quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

o caso do encontrar antecipado






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Portugal procura diplomatas

Portugal procura diplomatas



04.01.2013
O Ministério dos Negócios Estrangeiros abriu um concurso para diplomatas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros publicou esta semana a abertura do concurso externo para a categoria de adido de embaixada da carreira diplomática. O concurso tem como alvo cidadãos portugueses e decorre até dia 16 deste mês.

Ter uma licenciatura numa universidade portuguesa ou estrangeira, desde que reconhecida, é o primeiro dos requisitos para quem aspira a uma carreira diplomática. Mas a admissão como candidato implica ainda a apresentação do certificado do registo criminal, comprovativo do histórico fiscal, fotografia, certificado de habilitações e a requisição da admissão a concurso através do email concursoadidos2012@mne.pt.

O processo de seleção é rigoroso e implica várias fases. Depois da candidatura, o Governo publicará uma lista dos candidatos com a data, hora e local para a realização de seis provas: cultura geral, língua portuguesa, língua inglesa, prova escrita de conhecimentos, entrevista profissional e prova oral de conhecimentos. A entrevista é a mais determinante.



reúno todos os requisitos para concorrer mas, para além de ler no último parágrafo e última frase, (...) nem a entrevista nem as provas escritas são determinantes para o caso visto que os cartões de visita já foram previamente mandados fazer., em nada me atrai o protocolo e o sorriso pan-american.

será caso para dizer que não quero ser dalmataplomata.

Psiquêrela

curiosa a história da Cinderela que é, também, a da Gata Borralheira. a versão mais antiga chegou da China, ninguém pensa na China como contadora de histórias de encantar ou de belo desencanto, e outras se seguiram na França. a Cinderela, que é igualmente a gata borralheira, possui, de resto como todos os contos de fadas, um lembrete à humanidade, arquétipo fundamental, em sua concepção, muito mais do que uma simples trama romântica: o desejo de a psiquê humana ser reconhecida como especial e levada a uma existência superior. 

(o que eu queria mesmo era que fizessem um filme sobre a Psiquêrela já, neste instante, para me aproveitar dele e desfazer-me, com ele, em água.)


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

o que havia de haver e não há - ou há pouco:

telefones, de discar, com fios (aquele som tanto do rodar os números como do toque é uma delícia);
testos dos tachos com abertura suficiente para colocar uma rolha na pega (quem desdenha de usar panos anda sempre queimadinho);
leitores de cassetes (o problema dos CD's é que, tão frágeis, sem capas quilham-se todos);
livros com capas rígidas (o peso do abrir e do fechar é assim uma espécie de brasão de leitura);
pessoas que não sintam vergonha de dizer obrigada, por favor e desculpa;
pessoas que não vejam o amor como pieguice;

e também uma coisa que nunca houve nem há mas podia haver: clister cerebral. isso é que era, podermos ver o lodo, por instilação, a ser irrigado e purgado e esvaziado. depois podia ser vendido e reutilizado para fazer novelas subnutridas, bem ao estilo do sul. não é que tenha algum preconceito cultural com as novelas, até me parecem um óptimo veículo de exploração da realidade pela ficção. mas estará ainda, esse conceito, em águas de bacalhau e a digerir - com todos -, se tanto, uma vez por ano. chama-se natal das novelas e faz parelha com o dos hospitais.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

os pensamentos são de borla

é um óptimo, maravilhoso, pai; foi um excelente marido; foi e continua a ser, ao que parece, um fabuloso amante. mas para trabalhos manuais o meu pai é uma aberração: foda-se, demora uma manhã e metade da tarde para pendurar um microondas na parede quando eu o teria feito, se ele me deixasse e não tivesse o bichinho do machismo a pôr os corninhos de fora de quando em vez, em uma hora. só mesmo uma filinha de palavrões me sossegam, puta que pariu.

colete? não: forças.

são como são as coisas. há um dia ou outro, e um dia a seguir ao outro faz todos os dias, que pergunto por que isto ou aquilo é assim - pergunto a mim ou aos outros ou ao ar, perguntar ao ar nunca dá bom resultado talvez por este ser imenso e as perguntas se espalharem nele; perguntar aos outros também não é o melhor porque os outros não querem saber das minhas perguntas. e os dias que supostamente são equilibrados são aqueles quando, precisamente, nos ficamos por nós, como se fossemos uma concha fechada e dura impermeável ao exterior. supostamente o equilíbrio nasce da sensação de não precisarmos de nada nem de ninguém. supostamente. e essa é a maior mentira de todos os tempos, a capacidade de nos auto-convencermos que nada nem ninguém nos toca no melhor nem aflige pelo pior. é este o equilíbrio mais desequilibrado que há. e eu, amante da verdade, sou uma desequilibrada e, por isso, diariamente me atestam - por actos, palavras ou omissões - que preciso de um colete. a mim parece-me que só preciso de forças.


domingo, 6 de janeiro de 2013

se não és pelo porco, não leias.



a carne de porco anda na berra, como que a gritar eu cá sou boa, sou muito boa, nos melhores restaurantes do país - não é que ande a comer em restaurantes mas ando a ler por aí sobre porquices. longe vão os tempos em que comer a vaca era um luxo (curioso que ninguém pede carne de boi no talho. eu tenho uma teoria que, de resto, parece ser partilhada pela evidência de qualquer boca que se preze: enquanto que a vaca possui aquelas gordurinhas tão suculentas que a fazem tenra e gostosa, a porca é rija e a sua carne tem um sabor inconfundível, amargo, ácido, como que com resquícios de urina no lombo. é como comer galinha em vez de frango - vão-se os dentes e até os garfos e fica a galinha ali, rija, teimosa como se viva ainda estivesse). a nova tendência da cozinha gourmet está no porco: lombo, cachaço, perna. obviamente que se é possível fazer um belo assado para seis pessoas com cinco euros o mesmo não acontece se for vaca e será este, estou em crer, o maior argumento para o porco andar na moda. mas se for só este é fraco: o porco possui mais gordura, é certo, do que a vaca mas em contrapartida muito menos toxinas e, reconheçamos, é uma carne mais bonita, rosadinha, de textura mais uniforme. e depois há o courato, aquela maravilha que quando estala e se apresenta dourado faz-nos ter um orgasmo visual, olfactivo e de paladar - não fosse, isso mesmo, a cozinha e a mesa, os sítios onde são inventados e misturados e preparados e degustados os orgasmos. 

