é estranho pensar em anos velhos e anos novos. é quase como estar numa fronteira e perceber com minúcia o quê que pertence a quem quando os recursos naturais e humanos são os mesmos. chego à conclusão que tudo não passa de invenção: o ano novo começa no dia em que completamos mais um ano e o país começa no real choque cultural. e depois há o estigma da celebração estóica - ah, e tal, estou com gripe mas não posso faltar; não tenho dinheiro mas arranjo; a forma como se começa o ano, afirmam convictamente, determina-o inteiro. talvez um dos segredos da felicidade, estou a pensar, esteja nos balanços, não diários, anuais onde tudo se transforma em generalidades suaves dissolvidas em champagne. talvez as pessoas só se sintam felizes bêbedas e a pensar em coisas novas. talvez a vida, afinal, seja mesmo simples de tão previsivel e alienavelmente maravilhosa de tão líquida. ou talvez seja a ignorância a mais feliz - a que, não desconhecendo, não quer saber que ela sabe, para tantos e tantas vezes, ser puta - filha da vida.
sábado, 31 de dezembro de 2011
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
os velhos que contam histórias sem amor
o pai de uma amiga decidiu reunir amigos e eu, convidada, aguçei-me toda para ouvir contar, os mais velhos têm sempre tanto para dizer. tudo se paga nesta vida, dizia o mais velho que toma dezoito comprimidos logo de manhã para controlar o cérebro, todas as asneiras que por aí andei a fazer. o brasil é a minha paixão - e tem um filho em cada estado, rematava um outro. mulheres, jogo, bom vinho, mentiras, uma vida de vícios e de prazeres ilusórios e por isso decidi chamar-lhe, a ele, ao dono, comprador de afectos. depois havia outro, mais calado, mais tímido, que apenas engana duas mulheres - a com quem casou e a com quem faz promessas de casar logo após o divórcio. faz duas vidas numa só, gere o seu tempo e o delas com a mesma facilidade que gere a justiça em tribunal - chamei-lhe o engraxador de juízos. e depois tantos outros, tantas histórias rotas e esfarrapadas, tantas curiosidades (fiquei a saber, entretanto, que o Zé dos Cães não é uma alcunha dum homem com histórias para contar mas antes um bordel), tantas, que fiquei a pensar nas lágrimas que hão-de estar por detrás de tanta gargalhada, de tanto dinheiro queimado em falsos e passageiros prazeres, sim, é verdade, nem todos os prazeres são passageiros, e de quem as chorou e chora. mas tudo se paga nesta vida, repetia tanta vez o comprador de afectos, tudo se paga e eu já comecei a abater à dívida. no fim, fez-nos saber que daqui a quinze dias estará no Brasil, esgar de satisfação e - não de derrotado - de vencedor, onde há-de recomeçar: onde há-de recomeçar a acabar-se e a começar fazer a máquina das lágrimas produzir para alguém.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
ordinarices à lá carte
a classe de homens ordinários é aquela onde cabem os que, por hábito e costume, compram a companhia, as conversas, e até o sexo, de mulheres. ora um ordinário aleatoriamente sentado ao lado de uma mulher sem preço há-de sentir-se como um peixe fora de água ou um bacalhau sem todos ou um domingo sem missa ou uma retrete sem água. por outro lado, a mulher sem preço aleatoriamente sentada ao lado do homem ordinário tem a possibilidade de observar tudo isto e de fazer um pequeno diário, mental, de mesa concluindo que há alturas em que mais vale comer de pé e que comer em pé será proteger os ouvidos e a inteligência. em ambos os casos, porém, o arroto será sempre substituído por um, cheio de vontade, foda-se!.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
douradinha aos pedaços
alguém me disse, hoje, ainda agora, que tenho escrito pouco. é uma alegria imensa saber que nos lêem sem deixarem vestígios. e fiquei a pensar que não é nada disso - deixam vestígios, sim, todos os que valem a pena, os vestígios são atitudes, são actividade, são uma espécie de oláeuimportomecontigoecom ospedaçosqueaquivaisdeixando. (obrigada)
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
arrotalidade
o que mais me atrai na ruralidade, além de tudo o que sem boca fala, é a bondade das gentes. apanhei o Senhor Joaquim no largo e dei-lhe boleia com a mesma confiança com que ele me disse o nome e entrou no meu carro. como se já nos conhecessemos, uma espécie de não risco e de não perigo, pois um risco tem sempre um perigo associado, e pertencessemos ambos à mesma categoria de índole; como se usassemos um qualquer ship invisível apenas visível entre boas, muito boas, índoles. O Senhor Joaquim, ainda nos oitentas, sabe que da próxima vez que eu passar por aquelas bandas vai receber-me com sol - disse-me onde mora -, salpicão e prosa. e eu vou devolver-lhe a simpatia com o entusiasmo e a brandura de um arroto de almoço, à antiga, de domingo.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
sonhalidade
lá estava ela, a quinta, a casa, os vivos. a lama, porque chovia, o sol, porque depois a chuva passou. em torno, a realidade de um sonho. ou, quem sabe, um sonho a ser tornado realidade.
sábado, 24 de dezembro de 2011
pecadora
nunca esperei, nem espero, celebrar a amizade e o amor com boas palavras, actos nobres e comilanço do bom, num só dia. sou uma esbanjadora de todos os dias e sei bem que esbanjar, dizem, é pecado.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
alzheimer
aos noventa anos será expectável que o cérebro não esteja tão fresco como, em dias de vitalidade, antes mas custa muito ver um cérebro descontrolado e esquecido e desgovernado como quando um qualquer electrodoméstico portátil cai ao chão, e a piscar, tamanha é a descoordenação dos botões. chama-se alzheimer.
domingo, 18 de dezembro de 2011
sábado, 17 de dezembro de 2011
depois de uma grande tempestade em terra, o frio vem mais forte e com sol. e o mar, que ontem estava cinzento e apenas agitado pelas gotas grossas da chuva e do vento, hoje aparece azul mas revolto e até dá dó ver e ouvir a força com que se enrola na areia - a natureza é assim, solidária, troca uns por outros para dar para todos os gostos e feitios e descurar ninguém.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
especiarias
d'açafrão, salsa e pimentão, especiarias de olhar, emolduram-se as selvas de pedra - sem umas e outras são caldos mornos, vê lá bem se não são, afinal, apenas água com sal.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
epistolografia
sei hoje que é uma paixão tão natural como as assaduras nos tenros triângulos genitais, talvez uns pedissem a chupeta e eu lápis e aguça, as comparações absurdas nascem mais em tardes escuras do que em manhãs claras,e que tudo começa a acabar quando tudo o que se faz, do que não pode deixar de ser feito, é não epistolar.
