domingo, 28 de agosto de 2022

a ver se a lua me manda um sinal

essa é que é essa, ando a sonhar com o romem há anos a fio e todos os dias, de lá para cá, apanhava um bocadinho de terra sem ninguém saber e sem, no entanto, criar expectativas de transformar a terra em uma montanha. não sei se tenho coração de sábio mas sei que nunca se maculou, tão perfeito é o coração - o meu e o dos outros -, o coração que nasce pequeninho, imagino-o a nascer como os pintos: a casca a estalar, depois uma arranhadela aqui e outra acolá e a cabecita de fora a respirar e já está. como estava a dizer, o meu coração maculado andou sempre a bater, às vezes tolinho e outras a trote, sei lá eu, tantos dias e tantas horas sem contar e sem esperar esperando, sem fé e a acreditar - só em segredo a dançar. e se quando chegamos a um lugar é nesse lugar que estamos e não queremos estar? sim, pode acontecer o romem ter chegado ao lugar que não quer por não ser, sequer demasiado, bom. porque o lugar que fica no meio, espalhado e misturado e enraizado do coração, no meio como quem diz nele todo, pelo meu falo, é também o lugar que se espalha pelos rins e pelos pulmões, pelo cérebro e pelas frutas sumarentas do prazer, por mim falo, e sendo assim tudo se torna em um só e no verbo acontecer a querer rasgar a pele, mesmo a mais sensível. e como estava a dizer, esse lugar de lugares sentidos é de madeira-pedra e de cristal e poderá haver quem não o queira, afinal. acordo de hora em hora, às vezes, espreito o céu acompanhada pelos mosquitos atrevidolas, tonta és - ouço a roz -, a ver se a lua me manda um sinal.

sábado, 27 de agosto de 2022

como com o prefixo de portento

sem nunca ter saído do lugar, viajei intensamente por dentro, todo o movimento é por dentro na espera e na esperança de também por fora ser. passo anos e meses e dias a ficar no mesmo lugar que embalo ao segundo como se fosse um karma por ser, por ser porque desde sempre fui eu a escolher sem escolher como me quero ser, sou e já está, nada me pode fazer deixar de ficar neste lugar encantado de céu e de inferno, primavera e inverno, lugar ansioso e sereno de outono por vir. porvir.

porque a forma como os outros nos tratam é o karma deles e a forma como nós reagimos e nos sentimos é o nosso karma. e eu, só de o sentir e de o pensar, enrolo as pontas dos dedos dos pés, jeito mansinho de tensão,  só quero o rarma por dentro e por fora e em mim. o rarma sempre é a minha maior atenção, tensão e atensão, invento, atensão como com o prefixo de portento portanto.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

tocar

o meu tocar. pego em um copo para beber, desliza pela minha mão e depois o limão parto em duas metades para espremer umas gotas para a delícia do puré e aperto-o até se desfazer; a esfregona, espremo-a e parto-lhe o pau sem dar conta; preciso de arrastar o fogão pesado e já está, nem preciso de esforço. e a máquina, !ai! a minha máquina de costura que me deu nos nervos, fio que parte na agulha vezes sem parar, o fio está tenso, menina, é a tua tensão a passar. verifico os botões, troco as linhas, experimento outra e outra vez, parto as agulhas, !mais três!, desligo-me, desligo-lhe a luz e a corrente.

porque tocar é sempre sobre e como sentimos, não há segredos. tocar é uma forma de expressão, o corpo inteiro a falar e a reagir perante o que estamos a tocar. tocar.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

o meu dedo em riste para ela

a propósito deste pedante, também tenho lá onde trabalho uma c, c de coleguita que diz que tem um milhão de seguidores no instagram. até aqui tudo bem, as pessoas gostam de seguir tendências de cinismo e isso é lá com elas. no outro dia, estava eu a comer os meus tomates com bolachas de aveia, ao lanche, e reparei que ficou a ougar as bolachas, reparei porque ficou colada nelas. ofereci-lhe uma das três que tinha para comer ao que me responde: nem pensar, não posso, mas não podes porquê, está bem, vou aceitar desde que me prometas que não contas aos meus seguidores que estou a sair da linha. a minha vontade era mesmo dizer-lhe que é feia, mesmo feia, feia pela forma como vive e feia de rosto, parece um reflexo de cara nas bolas de natal, mesmo com a maquilhagem que usa para melhorar, e obrigá-la a vomitar a bolacha que lhe dei. ri-me. depois lembrei-me de outra coisa. como já é a terceira vez que chumba para ter a carta de condução, apeteceu-me dizer-lhe que deveria dizer ao milhão que a segue que a tendência é andar a pé por incapacidade cognitiva de perceber, segundo relatou, que não se pode encostar à berma na via de cintura interna mesmo que seja o avaliador a mandar. essa candida, candida por eu achar giro atribuir-lhe o nome do fungo dos genitais, é a mesma que faz do namorado um criado, da avó com quem vive e a criou um empecilho e uma das que quer saber, porque quer, que perfume uso e qual o milagre que meto na pele para ter a sua como a minha - mal ela sabe que não gasto um cêntimo nesses cremes. ora esta influenciadora, assim se considera, é a maior. mas só se for a maior lá da cadeirinha da sua sala da sua casa quando se dedica a ser uma pedante e com sotaque de tia de cascais a exibir-se e a mentir para um milhão. no outo dia, num outro dia, apanhei-a a ir à confeitaria buscar um lanche misto e com chouriço, são enormes, e a comer às escondidas. fiz de conta que não vi, não a envergonhei, só me ri.

