domingo, 26 de maio de 2013

o Aníbal, é um camelo

a propósito da palhaçada custa-me perceber a gravidade da coisa. mesmo. principalmente pelos argumentos. “Se a injúria ou a difamação forem feitas por meio de palavras proferidas publicamente, de publicação de escrito ou de desenho, ou por qualquer meio técnico de comunicação com o público, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.” ora estaria presa grande parte da blogosfera portuguesa. mais: quase a totalidade dos portugueses estariam, ora desempregados ora falidos, atrás das grades por expressarem precisamente a imagem que vêem quando ouvem o Presidente da República proferir, mais do que piadolas, silêncio. pelo respeito aos animais de quatro patas o Aníbal merecia que o MST lhe tivesse chamado camelo e aí, sim, estaria tudo tranquilinho. (cantemos, então, para espantarmos o mal do chilindró)

o Aníbal é um camelo
tem duas mossas e muito pêlo
tem uma lata do caraças
para brindar no governar
mas é assim quem gosta
 de no deserto desertar
e lança logo um grunhido
aquando ventos de vencido
é um camelo popular
é engraçado e espertalhão
só não gosta que lhe chamem palhaço
prefere qu'os portugueses andem a ser roubados
pelo governo d' esticão

reflexão ao sol

há muito material para ler sobre o que disse e pensar acerca de. e no entanto uma certeza: as pessoas só fantasiam acerca do que não podem ter na realidade. e é por isso que fantasiar, a criatividade é outra coisa, em consciência de que não nos atrevemos a ter é por si mesmo uma fantasia do caralho - porque tudo o que queremos no que concerne à natureza humana é possível em um tempo ou lugar ainda misterioso, frequência de futuro desconhecida mas não, por isso, impossível. e o mais importante é mantermos a capacidade de acreditarmos que não somos errados naquilo que queremos e sentimos simplesmente porque o sentir não é da nossa responsabilidade e não pode ser forjado. e quem se refugia em superficialidades, economia de prazeres rápidos, até o prazer se quer livre, apenas para não chegar ao fundo foge - mais do que de outros, de si mesmo.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

uma fé estranha

vontade desenfreada de escrever - daquela vontade que pica e faz cócegas intermitentes. 
há pessoas que aparecem nas nossas vidas e chamamos-lhes acasos. chamamos-lhes sem chamar, pensamos apenas. e depois fazemos birras e insistimos e chateamos e fazemos uma matriz do grau de possibilidade e de severidade - isto para apurarmos a tolerância e a paciência em termos de significância. parecem sacos rotos de boa vontade e de simpatia e de bom humor. estragam-nos o plano mais ou menos intuitivo de sabotarmos a coerência pela incoerente demonstração de sensatez que nos demonstram. e inchamos de alegria, escondendo-a, para a deixarmos respirar. fazemo-lo por acreditarmos que são pérolas e sabermos que as pérolas são raras e, por isso, são precisas validar. trocamos tudo, confundimos conceitos, apresentamos propostas e tudo bate tão certo como se fossem, e são, caminhantes que nos mostram que a serenidade existe. e depois concluímos que ainda que tudo não passe de um bem-entendido mal amanhado é bom. e é bom acreditar no que não se vê quando tudo o que não se vê nem sequer nos dá motivos para acreditar. uma fé estranha no meio de tanta estranheza.

este talento precisa de ser partilhado, caramba!

http://youtu.be/57V4ymDKAh0

bora lá desencadear a pulsão sexual

assim como o melhor do pensar é o escrever na folha em branco também o melhor do sentir é o sexo na matéria, na carne. o sexo oferece-nos aquela dimensão de sermos homens e mulheres como se a pulsão sexual fosse, e é, um indicador de vida, uma composição do sentir.



quarta-feira, 22 de maio de 2013

melhor do melhor

havia de ser sempre assim: a natureza e o Homem - o Homem a aproveitar-se dos excedentes da natureza - em parceria justa. ela, em harmonia perfeita a fazer para si e também para nós. e nós a não tocarmos no que  é seu e a aceitarmos explorar o que de bom grado ela faz, e dá, para nós. olha o mel que as abelhas produzem em uma organização e método infalíveis sem absoluto controlo de qualidade e em perfeita melhoria contínua inerente constante. é fascinante, estonteante, fantástico este detalhe da natureza. lá está, depois o Homem organiza-se com elas e consegue uma produção primária de ganho-ganho que nem sequer precisa de controlo institucional, apenas um código de boas práticas que as salvaguarda um pouco da ambição desmedida e também nos salvaguarda em bem estar. outra vez ganho-ganho. e depois o excedente, aquele que queremos explorar, aquele que com tanta generosidade ela faz por sobrar, adaptamo-lo à nossa capacidade de invenção e criatividade: destampamos os favos e raspamos para extrairmos o mel e filtramos para depurar os vestígios da cera que vão em açúcar ser cristalizados e reaproveitados. e criamos frascos onde depois de limpos a vácuo embalamos a preciosidade. simples. a felicidade é simples: no melhor de cada um juntamos tudo e depuramos o melhor dos dois. e depois, no pior, com o excedente do melhor, fazemos melhor.

terça-feira, 21 de maio de 2013

à palavra e à semente


a imagem de cada semente cada palavra é riquíssima - isto para reforçar a ideia de que, cada vez mais, os ventos que antes arrastavam as sementes são agora manipulados por forças externas. estará em causa uma crise de identidade da nação? sim, pode ser, mas não nos revoltemos. comecemos por cuidar da crise pessoal, cada um por si, antes de querermos abraçar a crise da nação. não vamos a andar a semear sementes de revolta, MEC, porque isso sim é perder completamente o acesso à palavra. e à semente.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Púbisgal


reparar bem que o sítio, com referência a ser mal frequentado, situa-se exactamente na zona da púbis. ora nada é por acaso e acabei de chegar à conclusão de que Portugal é um site da púbis governado por chatos.

graças a Prometheus

Inner Silence

prometeu, Prometeu, o fogo
faúlas d'homem e de mulher
a arder
a Zeus roubou o reino
(assim ele o entendeu)
quando criar foi o que fez Prometeu
ilimitado não és - vociferaram os deuses
limitado sou, cantarolou Prometeu
mas trago o limite, o único, que não cabe em vosso papo de Deus
o daquela que começa e acaba nos céus
a criatividade, valha-nos Prometheus!


quarta-feira, 15 de maio de 2013

(azar)

truz,truz,truz - antes fosse assim o azar a bater-nos à porta. mas o cabrão, não. o cabrão entra de soslaio pela janela sem deixar o mínimo resquício de barulho ou intenção. e ainda deixa as cortinas ao vento, indiscretas, só para se regozijar da safadeza e se esfregar todo nos danos que provoca. é isso: o azar chafurda na angústia e no desespero dos outros como os cães estão para a relva fresca em dias de calor desinibidos de barrigas felizes no ar e pernas inquietas. e que esgar matreiro tem o estupor quando ouve dizer que foi azar, ah!, com que consolo enche a pança e a esperança de que mais dias dele virão. 

terça-feira, 14 de maio de 2013

breve explicação bonita e com dedo em riste

o PIB cresce quando o Porto é campeão simplesmente porque o azul é cor de céu e o céu, já se sabe, é o limite.

