bem visíveis aos olhos -, como um pássaro que por cima acompanha sem fazer barulho e sem se fazer notar, na suas palavras preferidas e, por iteração, irritantes: muito, obrigado, muito obrigado.
fiquei a pensar, entretanto, e não costumo enganar-me, que, no meio dos outros quatro, aquele tipo de homens simpáticos mas machistas em que se nota que dizem uma coisa quando estão a pensar numa outra completamente diferente só para conseguirem parecer que valorizam e que estão de acordo com a interlocutora fêmea e levarem a cabo o projecto que de outra forma não há, o ajeitadinho-sossegadinho-obrigadinho destacado para me acompanhar durante um dia inteiro é o único que está a ser sincero, por mais que a expressão corporal dele me irrite, e talvez agradeça tanto apenas por sentir mesmo e muita vontade: afinal de contas, e pelo menos durante um dia inteiro, vai livrar-se dos outros marretas mentirosos e machos à pressão, em demagogia, que não acham piada mudarem de opinião - ainda que buriladamente forçada - à custa de argumentos de uma fêmea. são, bem visto, uns vendidos.
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