quarta-feira, 12 de setembro de 2012

é mentira: as cartas de amor não são, de todo, todas ridículas

foi de Fernando Pessoa que surgiu o dito que todas as cartas de amor são ridículas. talvez porque ele, sim, viveu de forma ridícula e escreveu, de facto, cartas de amor ridículas. um exemplo:

Bebezinho do nininho-ninho

oh!
venho só quevê pâ dizê ó bebezinho que gotei da catinha dela. oh!
e também tive munta pena de não tá ó pé do bebé pâ le dá jinhos.
oh! o nininho é pequinininho!
hoje o nininho não vai a belém porque, como não sabia s'havia carros, combinei tá aqui às seis o'as.
amanhã, a não sê qu'o nininho não possa é que sai daqui pelas cinco e meia (isto é meia das cinco e meia).
amanhã o bebé espera pelo nininho, sim? em belém, sim?

jinhos, jinhos e mais jinhos

Fernando
31/5/1920

ora o ano de 1920 foi precisamente quando conheceu a Ofélia, a tal bebezinha, e nesse mesmo ano pensou em internar-se numa casa de sáude (deveria ter concretizado o pensamento) e contava com 47 anos de existência. talvez Pessoa vivesse em constante crise de identidade e daí até a necessidade de inventar e reinventar os seus fantasmas. de notar que poucos anos antes de escrever esta carta matara Alberto Caeiro, o mais inocente e puro dos seus heterónimos, o poeta-filósofo.

mas voltando às cartas ridículas, estou certa que foram apenas uma extensão do homem ridículo que Pessoa foi - porque ser escritor, um grande escritor, muito raramente significa ser homem, um grande homem. haverá, com toda a certeza, excepções: oxalá as hajam - o mundo será um sítio bem melhor se os grandes escritores conseguirem ser, ser-se, grandes homens.