o amor é a essência de tudo



raramente dou importância à crítica, sou como o S. Tomé - ninguém me mata a fé ou, como costumam dizer, tenho de ver para crer - e tenho, sim, muita curiosidade em ver, lá terei de esperar por agosto, a essência do amor. não dá para confiar no instinto prático e boçal da maioria das pessoas nem no alarvismo desfundamentado com que falam, e antes pensam, do amor. mais: as pessoas sequer consideram o amor um assunto com interesse para ser explorado e serão, por isso, condicionadas por esta pré-indisposição. talvez a crítica, esta crítica, até faça sentido. talvez. mas mais sentido faz esperar para ver - tenho a certeza de que vou descobrir coisas imperceptíveis aos olhos do Luís e do Miguel e do Oliveira. e serão olhos mais comuns os que se focam na linearidade do prazer take away, sim, porque o amor também é puro prazer, mas em camadas e em lentidão do banho-maria que se quer absolutamente gostoso e pesado e leve e quente e fresco e doce e salgado e seco e molhado, a única foda em que vale a pena ganhar tempo. 

domingo, 12 de maio de 2013

incompatíveis e não só

havia dois homens - um de aparência cuidada que falava ao telefone durante uma relação sexual (o que é uma relação sexual? se uma relação é uma ligação então neste caso não havia visto que a mulher desandou o traseiro da cama e, ao telefone, o tal homem continuou mecanicamente os movimentos de vai e vem) queca e para ascender profissionalmente desconhecia, por não necessidade, quais eram afinal os seus valores e um outro, espontâneo e lutador e também pai, cuja roupagem fazia crer tratar-se de um homem absolutamente baldas. e a fraca trama desenrola-se em ambiente de crime misturado com riso - uma espécie de bolo de pacote francês com cobertura de chocolate light. foi escolhido, cinco minutos antes de começar, pelo título, ai como os títulos enganam!, e precisamente por começar dali a cinco minutos. não, isso não tem nada de estranho - é a vida. e depois não é qualquer uma que paga seis euros e quarenta para ter uma sala de cinema só para si, sem cheiro de gente a tresandar a desodorizante axe nem de pipocas a roçar a semelhança ao chulé. é interessante a perspectiva de fazer rodar um filme durante duas horas para uma só pessoa. apeteceu-me fumar lá dentro, confesso. mas só me descalcei e estiquei. ah. e também dei um peido calçado, não de pantufas, de socas.

a parte melhor  foi quando cheguei ao carro e, em espera, ouvi esta música.




sexta-feira, 10 de maio de 2013

código de barras com letras dos desempregados portugueses

o código de barras, ou EAN, aplica-se em embalagens primárias (EAN 13, com 13 dígitos) - que envolvem directamente o produto -  e em embalagens secundárias (IFT 14, com 14 dígitos) que serão o embalamento da embalagem. uma boa imagem a servir de exemplo será imaginarmos uma caixa com várias embalagens dentro. ora os desempregados, se considerados IFT 14, isto porque a embalagem primária nas pessoas se quer intocável, apresentam-se assim, seriados em números, em Portugal:

o primeiro número é criado internamente pela empresa e designa quase sempre a quantidade do tipo - será o centro de (des)emprego;
os três seguintes números são sempre iguais e correspondem como que ao indicativo do país (560);
os quatro números seguintes são respeitantes à empresa - serão zeros;
os cinco seguintes pertencem ao código do produto - será a combinação de zeros resultante da (a)política do governo;
o último número é calculado automaticamente após a atribuição do primeiro.

neste momento, e levando em consideração de que as pessoas são tratadas como números, o código de barras dos desempregados portugueses afiguram-se assim:

1 560 0000 00000 1

em letras, que é mais digno, e a toque de desespero, o único código de gente que a gente quer:

Maria Feduncio, Portuguesa, sem emprego, nova para a reforma e velha para trabalhar, existe.


quinta-feira, 9 de maio de 2013

palavras em festa

lindo de se ver: espalhados aleatoriamente pelos muros e de cornos, não ao sol como na cantiga que crescemos a ouvir, à chuva. são os caracóis ranhosos. e nunca, o ranho e os ranhosos, as palavras viscosas gostaram tanto de serem celebradas porque é assim mesmo - a utilização é a festa das palavras.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

elevador para o céu e terraço nas estrelas

quando casou recebeu, como uma das prendas, um monte. casou há três anos e ainda nem sequer foi vê-lo. fala dele como se de um conjunto de tachos se tratasse com a utilidade de fazer crescer muitas árvores para abater na reforma - quando chegar esse tempo hão-de vender a madeira e viver também disso, diz. quase que a convenci a levar-me ao monte, curiosidade em comichão, queria vê-lo e apalpar-lhe a terra e cheirar-lhe as axilas daninhas. sei lá, parece-me bem, parece-me sexy, parece-me seguro alguém ter um monte só para si - aquele bocado de terra com elevador para o céu e terraço nas estrelas.

terça-feira, 7 de maio de 2013

linha 3

o agudizar do arranque em conformidade com as borbulhas bravas do rosto dela, borbulhas em fase de crescimento e prestes a atingirem uma velocidade incontrolável até ao destino. o destino quer-se, aqui, como paragem como se quer em um comboio. os telemóveis, ai os telemóveis! que funcionam nas mãos das gentes como muletas de pés partidos: sentam-se os corpos e levantam-se os telemóveis como se fossem, e são, o que pedem os olhos - os olhos a pedirem mensagens e jogos e nada. é isso, os olhos pedem nada quando sentados no meio do mar que é a gente, uma triste solidão essa que as impossibilita de se escreverem o que vêem e ouvem, de produzirem crónicas surdas de vida em momentos de morte. porque é morte, sim, precisarem de um telemóvel para afastar leituras e até travessuras do espaço; porque é morte, sim, usarem o telemóvel para verem o tempo, não a ficar como ficam as paisagens que pintamos do lado de dentro do vidro, a passar.

domingo, 5 de maio de 2013

isto parece bordel com lucros deputedo


quando a fantasia não é, de todo, a realidade

é preciso deixarmos que ela, a fantasia, se sinta rainha. e, como meros espectadores, permitimos que se sinta capaz de cobrir a luz da claridade que é a realidade. deixamo-la entrar de fininho e ficamos a apreciar como se instala e como quer convencer-nos de que é real e de que a realidade é, bem visto, uma fantasia do caraças. não o fazemos com maldade, tampouco mentimos nos factos da vida real - simplesmente deixamos que pense que está a abafar-nos nos seus lençóis ávidos de converter-nos naquilo que pretendem. e o que pretendem todos aqueles que querem convencer-nos de que a distância física não existe e que imaginar é viver realmente é isso mesmo: sentirem o poder da imaginação deles na nossa, como se manipular a nossa lhes desse o poder da deles. é, portanto, mentira de que a ideia que fazemos de alguém ou alguma coisa é a realidade e que esta ideia fantástica é real - e essa é que é a verdade. damos a descobrir aos outros o quão poderosos podem ser, escondendo fingimento solidário, para percebermos realmente quem são e o que querem. e o que querem é sempre o mesmo: fazer da imaginação a mais forte arma de arremesso, não a favor como pretendem que seja, contra a realidade. a realidade é sempre maravilhosa se vivida de forma fantástica e em conformidade com o que sentimos ao contrário do que é viver a fantasia realmente. e esta passagem tantas vezes tão ténue em tantas cabeças cheias de ego é quem dita, mais do que quem queremos ser, quem somos. eu proponho um brinde a todos aqueles que, mascarados de fantasia, se propõem a manipular a realidade estando certos de que o conseguem - há espaço para todos. e proponho dois brindes a quem que por algum tempo deixa que pensem que a realidade possa ser inequivocamente manipulada pela fantasia - afinal de contas ajudar os outros a encontrarem o seu caminho será sempre uma prioridade.

