cheguei a casa e o meu pai estava na cama. o meu pai nunca está na cama a não ser para dormir e anda sempre no laréu desde que se reformou: vai ao ginásio, vai caminhar, vai ao baile, vai namorar, vai escolher vinhos para ele, vai aos legumes e às frutas de acordo com a lista que lhe deixo sempre acompanhada de um billhete com um coração e beijinhos. ontem quando cheguei estava na cama. olho para ele e imediatamente lembro-me do teste que comprei para uma emergência, até agora nunca precisei de o usar, abro-o e fico a olhar para o teste como um burro para um palácio. tiro-lhe a febre e faço-lhe um pequeno questionário. já nervosa, nervosa porque o meu pai nunca está na cama, ligo ao meu irmão que me rejeita as chamadas duas vezes e recebo uma sms: irmã, é urgente? estou a dar treino até às 21:30h. respondo que sim. eu nunca digo ao meu irmão que é urgente e liga-me logo de seguida. com o coração que me salta para as mãos, digo que sim, que precisa de passar aqui para lhe fazer o teste porque há muitas coisas que sou trenga por opção e não quero mesmo saber fazer testes. desliguei o computador e fiquei a aguardar até às dez horas e depois eram aí umas dez e um quarto quando o teste disse que sim, que o meu pai está com COVID por cima da diabetes e do coração. também o meu está apertado de preocupação e não sei se vou conseguir estar lá estando cá, não sei se o COVID também me apanhou pela boleia do meu pai. não sei, só sei que nada sei.
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