(então e a cama? a cama também, claro. mas a cama é como a mesa: sem a cozinha não existe.)

sábado, 5 de janeiro de 2013

dica

aqui fica uma óptima, excelente, dica para quando alguém que está mesmo à nossa frente a irritar-nos e não podemos ripostar por conta de o pai zangar: imaginar e ver, ali mesmo, aquela pessoa, roupa baixada até aos joelhos ou mais, completamente indefesa a não ser com o cheiro carregado de balas pronto a disparar, a cagar. o resultado não poderá ser uma gargalhada estridente mas uma puta de uma risota pegada cobertinha apenas com um leve e jovial sorriso.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

a atitude não engana

factos são factos e nota-se perfeitamente quando um cão é paneleiro: a minha cadela sai magistosa, da porta para a rua, e ele olha-a de esgueira, como que a dizer credo! que é isto, inhac!, sem se chegar, e dirige-se de imediato para o outro que por lá anda - e desata a lamber-lhe a tringalha.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

andar

vais a pé ou de carro?
vou de carro.
mas faz-te bem andar.
pois faz, se faz, ando sempre muito nas nuvens.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

nevoeiro novo

acordou cerrado, talvez em protesto pelo forte ruído da trovoada artifícial da noite que caiu, mas em jeito de dissipação: que nevoeiro, mesmo teimoso, resiste aos encantos dela - da luz brilhante dos raios de sol?

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2050


a aproximação do novo ano traz uma sugestão para pôr na mesa do jantar: salmonas-touras. dizem eles, os americanos, que mais cedo ou mais tarde esta espécie verdadeiramente gourmet chegará aos pratos dos europeus. chegará o tempo, espero entretanto não ser viva, em que os humanos se alimentarão de pílulas identificadas por cores - azul logo de manhã ao pequeno almoço, vermelha ao almoço e ao jantar, e branca para as refeições intermédias. cada caixa equivalerá a uma estrela, que irá funcionar como um acumular de pontos, e quando as famílias alcançarem as cinquenta estrelas recebem um prémio: uma ida ao cinema para assistirem a uma sequência de curtas metragens sobre cozinhas, alimentos e essas coisas muito antigas.

domingo, 30 de dezembro de 2012

este ou outro

as rachadelas na pele dos dedos começam, finalmente, a cicatrizar. por vezes parece que até a pele perde a noção do tempo, nada de incomum, mas também do espaço: perder a noção do espaço, não dar pelos olhos e pelos ouvidos a ficar, é uma coisa como que do outro mundo, mas qual mundo, de um outro qualquer que não se conhece e que até poder ser mesmo este.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dom Galo Cantão

mais minuto menos minuto o galo começa a cantarolar às seis, digo que é galo pela voz - as fêmeas são mais agudas nos sons que emitem mas, quer dizer, há sempre excepções -, e faço-lhe de imediato uma história: de crista bem desenhada cor de vermelho sangue de boi, apruma-se. de tal forma que, em redor, espalha penas castanhas que dão no olho a quem passa - esteve cá o Dom Galo Cantão, dizem, bem cedo, pela manhã. e ele, depois de o saber, faz também ele uma história quando pensa no que pensam: pois foi, pois foi, é uma grande pena as penas acabarem por voar e o Dom Galo Cantão também vai bem com o sol a querer montar a lua, não só com a aurora, não deveria ir embora.

sábado, 22 de dezembro de 2012

é mais ou menos isto

aquela coisa de comer rissóis com arroz ou massa faz-me comichão. se há quem agora coma muito disso, por conta da crise, outros já o faziam, fazem, e continuarão a fazer. é quase como usar o jornal, que é aperitivo de informação e reflexão, para limpar as pudendas.

que viva

há um mistério por onde o dezembro se embrulha. e não importa se não se é católico, se se é ladrão, se se caga na banheira ou se os sinos dobram: o Dezembro pica as pessoas e da picadela se faz mel. as gentes sorriem mais, distribuem abraços, pedem perdão com os olhos e incitam ao amar.chamam-lhe natal ao mensageiro da reconciliação - eu chamo-lhe cansaço de fim de ano, balanço dos músculos das birras e da maldade, escape, spa da inconstância. e não importa o que é, de onde vem, quem o faz e para onde vai. importa que nem que seja uma vez por ano as gentes páram, olham de frente, muitas até gastam o que não têm; por uma vez durante o ano as gentes dão prioridade aos que mais amam, aceitam em vez de julgar; pelo menos uma vez no ano jantam e conversam à mesa, esquecem os pneus furados da vida e bebem, no copo melhor da cristaleira, alegria tinta ou verde ou madura.

se o natal é isto, o natal só pode ser bom - um vírus altamente contagiante que se propaga à velocidade, não de um carro puxado a renas, de um tgv. mas talvez o natal não pegue em todos - há quem já nasça com o vírus e tenha com ele convivido toda a vida; há quem viva e deseje viver em natal todos os dias; há quem enfeite a mesa do jantar todos os dias, quem faça rabanadas e petiscos em dias que são apenas dias; há quem abrace estranhos porque vê tristeza nos seus olhos; há quem faça um poema a alguém só porque sim, porque esse alguém existe. há quem simplesmente viva para amar e partilhar e morrer e renascer e amar e partilhar até morrer de novo. há. 