origami
ela ainda só tem treze anos e já passa o dia a contar calorias e a escapar-se da comida - é o espelho que lhe diz, a par da memória das palavras da pediatra, que está gorda e que para se fazer uma mulher bonita terá de fazer sobressair os ossos. ontem, comigo, comeu bem e com alegria: talvez precise apenas de muita atenção e de saber, com convicção, que uma mulher bonita é aquela que não vê mercenários de morte, perfeitos inimigos, na comida e que apalpa generosamente, ao espelho, o seu corpo consistente e curvilíneo - o resultado de uma alma forte, naturalmente recortada e dobrada, origami, de escolhas e de quereres.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
hoje é cor-de-rosa. que cor, arroz, amanhã?
cismei, uma cisma pode ser transatlântica e por isso caprichosa, que havia de cozinhar arroz cor-de-rosa. existem corantes alimentares mas optei, por agora, por arranjar outra forma, mais criativa e natural de fazê-lo. experimentei a beterraba e advirto, a quem interessar, que fazer a calda do arroz com a beterraba para lhe depurar a cor dá negativo - é depois de o arroz estar cozinhado que, a par de cozinhar a beterraba noutro recipiente, descascada, triturada, é misturada. o resultado é lindo e completamente... cor-de-rosa! e a alegria de comer multiplica-se, garanto.
teixeira?
de repente veio-me à memória - o vir da memória só acontece quando por muito bons, deliciosos, motivos - o sabor do doce da teixeira que eu comia, a mãe comprava sempre, quando havia festa na paróquia. fui ver por onde anda, onde nasceu, e tentar reproduzi-lo. é que só o vir da memória não me consola.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
riquezas
hoje deu-me para pegar outra vez no das memórias das minhas putas tristes, limpá-lo, cheirar-lhe as folhas, e voltar a colocá-lo na estante. talvez eu pense que os livros também precisem, amiúde, de mimo extra. sim, extra, porque o maior mimo que se lhes pode dar é guardar-lhes os vestígios que nos deixam depois das pausas que fazemos a pensar no que, em surdina, nos dizem. riquezas.
arena-areia
arena gostosa
pousio
como se espanhola
invertida
de pernas para o ar
onde paz luta com paz
acho definição de lutar
espasmos ininterruptos
algodão
espuma
como faz a areia com o mar
pousio
como se espanhola
invertida
de pernas para o ar
onde paz luta com paz
acho definição de lutar
espasmos ininterruptos
algodão
espuma
como faz a areia com o mar
domingo, 11 de dezembro de 2011
previsões
aplaude-se e paga-se muito bem aos pais as doçuras e travessuras - naturais ou encenadas - caseiras dos filhos no you tube da mesma forma que se repudia o trabalho infantil quando vem a lume. imagine-se um puto de três anos, daqui a vinte, numa entrevista a dizer que iniciou a sua actividade profissional aos três quando após os pais o terem filmado a dar um peido numa garrafa terá sido visto por mais de 90 milhões de cliques e ganho, além de videojogos, cerca de 80 mil euros. tenho a certeza que nessa altura será desclassificado do lugar a que concorre por um seu semelhante, CV muito mais interessante, cuja actividade profissional terá tido início, aquando do pai ter filmado aquele momento em que arrancou o bico do mamilo à mãe, aos dois anos de idade.
sábado, 10 de dezembro de 2011
mentalidade de géneros- farinha do Tipo 55
repercebida, há coisas que andamos sempre a perceber na esperança de percebermos coisas diferentes, ainda ontem, de fresco, a mentalidade típica do português fala-barato em matéria de relacionamentos amorosos: ando a cobiçar o saco do pão pendurado na porta da vizinha a ver se lhe roubo, ao dono, dois ou três moletes.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
sobejar
em asfalto de olhar, ergue-se o que só pode ser um lugar: local onde mora a alma empinada, alegria, sobejar.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
boas notícias
o pássaro azul já pousa e segura a patinha. relaciono as suas grandes melhoras com o facto de o rabo estar em franco crescimento, talvez os rabos estejam para os pássaros como os bigodes para os gatos. talvez, não - de certeza: fui investigar e os rabos, digo antes caudas por ser uma palavra que exige, como se de um vestido de noiva imponente se trate, mais cerimónia, são uma espécie de radar-alarme de perigos e riscos. consoante o rabo cresce, cresce a sua segurança.
não podia, logo pela manhã, saber de melhores notícias.
não podia, logo pela manhã, saber de melhores notícias.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
quando chegam vêm carregadas de força e qualquer luzinha ténue ou som tímido é motivo de interesse: abrem-se as persianas da alma como se o dia começasse a uma hora qualquer - e começa. o dia começa quando nós queremos que comece ou quando os interesses meios forçados e meios por forçar, como são os que não têm interesse nenhum, acordam numa algibeira manhosa, misteriosa e poderosa, a que chamam insónia. não faço ideia se desceu do latim ou do mandarim, mas quem me dera que rimasse com alecrim, pelo cheiro - não de peixe- de flor, seria forte sinal de deleite, não fossem obrigação dos prazeres serem prolongados, parece-me injusta a palavra, e como diz o outro quem diz que o mundo é justo, mal escolhida se é coisa de gente, inolinda de repente, mas pode bem estar a ser inrodrigo, parece que é mas não pode ser um castigo, só pode ser coisa da mente que pensa que sente e que mente ao pensar: a insónia nem sequer será filha da razão, tampouco do coração, será filha de uma puta qualquer - que deixou escapar os sonhos em troca de uma vigília constante, de engonhos, onde não cabe um único malmequer, onde só cabe o frio do vidro na entrada e na saída. os filhos aos pais, insónia, vai para quem te pariu.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
hoje d'écran
luzes, câmara, acção, vistas animadas de gente, fachadas de papelão, emoções embaladas em palco d'écran: dormentes fazem-se as dores, alegrias, pulula coração, luzes câmara, acção, o resto vê-se amanhã.