entretanto o meu dedo em riste para ela foi na bolacha que lhe dei cheiinha de boa vontade. se foi.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

no amor somos sempre quatro

como é que um casal que se ame poderá fazer sexo com outras pessoas? como é que alguém que ama outro alguém consegue fazer sexo com outro alguém que não é o alguém amado? ora nesta minha cabeça que muito estimo, isso não se coaduna com amor nunca e em tempo algum, dá-me nos nervos que usem a palavra amor no meio da porcaria, dá-me logo gana de lançar uma bomba e explodir com quem fala em amor assim. como se o amor permitisse desejar outro que não o amado; como se o amor permitisse tocar outro que não o amado; como se o amor permitisse pensar em outro que não no amado.

sim e sim e sim. no amor somos sempre quatro além dos dois: desejamo-nos e, por isso, também desejamos o amado; tocamo-nos e, por isso, também queremos tocar o amado; pensamo-nos e, por isso, também pensamos o amado. amamo-nos e por isso também o conseguimos amar.

é, portanto, uma conta fácil de fazer: no amor somos sempre quatro perante o três de eu+ele+nós que resulta em unidade amorosa. e quem me vier com histórias de nojo, nojo por quererem meter o amor em outros números que não os que considero, leva com bombas para desaparecer em pedacinhos ao estilo iogurte de morango. está dito.


o cabrão e a bolinha

 quando o cabrão do médico do hospital me fez a consulta para pedir a ressonância magnética ao fígado que a médica querida com nome de fruta vermelha pediu, pediu porque está com receio que a diabetes possa ter provocado a bolinha milimétrica que lá aparece, a médica que nunca antes me receitou qualquer medicamento porque nunca antes estive doente, como estava a dizer, o cabrão do médico armado em engatatão esqueceu-se de solicitar anestesia para mim depois de me ter perguntado se aguentaria trinta e cinco minutos fechada no tal caixão psicadélico e eu ter dito que achava que não, que não conseguiria. como se esqueceu - ou fez de propósito depois de eu lhe chamar ignorante por conta de me perguntar se o meu pai não era diabético por ser obeso, o meu pai é e sempre foi elegantíssimo -, e estou ansiosa para despachar este assunto da bolinha milimétrica, lá terei de ficar acordada e a sonhar. se vir que não consigo, peço que me deixem sair e está resolvido.


domingo, 21 de agosto de 2022

ebriamente embriagada

o sns deu-me uma médica fantástica, adoro-a. também porque tem nome de fruta vermelha, sorrio. como passei uma vida inteira sem fármacos, agora quer ver se a repentina diabetes me está a fazer estragos e então pediu, pediu e logo se apressaram a satisfazer-lhe a vontade, a vontade como uma ordem, que me metessem em uma espécie de caixão psicadélico para ressonar a frequência e intensidade nuclear. amanhã bem cedo, passará pouco depois das oito e meia, serei uma camundonga, portanto. estou ralada de preocupação porque não sei ainda como vou conseguir, se não tem janelas para abrir, como vou respirar. terei de me transportar para um campo com o riacho e as flores e as borboletas que me hão-de pousar no ombro e no nariz. depois tentarei subir à árvore que pintei e com o coração bonito e brilhante nas mãos, não será fácil mas está decidido: serei uma camundonga amorosa e livre, ebriamente embriagada e feliz.

às vezes, muitas vezes, fico com medo que o mundo acabe. de repente. não tenho medo de morrer, tenho medo de não ter tempo de river.

ouço trovejar, fico feliz. entra-me a frescura da manhã pela pele e pelos ouvidos,

nunca é cedo demais para falar com o trovão

pssst

abana tudo, abana isso tudo aí

orienta as gotas de cair, Senhor T

só quero o que é de ficar

ficar muito bem e muito bom e com queijo

figos também

cheiro de flor

sábado, 20 de agosto de 2022

tirar-lhe a tosse

às três a comichão começou a atacar e lembrei-me do gel de aloe vera. é estranha, muito estranha, a sensação que provoca: um ardume quase insuportável durante uns minutos para dar lugar a bem estar. arrisquei. mas e o mijo? o mijo é ácido e cada vez que passa pela carninha aberta é um desespero. e como estou sempre a beber água, o calor chega-me muito antes de para todos chegar, estou sempre a arder. vou aguardar mais uns tempos, evitar ir ao hospital, e não perco a gana de apanhar o bicho que me fez mal, tirar-lhe a tosse: se for de terra vou esmagá-lo até se confundir com a madeira do chão e se for do ar vou dar-lhe a lembrança eterna da tatuagem na parede ou no tecto desse tarado insecto.