de qualquer forma, se é no natal que as gentes amam, nem que seja por um segundo ou um minuto ou uma hora ou um dia ou uma semana ou um mês, que viva o natal. que viva o mistério por onde o Dezembro se embrulha.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

vi. ver. viver.




passamos e vemos o mundo, já não sei bem se vemos ou se é ele que nos vê a nós, umas vezes como se apresenta e outras, muitas mais e melhores, como queremos. naquele minuto em que o vemos como se mostra corremos o risco de morrer, quero dizer morrer mais amiúde, por tanta e tão grande ser a sua miséria. depois tiramos daqui para pôr acolá, pintamos no canto, esticamos a encorrilha, bordamos a dobrinha e escolhemos-lhe uma banda sonora que vamos buscar à reserva - adega que fica na cave da memória. e está feito, passamos por ele airosos: quase tanto como quando ele passa por nós sem nos olhar de frente e apenas indiferente.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

a fundo




quais pérgulas se vêem de longe
que não as do sentir que são perto?
truz-truz, bate na casca da amêndoa que é ainda flor,
de branco enroscada,
porém quente, a ferver,
ai como é estridente o eco em arrepio de lá!
devagar, devagarinho, pousada que está em pousio.
há cheiro de terra queimada, corropio, festa de querer molhar
 - o fundo é sempre bravio, sussurram os querereres,
não há quem nele se queira afundar.




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

sinais porqueiros

quando os automóveis começam assim como que a tossir, no meio da estrada, quererão dizer-nos que estão doentes ou apenas a avisar-nos que a doença vem a caminho? curiosamente, nestas alturas, nem um stop nem um semáforo vermelho aparecem - só sabem ser inconvenientes na saúde, os porqueiros.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

não há título

querermos o que não é para nós, não porque sentimos que não é mas porque não depende de nós que seja, é triste. e nem sequer há título para disto.

domingo, 16 de dezembro de 2012

irresistível

a edição especial mentos bésame (duas das drageias são cor-de-rosa);


family guy.

a verdadeira Maria Sangrenta




o que teria feito a rainha da casa de tudor se descobrisse, na época, que trezentos padres andariam a abusar de mais de trezentas criancinhas? não tenho dúvidas que justiça seria feita: as criancinhas haveriam de ser punidas.


sábado, 15 de dezembro de 2012

o que é seu a seu dono

vinte e poucos anos, ucraniano, bem vestido e bem parecido. entrou na mercearia como se fosse um cliente e começou a pedir. ao fim de alguma insistência a senhora disse-lhe que todos os dias não podia ser e ele desatou a gozá-la. sangue a ferver, o meu, disse-lhe para ir embora e o gozo mudou de direcção. seguiu-me até casa em rol de piropos e insinuações e de suposto cliente passou a  exímio vendedor. força a porta da entrada sempre a sorrir desconhecendo a minha força. desejei, entretanto, que se fodesse todo - que uma gaivota lhe cagasse em cima e o cegasse ou que fosse atropelado por uma tempestade. maus pensamentos afastados, já em casa, vou ao terraço e ouço gemidos: lá estava ele, estendido no chão do condomínio, que quando molhado parece encerado, escarrapachado. não cegou de merda e não se encharcou até aos ossos - mas caiu. caiu como caem todos os que tentam passar por cima dos outros.  e ainda pensei em descer para ajudá-lo mas travei-me: o que é seu a seu dono.


zangados

zangados, ai qu'os deuses andam zangados!, fazem-na cair cheia de força e direcção em conluio com o vento. sim, porque a chuva também sabe ser doce e serena - isso é quando os deuses se despem todos e trocam águas, de fininho, sem precisarem de nos dar banhada da grossa.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

miséria onde não mora o amor

estás de vida falida mas já amaste uma figura pública? então estás à espera de quê para leiloares as cartas de amor?

são assim os tempos de cólera onde a miséria humana verdadeiramente se despe - ou se veste de oportunismo. aqueles que terão sido os mais bordados sentimentos, vertidos em pensamentos, de amor são violados e massacrados e humilhados. o contrário também existe: também há quem use o que sente, sem ter vivido o que sente, para escrever livros de amor e assim ganhar a vida - a sua. há quem venda livros, compilação de cartas de amor, e transforme o amor em almanaque e assim perca a vida - a dele, a do amor. 

e o amor, ai como é inteligente e sensível o amor!, nunca mais quererá alojar-se em quem se vende, em quem o vende. e é essa a sua justiça. 
porque o amor não pode ser vendido. 
porque o amor, ainda que em papel, não é de papelão ardido.

não

o que nasce primeiro: a confiança e a intuição de intimidade com quem partilhamos a dor e a alegria ou a satisfação e o alívio decorrentes dessa partilha? haverá partilha sem o interesse em quem sentimos que nos podemos entregar?

texto interessante com questão interessante

ontem fiquei a pensar em uma questão daqui e em como partilhar aqui, e em outros sítios, será controlar a doença pelo seu descontrolo. às tantas há um motor de controlo qualquer que desconheço - não percebo nadinha de html.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

foder vinte e cinco euros em um ginásio nem é caro

o kit da morte tem cereais, sabão, velas, fósforos e vodka. ficamos todos a perceber o quanto a morte aprecia energia, limpeza, luz, e descontração. bem visto a morte é, para os Russos, um ginásio de vida.

nestum com pensamento e mel

viver a não esperar nada é, não há paradoxo, esperar tudo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

teoria social crítica da razão indolente


como eu gosto do Boaventura de Sousa Santos.

abandono

rompe o dia, outono de malas feitas a beijar o inverno, a romper o dilema: é preciso continuar a acreditar nas pessoas mas também ter serenidade para aceitar o que não posso mudar. cheira a palavras por cumprir; cheira, de mansinho, a abandono.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

mais de estranheza

disseram-me para passar na junta de freguesia, a buscar o documento que pedi, às dezanove horas. perguntei logo assim: a junta foi privatizada? vi, apenas, olhares cruzados mas ninguém sorriu.