sebastiança
percebo agora porquê que é verde a esperança: nasce firme nos montes, bravia, e existe desde então - por entre névoas de vida, gotas molhadas de quereres, a aguardar sebastião.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
portugal a valer - o fado a que o Valupi me inspirou
de outra forma, não: animado e jovial,
feitas bem as contas,
porque a vida e a matemática só podem ser aplicadas,
a providência tem destas coisas:
a estrela brilha, Óbidos por óbitos,
beira baixa, altos sabores, o pior
– ergue-se o melhor a quente, a escaldar, que sobe da cave para a linha do mar,
que bem e seguro é estar nela,
que boa, minha e tua flor de lis, que te arrastas ao nosso jardim,
como não deixamos eu tu e ele que a fome se cresça, enfim, ainda havemos de conseguir travar as pilas
feitas pelo diabo doente, daqueles pobres diabos tristes que são da tristeza contente
e, assim, talvez, de fora para dentro
grandes a ser possamos mudar o fado, para animado e jovial,
sermo-nos, por nós, grandes a valer – é isto o nacional, é isto sentir
e respirar Portugal.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
isto cabe lá
não concordo nada com a definição de chantagem no dicionário. chantagem pode também muito bem ser fazerem sentir culpa para se agir conforme outras, as deles, vontades.
sábado, 26 de novembro de 2011
descobrir a careca
quando Sócrates disse, metendo a mão na sua cabeleira pouco farta, que mato não cresce em ruas activas, estaria a projectar um novo conceito futurista do sector da beleza e bem-estar: o dos sexos carecas.
(isto da filosofia para sezões abriu a minha curiosidade pelos cabelos e pêlos. vou investigar.)
o homem de coragem - mosca
as máquinas de senhas para aguardar a vez são uma invenção justa, custa-me dizer, custa-me porque poderiam bem ser desnecessárias se as gentes soubessem o seu lugar e respeitar o lugar do outro, se bem que não me agrada reduzirem-me a um número que quando lhe chega a vez ou vai em forma de barco ou vai quase desfeito prestes a ser pasta de suor com dedos. mas se é justa também não consegue ainda passar à frente das gentes que tiram duas ou três e optam pelo balcão que estiver livre primeiro - e lá se vai o respeito pelo seu lugar e pelo lugar do outro - não havendo espaço para reclamar ou, pelo menos, para reclamar como eu gosto com o único argumento possível: eu estou à sua frente e mantenha-se, por favor, atrás de mim porque cheguei antes. não há outro argumento e a máquina justa, perante as gentes injustas, abstem-se de culpa. depois há aquele tipo de homem com coragem de mosca que confrontando-se, igualmente, com a injustiça das gentes perante as gentes sob a justiça da máquina aproxima-se isoladamente de alguém, talvez de alguém que lhe pareça corajoso, e começa em bzbzbz a injectar o veneno da reclamação para não ser ele a fazê-la mas sim a suposta merda onde veio pousar. não se entranhando o veneno num, passa para outro - e assim vai rodando até chegar a sua vez pela justiça da máquina. quando isto acontece, nem uma palavra lhe sai ao balcão, nem um suspiro de impaciência, nem um esgar de reprovação; quando isto acontece, ele é o homem mais sereno e paciente do mundo e, voltando-se, quando sai, é para mim - a que só sorriu à mosca por não ser merda nem por querer aproveitar-lhe o veneno - que vai o suspiro de hálito impaciente e o esgar com cheiro de censura; quando sai, é o leão mais corajoso do mundo perante uma máquina justa que é ultrapassada pela injustiça das gentes; quando sai, leva com ele a certeza que quando se deitar será comigo que vai sonhar - vai sonhar com a única pessoa que lhe permitiu ter, talvez, uma erecção de coragem. chamemos-lhe o homem de coragem-mosca.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
luxam-me, não me lixem, não os luchem
vestem roupa de gala, os montes, sem esperar a noite - não são como as gentes, não me lixem, não são como as gentes, luxam-me de beleza, que lucham a natureza.
farpa, não: harpa
vêem música os meus olhos
dançam ao vê-la passar (ajeito, com licença, ao vê-la dançar)
em pontas pousa no ar e em bicos de sonho se enfeita
shiu!
na música não entra farpa: na música injecta-se a harpa
à antiga
adorei, confesso, que me tivesse enviado, ainda que por escrito, um abraço à antiga. interpreto um abraço destes como daqueles em que se sente os ossos por debaixo da roupagem, quentinho, onde podemos fechar os olhos e dormitar nos segundos, enérgica e energeticamente contagiantes. na verdade são estes os únicos abraços que me dá gana abraçar, tanto na carne como nos dedos. nos CTT folheei, sem abraçar, o José Luís Peixoto. serão os dele, os dos dedos, antigos?
lean dá para tudo
a filosofia lean como gestão foca-se na redução, senão eliminação, de desperdícios, através de análise contínua, produção e controlo de falhas, com vista à melhoria da qualidade e do tempo e diminuição dos custos de produção.
também na gestão doméstica, doméstica da nossa casa onde por debaixo do telhado mora o corpo e da nossa casa onde por dentro do corpo mora a alma, aplicar esta filosofia poderá trazer benefícios e ajudar a transformar custos de oportunidade em optimização da qualidade de vida:
a) qualidade total imediata
procurar o "zero defeito" não no sentido de não usar a louça para a não partir mas detectando e solucionando os problemas na sua origem;
b) minimização do desperdício
eliminar tudo o que não têm valor agregado nem redes de segurança, pela optimização do uso dos recursos escassos (capital, pessoas e espaço)
c) melhoria contínua
reduzir custos, melhorar a qualidade, aumentar a produtividade e compartilhar informação;
d) processos "pull"
será o cliente final a retirar o produto, na vida somos todos clientes e fornecedores, este não é adiado nem atirado para o fim do processo produtivo como um fardo;
e) flexibilidade
produzir grande variedade de produtos, sem comprometer a eficiência devido a volumes menores de produção;
f) construir e manter uma relação a longo prazo com os fornecedores, fazendo acordos para compartilhar o risco, os custos e a informação.
agora que está tudo racionalizadozinho, é deixar as emoções fazerem-se ouvir. mistura-se tudo, com colher de pau, à moda antiga, rapa-se com o salazar para não haver desperdício de ingredientes, e mete-se no forno a uma temperatura suficientemente quente - não exagerada para não queimar por fora e encruar por dentro - e já está: a água cresce na boca da vida. e a vida, ah pois, é para ser trincada e mastigada e engolida e arrotada. a cagada vem depois, depois da assimilação do bom para libertação do mau.
