ia começar a ver o filme, feliz pelo reencontro, tão feliz, não era muito extenso e poderia acertar com os afazeres, quando como se a tivesse ouvido sem ouvir, porque seria impossível, fica do outro lado da rua, quem me dera ter ouvidos de cadela mas não tenho ou se tenho desconheço, talvez tenha, afinal, como estava a dizer, levanto-me e visto uma camisola de alças e pego em um vestido fresco de andar em casa para meter em cima da camisola, como se a camisola fosse - e é - um substituto do soutien sem ser, por ser, por ser porque em nada lhe cumpre com as mesmas funções, a camisola de alças apenas mete o soutien no sítio dele que é na gaveta, se eu pudesse todos os dias o soutien vivia na gaveta mas não pode ser, uma das funções do pedaço de tecido é evitar que se notem saliências. adiante.
pego no telemóvel e na chave, volto já, digo, vou ali à Dona N.. ainda estou a meter a chave na porta quando começo a ouvir os seus gritos como se estivesse a rezar, jesus, meu jesus, jesus meu jesus, vejo-a na cama sem se conseguir mexer. sou eu, Dona N., digo enquanto já me sinto em tremor de carne, nervos em preguinhas de susto, abraço-a e percebo que não consegue levantar-se sozinha, chama-me anjo da guarda e demora uns minutos para me associar ao nome. levo-a até à casa de banho que fica no extremo da casa, barafusto, se tem algum jeito dividirem a casa assim, e também penso mas não digo na miséria que é a sobrinha ainda não ter chegado aonde não deveria de ter saído, deveria dormir lá enquanto não há outra maneira. demora uma eternidade para conseguir fazer descer a urina aguentada tantas horas e ainda tremo mais. depois vou abrir a janela e ponho a água ao lume para lhe fazer o chá para a primeira refeição enquanto lhe separo as pastilhas. jesus, meus jesus, jesus, meu jesus, continuo a ouvir e a tremer-me toda. penso que a continuar nervosa assim com tantas coisas dos outros que vêm ter a mim não tardará o meu sangue descer outra vez e talvez outra no mesmo mês como se o meu sangue fosse, e é, a minha maior reacção juntamente com as lágrimas e o suor. naquela altura já estava encharcada em suor só de estar a arranjar uma forma de a levantar para a fazer chegar à cozinha e as lágrimas tive de as aguentar até bem mais tarde. entretanto chega a sobrinha para lhe dar o pequeno almoço eram quase onze da manhã. que tristeza, já estava, pois claro que já estava, eu ouvi-a sem a ter ouvido e tremi o que não deveria tremer e, sim, o sangue que deveria estar sossegadinho voltou a descer. já não bastava o monte de gente reles do pão, a dor de ouvidos, o dente, e o maldito antibiótico do tamanho de um ovo de codorniz que me fez rebentar o rabinho por durante oito dias o engolir. porque os nervos perante as injustiças rebentam-me toda.
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