coisa estranha. mas simples.

diz-se por aí, o povo diz, não é só o poviléu, que os sogros e os cunhados são para toda a vida. ora isso não me faz qualquer sentido. os afectos da altura foram, por minha vontade e necessidade, desaparecendo assim como todas as ligações, ficando apenas a memória que quis conservar. assim sendo, como é que se pode enviar uma mensagem dizendo: o teu sogro morreu. o meu sogro? quem caralhos é o meu sogro, pergunto-me de imediato. depois vou à minha gaveta secreta e fico triste porque o senhor morreu, porque vai deixar de tratar da figueira de que tanto gostava - mas não por ter sido meu sogro. é simples, afinal.

pequeno sol





banco de tela achado
pequeno canto
águas em olhos de anzol
rasto d'encanto ao desencanto
cuecas de nevoeiro, ainda, no meu pequeno sol


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TPM, princesa, enfermeira, e probabilidade

há uma probabilidade bastante forte, tão forte como outra qualquer, de toda a série de episódios do internamento da princesa ter sido desencadeada por transtorno pré-menstrual (TPM):

1º episódio: com mais tensão e fragilidade do que o habitual, em fase de TPM, Kate, durante um evento social, terá dito a William que se esquecera de tomar a pílula várias vezes nesse mês ao que ele respondeu: está tudo bem, querida, os esquecimentos também podem ser filhos de Gales;

2º episódio: volvidas algumas semanas, Kate não consegue tomar o seu suco de laranja natural pela manhã e queixa-se, em lágrimas, ao marido que de imediato a transporta ao hospital questionando-a no percurso: querida, não está para te descer o sangue? deverá ser isso mas isso merece um exame, tu não és uma qualquer, tu és a minha princesa;

3º episódio: em altura de TPM, dia de transtorno positivo, sim porque o TPM é inteiro, uma jornalista australiana decide convencer o seu colega a ligarem para o hospital e reinarem com quem lhes atendesse - objectivo cumprido enchem o papo, e o mundo, de riso;

4º episódio: embuste descortinado e a enfermeira, que atendeu o telefone e passou a chamada à sua colega para solidariamente informarem a família real do estado do sumo que ficara no copo do pequeno almoço da princesa, aparece morta - suportamente morta pelos ecos do riso.

cenas do próximo episódio: terá sido o TPM a matá-la, uma espécie de eutanásia (um estou morta por te matar) entre si e si?

(não perca. mas também não morra, entretanto, de curiosidade)

domingo, 9 de dezembro de 2012

semiótica



o eco é uma reacção ao som perante o vazio. ou então, não: o eco é, simplesmente, a depuração do som ou da imagem ou da palavra ou do gesto.

não restam margens para dúvidas é naquele ponto de o Eco ser Umberto.

sábado, 8 de dezembro de 2012

que rica filha da vida

aflição, tanta dela, pior do que aquela quando se perde a carteira com os documentos sociais todos - porque esses podem não se conseguir recuperar mas renovam-se, quando venho para escrever aqui, entretanto confesso que já se foi de fininho como o vento de outono, e não vejo as definições de administrador para poder escrever. acudam! acudam! que desgraça!, gritei em silêncio que até as membranas sonoras ficaram moucas, dedos em agitação, olhos a procurarem soluções, desatino. depois decidi tomar um banho, a água ajuda a lavar os pensamentos, e já cá estou. estou habituada a virar os imprevistos do avesso, a procurar soluções, a arranjar alternativas, que é como quem diz: sou uma boa filha da...da vida, pois claro.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Valquírias



terá sido amor à primeira vista, aquela coisa do só quero esta e mais nenhuma, que sentimos pelos olhos. o abraço, tão fágil e tão forte, selou aquilo que viria a ser uma das ligações mais importantes da minha vida. ela é especial por ser ela mas cada vez mais me convenço que terão, ela e mais uns quantos a si semelhantes, um mistério-delícia - uma espécie de personalidade e de carácter que as faz maravilhosas, inigualáveis, insubstituíveis.

Miguel Ângelo, no século dezasseis, enquanto pintava a capela Sistina, tinha como companhia uma spitz que presumo querer que se tivesse chamado Donna; Mozart, dedicou uma ária à sua spitz Pimperl no século dezoito; Chopin, no século dezanove, não resistiu aos encantos da sua, vou chamar-lhe assim, Dame dedicando-lhe a Valse des Petits Chiens.

todos os dias eu dedico, e devo-lhe, boa parte do meu tempo e da minha alegria. a Valquíria carrega nos olhos a vida; elas, a Valquíria, a Donna, a Pimperl, a Dame, são forças de vida. até à morte.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

vivertariado precisa-se



fazer voluntariado está na moda - está na moda ser parte activa de uma causa, de preferência de uma que seja notícia e que engrandeça quem nela participa o que é, per si, uma contradição com o altruísmo que é, que só pode ser, o voluntariado. ser voluntário, na vida, é muito mais do que contribuir para bancos alimentares ou juntar e distribuir cobertores e meias pelos sem abrigo - ser voluntário é dar de nós, atendendo às necessidades dos outros, não quando apenas podemos, quando sentimos que de nós precisam. ser voluntário é mais coisa intuitiva do dias do que demanda vestida a rigor nos nossos dias.
somos voluntários quando afagamos um cão abandonado mesmo antes de lhe darmos comida; 
somos voluntários quando ouvimos a nossa vizinha que não tem com quem falar; 
somos voluntários quando cuidamos dos filhos de uma amiga; 
somos voluntários quando ensinamos alguém a escrever melhor - não pelo prazer que sentimos em ensinar mas antes pelo prazer de vermos nos olhos o brilho de aprender; 
somos voluntários quando nos inibimos de ir a uma festa para fazermos companhia a alguém que está triste; somos voluntários quando decidimos partilhar as compras do mês com aquela pessoa que está sem trabalho; 
somos voluntários quando damos aquela força, desenhada a abraço ou palavra, a quem dela precisa; 
somos voluntários quando, simplesmente, fazemos da vida, da nossa, um punhado de versos que embelezam outras vidas.