Esperanza
quando atravassei a ponte tive uma visão, daquelas que algumas gentes devem ter de vez em quando, um pouco mais demorada das que tenho amiúde: vi cavalos, coches e cocheiros e mulheres de vestidos armados e floridos a passearem no jardim. e depois o flash de tempo mostrou-me uma caixa de correio pendurada numa árvore, em ferro dourado pintado, onde ela, não sei nada dela, com uma chave estranha de tão grande e brilhante, foi buscar uma carta que encostou com força ao peito. hoje vou passar na ponte, em sentido inverso, e talvez saiba mais coisas, as coisas que estão no avesso, mas se não souber não faz mal - já decidi que a caixa de correio dourada é só dela. e que ela se chama Esperanza.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
remendos? não.
quando à última da hora aparecem coisinhas que inibem ou atrasam, é como se uma parte daquilo que se está a fazer entrasse em greve geral do que está a fazer, temos de arranjar maneira de contornar e avançar, ignorar a greve - com todo o direito que ela tem a existir, a gritar, ou talvez ela só sussurre - e fazermos o que tem mesmo de ser feito. remendar é que não: os remendos só estão para os cotovelos, os joelhos, ou para as mantas.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
não há título nem borrões
será, talvez, quando os fardos na alma começam a ficar mais leves que nos sentimos mais pesados de vida. talvez os fardos não passem, não de mal, de péssimos entendidos que valem a pena ser riscados. não, riscados não: apagados a borrachinha, de goma-elástica, e bufados como acontece com a escrita manual a lápis de grafite afiados, porque na alma, e na vida, não há espaço para borrões.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
com vagar, devagar, sem pressa
não me agrada nada acordar com pressa, fazer tudo à pressa. o acordar tem de ser sempre em lentidão para as coisas importantes serem feitas no vagar. chamam-lhe stress, à pressa, chamam-lhe doença. e é, é a doença do depressa, com pressa, às pressas, do zonzo. devagar, com vagar, o dia começa mais cedo e não padece. talvez até se canse mais depressa - mas nunca é à pressa. é sem pressa.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
quando o frio se faz quente
estava a dar uma garfada de arroz de açafrão quando apareceu o Tino, sim era ele, o Tino de Rans, aquele cromita que há uns anos foi vedeta do ridículo. dentes cinzentos, talvez do azedo da fama, a fama que se veste de merda - qual reputação qual quê a não ser a de repetição da putação, do acto de putaria em sequência pública -, ou até do esquecimento da higiene oral como espelho da carência de higiene mental, não sei, fraldas de fora e calças cadentes, anuncia uma sessão de autógrafos de um seu livro que terá editado por sua conta, os pequenos geralmente engrandecem-se, não por conta própria mas à conta da sua conta, se eu o comprasse por dez euros. peço para folhear, desfolhar é em privado e é outra coisa, e surpreendo-me: sem me focar no conteúdo o homem tem ponta de criatividade e até se esforça por ter piada. não compro, decidi há muito tempo que um livro é um amigo e os amigos escolhem-se por muitos motivos mas nunca por solidariedade ou compaixão. o arroz ficou frio e o arrependimento de ter saído de casa aqueceu.
reciclomania
foram os nomes que prenderam a minha atenção: maria botelha, felismina cartolina e joão papelão, chico fantástico e palhaço avaria. depois fui cuscar e...
Era uma vez uma garrafa partida no coração que se chamava Maria Botelha. Sentia-se velha, cansada e vazia até que, um dia alguém pegou nela e levou-a até um vidrão. Assim começa a sua viagem pelo mundo da reciclagem onde fica a conhecera Rita Cola, a Rosa Cheirosa e o Zé Tinto. Esta será uma aventura inesquecível!
Poderão personagens de papel e cartão viver uma história de amor e paixão? Está é a pergunta que atormenta a Felismina Cartolina e o João Papelão. Filhos de reis inimigos recorrem aos amigos (quadrículas, mapa e irmãos fotocópias) para encontrarem uma resposta. Entra neste livro viaja e descobre!
Chico Fantástico é um super herói de plástico que, um dia, viaja até ao reino de Poliméria onde as casas e os castelos são feitos de alguidares e bidões e os telhados e as torres são vasilhas e boiões. As flores não murcham, a chuva não molha os habitantes, que se chama polímeros, têm cara de poucos amigos. Algo de terrível está prestes a acontecer.
Era uma vez um circo onde os leões mecânicos, os trapezistas flutuantes e os cuspidores de fogo faziam, por assim dizer, um espetáculo de outro mundo! Ficava no planeta Bateria, onde todos funcionam a pilhas exceto o Palhaço Avaria. Certo dia, as luzes apagaram-se, a música parou e o circo acabou! O queterá acontecido!?
está tudo aqui.
sábado, 19 de novembro de 2011
leite amoroso
pois claro que o leite - marca preta, marca branca, marca amarela -, é todo igual em termos de cálcio mudando apenas o sabor de mais ou menos gordura e outros. quero dizer, pode ter mais ou menos mas todo ele sai da vaca com cálcio e depois é temperado a gosto. as vacas não usam marcas e quanto mais amor recebem mais leite amoroso dão. é assim a natureza, não há nada que enganar.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
o longe
há quem diga que de noite os caminhos são mais longe. na verdade, nunca ouvi alguém dizer. mas hão-de ser as crianças que muito bem assim pensam.
moderato cantabile
quando me lembro de moderato cantabile, bato palmas à teimosia que mais não é do que ser, por amor, obedientemente desobediente.
