eu nunca tinha percebido por que razão a vice reitora um dia marcou o meu número fixo, o único na altura, a nokia ainda não tinha nascido, e me disse, olá Olinda, sabe quem fala, é M Trigo, quer vir estagiar connosco, aprender a navegar com a Pessoa?, imediatamente surpreendida e confusa disse que sim e no dia seguinte lá estava eu a começar naquela que viria a ser a minha jornada de trabalho nos muitos anos que se seguiram. ainda não tinha terminado o curso, preocupava-me as lides da casa e os prazeres desmanchados pelo namoradinho, o namoradinho de anos, o único, que viria a ser o meu marido. passados meses desse estágio, chegou de surrey o pró-reitor com quem eu viria a trabalhar directamente. um dia, já depois da minha hora, Olinda, podemos conversar um pouco antes de sair? tem noção de que o Prof. S Trigo sabe tudo sobre os seus funcionários? não fazia ideia, como assim, tudo? ninguém entra nesta casa sem ser investigado. por que acha que entre todos os alunos de RI desta universidade foi escolhida para estagiar e trabalhar aqui? não sei, fiquei surpreendida quando a Dra. M me ligou. Olinda, tem a certeza de que quer casar com esse rapaz? ele não está ao seu nível, vai estragar a sua vida. naquele momento eu tinha levado uma facada, estava atarantada e confusa, transpirava. mas ainda não era aquela que hoje sou. por dentro alguma coisa se apagou, como é que ele sabe que o meu namorado é básico e não consegue acompanhar-me naquilo que me é essencial, não se ri nem chora das minhas piadas nem das minhas angústias, como este sabe que eu não consigo aprender nada com ele? será que ouviu a discussão quando me dizia que sou uma puta por me arranjar para trabalhar? será que percebeu que a minha líbido não funciona e se não funciona com ele é porque é escangalhada mesmo assim? como podem saber que ele não queria que eu aceitasse este emprego? será que sabem que o maior gosto dele seria em ficar a ser empregada doméstica da irmã? como descobriram que ele me humilha quando desaparece e me deixa dias e dias sem dar notícias para supostamente me castigar do que ele não gosta? se ele é meu namorado há tantos anos, pois claro que é com ele que eu vou casar, cresci com ele, enfrentei o meu pai por ele. sim, tenho a certeza. então desejo-lhe felicidades mas aviso-a já que não vai durar.
fiquei a pensar naquilo só depois, quando ao fim de três meses de vida conjugal - de dentro para fora e de fora para dentro, naturalmente, senti que aquele rapaz era um nojo. mete-me nojo. que nojo. não percebe nada de mim, não respeita o que sinto, não consigo comunicar com ele, não me toca mais, quer-me tocar. vai embora, vou embora, larga-me, pára, monstro.
mas agora a minha líbido funciona muito bem só de pensar no Romem que sinto ser o tal na minha vida. porque nunca será um fracasso quem me é fonte de sabedoria, de beleza, de compreensão, de riso, de choro e de tanta vida, tesão dentro de mim. fracasso seria o crime de temer não ser por fora também assim. e se não acreditar em mim?
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