sábado, 4 de maio de 2013

Garcês, o feio

há coisas feias. há coisas que espantam. há coisas que ferem. há coisas que nos fazem rir por dentro da imbecilidade que carregam. há coisas impossíveis de passarem ao lado porque se apresentam de frente. há coisas que nos impõem uma prosa chata e desprovida de leveza. há coisas que são como cagadelas de pássaros birrentos que decidem simplesmente fazer desabar as entranhas mesmo por cima da nossa cabeça. é, há coisas assim. e não, não foi nada de grave talvez para quem passa na pressa e no descuido do olhar. mas terá sido gravíssimo para quem ostenta a atenção pelo redor e procura, em cada esgar do movimento e do paranço, significado. há coisas, assim, que me são feias tão feias quase tão feias como um amarelo pálido que nem é pérola nem português. há coisas que, tenho a certeza, não foi o universo que fez mas antes um taxista manhoso, com ares de farinha em frequência acumulada nas unhas, a quem se pode chamar Garcês.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

ilustração da maravilha de engano

consegui, entretanto, arranjar uma figura que ilustre o romantismo no superlativo absoluto da tal mensagem que inventei e que contempla as duas versões:





maravilha de engano ou as pazes insólitas

o meu pai e a namorada zangaram-se e lá me calhou a mim, a pedido dele, enviar-lhe uma mensagem de reconciliação por sua vez. aqui não interessa nada o conteúdo mas sim, e apenas, a última frase. em vez de já sabes que te amo a escrita automática, por erro meu - talvez o telefone tivesse percebido exactamente a verdade do que eu penso -, seguiu já sabes que te como. logo de seguida, mal percebi a lenha que tinha acabado de atirar para a fogueira, enviei uma outra igual mas desta vez com a palavra correcta, a que ele queria que ela lesse e a que ela esperava ler. estou certa que terá gostado mais da segunda do que da primeira e que a primeira sem a segunda traria definitiva distância - mas que as duas, quase em simultâneo como seguiram, fizeram um bolo romântico no superlativo absoluto fizeram. uma maravilha de engano.

terça-feira, 30 de abril de 2013

amo-te, foda-se!

poderia bem ser o nome de um restaurante ou de um perfume ou, mais amiúde comum, de um livro - mas não é. trata-se de uma forma de expressão, a minha forma de expressão, a melhor que consigo arranjar, para dizer o quanto amo, oralidade e escrita, a língua portuguesa. e nisto cabem as palavras, as palavrinhas e os palavrões, todas filhas dela - da língua. trata-se de uma aproximação metafórica, riquíssima, assim como o Miguel Esteves Cardoso explica e usa e abusa. mais: usar oportunamente o calão será a foma mais digna de calar o bicho da expressão, linguagem cristalina que pouco tem de grosseira a não ser a quem não lhe chega à espinha dorsal. a alma precisa tanto de palavras como de palavrinhas e de palavrões - são uma espécie de momentos SPA (sim, neste caso também é possível dar para a sociedade portuguesa de autores que, de resto, diga-se, altamente elitista e viciada comó caralho), um resort luxuoso onde a palavra faz massagem e a palavrinha sauna e o palavrão talassoterapia em sessão. é, pois, inútil que tentem travar o palavrão quando não pretende designar verdadeiramente a substância da coisa  - estás a cagar para mim é a imagem mais perfeita que há para dizer que alguém não está a prestar atenção a outra; estás a foder-me a cabeça é a forma mais transparente de referir que alguém está incomodar fortemente outra; estragaste-me a puta da vida é a frase mais feliz que encontro para gritar o que este governo fez (...) - mas, antes, a coisa com substância.

por mim, está decidido: amo-te, foda-se!, palavrão, como, não em arma de arremesso, quando o estômago tem fome e precisa forrar-se com pão.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

empoar

nem sempre o tempo muda as pessoas - na maioria das vezes são as pessoas que mudam o que querem fazer com o tempo. e o tempo tantas vezes deve pensar, em riso miudinho, assim: vou -t'empoar.

domingo, 28 de abril de 2013

a cor da musica

se cada música tivesse um rosto, e tem, seriam, e são, os dedos a dar-lhe cor.






Paul Gauguin, Siesta, 1894

sexta-feira, 26 de abril de 2013

a verdadeira arca de nu. é?



My Dream, 1947, Foujita Tsugouharu 

o escuro estava deserto e terá partido para lugar incerto no dia em que o mundo acabou. restou a luz, despida e omitida de vacilar. chegou e espreguiçou a calma, sossegou o olhar e refastelou-se no sentir enquanto, magistosos, os outros procuravam - cobrindo-a - cobrir-se. terá masturbado a esperança, diz-se, e apimentado o riso em concerto das suas vozes tão diferentes, vozes que falam pelos olhos e respiram pela sabedoria, e iguais. decidiu prolongar a luz adormecendo como quem carrega um punhado de areia entre os dedos que nada querem segurar e assim ficou, obdurada de sonho, a aguardar uma história que começasse: foram muitas, imensas, vezes.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

plutão é um estado de alma




ler aqui. ficamos a pensar na importância do mundo e do submundo; ficamos a pensar, e dizemos o que pensamos, que plutões há muitos carregados de importância relativa e que a liberdade é o maior planeta, importância absoluta, estado de ser, do mundo.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

velha



parece-me muito bem que o estrangeirismo vintage seja por cá uma velharia - velharia tem cheiro forte e a azeite verde, textura vincada que só apetece manter. e um dia ainda vou ter novamente espaço para poder ser velha, lambuzar-me toda pelos olhos e pelas mãos, à vontade.


Mec'Leituras

uma rica sugestão que vem dar consistência a isto.

terça-feira, 23 de abril de 2013

truclas

claro está que fiquei apaixonada por este texto do Pedro Bidarra.