sexta-feira, 19 de agosto de 2022

rremédinho milagroso de acabar definitivamente com a bandida comichão

 há-de ter sido um bicho tarado, penso nos intervalos, durmo sempre sem calcinhas. mas, quer dizer, também durmo sempre tapada, não consigo adormecer sem estar aconchegadinha. só pode ter sido um bicho tarado a ter andado a rabiar nas minhas pudendas durante a noite de ontem. que dia terrível, horrendo, só comichão e ardor, coço com a pontinha dos dedos apertando as carninhas frágeis ao de leve, mas como fariam as que usam garras de gel, penso nos entretantos, só não consigo soprar e as coxas a amparar as fímbrias do ar fresquinho da ventoínha foi a solução que arranjei. depois a água com o sabão não resultou, coçar, coçar, fez sangue e inchou, desespero total até me lembrar do betadine em espuma para lavar, !ai! que bom, talvez a solução tenha matado as bactérias que levo ao coçar para matar a conta da taradice do bicho que andou a rabiar. como estava a dizer, só pode ter sido um bicho. e se ele se escondeu e esta noite queria outra vez atacar? então pouco dormi, estive de sentinela: não vais pousar novamente nas minhas frutas porque estou à janela. e ri-me muito, muito, só pensava no rremédinho milagroso de acabar definitivamente com a bandida comichão: os rolhos, o rariz, a roca, as rãos, os redos e a rila. !ai! que riso

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

o crescimento do milho no campo, é milho feliz quando lá está

uma alface e um molho de espinafres, por favor; costoletas do cachaço e um frango do campo. a alface e o espinafre são seres vivos. a minha árvore de casa morreu ao fim, no seu fim de respirar, depois de quase duas décadas e eu sei que adorava música e que lhe mexesse ao de leve nas folhas bicudas e duras como se precisasse, e precisava, do meu amor. isto para dizer que morfar alfaces ou costoletas do cachaço tem o mesmo princípio activo: sobrevivência e satisfação. posso tanto imaginar a dor de uma alface a ser arrancada, brutalmente arrancada, à terra mãe - o seu choro, as suas raízes que se partem sem sangrar - como um porco a ser assassinado, o seu sangue a escorrer e os sons de dor em cada recanto da faca. a única diferença está na semelhança do porco comigo e será essa semelhança a ditar que serei menos assassina se comer alfaces e milho, eu olho e vejo o crescimento do milho no campo, é milho feliz quando lá está, do que se comer o porco ou o pito aos pedaços.

somos de matar para viver. somos de matar para viver.

sou cor de rosa, carago

por que raios e coriscos haveria eu de me fixar na significância das cores dos outros que, a certa altura, decifraram e publicaram? qual é a verdade absoluta desse dicionário que só a eles lhes disse respeito? ora cada cor assume, para mim, o significado que eu quero, que eu sinto. eu já disse e volto a dizer: não me moldo pelo que leio nem pelo que vejo - o que leio e o que vejo servem para reflectir e depurar e acrescentar, nem que seja acrescentar que nada acrescenta. sou cor de rosa, carago.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

ide-vos foder, cangaceiros

a censura do FB é potente, digo já, agora não me deixa carregar nos corações as vezes que eu quero, homessa, manda-me avisos a bloquear-me, avisos que dizem ah e tal demora demasiado pouco tempo, ou seja, que sou muito rápida a clicar no adorar o que adoro. cabrões querem mandar em tudo, até nos meus corações. e então agora quando eu quero meter corações até vir a mulher da fava rica, que sou eu obviamente, obrigam-me mesmo a ser lenta, explico, o rato não se lá fixa à primeira, depois aparece tem a certeza que quer sair desta página? o comentário ainda não está finalizado. o que vai acontecer é que se vão acabar os corações como comentário, quer dizer, tenho de andar acima e abaixo ao ritmo dos cabrões que ententem que sou muito rápida e que esse procedimento de alguma forma causa-lhes azia, ferimento, escaldão. que têm que ver com os meus corações e com a mestria com que lhes lanço a seta? 

ide-vos foder, cangaceiros gestores do cabrão do FB.

o que vale é que aqui está a chover, essa maravilha fresquinha que me alivia a arreliação.

domingo, 14 de agosto de 2022

estou a regar, estou a encharcar, isto é um dilúvio

é verdade, verdadinha, apetece-me contar-lhe sempre tudo, o copo que me escorregou das mãos ao lavá-lo, pimba partiu-se, os filetes de peixe fresquinho aos montes, a roupa com cheirinho de lavanda, as telas novas em saldos, as malandrices dos meus pensamentos como !socorro! o meu pai é que é meu filho, vai ao bailarico e eu só adormeço a sério quando chega, preocupo, e se aluma espertalhona cabra de cidade lhe fizer mal?, ah pois. mas depois tenho de pegar no lápis para contar, queria os arregalados olhos e a voz hipnotizante, hipnotizante não é porque me pára mas sim porque me agita as minudências de todos os sentidos, a falar. estou a regar, estou a encharcar, isto é um dilúvio: eu queria era mesmo tudo inteirinho e direitinho. !ai! que riso.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