e é no meio do viver, do viver alheio às crises económicas e políticas, onde o ser e os seres se misturam, do viver que é sempre mancebo da vida, que dar é ser. que dar é ser voluntário.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

há mais medo do que frio

e então, não há cachet para o homem?

breve, brevíssimo, ensaio sobre a cegueira



tamanha foi a vontade de devorar o par de donuts, nunca tinha comido donuts por razão alguma em especial - só mesmo por falta de curiosidade e vontade, mesmo ali, entre a estação de serviço e o carro, que, gula em cegueira, usei a chave do carro para abrir desalmadamente as embalagens. no fim, quase em sintonia com o arroto de consolação, percebi que há abertura fácil. mesmo fácil. e riso também.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

não. não te amo, Porto.

há cidades por onde a luz, ao passar, se deitou. cidades onde não moram dias escuros que arranham a barriga do céu.
há cidades de horizonte, verde à vista, onde a marca do homem não cheira a vã conquista.
há cidades onde o riso das gentes é feliz, breve serenar dos passos da semana, e a compasso.
há cidades onde as viúvas enrugadas cortam o picho e se reunem no doce falar.
há cidades onde os olhos, em tanto espaço, fazem pausas a descansar.
há cidades onde se mistura o urbano com o rural e onde o jumento é portento.
há cidades onde o lixo não dói e as flores são enfeites.
há cidades assim, sim, mas o Porto não é uma delas.

domingo, 2 de dezembro de 2012

a espinha de peixe vai para os Portugueses



política
(grego politiká, assuntos públicos, ciência política)






hoje é domingo e decidi, não ir à missa, ir ao dicionário. 
com algumas definições objectivas e claras podia estar tudo dito. mas não está: o que falta à política em geral, e à portuguesa em particular, é precisamente o prefixo bio - as três letrinhas que exprimem a noção de vida, do viver; que exprimem as costuras dos fundos, dos fundamentos das pessoas e dos bichos e das coisas. falta a consciência de que são as pessoas que dignificam a Cidade e não o contrário; falta o respeito pelo semelhante e igualmente pelo oposto; falta, na Assembleia da República, um punhado de versos nos discursos que arrebatem - e contrariem - o monte de estatísticas e de gráficos de espinha de peixe que mais não são do que isso mesmo - um peixe desnudado até à espinha que nem os gatos querem. 


façam biopolítica, senhores!, apretrechados de bioética!, num estado que é suposto ser de biodireito!


sábado, 1 de dezembro de 2012

Cinquenta anos seria pouco, Renato.

há coisa que nunca me passaria pela cabeça ser: juíz. andar ali a acompanhar as manobras e os contornos à lei das defesas e das acusações; amar cegamente a lei porém sabendo muitas vezes que vai contra os valores e o carácter; decidir o caminho de gentes. mas já que existe o poder, esse poder, para manutenção da ordem da Cidade, custa-me perceber onde está a dúvida perante alguém que matou a mesma pessoa várias vezes depois de andar a tirar proveito e a prostituir-se movido a fama e a dinheiro. custa-me perceber que a insanidade mental possa constituír argumento de não-culpa. parece-me óbvio que alguém que finge estar em poesia apenas para se cobrir de sucesso mostra já indícios de insanidade mental - assim como é obviamente irrefutável que ele matou e esquartejou e voltou, humilhando a própria humilhação, a matar e a esquartejar o mesmo homem. como é que perante provas e evidências e confissão existe a dúvida de condenar quando condenar significa exactamente isto: vais, não pagar pelo que fizeste porque o senhor nunca mais vai poder, sequer, ver o sol, ser castigado a teres uma vida bastante limitada ao ponto de, pelo menos, te debateres com a tua consciência e deixares que ela te consuma alguns anos - sempre poucos - da tua vida.

porque o amor nada tem que ver com injustiça. e a mãe do Renato, estou certa, sabe disso.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

tormenta




veste-se de lã fina a tormenta
sobretudo abotoado e nos bolsos ardil
calça vida de cano alto
solas de veludo, caladas, quem a vê passar?
e por debaixo vai nua como se água em cantil
em pele e em ossos na rua
tapada p'ra não chorar
é o riso, o choro da tormenta
que de tanto rir já não aguenta.

especializar diversificando




não é que não fique contente por ele, por nós, mas estou cada vez mais convencida dos lobbies nas artes: uma vez na ribalta - sempre na ribalta. existe uma predisposição natural no Homem para rejeitar o novo, o que é um perfeito paradoxo porque a arte vive, precisamente, do novo. até a recriação é feita do novo. mas investe-se sempre no seguro, no que está tido como certo. e depois, como aqueles casais que só querem um filho pelo motivo de quererem dar tudo a um só, esquece-se a alegria que também é a qualidade da quantidade: apesar de a especialização constituír vantagem competitiva, os monopólios são completamente devastadores dos mercados.

há maravilha

a grande vantagem da falta de dentes é, em ocasiões de festa, proporcionar, boca a nu, o deleite de máscaras naturais, versatilidade em destaque, engraçadas ou horriendas.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

conclusão da entrevista do último ministro

a dor social é exactamente provocada como a dor de corno: a consciência da realidade, de quem está a encornar, é absoluta depois do vir sucessivo em ajustamento da austeridade.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

