é impossível não reparar por aí: em um metro quadrado de espaço há plantas amontoadas nos cantos; por cima, o estendal que já descai para o lado mais fraco que é, curiosamente, o que apanha sempre com mais roupa; penduradas, a apanhar - pensam o ar - o fumo do tráfego, roupas de cama onde se avista um lençol ou um cobertor da hello kitty; há também uma gaiola pequena com um canário e um guarda sol da olá ou da super-bock, bem encaixadinho na esquina, a promover a sombra. depois há uma qualquer mesa que estava a mais em outro sítio qualquer, de toalha plástica vestida, que abriga um santo antónio e uns bonecos de pelúcia para embelezar. ainda há espaço para a vassoura, a esfregona, o balde e a bacia. por dentro de por dentro da varanda há a luz inconfundível da televisão, incansável, que muita vezes nem se desliga: serve de pretexto ao acordar e depois, rotina fardada, aos afazeres do fim do dia, do jantar e do deitar. pica-se a cebola com mais afinco, nervos nas mãos, a ouvir as notícias. e depois, nervos nas bocas, janta-se a apertar os cintos (antigamente desapertavam-se quando o arroto vinha a caminho) e lava-se a louça ao som da banda sonora da doce tentação. já quase dispostos a deitarem os cornos na palha, ainda há tempo, canal mudado, de (se) provocarem algum tesão com a gabriela e, finalmente, conseguirem a tal ejaculação antes de dormir. no dia seguinte, na varanda, muda, talvez, a cor dos lençóis e da roupa do estendal; muda a posição do guarda-sol - porque acontece chover. e se alguém se lembra de ir à varanda, o único espaço exterior, apanhar o tal ar - ou então soltar uma corrente de ar: não pode. não pode porque não há espaço e o pobre do flato que andou reprimido todo o santo dia nem ao pé do santo antónio pode rezar. e, apertado, sufocado, corre escadas acima até não mais poder - fica no patamar do peito. suspeito, até, que será esta a história vernacular, tudo começou em uma varanda portuguesa, do aparecimento das anginas de peito.