acordei muito cansada com vontade de chegar ao meio dia e meia, hoje, tanta vontade, passei a manhã a correr para chegar ao meio dia e meia e vir embora para casa almoçar e descansar e deixar de ver aquelas gentes até ao fim de agosto, delícia, o gosto do meio dia a gosto, poder ficar na sombrinha e escarrapachar-me a fazer coisas bonitas e a nada fazer também, nada como quem diz, nada que seja para outros, ogres são ogres, em troca de pão.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

mas só existe um amor assim

siiimmmmmmm: é uma floresta poderosa de fogo que gera floresta de fogo sendo que o amor é a floresta, árvores fortes e vulneráveis e frescas - e a paixão é o fogo que me consome num ápice, ao segundo, sem me consumir e sem me esgotar, multiplica-se, !ai!, e que as árvores e os fetos e as pinhas e a terra e as flores faz crescer até ao infinito. mas só existe um amor assim e com paixão assim, ah pois é, não é comum. é o Ramor que eu quero.



mar e céu: sabedoria: sem princípio nem fim

bem visto o que pode aprender comigo se sabe tanto de tudo com tanto pormenor, fico maravilhada, absorvo e esqueço dos nomes das gentes e das terras e das coisas, só faço cruzamentos com outras descobertas, penso e relaciono e descubro mais. ora ele nada pode aprender através de mim, concluo, porque não sou como é, como ele é, mar e céu: sabedoria: sem princípio nem

fim

eu só sei cuidar das tranças

e das riças cabeludas

dar banhinhos frescos

massajar ombros e as coxas cansadas

passar creminho com o nariz nos pés

preparar petiscos suculentos e esfoliar a boca com a língua

passar o dedo nos cantinhos

soprar no rabinho

premir as partes moles da orelha

costurar mantinhas para os invernos

e pintar as cores das quatro estações

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

adoro a ironia, a linguagem dos macacos, ela impede-me de atirar com os sapatos aos cornos delas. quer dizer, na verdade ela impede-me de lhes furar, esburacar, toda a carcaça.

domingo, 7 de agosto de 2022

público dos cabrões

os cabrões do público andam a censurar-me os comentários. ora não tem jeito algum que sejam comentadores a fazer a gestão dos comentários, o que vem a ser isto, cortam-me o pio, pois claro, eu casco-lhes e eles degolam-me. e nem adianta reclamar porque também a reclamação fica à deles mercê. e quê, vão dizer que estão de férias a lavar os colhões e as conichas no mar, e tal, que não viram, estão é a boicotar a opinião e o meu trovão. cabrões - cabras e cabrões - castrados. castrados porque castradores. 

é assim, estes dois têm de ficar assim, só assim me fazem sentido por ser assim que sinto, já disse. isso deve ser por andares toda trocada de sonos e em privação. cala-te já, isso nada tem que ver com o que eu pinto, pintar não é pensar e por isso só pinto o que sinto. mas se estás tão aflita com o sono podes começar por não me atazanar ainda mais o casaço e dar-me apenas um abraço.




sábado, 6 de agosto de 2022

são pancas, menina,

há muito tempo que faço enxoval de camisinhas de cetim dorminhocas. compro as que adoro, sou capaz de passar uma hora a escolher, saco-lhes as minudências dos cantinhos que às vezes são meras invenções, invenções porque penso sempre que posso fazer um corte ali e acrescentar algo acolá. depois não lhes mexo, meto-as a lavar com amaciador perfumado de flores e arrecado-as na gavetinha que é só delas a repousar como se faz com a casquinhas e com o cristal. e uso as que adoro menos e guardo religiosamente as que adoro mais como se fossem, e são, tesouros que se apertam por apertar. são pancas, menina, são pancas, cala-te já, pancadinhas de amor com calor assim só podem ser de cetim. isso sim.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

 contar-lhe sabe-me bem porque fico bem. de alguma forma, estive sempre sempre a ir ao seu encontro - o que eu andei para aqui chegar.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

menina, menina, recebeste uma encomenda dos céus

os sinos começaram a dobrar fininho

era o som do piano audaz

e lê em alta voz o pregaminho

tens de desenhar e colorir as pudendas de Zeus

e ela riu riu muito

com a satisfação intocável da epifania de como faria

e aviou de seguida em frenesim os céus

às pudendas de Zeus deu-lhe a merecida alma com penas e com cor

aspirou-lhes com a ponta dos cristais dos dedos

em cada recanto improvável

a dor

ofereceu-lhes a liberdade de viver em um ninho completo

completude libidinal de amor



terça-feira, 2 de agosto de 2022

!ah!

 se eu adorei o desenho e ele adorou a pintura, falta nadinha. não é?