é isto:

serenidade para aceitarmos aquilo que não podemos mudar;
valentia para mudarmos o que podemos mudar;
sabedoria para distinguirmos o que não podemos do que podemos mudar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

felicidade básica



 quando o povo bebe socialmente, não um copo mas aqueles que forem suficientes para se sentirem outros, nada em redor importa e os hálitos uns dos outros cheiram a gomas frescas - cheiram a alegria e a felicidade consoante a adrenalina vai aumentando; no dia seguinte, esquece lá isso de os halitosos a pato podre saberem o que são auroras e manhãs, já a si voltados perto da hora do jantar, o cheiro do pato podre continua a ser alegria e felicidade: tens um hálito que tresanda. tu também. eia, estou tão feliz, eu bem sabia que somos compatíveis! sim, somos, temos de comemorar. e assim morrem, vão morrendo, os patos. depois os patos ficam podres mas há sempre uma desculpa para acolher os patos podres e ser feliz. e a vida segue, tamanha felicidade básica, entre patos podres marinados em etanol.

obs.: os patos podres são os maiores condutores, e ejaculadores, do mundo.

sábado, 24 de novembro de 2012

obtusidade mórbida



gostei, e gosto, particularmente desta passagem que ilustra claramente a teoria de Deborah Tannen: "A espontaneidade corporal é muito mais natural na mulher do que no homem, o qual necessita de mediações do tipo desportivo ou higiénico para ter sensações físicas. (...) as mulheres usam a comunicação como se fosse uma rede afectiva, feita de confidências e longas descrições; pelo contrário, os homens falam exclusivamente para transmitir informações ou, no máximo, para resolver problemas." os que simplesmente não falam também os há.

depois, excepcionalmente, existem os homens-poesia - os que não cabendo apenas no rectângulo da comunicação obtusa (mas que não usam, obviamente, a poesia para auto-engrandecimento) são também dela feitos para serem. para serem homens. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

nobel

o suporte físico do prémio nobel da paciência só pode ser, não uma medalha; não um sofá, um banco rendilhado de jardim.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

é isso, é mesmo isso.

o que é, perguntou-me o Vasquinho com a boca ainda suja de chocolate, o amor?
olha, o amor é quando alguém consegue despertar - ou fazer aumentar - o melhor em nós e quando conseguimos despertar - ou fazer aumentar -, nunca o pior, o melhor em alguém.
acho que percebi: quando o meu mano nasceu eu comecei a portar-me melhor para a mãe descansar mais. e agora que nasceu o outro mano, também o Duarte se porta melhor e dá mais beijinhos à mãe.

aprender durante a dor

já não me lembrava de acordar de olhos colados, pestana com pestana, com super-remela três, tamanho o cansaço e vontade de ficar esticada, mamas estreladas no colchão e mãos que agarram a almofada.

passar muito tempo em um hospital, por pura amizade, pode ser motivo de aprendizagem pela observação e muitas, muitas perguntas. dicas para as mamãs e papás e para quem quiser saber:

a) a melhor técnica para acabar com a obstipação, além de introduzir o cotonete até meio - até áquela covinha onde se chega depois de um ligeiro desvio - será injectar uma pequena porção de glicerina líquida no rabinho do bebé. também pode ser usada em adultos mas com uma grande quantidade e, estive a pensar, talvez o cabo de uma colher de pau possa substituir o cotonete;

b) a melhor forma de provocar o arroto é pressionar com força, com força não é encostar, o meio das costas do bebé depois de colocá-lo na vertical contra o peito;

c) o leite só sai do bico se toda a zona do mamilo for pressionada. isto significa que muitas vezes o bebé está a agarrar no bico e a chupar absolutamente nada. há que meter toda esta zona na boca do bebé. para testar, a mãe poderá massajar - agarrando o mamilo como se faz com as vacas e, premindo, verificar que o leite sai de esguicho;

d) nada de colocar a fraldinha de pano, em rolinho, encostada à cabeça do bebé para aconchegá-lo: isso impedilo-á de se defender em caso de refluxo;

e) roupa a mais e calor a mais só geram desconforto e sobreaquecimento que poderá dificultar a respiração do anjinho;

f) para verificar se o bebé tem dores na barriga, ou concluir que o seu choro vem daí, massage-se a zona abdominal de forma a que se consiga unir, com os dedos de uma só mão, as extremidades. se tal não acontecer é porque o saco está cheio de caca e flatos;

g) um bebé feliz não precisa de grandes artifícios: precisa de amor, precisa da mama da mãe, precisa da voz do pai e de sentir absoluta serenidade, coração que palpita em tu-tu-tu, vinda da mãe quando está a mamar.

chamo a especial atenção para os pais mais ignorantes que, ou por escassez de recursos materiais ou por tradição da manutenção do brasão da desinformação de família, dão leite de vaca aos bebés: já nos vinte, ou nos trinta, serão adultos completamente podres e sem qualidade de vida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Sciuridae




existem duzentas e setenta e nove espécies de esquilos. são mamíferos pequeninos, queridos, que se alimentam de sementes, adoram bolotas, frutas e insectos. fazem ninho nas árvores, têm bom gosto, são arborícoras os que conheço: são de actividade diurna e possuem os sentidos apuradíssimos - tanto que tento, por vezes, fotografá-los sem sucesso: ao mínimo ruído trepam para as copas onde permanecem até quando lhes apetece. tem dias que passo horas a apreciá-los, eles merecem ser apreciados. estou certa que também eles sentirão saudades minhas.

domingo, 18 de novembro de 2012

o riso da desgraça

 
construção civil(CALUTEIRO)
Prosetil,lda - Barcelos
Meus senhores isto é o seguinte esta empressa Prosetil,lda nao paga,pois eu tenho o meu marido ai a trabalhar e ja nao recebe a 2meses,e tenho provas de tudo para quem quiser,desde Agosto ate ao dia de hoje so lhe tem depositado o dinheiro aos poucos,numa semana deposita 200euros,na outra 150euros,na outra a seguir 250euro,e como esta empressa paga.
Voces nao seijam enganados por esta empressa como o meu marido tá,anda a passar dificuldades porque nao tem dinheiro para comer.
Nem o patrao aparexe onde ele ta para o mandar embora para PORTUGAL,nem atende o telemovel.

