tenho um fascínio fora do comum pela cozinha - é na cozinha que se fazem, transformações espantosas, alquimias. é a paleta de cores e de cheiros e de sabores que fazem desta arte, e toda a arte só pode ser criativa, um amor. e é por isso que quem ousa criar, recriar e reinventar na cozinha merece um pedaço de mim, da minha admiração, do meu orgulho, da minha vaidade.
é curiosa a analogia do comer na mesa com o comer na cama porque é, de facto, a mesma coisa: o outro é sempre uma paleta de cores e de cheiros e de sabores, energia criativa, em arte. e não vale a pena chamar artistas aos que cozinham apenas por obrigação ou quando estão com fome porque não o são - cozinhar só pode ser com paixão e entusiasmo e dedicação porque não é depois, quando a delícia está pronta, só depois, que se sente o imenso prazer da obra: para ser arte, o processo é contínuo; a alegria e o prazer e o respeito por cada cheiro e cada sabor e cada sensação começa antes de arregaçar as mangas e continua durante a execução e é, precisamente, quando o salgado ou o doce está pronto a comer que, já comido, fará disparar a alegria e o prazer.
e é por isso que aproximar o que é degustar na mesa com degustar na cama me parece tão bem. pode acontecer que o tal pedaço de mim que falava no início, aquele pedaço, não seja afinal um pedaço. o que pode acontecer, penso, numa mistura tão intensa nesta arte de cuisine divine é alguém poder ficar-me com toda. o todo, afinal de verduras, é sempre o conjunto de pedaços.
(antes que me esqueça: começou ontem, galeria municipal de arte de barcelos, a exposição do querido João Cutileiro. há escultura, desenho, relevos e fotografia e também há quase um mês para visitar - termina a 24 de novembro.)