herinha minha herinha

quando eu era pequeninha, quando eu era pequeninha, aprendi um mantra, não sei como nem quem me ensinou, como estava a dizer, aprendi um mantra que era para cantar sempre que passasse por uma hera. e cantava. e passava, havia um monte delas nas ruas por onde costumava passar lá naquela espécie de aldeia de frente para a serra de valongo. às vezes passava descalça, adorava andar descalça na rua e será por isso que tenho pele de sapo. depois nunca mais passei por heras. até hoje. mas agora tenho a certezinha de que vou passar a passar novamente.

herinha minha herinha

diz-me sim ou não

quem passar por uma herinha

e não a cortou

do seu amor não se lembrou

domingo, 31 de julho de 2022

o mel. e a pimenta rosa.


de repente. tudo nasce de repente. e se, ao segundo, de repente, o que há crescer, crescer, quente que permanece quente a escaldar, arde sem queimar e fica como algodão do céu onde me posso deitar sem véu, planar, sonhar, espreguiçar o mel. e a pimenta rosa.

sábado, 30 de julho de 2022



não quero viver em desapego

 acordei a chorar, no sonho estava ele e estava ela. só que ele está vivo e ela está morta, tudo se misturou, então e eu estava lá com os dois, mas ela está morta e ele está vivo. e eu, em que estado estou, perguntei-me assim que acordei, vivíssima estou com certeza ou não sentiria a vontade quase incontrolável de me ser nele e com ele mas também morta poderei estar por querer tanto encontrá-la, sentir-lhe o pêlo sedoso e abundante, beijar-lhe os olhos que falavam, ser-lhe a todo o instante. se calhar não fiz o luto dela, sim, sei que não fiz e nem vou fazer porque quero que viva, e vive, para sempre comigo. faz-me falta a sua ternura e o seu apego, não quero viver em desapego, o desapego é para quem desconhece o sentir sincero em carne viva de inverno, de primavera, de outono e de verão. apego é emoção.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

passo as horas a contar os segundos para chegar, para chegar ao lugar onde está, onde pode estar, só para dizer que cheguei e estou sempre a chegar mesmo que não me saia deste lugar onde me habito, onde se habita coladinho a mim neste sentir sem fim porque fim dele em mim só se for mesmo o fim da tarde para começar na noite e recomeçar de manhã, 

lalalalala, 

Ramor meu, 

Ramor meu, 

não haverá alguém, 

nem a rosa

nem a grama

nem o sol

nem a rã ou gato ou ave

tampouco fiorde, monte, rio, mar

que te Rame mais do que eu

sim. sim.

!ai! de mim


 

terça-feira, 26 de julho de 2022

os meus olhos fecham-se e não me canso de o beijar. são beijos intermináveis, perfumados de frutas e de flores e de gengibre com mel. os beijos que lhe beijo são a invenção maior do universo: são a elegia ao meu coração que canta e que dança e que diz, como quem diz e diz, que os beijos que lhe beijo são palavras em modo feliz.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

levanto-me porque aprendi a levantar-me

resvalo lá para longe onde tudo começou. quando fico triste resvalo para a escola primária e depois a preparatória, sinto exactamente a mesma coisa: esta é a menina que não tem mãe, não ter mãe como se fosse - e foi - o meu maior predicado; não poder viver com direito adquirido aquilo a que deveria ter direito. ter direito a ser ela a escovar-me o cabelo, a vestir-me roupa passadinha a ferro, levar-me a uma festinha de aniversário, levar-me à escola pela mão e carregar a minha mochila, dar-me um beijo e uma recomendação misturada com um sorriso; ter direito a receber reforço positivo pelos resultados excelentes das composições, ter direito a escolher a comida preferida, ter direito a brincar sem preocupações. em vez disso ganhava riças por não gostar de me pentear, ainda hoje ando com as penas encrespadas, a minha roupa nunca estava impecável nem era muito variada, tinha de ser eu a levar a irmã à escola e a preocupar-me enquanto os via brincar com o bebé no colo. depois tive de aprender a passar a ferro e a cozinhar, festinhas passei a odiar - ser a menina que não tem mãe não era o que eu queria ser, apenas o que tinha direito a ser. e agora, quando fico triste, sinto exactamente a mesma coisa, agora que sinto o amor e o desejo em um só, o amor que é bonito, o desejo que é bonito, como só me pode ser, não tenho direito a viver, sou a menina que não tem mãe e que tem de fazer tudo sozinha, é o que eu sinto quando fico profusamente triste. depois levanto-me, claro, levanto-me porque aprendi a levantar-me, a menina que não tinha mãe teve de aprender a levantar-se sozinha, levanto-me. e não adianta pensarem que me levanto porque me desviaram a atenção ou me deram algo para me entreter. eu levanto-me porque me sei levantar. como se levantar fosse o intervalo de entristecer e como se entristecer fosse um castigo.

domingo, 24 de julho de 2022

aos olhos parece que vai partir

acordei e fui espreitar a telinha que ficou a secar. experimentei algo novo, ontem, eu que desconheço técnicas e tudo me sai no momento com a ponta dos dedos: por cima das tintas de óleo, três camadas de cores diferentes para achar o tom, deitei aleatoriamente acrílico e aconteceu algo improvável - improvável no meu leque de possibilidades por não estar a pensar em possibilidade alguma, pintar não é pensar: a tela começa a adquirir um aspecto velho e enrugado como se o tempo aparecesse, e apareceu, tal e qual como se fica. a minha telinha é muito frágil, aos olhos parece que vai partir. e só eu é que a adoro, não faz mal, digo-lhe, eu valho por um universo inteirinho.

