quinta-feira, 13 de setembro de 2012

andar sempre parado - que paradoxo interessante

o tempo tem mesmo de parar e cabe, a cada um de nós, fazer parar o tempo. parar, não no, o tempo é aquele intervalo de absoluta consciência que acontece imediatamente a um pensamento. sim, eu sei, os pensamentos nascem e reproduzem-se como ratos, tem vezes que não temos mãos neles. mas se conseguirmos parar o tempo, uma espécie de excurso interno, departamento federal de averiguação, conseguimos transformar o resto do percurso. por exemplo, eu saio à rua para colocar o lixo no contentor e qualquer coisa prende a minha atenção - se eu dissecar isso, e dissecar poderá até fazer crescer ou embelezar ou descartar, a minha ida ao contentor tornou-se numa viagem especial. outro exemplo: se um assassino parar o tempo, não quando está a premeditar, quando vai executar o crime - talvez não haja crime.

o que quero dizer é que o tempo que nos habita é um tempo muito diferente do tempo do relógio. se a troika parasse o tempo quando está a analisar o caso português, focava-se no douro e desfrutaria de uma bela tarde rio acima ou, então, pele dourada, banhava-se nas águas quentes do sul e  - estou certa - as resoluções seriam muito mais acertadas, mais sadias. se o primeiro ministro tivesse preparado o discurso de mais e mais austeridade quando estivesse, calças baixadas e fivela do cinto a roçar o chão, sentado na sanita a puxar para cagar (é uma expressão tosca, eu sei, mas é a única cuja imagem reproduz o que eu quero dizer exactamente) e nesse instante o seu tempo parasse, talvez o discurso oficial tivesse tido lugar, não antes, no intervalo do jogo de futebol. e o que é que isto que estás a dizer contribui para a nossa felicidade? nada. pouco. ou muito: enquanto estiveste a ler o meu tempo parado, paraste também o teu e isso vai influenciar todo o resto do teu tempo.

quando duas pessoas começam a apaixonar-se, o tempo parado de uma começa a coincidir com a paragem do tempo da outra. às vezes acontece ser apenas por telepatia - a telepatia é uma espécie de telefone invisível - mas não deixa de ser tempo a parar; outras, acontece mesmo com os olhos, ou com a boca. quando acontece com o corpo todo dá-se uma explosão de tempo a parar e, depois, quando os dois decidem reconstruir a explosão, vezes sem conta, até conseguirem fazer parar o tempo antes, durante e depois dela, aí, aí o amor acontece e o tempo anda sempre parado. que bela definição de amor acabei de achar: o amor acontece quando o tempo anda sempre parado. já valeu a pena eu ter parado o meu tempo hoje.