(agora fiquei a pensar se quando nos apaixonamos, porque não conhecemos tudo o que quer dizer que sabemos pouco mas o suficiente para nos fixarmos, estaremos semi-apaixonados ou apaixonadíssimos em potência - visto que saber mais e mais vem depois. vou pensar.)

mas que nada




a camélia cor-de-rosa



The Pink Camellia - Pierre-Georges Jeanniot (1897)

o livro estava em branco. pálidas eram as folhas quando se sentou, cedinho pela manhã, no sofá dos berloques, coberto de branca manta por o seu corpo assim exigir, e logo se predispôs a deitar-se no sorriso descontido das almofadas que reclamavam o aconchego do branco. isto, claro, depois de enrolar o fino e comprido naco de pelo em jeito de picho e colocá-la bem lá no alto, como se quisesse - e quis - dar um salto, a camélia carregadamente rosada, mais uma, que todos os dias colhia fresca para viver.

e hoje era o dia de se ler de amores. logo na primeira página o livro leu-a, e por isso escreveu-a, assim: nas pernas abertas do teu olhar secam-se os rios que por ti passam. mas não desistas de amar - antes não insistas no seu jorrar. e ali ficou. parada naquela primeira página do, literalmente, seu livro. sorriu enquanto absorvia, enquanto se absorvia. desviou um pouco mais a coxa obediente por debaixo da maciez do cetim e adormeceu. agora sim, podia passar para a segunda página mal voltasse a nascer depois daquela pequena morte tranquila e feliz.

domingo, 21 de abril de 2013

um drama que cabe em tudo

o mais descarnado drama com que um ser humano pode ser confrontado: o de não saber como expor a verdade à cegueira institucional do universo humano.

atreves-te a compor a música para a canção do Passismo?


nossa passagem estreita
nossa paisagem borrada
nosso sonho esmagado
a nossa casa perdida
a nossa fé esmurrada
nosso sangue roubado

e agora, e agora, onde vamos respirar?
 (arfar, arfar, a esperança está a arfar)

dias a passos, viver de frete
contas a monte
jornal na retrete
passagem desfeita
paisagem perdida
sonho roubado

e agora, e agora, onde está a vida?
 (arfar, arfar, a esperança está a arfar)

amoras na mira
ossos mirrados
a coragem suspira
abismo à espreita
sol roubado
ventos de direita

e agora, e agora, quem refaz a cama onde o povo se deita?
 (arfar, arfar, a esperança está a arfar)

fel no sono
azedo acordar
andarilhos, socalcos
um pesar o deitar
andaimes travados
altura qu'encurta
sobressalto qu'enfeita
queda que perdura

e agora, e agora, onde pára a fartura?
 (arfar, arfar, a esperança está a arfar)

sábado, 20 de abril de 2013

bem-vindo

o meu querido sobrinho e este dizer da Rita picaram-me a opinião e decidi reabrir, e actualizar, a minha conta no FB. é assim.

Pedro Passos Coelho: "Tenho felizmente namorado com a minha mulher”


um político deve ser um humanista secular detentor de técnicas e saberes, o tal coiso nomotético, utilizados com o objectivo de  aliviar, senão minimizar na impossibilidade de impedir, o sofrimento humano. e é com a mulher que Pedro Passos Coelho faz esquissos, partindo da idiografia sexual, daquilo que é politicar:

i) o simples beijo nos lábios, vulgo chocho, quer dizer isto:


  • redução progressiva dos salários da Administração Pública, institutos públicos e órgãos de soberania, para valores totais de remunerações acima de 1500 euros por mês, com consequente redução de 5% nas remunerações (3,5% para salários entre 1500 e 2000 euros, 10% para os salários mais elevados);
  • congelamento das promoções e progressões na Função Pública;
  • congelamento de admissões e redução do número de contratados (já em 2010);
  • redução das ajudas de custo, horas extraordinárias e acumulação de funções, incluindo a acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação (já em 2010);
  • redução em 20% das despesas com a frota automóvel do Estado;
ii) as mãos a roçarem, ora ao de leve ora com gana, a pele ditam assim:

  • congelamento das pensões em 2011;
  • redução em 20% nas despesas com o Rendimento Social de Inserção;
  • eliminação do aumento extraordinário de 25% do abono de família nos 1.º e 2.º escalões e eliminação dos 4.º e 5.º escalões desta prestação (já em 2010 para 4º e 5º escalão);
  • redução dos encargos da ADSE;
  • redução das despesas no âmbito do Serviço Nacional de Saúde;
  • redução das transferências do Estado para outros sub-sectores da Administração;
  • redução das despesas no âmbito do PIDDAC;
  • redução das despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas;
  • extinção/fusão de organismos da Administração Pública directa e indirecta;
  • implementação de um plano de reorganização e racionalização do SEE;
iii) o sexo, já erecto - ou seja, com uma tromba do caraças -, tem a seguinte narrativa:

  • alteração do sistema de deduções e de benefícios fiscais no âmbito do IRS;
  • revisão dos benefícios fiscais para pessoas coletivas;
  • convergência da tributação dos rendimentos da categoria H com o regime de tributação da categoria A;
  • aumento de 2 p.p. da taxa normal de IVA;
  • revisão das tabelas anexas ao Código do IVA;
  • imposição de uma contribuição ao sistema financeiro em linha com a iniciativa em curso na UE;
iiii) já ao rubro, em movimentos crescentes de penetração, conta-lhe uma história:

já depois de Portugal estar sob intervenção externa, o Governo de Pedro Passos Coelho decide tomar novas medidas para cumprir a meta do défice em 2011.
  • a 30 de Junho de 2011, o primeiro-ministro quebra a promessa eleitoral de não aumentar impostos e anuncia, no Parlamento, um imposto extraordinário sobre os rendimentos -equivalente a 50% do subsídio de Natal;
  • a 1 de Agosto de 2011, aumenta o preço dos transportes públicos – em média, 15% nos títulos dos transportes rodoviários urbanos de Lisboa e do Porto, transportes ferroviários até 50 quilómetros e transportes fluviais;
  • o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, anuncia, a 31 de Agosto, novas medidas fiscais para penalizar os contribuintes de rendimentos mais elevados;
  • a 1 de Outubro, aumenta o IVA sobre o gás e a electricidade. o custo mensal sobe de 6% para 23%;
  • ainda no mesmo mês, Passos Coelho anuncia o corte dos subsídios de férias e Natal aos funcionários públicos e pensionistas com vencimento superior a mil euros, durante a vigência do programa da troika;
  • a 20 de Novembro de 2011, o Parlamento aprova o aumento para 25% das taxas liberatórias sobre os juros, dividendos e mais-valias mobiliárias, em sede de IRS e IRC;
  • já em 2012, a entrada em vigor do novo orçamento impõe um conjunto de novas medidas. as despesas de saúde passam a ser dedutíveis em sede de IRS apenas em 10%. As despesas com a habitação são dedutíveis, não em 30% do seu valor, mas em 15%;
  • o Governo reestrutura e “racionaliza” as listas de bens e serviços sujeitos a IVA e destina a taxa intermédia de 13% a sectores que Pedro Passos Coelho classifica de “cruciais” para a produção nacional. A água engarrafada aumenta para 13% e os refrigerantes passaram a estar sujeitos à taxa de 23%, tal como a restauração. o Governo não mexeu nas taxas dos néctares de fruta, do vinho e do leite achocolatado;
  • o preço da electricidade volta a aumentar, sofrendo um incremento de 4% no custo mensal;
  • o imposto sobre veículos (ISV) para os automóveis ligeiros de passageiros sofre um aumento médio de 6,4% em 2012;
  • o Imposto Municipal sobre Imóveis sofre um agravamento de 0,1% no caso das habitações reavaliadas ou transaccionadas desde 2004. a taxa mínima passa para os 0,5% e a máxima para 0,8%;
  • o imposto sobre os cigarros sobe de 45% para 50%. a taxa aplicada a cigarrilhas e charutos aumenta de 13% para 15%, enquanto a do tabaco de enrolar passa de 60% para 61,4%;
  • a 1 de Fevereiro, os preços dos transportes públicos voltam a aumentar, com uma subida média de 5% (a alteração abrange os utentes dos comboios da CP, dos autocarros da Carris e da STCP, da Metro de Lisboa e da Metro do Porto);
  • Vítor Gaspar anuncia, a 30 de Abril, que o Governo prevê que os subsídios de férias e Natal, cujo pagamento foi suspenso, comecem a ser repostos a partir de 2015, a um ritmo de 25% por ano. em Julho, o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade da suspensão dos subsídios de férias e Natal, por violar o princípio da igualdade, mas o acórdão só tem efeitos em 2013;
  • esta decisão foi a razão central que levou o primeiro-ministro anunciar, nesta sexta-feira, um aumento na contribuição de todos os trabalhadores para a Segurança Social.