de fora para dentro é que há sexo vivo
ontem li que o derradeiro prazer dos homens é o sexo e o assassínio. talvez seja verdade, mas não creio, se pensarmos no que é o sangue, porque será o sangue a fazer toda a diferença. pode fazer-se sexo sem sangue e matar sem sangue. em ambos, sangue e prazer, há vitalidade, alegria e entusiasmo - o que pressupõe vida e não morte. então, embora não use pénis senão quando ando em reflexões, não me parece que seja verdade. eu diria que o derradeiro prazer dos homens será o sangue do assassínio do sexo - do sexo que ejacula por mera fricção, que é um sexo morto, será matar esse sexo morto e fazê-lo orgasmar-se de sangue - de vida. e a vida não passa em segundos de ejaculações expelidas: a vida vai ficando, e crescendo, também, pelos momentos de orgasmos absorvidos. o sangue, a vida do sexo, é coisa de fora para dentro - e não, ao contrário da vida dos afectos, o contrário.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
dar também é receber vida
não é que um caso isolado tenha mais importância que tantos outros mas, tem vezes, por vezes levamos um abanão colectivo que nos alerta, no meio de tantas outras, para uma pontualidade. eu vou fazer os testes de compatibilidade de genes no cromossoma 6 para, oxalá possa ajudar seja quem for, doar do meu tutano e salvar, se não for o pequenino noticiado, alguém - que interessa quem?
no Porto, pode ser aqui.
no Porto, pode ser aqui.
sem lamento
são cimentos crescidos de sonhos ou sonhos que em cimento ficam, mas são - são passados presentes de gentes,
são luzes com gentes por dentro: são vida a querer viver
sem vidas que trazem lamento.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
reclamando
de braços abertos, carrego tanto as maleitas como as romarias do mundo. divertem-me, apesar de muito me cansarem, as reclamações: consigo quase sempre, dizer sempre só me fica mal porque não sou de falar do alto da burra, sempre que tenho a razão comigo, desesperar a paciência dos que me afligem e beneficiar. a incompetência tira-me do sério e passo-lhes as palhetas mesmo a brincar.
(saia uma passadeira bem engomadinha para eu me passar)
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
viço
acender e manter a lareira acesa é uma espécie de ritual que me agrada muito: não me desanima ter de andar acima e abaixo a carregar lenha; tampouco o ter de limpar todos os dias o cagaçal - é daquelas coisas que valem a pena, o suor e as forças. o mais curioso é que ainda nem sequer senti frio e as canhotas já vão ao ritmo de inverno. e não, não é que esteja a chamar o frio mas estou a mostrar-lhe, não o descuro, é muito bem-vindo, cá o espero, que o trato com viço.
domingo, 13 de novembro de 2011
breve monólogo feliz
acordar com a tal ruralidade sonora. mas hoje estou caprichosa e também queria gri-gri de grilos, não vejo onde está o problema, resposta à segunda voz que me julga de eu tanto querer, de querer aumentar os músicos dos concertos. antes contratar um ou dois grilos que ir aos gambozinos de galochas. ah, estás indiganada - e isto mesmo antes de eu te chamar alguma coisa que justifique, cá da nossa casa, a célebre frase: és uma serigaita, uma ladina!
sábado, 12 de novembro de 2011
na vida e na comida quando o inimigo são elas
há pessoas que têm uma maldosa, estranha e de desamor, relação com a comida: escolhem-na, provam-na, enchem-se de prazer, e logo a seguir rejeitam-na, querem ver-se livre dela, tamanha a dificuldade e resistência em retribuirem, em aceitação, o que escolhram e gostaram.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
agora sentadinha, menina cheirosinha
não digo proibir, uma ditadura na libertação é paradoxalmente agressiva, mas parece-me mesmo bem a ideia de os homens, tal e qual no restaurante edible canada na ilha de granville, não urinarem de pé. aquela coisa do culto da pinguinha não traz benefícios nem ao portador.
(digo eu, mulher, que se fosse homem havia de andar sempre de consciência molhada por saber que a probabilidade de ir deixando odores e manchas por aí é mesmo grande. a ir deixando rastos que sejam de cheiros e de poças interessantes)
(digo eu, mulher, que se fosse homem havia de andar sempre de consciência molhada por saber que a probabilidade de ir deixando odores e manchas por aí é mesmo grande. a ir deixando rastos que sejam de cheiros e de poças interessantes)
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
romper-romper
parece que vai nascer, traços pintados em romper.
parece que vai acabar, breve claridade de começar.
barcos na ria, rio, são como lírios no campo
ora doces carroças em calçada
e sopa quente de madrugada,
é isto o começar - que virado do avesso, estugado, estonado, sempre a condizer
será o outro
amanhado
estofado
estafado
aquele que do romper faz romper.
parece que vai acabar, breve claridade de começar.
barcos na ria, rio, são como lírios no campo
ora doces carroças em calçada
e sopa quente de madrugada,
é isto o começar - que virado do avesso, estugado, estonado, sempre a condizer
será o outro
amanhado
estofado
estafado
aquele que do romper faz romper.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
funkaria
conjugar cenoura crua com chocolate pode parecer estranho - mas não é, é delicioso. e é nestas alturas que o ser funk adquire um novo significado.
passar com a varinha mágica três ovos, duas chávenas de farinha e outras duas de açúcar, duas cenouras partidas aos cubos, duas colheres de chá de fermento e uma chávena de óleo. (pormenores importantes: peneirar a farinha e o fermento antes da mistura permite alcançar a macieza suprema; derreter uma chávena de margarina em vez do óleo permite uma textura bem mais suave. as calorias? as calorias nem sequer são aqui desprezadas, são muito bem recebidas e apreciadas.) levar ao forno a 150º, durante quarenta minutos, em forma de silicone não será imprescindível mas evita que o fundo e os lados colem, mesmo com farinha e manteiga. derreter chocolate em pasta com açúcar e barrar todo o bolo, ou pintá-lo a gosto, depois de pronto, será o acabamento final: uma funkaria em doçura.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
pequena nota
a quem me escreveu chamando-me a atenção para a palavra cohabitar, que não está bem escrita, muito obrigada e aqui fica a explicação: o h, além de mudo não pode ser cego - de outra forma a deficiência comum será miseravelmente cabal.