sábado, 23 de julho de 2022

deve estar com o bonito petiz, lembro-me vagamente do seu rosto de uma vez que vi, e o petiz fez o retrato, então se está com o petiz só pode estar feliz porque o petiz é sempre um amor feliz. será que têm cuidado com a pele, penso, o sal com água e sol às vezes não dá em mel, porque a felicidade pode fazer esquecer que há o torrar sem perceber, absortos um no outro, os dois bonitos, não, hão-de usar toda a protecção, cala-te já, não sejas chata, e deixa-os a amarem-se e em verão.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

até onde as urtigas te irão perseguir

 e depois há o ciúme, esse bicho que sai do mato sem se ver e começa a picar, é parecido com a azia, arde e queima, expande-se desde o estômago até ao mindinho do pé, estou a explicar como é, depois também vai para a cabeça, ouve-se latejar até que pára na bomba, como se a quisesse matar, e parece que mata, o bicho que sai do mato que deve achar que é indomável mas não é. agarro nele, torço-lhe as orelhas grandes e bicudas, tiro-lhe a força, depois calco-lhe os pés até o ouvir guinchar, e faço-lhe do rabo comprido um rico nó onde o posso agarrar sem escorregar, fica entre a minha mão e o seu pulsar, transpiro e trinco a língua, metade fica de fora, aguento um tempo, já está, bicho do mato insolente, prepotente, intransigente, agora quem manda sou eu, vou-te largar, pisga-te, oupas, vai-te, desaparece, põe-te a andar até onde as urtigas te irão perseguir se me voltares a atacar.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

vão comprar outras à china. a pé

vem uma e despeja os problemas, atendo outros que despejam as frustrações, berram, dizem palavrões, chego a casa e este despeja o que não despeja dos colhões, é mesmo assim, anda o mundo a querer despejar tudo em mim, depois é um que não paga, outro que não assina, pedem-me satisfações, a bruxa que faz boicotes, as vassalas com caras de quem esconde o corte nos travões, o calor que me derrete, os nervos na retrete, as lágrimas que só querem saltar, saltar, sem escolherem a hora e o lugar, como eu queria miminho, Riminho, desato a gritar sem gritar, não ouvem, só ouço eu, não sou vossa mãe nem quero ser mãe de ninguém, estou farta, vão lavar as fraldas ao mar, não, melhor muito melhor, deitem-nas fora e vão comprar outras à china. a pé.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

entregar, deixar isto que é o António

desde que fui para lá trabalhar que criámos uma espécie de amizade. a Rosinha é a costureira que tem um ateliê mesmo em frente, lá nas galerias, é mulher do empregado-escravo de confiança do meu patrão. ontem a Rosinha estava feliz, corte de cabelo novo, olho pintado de azul, quando nos cruzámos nas escadas. tenho uma coisa muito importante para lhe contar, Linda, chama-me Linda, sinto-me leve e fresca porque finalmente ganhei coragem e liguei à dona do ateliê a informar de que em final de agosto já não regresso, vou deixar isto, entregar tudo, cinquaenta anos a fazer o que não gosto é muito tempo e já falei com o António e com as minhas filhas, quero encostar, viver tranquila sem ter de as aturar, estas clientes - a Linda sabe - derretem-me os nervos e a paciência, humilham-me, então vou para casa fazer outras coisas, descansar. abracei-a e beijei-a e confortei-a e dei-lhe palavras de orgulho - orgulho porque a Rosinha sofre de depressão crónica e eu tenho ajudado um pouco, todos os dias lhe dou um sorriso e uma palavra de força e atenção, gosto muito dela, cedo percebi tratar-se de uma pessoa com um grande valor, excelente mesmo. então a Rosinha ontem estava feliz. talvez a próxima etapa seja a de conseguir deixar o marido, o marido como o ateliê que ela teve de aguentar durante cinquenta anos sem gostar, porque o marido da Rosinha desconhece-a, nada sabe dela, não lhe dá atenção, sequer consegue vê-la. talvez o próximo esgar de felicidade da Rosinha seja quando me disser Linda, tenho uma coisa para lhe contar, estou muito feliz, consegui dizer ao António que o vou entregar, deixar isto que é o António.