iiiii) sexos em brasa, meditação em curso, ausência total de ser, o orgasmo:

Pedro Passos Coelho, como grande e bronco homem que é, adormece imediatamente. explica, mais tarde, à mulher que o que sucede nada tem que ver com afectos - trata-se, antes, de uma falácia para ganhar tempo: o tempo de esquecer de lembrar que se vem à custa de um desgoverno. e a mulher pensa para si que, não tarda, acabará por preferir outro se ele não se puser a andar.



sexta-feira, 19 de abril de 2013

os Beatles e o sabonete



perdoem-me os fãs mas nunca gostei, não gosto, e tenho quase a certeza que não virei a gostar. é aquela espécie de música que cheira a sabonete - não arranha de forma alguma, pelo menos a minha, a alma. bem sei que a música dos Beatles agitou o mundo com ideais progressistas e incitou a revoluções sociais e culturais mas, lamento, não me entra no goto. tem vezes que se por mero acaso os ouço até me irritam. é tudo muito certinho e direitinho à excepção, claro, talvez, das unhas mal cortadas dos pés do Paul McCartney e do desnível dos dentes do maxilar inferior do Lennon. o quê, estou parva e a inventar? por favor, deixem-me pôr os gajos com um trago de beleza já que o cheiro do sabonete seca-me os ouvidos.

perenes



ter a coragem de arrancar uma árvore, uma árvore de camélias, de um jardim, é uma indecência. perder, deliberadamente, de vista a flor que nasce nas axilas das folhas lustrosas, a flor que não tem cheiro - precisamente para lhe inventarmos o sabor - é crime. a camélia é inspiradora, uma musa. e quem acha que as musas são para usar e deitar fora, para arrancar pelas raízes, engana-se: as musas são para apreciar e tratar bem, desfrutar. porque quando menos se espera elas perfumam cada recanto e misturam-se, uma espécie de creme, na pele. as musas não são casuais: as musas, flores férteis, são perenes.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

antes, o mundo era de pombas e mamona




antigamente, em outras primaveras, as pombas - gosto de pensar que eram pombas e não pombos pelo cariz intuitivo da coisa - levavam as cartas de papel fininho em um tubo amarradas a um pé. e, pelos céus, carregavam as boas e as más novas. naquela altura, o centro de triagem postal situava-se mesmo ali no jardim ao lado do pão ainda quente e da merda do cão. uma delícia. e a ninguém passava pela cabeça mandar a pomba levar veneno a quem quer que fosse - metia-se estricnina na sopa de um vizinho ou familiar próximo -, antes eram as pombas que cagavam, d'alto, nos chapéus. a globalização, imagine-se, veio fazer dos venenos armas bioterroristas e até já querem chegar a um senador dos EUA.

pois é, estou desolada, o mundo já não é das pombas e nem o óleo de mamona, rícino, é utilizado para provocar os partos.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

caminhos com pedras e cabras


a alma do mundo e tu. faz um clister.

imagino o mundo personificado como se olhos de blimunda tivesse. o mundo é homem ou, pelo menos, assume-se com as características-padrão do que é ser homem: o mundo caminha em linha recta - linha que ele mesmo traçou e desdenha dos ziguezagues dos passos de mulher; o mundo intoxica-se com as conversas dos outros que ouve aqui e acolá - se o mundo fosse mulher usaria gavetas cor de rosa, tantas quanto coubessem no armário e ainda sobrepunha algumas para arrumar as ideias; o mundo não se permite ser emocional - amarra-se na razão para sobreviver; o mundo acolhe as dores sem verter uma única lágrima - confunde tristeza com fraqueza e é mesmo incapaz de dar de mamar. mas também é incapaz de fingir, o mundo, aquilo que é é o que se vê. e depois soltam-se bombas nas palavras e, tarde demais, palavras a quererem perceber as bombas. e depois a fome e a miséria e a doença gritam por colo que ele, esgotado, não dá. e depois os patrões do mundo trabalham-lhe o ego e, cabeça encapuzada, o mundo segue cabisbaixo, murcho, como alma ferida depois de um ralhete. e adoece, falta-lhe força, e de força padece.

é bem simples o que vê o feminino olhar: a alma do mundo, a alma gigante do mundo é feita de todas as almas que o habitam, está doente, tem uma espécie de nuvem imensa e grotesca e grotesca e imensamente negra a rondar-lhe por cima. e urge cuidar e purgar e limpar. eu proponho um clister colectivo: cada um por si.

terça-feira, 16 de abril de 2013

perguntinhas à lei seca destinada aos adolescentes



ó lei, tu que andas de justiça vestida e ordem pintada e, já agora, de amarela encardida, diz-me: andarão os adolescentes a mostrar - por livre, ou exigida, vontade - o  cartão de cidadão nos locais de venda e consumo? é que, como sabes, lei, nos tempos que correm é difícil perceber, boca cerrada no falar, a idade na idade da bandidagem. e o lucro, lei, acaso achas que são os adultos - a quem já custa ganhar a vida (obviamente que depois há os outros que apreciam viver à pala dos pais) - que desbundam as madrugadas e auroras nos shots? mau-mau Maria-Lei qu'andas seca e a ressacar por mais.

pequenos grandes milagres

o verdadeiro milagre é aquele que acontece, quando nascemos de novo, pela manhã: aquele sorriso gostoso e gratuito; uma troca de palavras de tenha um bom dia; uma bela de uma boa disposição contagiante. sim, porque os milagres não são para qualquer um: o que mais há por aí é gente carrancuda, cabeças cheias de tensão - e tesão - por descarregar como se a tensão, e o tesão, pertencessem aos intestinos. sim: há gente que, logo pela manhã, dá, só sabe dar, como única expressão de vida, um valente peido. e os peidos, lamentavelmente, a todo o gás, não são milagres - a não ser para tem tem a doença crohn.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

sobre a moda




diz ele, o Gonçalo M. Tavares, e diz - aparentemente - bem, que seduzir é como um quadro que não cansa - uma espécie de promessa infinita e visual. diz que a moda entra pelos olhos, interpretação minha, que a moda existe porque os outros têm olhos. então e se o outro for cego, Gonçalo? e se for um cego a querer seduzir o outro, Gonçalo? presume-se que a moda é uma outra limitação dos cegos? e que a sedução lhes é interdita? mantenha-se a parte da promessa infinita e retire-se o visual. e é aqui que a aparência colocada entre travessas, lá em cima, entra: a moda é, sim, uma questão de aparência - tal e qual como a sedução. isto porque não acredito na sedução planeada e monitorizada, assim como não acredito na moda. a moda é uma espécie de partido político ou de religião ou de clube de futebol: uma vez vinculados às suas linhas jamais delas se sai (aqui a moda assume um ponto a mais, ou a menos, que os outros exemplos indicados - a capacidade de ser interminavelmente mutável no tempo. pelo menos aparentemente, lá está, a aparência liga com a moda mais uma vez: é que a moda vive do reviver), ainda que deixem de fazer qualquer sentido.