atavismo e atadismo
durante a leitura deste texto, são raras as vezes que não sorrio ao ler o tempo contado por este Homem, e a propósito de atavismo, ocorreu-me, alguma relação deve ter se levarmos à letra o que a outra, de não haver coincidências, diz, que em relação ao casamento a coisa processa-se de forma inversa mas com tendência ao inverso do tal inverso. chamemos-lhe atavismo da geração vindoura. a geração anterior à minha, com as devidas excepções que fazem parte de qualquer assunto, ainda acreditava na conjugalidade via casamento que a geração dos pais e dos avós lhe passou - talvez por referências positivas dos tempos, de outros, e das vontades, não posso saber. na minha, ainda há uma parte que sim mas uma outra, grande, que não. na seguinte, muito menos. não estou a querer dizer que o amor não cabe tanto dentro como fora do casamento, não, até porque são poucos os que se unem, e muito menos os que se fundem, por amor mas antes a afirmar que os que recusam o amor são exactamente os que recusam apostar. sim, porque casar é fazer uma aposta, apostar - passo o pleonasmo - em si e no outro perante uma vida a três (a mim, a ti e a nós); já quase ninguém acredita que vale a pena apostar em alguém e nalguma coisa a não ser em si. e é daí que surgem as ligações de uma tal igualdade de contas bancárias e de contas correntes e de previsões, a curto prazo, de afectos.
garantias não há, em lado algum e sobre coisa alguma: pode-se casar e descasar; pode-se cohabitar e descohabitar mas a derradeira diferença entre o casar e o não casar reside no risco da aposta, na convicção de que partilhar o sono e o sexo tem exactamente a mesma importância que partilhar o riso e o choro. é como se o sentir que vou amar-te e respeitar-te, com todas as variâncias que o amor e o respeito possuem, todos os dias e todos os momentos da tua vida e aposto que vou conseguir apenas porque é o que de facto quero porque o sinto, andasse a ser trocado pelo o amor é um estado de espírito e por enquanto podemos tentar viver na mesma casa e dividir as contas, porque até temos bom sexo, até que apareça alguém que me encha todas as medidas. será uma espécie de cohabitação entre solteirões - ser solteiro é, muito mais que um estado civil, um estado de corpo e de alma - um estado de completo descomprometimento do corpo e da alma - incapazes de se entregar, ora porque não sentem ora porque cagam-se todos na possibilidade de perderem esse estatuto de estado. e assim se vive em conjugalidade solteira, tanto em casamento como por casar, nos nossos dias.
(e isto a propósito de atavismo. e de atadismo emocional também.)
a carta que esteve em banho-maria
quando acordei foi nisto que pensei em dizer. depois de alimentar os meus vivos e a mim, já não me apetece - talvez o melhor que lhe posso dizer, sem dizer, seja desvirtuar a importância que lhe dei. lamentavelmente, apenas o reconhecimento público da importância é, de facto, importante para, oxiúros de gente, muitos.
caro xx,
agradeço-te imenso a ausência de resposta ao pedido que te fiz sobre a autorização de utilização das tuas fotografias para fins literários - sei bem que é o que acontece a quem desconhece a acção que a palavra empatia potencia e também a quem não sabe, de todo, lidar com o elogio vernáculo. para que fiques menos pesado de vaidade, devo dizer-te que todos os outros donos de talento da captura de beleza, que eu reconheço, fizeram questão de, com retorno - positivo mas se negativo igualmente válido e pertinente -, mostrar serem merecedores e reflectores de tal beleza.
após este agradecimento resta-me, portanto, dizer-te que podes meter as tuas fotografias, todas as que tinha já seleccionado e também as outras, no cu, que é onde devem ser guardadas as coisas que já não cabem no umbigo do ego, e foder-te todo com elas.
agradeço, uma vez mais, o tempo que perdi contigo, pois ajudou-me a concluir que as fotografias não te espelham e por isso não fazem sentido no meu projecto, e apresento os meus cumprimentos.
Olinda de Freitas
ps.: curioso. agora que verbalizei o que pensei, definitivamente vou enviar-lhe, já de seguida, esta carta por email. simplesmente porque o que me é importante não pode deixar de ser feito.
a Rosa
chama-se Rosa e vive, não sei bem se vive ou apenas aguarda que morra, ou estará em morte progressiva, talvez a morte não pertença ao mundo do definitivo e escala-se, há oitenta e cinco anos. sei que passa os dias numa cadeira, a uma só perna, a um só olho; sei que não usa calcinhas para ser mais fácil urinar e defecar; sei que come apenas refeições preparadas segundo as suas indicações; sei que faz questão de demorar trinta minutos exactos, nem mais nem menos, a lavar os dentes; sei que lava também, todos os dias e no mesmo local, na cozinha, o seu olho postiço. mais não sei. mas imagino que seja uma mulher forte que persiste em ser independente. e que tenha muitas histórias para contar. pareceu-me precisar muito de mimo e de atenção, como precisam todos os que são fortes. a casa tem um cheiro feio, os cheiros feios sentem-se na temperatura ambiente: abre-se uma porta e a um passo do fora para o dentro a temperatura faz toda a diferença quando nos invade, com terrorismo, a zona superior da cabeça e o centro do estômago. a casa tem um cheiro feio e as janelas nem sequer abrem - e nem sequer fecham, estão sempre assim, quietas, tal e qual a Rosa.
não vou lá voltar porque não quero, não quero adoptar mais uma vida. não posso esquecer-me, ainda mais, de mim.
domingo, 6 de novembro de 2011
a beleza dos poios
acho bonito um poio numa estrada ou num passeio, em locais por onde os passos, não da pressa, são do vagar. e fico vaidosa a vê-la poiar, às voltas como se em festa e celebração, e deixar ali resquícios de vida que hão-de misturar-se com bichos e flores que crescem, também rebeldes, por lá.
sábado, 5 de novembro de 2011
Val Union
sem peso, soltas, soltam-se em mistério de momento
douradas, recortes de flores e de louças
repousam
como entretidos descansam os sentidos e o vento
que se agita, não grita, fica
sobrevive às quedas e ao tempo
ai que folhas de ramos de abraço!
ao que perduram, livres de cansaço, ai!