terça-feira, 19 de julho de 2022

esta noite prolonguei o dia

como todas as noites e todos os dias

eu sei

lambi-lhe a célula e a amigdala e o cortex

a máquina e a mão

a possibilidade e o talvez

a neve e o sol

o movimento parado

e o cristal

o aço e a flor

é tão gigante e pequeninho o meu Ramor

segunda-feira, 18 de julho de 2022

hino triunfal

percebesse eu de música

compunha-lhe uma melodia

juntava nela todos os sons bonitos do mundo

e ainda mais alguns inventados

receitinha olindesca

depois ouvia-a sem parar

convocava a assembleia geral dos bichos e das flores e das pedras

presidida pelos rios e pelos mares

perante o tecto infinito de alumbrar

e declarava-a o hino triunfal

e era pouco muito pouco

afinal



domingo, 17 de julho de 2022

pois

agora ela não tem tempo para mim, agora desde que recebeu - ela e o marido - os nove refugiados em sua casa, são família, não tem tempo para mim e compreendo-a. uma das meninas tem um cancro e só ela pode acompanhá-la ao IPO, por causa da língua. também tem de acompanhar as crianças na escola, por causa da língua. e tem de gerir tudo o resto enquanto o marido vai trabalhar, está desempregada. de vez em quando vai até lisboa descansar, para casa da filha que só pensa em ser uma estrela, e também não tem tempo para mim. compreendo, compreendo sempre tudo, não é por isso que deixo de ajudar. mas deixei de fazer tudo aquilo que a filha pode fazer e não faz, a filha que vive para mostrar o que não tem, ser o que não é. porque se tem tempo para registar tão assiduamente o que come, o que bebe, o que veste e o que despe, onde vai e onde fica, nas redes sociais, então que use esse tempo para fazer o que a mim me pediam. pois.

sábado, 16 de julho de 2022

ter um mundo limpo pela minha mão

eu digo, eu digo o que aquelas porcas andam a comer: arroz com atum em óleo, pataniscas de chouriço corrente, mixórdias pré-cozinhadas descongeladas no microondas, calamares murchos com batatas fritas de presunto. é que é cada porcaria pior do que a outra que me dá nojo e exclamação. e depois ficam a olhar para as minhas sopas e para o resto que não é restos, que antecedem sempre o resto, o resto que leva tempo a preparar de véspera, pois claro, é preciso dedicação para cozinhar e para comer. ora isso explica bem a forma de estarem e de serem e de trabalharem: estaão e são e trabalham em óleo, chouriço corrente e descongelação à pressão. são porcas. e a porca-mor, que esta semana esteve de férias, vai regressar para festejar a porcaria - mesmo antes de sair percebi que receberam mensagem comum, reservaram-se sem me chamarem na copa, receberam instruções para a semana que se segue que tenho de vencer. 

porque vencer pode ser simplesmente aguentar, inibir a perturbação. mas isso é muito pouco, tão poucochinho, para quem deseja, como eu, ter um mundo limpo pela minha mão.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Ralibabá

 se este calor não parar, um dia vou derreter

depois de acordar duas mil vezes durante a noite

para depois adormecer

qual alibabá

qual livro, qual canção

duas mil noites que passamos juntos

é o mote dos meus sonhos

em bicos de beijos e rendinhas e sussuros

tantos abraços e amassos

tantas brisas meiguinhas nas persianas a fechar

para depois se abrirem

insónias de duas mil noites

com o Ramor das arábias

à minha moda inventado

e sonhado

Ralibabá, bababáRali

quinta-feira, 14 de julho de 2022

delito não é delitro, menina, deleite-se

em cada canto há uma pessoa maluquinha a respirar e a emanar maldades e crueldades para o ar, cargas negativas, que todos temos de engolir já que o ar é um espaço comum. depois filtramos e separamos e vamos a correr buscar perfume. de alguma forma ontem, naquela hora improvável, fui procurá-lo e encontrei-o. deitei-me no seu algodão e cochilei um pedacinho, sosseguei. depois abanou-me a voz da oposição: não podes estar aqui a esta hora, menina, raspa-te, salto dali para acolá, onde também não deveria estar mas onde decidi ir quando me apetecer, uma espécie de infracção consentida por me fazer todo o sentido. a diferença entre as infracções é mesmo essa: uma causa-me culpa e a outra não - porque uma associo a ócio, água e nadar, e a outra a escola e a lição, pensar e dizer e refilar e criticar e assentar ideias. é estranho mas também não estranho por conta de já não me estranhar. entranha-se, menina, diz-me o Pessoa perante o flagrante do delito. delito não é delitro, menina, deleite-se. ouço-lhe o conselho e sossego a culpa: só tenho de esperar mais um par de horas, a vida é fodida, um par de horas como o passaporte para o banhinho fresco com pétalas e linhas e rocha e cores e palavras que soltam, e me soltam, dos horrores.

e de onde vem aquela perfeição que aos olhos me são seda pela sua mão? queria ser eu a escolher e a cortar as tulipas, explicar-lhes a eternidade para onde vão, vê-las ficarem felizes por saberem que me serão as deusas das deusas - um grande, enorme, gigantesco, coração.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

marcado a fluorescente cor de rosa

lembrei-me e partilhei-o e reli-o. gostei muito de o reler, há pormenores que já não me lembrava. é estranho, lembro-me exactamente do dia em que o escrevi, comecei e só parei quando me apeteceu, e não me lembrava de tudo o que escrevi. sorri. é, de facto, um mistério muito grande o sítio onde nasce aquilo que vemos, que só nós vemos. é-me epifania, sai e pronto. agora, a anos de distância, já consigo decifrar as camadas das cebolas. sim, das cebolas. no plural. e ele tem muita razão, sim senhor, quando me disse que o que vemos é muito diferente do que dizemos. porque quando o leio já me aparece a voz, daquilo que importa, marcado a fluorescente cor de rosa. e guardo, não tenho de dizer, muito menos porque sei que outros estão a ver, são segredos partilhados que reservo e afago. depois embalo-os, beijoqueira incurável, para ajudar a dor a morrer.