andar na moda, fazendo e consumindo moda, é para os que olham e não para os que vêem; andar na moda tem tudo que ver com seduzir, de facto, tapar aqui e descobrir acolá em série como se o geral fosse, e parece que é, o rosto que carrega os olhos que olham quando é no particular que estão todos os olhos que vêem. a moda e a sedução são embustes sociais: assim como quem anda na moda procura a desvirtuação do dentro pelo fora também a sedução só acontece quando sequer pensamos que estamos a seduzir. atrevo-me a dizer que seduzir é, não como um quadro que não cansa, como um campo baldio que não cansa de nos surpreender - e aqui há olhos mas também narizes e mãos e pés. e barrigas e almas. e sexos. e flores. e terra e pedras. aqui há tudo.

ou como a revisão da ortografia é que fode a língua até ao tutano

prefiro sempre pensar, e dizer e escrever, assim: acorda, ortografia! por acordar ter aquele trago de afinar - de sair da pequena morte que é o sono. está-se mesmo a ver que acordar é absolutamente o oposto de concordar pactuando com os pseudo-argumentos para a miserável amputação e violação e fustigação da língua. tendo achado um piadão ao arranjinho do Diogo Leote, decidi celebrar o português, o tal, da tradição oral - o que passa de boca em boca - com o excerto magnífico com que ele ilustrou o seu texto viradinho do avesso aos prevaricadores:

“Estamos fodidas. Estamos muito fodidas. Estamos fodidas como o caralho.
Há uma série de coisas que são um problema:
1. A tua pessoa;
2. A tua pessoa nunca estar cá;
3. Não termos sexo porque a tua pessoa nunca está cá;
4. Não termos orgasmos porque não temos sexo porque a tua pessoa nunca está cá;
5. Andarmos totalmente putas da vida porque não temos orgasmos porque não temos sexo porque a tua pessoa nunca cá está;
6. Não falarmos porque não temos as nossas conversas depois dos orgasmos que não temos porque não temos sexo porque a tua pessoa nunca está cá.”

sexta-feira, 12 de abril de 2013

dica esperta

se a um bom naco de lombo de porco assado, após o fatiares, lhe adicionares uma geleia quente de fruta (coze, por exemplo, a manga em açúcar e água mexendo até engrossar), vais dar-lhe um trago de alegria e sabor.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

arte? arte.



não será uma barbaridade alguém pronunciar-se pela opinião pessoal, não, mas constitui barbaridade considerar a desarte da Joana Vasconcelos. não gostar cabe tanto na liberdade individual como o gostar  - já colocar em causa o conceito de arte é outra coisa. trocando por miúdos há quem considere que as rendas não são arte, assim como o barro trabalhado - em galos de barcelos ou em pilas das caldas -, as tapeçarias de arraiolos, a filigrana e por aí adiante, o folclore, o nosso, que constitui, costela de qualquer sociedade, a voz do povo. chegam, inclusive, a comparar a suposta parolice à música do Tony Carreira como se tal se afigurasse de insulto. O Tony, mesmo não sendo apreciadora mas apenas observadora dos factos, é um dos maiores artistas portugueses que movimenta massas - tanto fãs como colaboradores - dentro e fora do país; a Joana Vasconcelos é igualmente reconhecida por cá e além fronteiras. considerar que condensar o folclore, e dar-lhe uma voz maior que é vestir a modernidade da cultura popular portuguesa, e realizar arte sobre a arte é do pior que há será considerar a vergonha pelo português em sua essência (faz-me até lembrar aquelas pessoas que sentem vergonha de amar quem amam e não demonstrando negam, simplesmente por essa pessoa não caber no estereotipo que decidiram para si ou a que estão habituadas). repulsa devemos sentir por muita coisa - mas nunca pelo engrandecimento da cultura popular. a este respeito, da arte da Joana Vasconcelos, só lamento que não seja ela a usar, gastar, sujar, gretar, as próprias mãos para fazer tudo. e é só.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

a propósito de uma notícia

que raio de máquina pode entrar em uma cozinha sem ser para lavar a roupa, ou a louça, refrescar ou congelar, fazer os sólidos passarem a líquidos ou até aquecer rapidamente? é uma pergunta estúpida na modernidade, eu sei, visto que são poucos os que vêm, e fazem, da cozinha um encanto. cada vez mais a repulsa pelas cebolas e pelo peixe a amanhar é maior - será, até, uma questão de imperialismo das mãos e do cérebro relativamente aos tachos e às facas e às miudezas de perícia, um caminho interdito à inteligência. 

e as mulheres são as primeiras a saírem para a rua a reclamarem pré-cozinhados e já-confeccionados e, imagine-se, a tal máquina, o raio da máquina que se chama bimby. bimby, veja-se lá isto, o caralho da máquina chama-se bimby, podia ter sido bambi - tamanha a ternura que inspira às mãos e cérebros imperialistas de facilidade e rapidez -, mas é bimby. e é vê-las gaiteiras e orgulhosas da criada rápida e eficiente: duas colheres disto, um vaso cheio daquilo e depois quando estiver apita. uma miséria de cuspir mesmo no prato onde de seguida os vão, os resquícios da bimby,  comer. tudo se perde nessas cozinhas: perde-se a alquimia, a criatividade, o cheiro, o talento dos dedos. perde-se a magia que é transformar e recriar. perde-se, enfim, a sedução dos alimentos que querem, sim, ser seduzidos. perde-se tudo - até a vergonha de se ser incapaz de assumir que as mãos e os cérebros imperialistas de facilidade e rapidez são bimbys: uma colher certa disto e mais outra daquilo só pode mesmo resultar nisto.

valha-nos a música que é para beber até esquecer.



há que tempos

não ouvia isto



e decidi, simplesmente porque sim, substituir sempre a expressão sou toda ouvidos por sou um orelhão.

seca e dura

olha lá, a gripe aviária não anda a pôr-te os olhos em bico?

risota pegada

César das Neves saiu do armário

faladuras



de repente, aquela lembrança, aquele paranço naquele momento, aquele movimento de ir - imagino sempre o ir para trás como a rebobinagem do VHS, com os barulhos e tudo -, e ficar. e depois de sair para os moinhos se moverem, arregaçar as mangas e meter as mãos na massa. desta vez é para fazer uma torcidinha bem comprida, fôfa e crocante ao mesmo tempo, que os tempos a isso convidam: desta vez acabam-se os papos secos, qu'isso não é daqui é de lá, e fazem-se tenras regueifas húmidas e vitaminadas e a fumegar.