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vai morrer longe, angústia!

fui ver se conseguia trabalhar em um restaurante italiano: trezentos euros, contrato nicles, e um Maurício, o Senhor Maurício, a levantar-se e a meter as mãos na tomatada enquanto me entrevistava. nesse momento, depois de meses em angústia, senti que estava tudo errado - senti: pára tudo, Olinda, vais já a correr embora daqui e vais decidir aceitar que não depende de ti esta fase da tua vida. mas depende de ti ires para onde tens de ir, viveres como uma reina, a reina que és tu, e esperares que surja uma oportunidade de acordo com o que tu mereces. vais parar, vais mudar, e vais viver sem angústia. como que por um instante de magia, senti o meu mar serenar; todos os meus músculos relaxaram; a vontade de chorar deu lugar a um sorriso rasgado. e dormi tranquilamente durante toda a tarde como se estivesse, e estava, a ser orquestrada por pássaros pousados na orelha.

é no limite, sempre no limite, esganada pelas impossibilidades, que, afundando-me, renasço. começarei do zero, sim, mas com a maior força do mundo. e a casa, a minha casa, passará a viver no local mais meu que existe: dentro de mim. até conseguir, novamente, fora de mim. até conseguir.



sábado, 17 de novembro de 2012

o novo merdoso medroso

não gosto nada, detesto, de ouvir chamar velhos. o que é isso de velhos e relhos, bocas que deviam estar cerradas pelo odor que desnudam. obsoleto é quele que não vê na pele flácida e no cabelo que cai a sabedoria; velho é aquele móvel carcomido pelo tempo e pela saudade de ter guardado vestidos floridos da senhora; velho és tu que não vês no sorriso desdentado uma alegria, uma quentura. velhos são os teus intestinos que já estão podres de tantas fezes reteres. vá, caga-te todo, tu que não sei quem és mas que és aos montes, caga-te pelas pernas abaixo para perceberes o merdoso que és, o medroso do tempo que tem medo que o tempo goste de te ver passar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

coisas boas

hoje é dia do desassossego.
e o CD faz trinta anos.

tic-tac

a insónia não é mais do que um despertador baralhado, confuso, que toca no escuro e é bem claro: não te quero em pequena morte, o sono é uma pequena morte, dou-te apenas uma morte soluçada, cheia de falhas: tic-tac, tic-tac, toca a acordar, é preciso pensar, não parar de pensar. e depois fatigados - a insónia fatiga o sono e o sono fatiga a insónia, decidem ficar amigos e, repetirem por tempo imprevisto, tomarem chás na noite, nas noites. tic-tac, tic-tac, tic-tac.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

apinhalada por cima

tirar a casca aos pinheiros sabe-me bem e elas, as árvores, não zangam: faço-lhes madeixas escuras e ficam a parecer vacas a ver-nos pastar. tem dias, porém, que devo exagerar um pouco mas logo recebo o aviso: apanho com duas ou três pinhas que descem lá do alto e me dizem
 por hoje já chega!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

como? como?




quando Amélie Poulain se desfaz em água ou quando a mula se atravessa na linha de comboio para se suicidar. não há imagem melhor para uma emoção arrebatadora do que a de alguém (des)feita em água. nem para um desgosto de amor que é sentido como um comboio a trucidar-nos. a vida não é, não pode ser, pedigree cem por cento real - o que a vida tem de mais fantástico é, precisamente, a fantasia. é o véu transparente que cobre, descobrindo, toda a realidade. a fantasia é a poesia e o romance da vida, local absolutamente inseguro, o do embelezamento, para se viver em absoluta segurança. mas o mundo está cheio de gente com pedigree cem por cento real: um olhar não tem narrativa - um olhar é apenas a função vital dos olhos; uma carta é aquilo que se escreve para reclamar às finanças - não existem cartas de amor; a intimidade não é uma história de encantar - é uma sequência de fodas; um bife com batatas nunca é um momento de apreciação balsâmica - um bife é uma fatia da vaca que foi esquartejada no caralho do matadouro e as batatas são mero acessório transformado em óleo a ferver.

conviver com gente de pedigree cem por cento real teve sempre de ser desde que nasci, aguça-me a paciência e o engenho para a poesia e o romance, mas só porque no final - ou no começo, é quando calha - há sempre o oásis de recolha, o escape, a casa, a minha casa, onde posso descartar-me dos cheiros e das crostas que a convivência com eles me deixa na alma. mas e se deixar de ter a minha casa? como vou sobreviver no mundo do pedigree cem por cento real que não se coaduna comigo, eu que sou traçada, raça de prosa e poesia, de realidade com fantasia?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

portugalim

no século dezasseis nós jesuítámo-los. agora eles, do cimo da burra, e do cavalo lusitano, toureiam-nos: olé.

puro terrorismo

não percebo nada de sexo e muito menos de sexo anal, do gosto e das asas, mas estou certa que se for com alguém que eu ame e que me ame também vou adorar - principalmente porque será de frente, pelos olhos, o sexo faz-se a começar pelos olhos. não obstante, estou a sentir-me pornograficamente, violentamente, execravelmente, a seco, queimaduras em sangue, enrabada por trás. é assim que este (des)governo está a fazer-me sentir. este (des)governo terrorista tem atentado contra as fontes e os recantos e as oliveiras e os jardins do canteiro. este desgoverno tem atentado contra a vida, a minha vida. e todos nós, nós todos, só podemos valorizar e celebrar a vida se estivermos vivos. e é só.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

fazer

o banco alimentar mobiliza muitos recursos materiais e humanos para levar por tabela pelo que a Isabel Monet disse. disse e está dito. talvez esteja na menopausa e, durante a entrevista, terá sentido calafrios no cérebro. vamos, solidariamente, ignorar o que disse. vamos continuar a apoiar a iniciativa do banco alimentar e qualquer outra congénere. vamos ser melhores. vamos continuar a acreditar que valemos muito mais pelo que fazemos do que pelo que dizemos.