donas do chão, pisadas de mão
que emolduram, do ar, o altar
não sei se vão mas sei que ficam
nos olhos da face do meu olhar
pesadelo
já não existem terras de sonhos. mas a emigração e a imigração continuam a ser, na terra dos pesadelos, possibilidades impossíveis - não são os pesadelos que nos fazem andar.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
harmonia dos sexos
a moda na capital, pelo menos é da capital que chegam os testemunhos da reportagem, é as mulheres de um casal cometerem adultério com outras mulheres. choca-me o uso da palavra adultério que me faz imaginar um clássico em que se vive o amor fora do casamento, por este ter sido imposto e preferível à morte, em que os amantes se encontram num lugar de uma pedra em cima de um monte só para se olharem e trocarem um lenço com o cheiro do outro. isto aqui, esta coisa da moda, não é adultério a não ser pelo dicionário; isto aqui será falta de imaginação para quebrar a rotina do sexo esgotado pela ausência de amor - será uma reles alternativa a um passeio na montanha russa da feira popular, hormona ao rubro, já fora de moda. e depois os maridos encornados prestam o seu testemunho de indignação positiva: é que não é de todo mau ser trocado por uma mulher, virilidade não afectada. a moda na capital é a de brincar à harmonia dos sexos.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
rabanadas gordas
pensei assim: se gosto tanto de rabanadas, porquê fazer apenas de pão fatiado e não de molete - que é gordo e maior?
(cortar as extremidades aos moletes deve ser essencial para que o leite, açucar e canela penetrem e os encharque bem. será melhor, então, deixá-los bem molhados e espremidos a aguardar uma hora antes de passá-los por ovo e fritar.)
(cortar as extremidades aos moletes deve ser essencial para que o leite, açucar e canela penetrem e os encharque bem. será melhor, então, deixá-los bem molhados e espremidos a aguardar uma hora antes de passá-los por ovo e fritar.)
ao sol
ando aqui a pensar ao sol
que se fosse uma flor
queria ser um bem-me-quer
para decidir os dedos teus
sempre que me despisses as pétalas
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
viver dói
viver é mesmo difícil.
eles eram dois e agora são quatro - uma amiga que não tem paciência para os pássaros, trouxe-mos e adoptei-os. gosto mesmo muito deles e só não os solto porque, tendo sido criados em cativeiro, morrem e a viver numa casa que vivam comigo que os entendo e amo. vieram numa gaiola pequena - os meus vivem numa gigante com tudo o que os pode fazer felizes: limpo-lhes a casa todos os dias, as paredes estão pintadas e frescas, os baloiços estão decorados a cetim e há um espelho amarelo que toca ao baloiçar e uma banheira da mesma cor, também com fundo de espelho, para se assearem. na lateral, há uma borboleta verde muito grande que lhes garante protecção e alegria, tanta que eles - o Jaromil e a Josefina - adoram picá-la para repousarem os cansaços. e os outros dois chegaram para habitar o grande chalé. tirá-los do quarto antigo não foi fácil: ela resistiu um pouco mas deixou-se apanhar facilmente mas ele, ai ele, ainda me doi sentir as bicadas nas mãos e nos ouvidos. e de tanto que fez força contra mim, fiquei-lhe com o rabo comprido que tinha na mão e uma das patas ficou afectada, inutilizada. agora a casa tem alguém que está mais frágil e eu nem sequer posso abraçá-lo para me desculpar do que fiz sem fazer, mas a verdade é que ficou com as capacidades reduzidas e mais limitadas. alegra-me apreciá-los com atenção e verificar que naquela casa existe compaixão e solidariedade: o Jaromil e a Josefina receberam-nos muito bem e cruzaram-se logo com eles no baloiço e, é difícil de acreditar, eu sei, todos ajudam o pequeno Gouchinha a esquecer que pode contar com uma só pata: ajudam-no a aceder aos locais menos fáceis de pousar e a troca de beijinhos e de afectos é constante. parecem-me todos felizes pelo alvoroço de canções que vão, ora ensaiando, ora ao desafio, oferecendo a quem quiser ouvir.
viver é mesmo difícil quando pensamos que, mesmo sem querer, temos sempre nas nossas mãos a vida dos outros.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
como é que um sexo erecto pode ser violado?
a sábado refere uma notícia em que três mulheres violaram cerca de dezassete homens para, a fim de obterem ganhos, lhes sacarem o esperma através dos preservativos. como é que uma mulher viola um homem? se o pénis fica erecto, capaz de suportar uma carapuça, como é que isso é contra a vontade?
guardador
são sempre vadias as chuvas
mesmo quando são de amor
e não há mesmo mesmo sol sem chuva
nem chuva sem guardador
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
trincheira
não interessa nada que ele seja bipolar. gosta de ouvir música e ela não deixa porque é barulho a mais e até nem há rádio nem gira -discos lá em casa; gosta de desenhar pássaros, até já me trouxe um desenho às escondidas, mas ela diz que é uma perda de tempo; gosta de ler, na língua mãe, mas ela chama-lhe tolo por andar com poesia em francês. penso muitas vezes chamar uma guerra fria a isto que é o eles mas, depois, mudo de ideias e só me consola, em desconsolo, chamar guerra das trincheiras. ele sabe que sem ela não existe, trinta anos a amparar-lhe as crises, apenas porque com ela só vai, entre um aqui e um ali, existindo. sem ela morria-se-lhe o corpo e com ela vai-se-lhe morrendo a alma. já a baptizei. ela é a veladora oficial, em trincheira de morte, da sua vida.
domingo, 30 de outubro de 2011
passos vadios
arranham o chão que se pisa, céus invertidos de olhar: é líquido o que os faróis apontam, passos vadios, e se esbatem ao passar.
sábado, 29 de outubro de 2011
encaralhando
ouvi assim: se eu tiver de ir para o caralho, prefiro ir logo e não ficar a dar trabalho nem a sofrer.
pensei assim: ir para o caralho, morte anã, é tão grande como ir, morte gigante, para o caralho. se soubessem no que penso mandavam-me para ele, para o caralho. isto é, ou pode bem ser, esta conversa a solo, bem perto de tão longe, a definição de ficar encaralhada. então, concluo, ando sempre encaralhada de caralhos frescos. Caralho, Olinda!, faz lá uma pausa!