terça-feira, 9 de abril de 2013

apolíneo

tarde de chuva é península inteira a chorar, cantavam eles - e ainda cantam -, e bem. penso que é mesmo para isso que as canções servem: para nos remeterem para lugares ou sítios, parecem iguais mas são apenas semelhantes porque o sítio pode ficar em um lugar mas o lugar nunca tem sítio, da emoção. e é por isso que a emoção é, não apenas um reino - sequer um mundo - um universo repleto de inteirice. só me vem à cabeça chamar a este universo de apolíneo, tamanha a beleza das emoções - boas ou más, apenas emoções. acabo, inclusive, de descobrir uma definição de vida: viver é sentir emoção. ou de morte: morrer é deixar de sentir emoção. e a adrenalina? a adrenalina, prima postiça e muito afastada da emoção, é o cérebro zangado - e invejoso, o ego pastichado de mulher - a querer fazer parte do universo. 
mas o que é seu a seu dono.





segunda-feira, 8 de abril de 2013

o nome da rosa



ter a rosa, conceito universal e particular, no nome é fantástico. e é fantástico porque começa logo por levantar a célebre questão: os conceitos são reais ou apenas palavras? realismo, existência objectiva, conceitualismo, representações intelectuais, ou, pura emissão fonética, nominalismo?

Umberto Eco, no romance, relembra precisamente a problemática entre o que é essencial, existência única na realidade - e por isso mortal, passageira e transitória -, e universal enquanto conceito imortal, eterno e imutável. ora está-se mesmo a ver que no meio de tanta contradição, como teia de delícia da descoberta, o nome da rosa dado a alguém merece destaque: é que do universal para o particular apanha-se a imortalidade mortal do eterno que é passageiro e também imutável na sua essência. complicado? não, nadinha, são simplesmente assim as teias - por isso é que apenas as aranhas as sabem, e conseguem fazer.

os nomes têm sempre uma narrativa por dentro dos nossos, e aos dos outros, olhos. e é por isso que é preciso parar para pensar no que eles sempre nos contam e sugerem: navegar nos nomes é preciso.

a opinião da Olinda

há mais marés do que marinheiros, ouve-se dizer. ou que o último a rir, ri melhor. mas agora será oportuno reinventar os dizeres: há mais péssimos comentários do que comentadores. e o último - que foi primeiro - a comentar, comenta melhor.

domingo, 7 de abril de 2013

não perder



o dicionário da Idade Média, Jorge Zahar Editor. mais do que ninho de trevas, Idade Média, berço da modernidade.

e isto liga com isto.

sábado, 6 de abril de 2013

chocada, diz ela

pede-lhe que saia de casa porque quer estar, estar é zimbrar; saltar à espinha; coçar a micose das pudendas, com a namorada. mas não é assim um pedido directo nem informal nem corado - não. é daqueles pedidos mascarados de ordem, a pretexto de falta de percebas dela, de palavras mal amanhadas que soaram mal. vamos lá ver, não soaram mal pela resolução do assunto em questão - não. soaram mal por serem contornionistas e secas e vestidas do que se quer nu. e ela ficou chocada, pois claro, arranjou-se à pressa e ligou a um punhado de amigas a ver se estavam disponíveis para almoçar - não esquecer que o sábado de manhã é aquele dia em que as esposas e as mães convencionais limpam as casas e mandam os maridos arrumar as garagens ou fazer puzzles com os filhos - e não estavam. depois lá uma se afeiçoou ao choque dela e a recolheu para umas boas horas de frete - frete porque não é fácil andar de aspirador na mão ao mesmo tempo que prestar atenção. e depois, já de tarde, quando chegou a casa viu a persiana fechada e resolveu aguardar à porta, na rua, expectante por algum sinal que lhe indicasse se o momento para entrar em sua casa seria oportuno. entretanto, desde a manhã até quase ao final do dia, houve cinema forçado, visita forçada a uma amiga e desfolhar forçado de livros. houve, enfim, uma vontade enorme, imensa, de que tudo fosse como antes: como era antes de não ser dona do seu nariz. 
chocada, diz ela. ela que, afinal, sou eu.

duas versões

está um sol magnífico e hei-de sussurrar-te ao ouvido para me cheirares como um cão.
está um sol magnífico e hei-de cheirar-te como uma cadela.


sexta-feira, 5 de abril de 2013

flash romântico

o miúdo, que apreciava enquanto esperava, tinha um apito de madeira. lembrei-me, entretanto, de um pequeno filme: o menino já era um homem e, apaixonado, soprou no apito de madeira, a madeira que absorve tudo inclusivé a saliva, e enviou-lhe como presente com o seguinte bilhete:

toma-o, meu amor, em teus lábios de seda e sente-o como meu - já que está carregado de beijos.

o teste da linguagem dos excrementos e das perguntas em manada

percebermos, em um primeiro contacto, qual é a tolerância de alguém a nós é bom. muito bom: dá-nos uma espécie de bola de cristal da hora ou do dia seguinte. não é que eu não goste do mistério e da descoberta, gosto muito, mas há um pequeno teste que só as pessoas, homens ou  mulheres especiais - as que valem a pena - conseguem passar. e a isso ninguém que me aborda escapa.

quinta-feira, 4 de abril de 2013


ó Relvas, ó Relvas

demissão à vista. adiantou-se.

acontece

é um carreiro, um potencial caminho das cabras - digo potencial porque nunca lá vi uma -, de largura não mais que dois metros, pedras estendidas - e emmusgadas, palavra inventada agora - ao sol e ao que o tempo quer, onde me sento quase todos os dias aquando do passeio da deusa. e é lá, por entre formigas frenéticas e flores despenteadas e bichesas frágeis, que descanso o cansaço dos dias de doença e afazeres de enfermeira postiça e de filha legítima, lá e aqui, que desfaço tristezas e trituro amarguras. mas nem todos os dias são dias - há uns e outros que de tão pequenina me sentir a alegria não cabe no entrar. acontece. e não a forço, a alegria é livre.

mixórdia

aos cães, a maldade chega-lhes pelo nariz: quando uma pessoa é ruim, eles nem lhe chegam, ficam de longe a mirar e a pensar que vá para longe, nem um ladrar desperdiçam, como são sábios os cães. e foi uma boa opção, a de quebrar a resistência, a de aderir ao LinkedIn: trata-se, de facto, de coisa séria e respeitável e cheia de bom gosto e ainda só me deu nos nervos ao de leve, coisa pouca, o que quer dizer que veio para ficar. além disso, vê-se mesmo bem quando um concurso público possui credibilidade: os documentos são entregues em carta fechada e fornecem o respectivo comprovativo de entrega. não é como foi com os outros azeiteiros que me fizeram percorrer quatrocentos quilómetros para me excluirem, invejosos, merdosos e pestilentos, lazareto d'abrigo.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

de papo cheio aos papos a encher

apreciar como e o que as pessoas comem pode ser um exercício fascinante para depurar características da raça humana - o que, de resto, só poderá acontecer, com a devida isenção, se se tiver o estômago já forradinho.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

alfazema ou mofo

há três meses, contentamento, excluiram-me, lágrimas e senão, sem razão. ou talvez não. talvez soubessem, os deuses, que por cá havia de abrir uma gaveta para mim. ou talvez eu precise tanto dela, da gaveta, e seja por isso que decidi pensar assim. o problema é que decidir pensar em gavetas tem tanto de alfazema como de mofo.
a insónia é inimiga do dia.