terça-feira, 12 de julho de 2022

ó rapariga estás atrasada, cala-te, ainda tenho um fiozinho de tempo para dizer que não fossem os mosquitos porqueiros a atazanarem-me o sono, a propósito descobri que eles não gostam da ventoinha, ahan, agora é que vai ser, a ventoinha como o meu cérbero de estimação com três cabeças: vinde, vinde, daqui não ides sair, !ai! que riso, como estava a dizer, não fossem os mosquitos tinha continuado a sonhar com Aristóteles que Zeus me deu e hoje vou terminar. imaginei-o a dizer que quereis, Homero não é responsável pelas interpretações que dele fazeis - vós não sabeis é ler, tal e qual como eu digo lá quando deturpam os meus emails. que consolo.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

tonta

mesmo antes de dormir ouvi-lhe a voz, a voz como um xarope milagroso para as minhas arreliações - a voz que se mistura com os olhos e os gestos, um verdadeiro concerto. rio-me e roubo-lhe a expressão. és uma tonta.


domingo, 10 de julho de 2022

 a minha casa, a casa que escolhi para viver doze anos, doze anos só porque a vida assim traçou, era um lugar mágico. havia rendinhas por toda a parte. era cortinas encantadas em espaços improváveis, era a pintura nas paredes - como se as paredes fossem, e são, telas gordas - e nas portas de madeira, era as borboletas gigantes que pousavam nos candeeiros e as pequeninhas que refrescavam o frigorífico e a arca e perfumavam outras máquinas que nos aliviam a carga dos trabalhos domésticos, era a sereia em barro antigo que reinava na entrada junto ao espelho, era os mil e um espelhos incríveis na forma e nos materiais, era as jarras e as flores que copiosamente emitiam um perfume colorido, era os quadros que pintei e inventei juntando tecidos e pedras e folhas e brilhos. depois foi tudo lá para a garagem da outra irmã, pensei, não tardará e venho buscar. passaram dez anos e nunca tive outra casa para encher de magia nem outro espaço onde voltar a guardar. e no dia da chantagem, olha, tens de vir buscar as tuas coisas senão vou chamar um camião de recolha e vai tudo para o lixo, aproveitas e trazes as coisas do Afonso. de maneira que, como não cedo a chantagens, ela há-de ter-se governado bem e recheado a casa dela com umas coisas e ganho algum vendendo outras.

de vez em quando vejo a minha casa, as minhas rendinhas, e choro muito. vejo os amores perfeitos a contornar a varanda gigante com vista de mar e da reserva natural; vejo os esquilinhos que tomavam o pequeno almoço comigo sem o saberem e vejo a minha valquíria a rabiar e a pedir-me colo para nada, absolutamente nada, do que vinha de mim lhe escapar.



sábado, 9 de julho de 2022

e se é hoje?

e se é hoje, aos nove de Julho, que o meu Ramor se celebra no seu jeito de ser Portentão, Conde, Zeus, então eu acordei logo depois da meia noite porque o senti no meio do inferno do calor, será ele a tal brisa e chuva fresquinha que o tempo afinal me mandou, por dentro do meu refilar. !ai! se eu pudesse contar-lhe nos olhos e na pele, deste meu grudar de gengibre com mel, começava logo a festejar com uns sininhos meiguinhos, muitos beijos linguados sempre crescentes e depois preparava-lhe petiscos ao som de uma música a cantarolar, era uma estrela para um estrelado, brilhos muitos soprava, ficaríamos cobertos em um manto de flores e de águas de rosa, poesia, !tanta! na prosa, e depois ver a direitinha a sorrir, arregaçava a emoção, pois claro, fazia parelha com os olhos que se rasgavam também, brilhantes, brilhantes, como se fossem uma travessia em uma piroga lá num lago para lá dos montes, o sítio do imbondeiro amarelo vestido dele e de mim e de nós, um paraíso que nunca se perdeu e que foi inventado para ser só nosso e da nossa voz e muito mais, muito mais, e se é hoje, vou andar agora a perguntar ao ar, refilona, até o ar me expulsar de tanto ouvir e se é hoje que se celebra o meu Ramor. de repente, páro. e o ar dá-me dois beliscões: ó menina, se é hoje passa a ser amanhã e depois de amanhã também: todos os dias são os melhores dias para ofereceres o teu melhor a esse alguém. tens razão, ar do meu arfar, todos os dias eu o celebro por dentro e por fora de mim neste Ramor que parece, parece por que é assim, neste Ramor que só teve começo e não lhe pressinto fim


. !ai! de mim.