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
jantarar
coisa
bonita de se ver, sabedoria apertadinha por crescer reunida na sala p’ra
jantar: hoje há sopa de letras, ralada por canetas – a aguardar mastigar o
pensar.
os cereais biológicos e o loureiro são inibidores
alto! Portugal está, de facto, no bom caminho: o Minho já se dedica a produzir cerveja biológica com rolhas de cortiça e depois da descoberta publicada pela revista Journal of Neuroscience, estudo revelador de que a cannabis produz caos cognitivo no cérebro, tenho a certeza que em breve os estudantes vão passar a queimar loureiro.
ora mais não será de esperar do que uma nova geração vindoura, uma geração desprovida de químicos e de conservantes. como é que depois vão conseguir manifestar-se?
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
sem destino, desatino
fossem assim, rectas, as linhas da vida
(como quando o burro, ora em palas, leva o que leva no dorso
ao destino)
e ela, já curta, mais curta seria:
a vida anda em dançar de serpente
e corre, veloz, puma esfomeada, no dia
voa, picada, como faz o repente
(cai, gatinha, erge-se, imperfeita!, como só pode ser
desatino)
misturas apaixonadas
de entre todos os ingredientes escolho a malagueta como sendo o mais apelativo: é bonita de se ver: lisinha e de um vermelho doce, usa chapéu verde e elegante. ao despi-la, encontro-lhe as sementes que fazem arder e nunca tenho vontade de deitá-las fora, talvez por ser-me convencida que paixão não é coisa de colocar no lixo, por isso atiro-a inteira e aprecio-a, enquanto se mistura com os outros sabores, vejo-a tornar-se, como parte, o todo. e depois é ver quem a prova em brasa, a mostrar o que vale de dentro para fora, já que de fora para dentro é uma bomba de sensualidade.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
tempestades, flores e fruta
quantas vezes dizemos, ou se não dizemos pensamos, esta é a pior fase da minha vida. e depois, inesperadamente num dia qualquer, sentimos que afinal esta está a ser bem pior do que a outra. a última. e vamos vivendo, arrecadando forças para sair desta para depois aguentarmos com outra. será, talvez, isto, esta capacidade de superar não conformidades, leixões nos caminhos, que nos faz viver mais - e talvez melhor: curiosamente durante as tempestades, nas embarcações que vemos afundar, deixamos que tudo o que importa permaneça. e rega-se, assim, a árvore da força. flores, nasçam as flores. e a fruta.
amarelo-vivedor
encontrar vida na merda de vida
que coisa dorida que é ser vivedor.
preferes tu ser liquificador de vida?,
preferes sim, sim senhor,
que os sólidos são meus e são dele
são de amarelo-vivedor.
apagados
sonhos
lambidos de terra, apagados de chuva e de vento
descansam,
sem lamento,
de
flor ao peito.
é
assim o amor esquecido
de
chuva e de vento lambido
sem
pesar e sem proveito.
mudidão
ouve-se, diz-se, solidão - dos espaços abertos do tudo, por onde escapam os tesouros do tempo. que é mudo.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
cor de aceitação
as mudanças, as transformações, percebem-se em pequenas, e talvez disparatadas, coisas: já não me sobem os calores de irritação quando percebo que para certas gentes os únicos tombos existenciais de que sofrem são cambalhotas de sexo. já não fico roxa, crítica na ponta da língua, fico da cor do marfim - aquela que serena qualquer parede de uma qualquer assoalhada de uma casa. aceitar, dos outros, o profundamente diferente e impraticável, por mim, até é bonzinho. mas há-de ser mesmo bom; há-de ser como passar uma tarde a ver se um pinheiro cresce.
aldrabice generalizada
nem sei para quê que continuam a dizer que ler é remédio santo para chamar o sono.
(eu, se começo a ler, desperto)
(eu, se começo a ler, desperto)
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
ser ininterrupto
ficar indiferente perante um cão ou um gato ao sol, é ser-se besta. se estes estiverem estendidos e feridos, é ser-se horrendo. passar por uma criança sem olhá-la, esteja ela feliz ou triste, é ser-se cego de alma - e desprezá-la em sofrimento é ser, simplesmente, não ser.
alerta-se todos os não ser que ser é o mínimo que se exige para viver no mesmo mundo. é urgente ver sorrisos num cão, filosofia numa pedra e sol num olhar de uma criança: é urgente viver, ser amar, ininterruptamente, em ficar.
alerta-se todos os não ser que ser é o mínimo que se exige para viver no mesmo mundo. é urgente ver sorrisos num cão, filosofia numa pedra e sol num olhar de uma criança: é urgente viver, ser amar, ininterruptamente, em ficar.
domingo, 23 de outubro de 2011
é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre
como diz, e bem, a canção " é por tudo o que em que em nós corre, que se vive e que se morre". isto, esta frase isolada, retrata claramente como tantas vezes, e com tantas vidas, se acaba exactamente da mesma forma que se começa todos os dias. acabam banhados em sangue, cegamente agredidos. mas será agressão aquela coisa de experimentar em si o que se dá a provar aos outros? existem direitos quando se vive a castrar os direitos dos outros?
sábado, 22 de outubro de 2011
nubleza
cantos espessos
de vida, na vida encontrados, embelezados de nu –
crescem para
cima, para baixo, para os lados; crescem de frente nas traseiras dos dias,
como encantos,
melodias, fazem sombras desensombradas e sadias
em cantos embelezados de nu:
(como não vês o
que vejo eu, tu?)
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
a putice da humanidade
a propósito da doação cadavérica, não me parece bem ser uma acção meramente filantrópica pela simples razão de que existem outras acções, como ser-se cobaia de ensaios de fármacos ou doação de esperma ou de óvulos, remuneradas para o mesmo efeito. mais: enquanto no primeiro caso estaremos a doar a morte para potenciar vidas, nos segundo e terceiro casos estaremos a doar vida por vidas. ora se é neste ponto que reside a diferença, num ponto de vista de morte ou de vida, mais pertinente será remunerar a dádiva da morte em vida - uma espécie de celebração anticipada, sem lágrimas e cheiro de fim, com alegria.
o mundo vende, a cada segundo, o sexo do corpo sem qualquer propósito de amor à humanidade. mas isso, sim, é aceitável e é para o lado que ela, a humanidade, dorme melhor. puta de humanidade.
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