domingo, 31 de março de 2013

dar o pito

é a segunda vez esta semana que leio a expressão dar o pito, que já não ouvia há muito tempo, e achei piada. bem analisada, dar e pito, permitem-me concluir tratar-se de um engano de utilização. palavras usadas em tom de escárnio e graçola que pretendem designar oferenda por tudo e por quase nada merecem atenção e fino destaque em próximas utilizações: recomendo. ora dar é, não atitude gratuita de peso de apesar de não ser inteiro é parcial e o que interessa é o menos mal, algo de imensamente grande e generoso e com uma confiança e intimidade enormes por dentro. mais: dar pressupõe entrega, aquela rendição, o maior elogio, ao outro - o que deve acontecer muitas vezes mas não com muitos ou perde-se a essência da coisa que coisa sem essência é simplesmente nada. e o pito, ai o pito, o pito, esse calão divertido de se ouvir e dizer, é a alma do corpo da mulher, a fruta sumarenta que sacia a sede. dar o pito é, então, convençam-se, uma coisa nobre, nobríssima, e é por isso que deve ser dita, ou escrita, com uma coroa dourada por dentro.

sexta-feira, 29 de março de 2013

dica esperta

sabias que se esfregares os dentes, de quinze em quinze dias, com bicarbonato de sódio este funciona como branqueador? ah pois é - não serve apenas para retirar as manchas dos tecidos e das louças nem para desentupir canos nem para combater a acidez se ingerido antes das refeições, nem para acabar com os odores do frigorífico, nem para tirar cheiros das carpetes nem para livrar as baterias dos carros da corrosão.

não podes deixar de apreciar

 um realismo familiar e europeu

ao negro e ao nada

um passado de traição nunca perde actualidade

alho-de nápoles

?ossi marezif sele euq é omoC

José Sócrates no reino da estupidez

 a grande felicidade

música contemporânea

a posta numa alternativa biruta

coisas privadas

i am a camera

Thomas em Brooklands School ou a floresta na cidade

a sala de cinema é um antro de vício

da narrativa e da guerra das trincheiras

vamos lá ver se passarei a ser persona non grata no núcleo duro da brigada anti-narrativa.

ai cio polícia fosse vivo

ouvir dizer que uma mulher atrapalhada é pior que um polícia vivo deve ter o que se lhe diga, ainda por cima vindo de uma senhora idosa. só não sei bem qual será a teoria dela visto que o disse em um cemitério, esgar de riso, ao ver-me encher um balde com água enquanto apanhava um molho de flores que terá deixado cair no meio de tanta chuva. geralmente as velhas assanhadas, não é que goste muito de utilizar a palavra velho para me referir a gente mas neste caso não quero fazer sobressair a idade mas a usura que lhe descobri no olhar, como aquela, quando dizem uma coisa assim, ou seja, quando vão para os cemitérios ou igrejas aguardarem por uma alminha que se lhes afigure digna dos seus desabafos acerca dos falecidos, será porque andam com o cio, cio mascarado de roxosidades em véspera de sexta-feira santa. então disse-lhe assim:

cio coveiro aparecer pode ser que a ajude. ou então cio senhor que anda a desentupir os ralos por conta da chuva aparecer, diga-lhe do que precisa.

e ela, com a tal usura no olhar, descaindo-se da profissão do marido que foi mesmo polícia, lá se foi calando ao ritmo dos meus "pois, de facto, faz bem".  de uma coisa eu sei: antes o polícia estivesse vivo para afinfar a velha do cio. é que se assim fosse nem ela estaria ali naquele dia e naquela hora e nem eu demorava o dobro do tempo nos afazeres.

sugestão para quem gostar. e puder ir.


Luís Miguel Fontes, Contratenor, tem o prazer de o (a) convidar para os seus recitais de Páscoa 2013.
 
   Hotel Infante Sagres, sexta-feira dia 29 de março pelas 21h30
       PRAÇA D. FILIPA DE LENCASTRE, 62 | 4050-259 PORTO | PORTUGAL 
 
 
     Acompanhado a piano por Jairo Grossi 
  
     Canções: De Henry Purcell e Benjamin Britten  
     Árias: De A. Vivaldi e J. S. Bach
 
 
 
   Palace Hotel do Bussaco, sábado dia 30 de Março pelas 21h30
       MATA DO BUSSACO, 3050-261 | LUSO
 
      Acompanhado a Piano e Harpa por João Carlos Soares 
 
     piano -  Henry Purcell e Árias de A. Vivaldi
     Harpa - canções do Cancioneiro Portugês e Espanhol de entre os Séculos XIII/XVI
 
  
Obrigado.

fantasia frustrada

na sala de espera do hospital, ontem, uma criança para a outra:

clarinha, clarinha, queres vir comigo à casa de banho?
clarinha, clarinha, queres vir comigo à casa de banho?
clarinha, clarinha, queres vir comigo à casa de banho?

(repetir aí mais umas trinta e cinco vezes seguidas para sentir o verdadeiro efeito)

na mesma sala do hospital, ontem, uma criança que há em mim para outra criança que há em mim. em silêncio:

porquê que não se metem as duas dentro da retrete à espera que venha um cagalhão colorido armado em chupa-chupa fazer-vos felizes e caladas?

(repeti aí umas cinquenta vezes. é que a iteração por vezes torna a fantasia real o que, lamentavelmente, não aconteceu)

quinta-feira, 28 de março de 2013

mixórdia

se eu tivesse um campo com couves aproveitava, não apenas as couves, tudo: deixava umas e outras ganharem flor e depois colhia-as para meter nas jarras pela casa e na campa. são de um branco pálido com uma leve manchinha amarela, as flores das couves, que lhes dá viço e alegria e têm a perna longa, são esticadinhas em forma de sino. e se eu tivesse um pouco menos de bondade e de paciência fazia exactamente o contrário das couves: não deixava nascer a flor e fazia a minha mala, aquela quadriculada de bege e castanho e vermelho sangue de boi, fugia para longe, abandonava a vida dos outros para ir em busca da minha, fugia de dentro para fora. assim não, assim só posso fugir de dentro para dentro. valha-me a outra senhora, ai que riso, uma qualquer que não conheço, que se cruzou connosco na rua e parou a pôr-lhe a mão e o os olhos e o sorriso em cima, elogios a dançar no ar mesmo diante dela, dela que é a minha cadela, e depois disse: sabe, é que eu sou louca por gatos.

bem-vindo, Sócrates.

pouco me interessaram as palavras: fixei-me na narrativa dos olhares e das vozes e das posturas. e quem não viu o que eu vi, que foi um homem a querer justiça pela consciência do povo, não vê nada - antes anda com duas palas como os burros que são obrigados a puxar carroça.e adorei a repetição da palavra narrativa, sim, talvez agora o povo a fixe, e lhe saiba o significado, para depois, então, lhe encontrar o sabor.