domingo, 11 de novembro de 2012

verdade?

a diferença que Jacques Lacan estabelece entre a verdade e o verdadeiro: a verdade está sempre relacionada com a singularidade de um sujeito e caracteriza-se, pela sua própria estrutura, por ser não-toda,  por ser  uma  meia-verdade. o verdadeiro  é o que se diz: 
e o que é dito? é a frase. mas a frase, não há meios de fazê-la sustentar-se em outra coisa senão no significante, na medida em que este não concerne ao objecto. a menos que (...) vocês postulem que não há objecto que não seja pseudo-objecto. quanto a nós, nos atemos a que o significante não concerne ao objecto, mas ao sentido          (LACAN, Seminário 17, 1992, p. 53).


(o real, o simbólico e o imaginário são os três registos da estrutura do ser falante: o real só pode comparecer como impossível, o simbólico corresponde às leis do significante, que são as mesmas da linguagem, e o imaginário refere-se ao corpo e ao sentido.)



terça-feira, 6 de novembro de 2012

espremedura correspondida

o que são dias difíceis? são aqueles que começam logo com uma nuvem preta mesmo por cima da nossa cabeça, daquelas nuvens que, ao invés de parecerem tufos de algodão doce, são esponjas encardidas dispostas a sugar-nos - ao mesmo tempo que desejosas de se nos torcerem bem do alto, d'alto - os raios de sol. depois, consoante o dia vai avançando, os dias são sempre no gerúndio, vamos sentindo nos ombros e nos ossos e na alma o peso da esponja espremida ao mesmo tempo que nos esprememos todos também. os dias difíceis são aqueles, pode parecer mentira mas é verdade, de perfeita sintonia entre o espremer e o ser espremido. os dias difíceis são de espremedura correspondida.


sábado, 3 de novembro de 2012

fungágá da arte

aqui.

(e isto do choque cultural faz pensar. é uma espécie de generation gap alargada à humanidade.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

na merda fica quem quer

uma coisa, já aqui escrevi um dia, será permitir que a minha cadela se liberte em locais onde os passos são constantes. outra, bem diferente, é deixá-la solta e livre a cagar onde lhe apetece em locais reservados, calmos, onde um poio faz a alegria do dia. o jardim aqui do condomínio é privado, uma mistura de árvores e relvas selvagens em que os dejectos do tamanho do meu dedo mindinho ajudam as castanhas a crescer e até as criancinhas que lá vão a saberem a diferença, na cor e na textura, entre a merda humana e a dos outros. é saudável, tão saudável quanto os poios gigantes dos bois e das vacas nas aldeias. por estes dias, uma vizinha cusca que andará a observar a alegria conjunta, a dela que caga e a minha de vê-la cagar, veio ter comigo e pediu-me que apanhasse as pequenas cagadelas porque os netos queriam brincar e tornara-se um incómodo. disse, obviamente, que sim, que não me custa apanhar apesar de não concordar e de me parecer algo ridículo até porque quando chove de um dia para o outro se desfaz e quando faz sol logo seca. qual não é o meu espanto: chego lá e deparo-me com o local cheio de papéis de rebuçados e pacotes vazios de leite no chão. falta de cidadania é isto, homessa, não é conviver com poios saudáveis. 

decidi, entretanto, apanhar a lixeira que lá estava e não apanhar a merda da Valquíria. veremos quem tem de aprender o quê.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

ciúme

na mitologia Grega Hera, esposa legítima de Zeus, vigiava o comportamento do marido nas inúmeras incursões amorosas dele. Hera, a primeira dama do Olimpo, não ousava tocar no marido em represália às escapadas - preferia perseguir e punir as amantes, a quem atribuía total responsabilidade pelas aventuras do companheiro.

o ciúme existe, sim, e ignorá-lo constitui uma repressão. mas o ciúme pouco tem que ver, pelos meus olhos, com deslealdade e infidelidade. quem quer alguém desleal e infiel perante nós? ora se não se quer não há lugar ao ciúme porque não sentimos ciúme do que não queremos. como uma cortina de tule que se abana com a frincha da janela aberta, assim é o ciúme. quando nasce pela primeira vez, ou pela segunda a reforçar uma primeira, o ciúme, per si, não é prova de amor: dedicação, admiração, desejo, apoio, comunicação, omnipresença e renovação são provas de amor. o ciúme é apenas a tal frincha que, noção exacta de perturbação e interesse, faz a cortina abanar.

perceber e compreender isto é o caminho para perceber o outro e, com maturidade, não deixarmos que aquele sinal de que, de facto, aquela pessoa nos perturba não se tornará em uma perturbação narcísica e negativa da posse do outro mas antes em uma perturbação positiva que nos faz perceber que se sentimos interesse é porque o outro vale a pena e, ao mesmo tempo, que valemos mesmo a pena por sentirmos que sentimos interesse por quem, e só por quem, vale muito a pena.

cada. um.

o som das árvores que abanam, quando muitas e juntas, assemelha-se ao do mar. e confundem-se. no chão, os cogumelos, que estão em silêncio, não se importam com o barulho porque estão a crescer. hoje, nota-se bem a diferença em relação a ontem: uns estão maiores e outros decidiram romper. há ainda os que ficaram desfeitos pelo medo - o medo leva as gentes a destroçar cogumelos, calcam-nos como se a extinguir um mal. e depois ficam os pedaços esponjosos espalhados por ali e acolá, a estupidez faz com que o medo concentrado se espalhe (como se o cogumelo inteiro e em silêncio, a crescer, fosse pior do que fragmentado e exposto). no fundo, as árvores e o mar e os cogumelos servem para explicar o que se passa no mundo das carnes que andam e falam: cada árvore é única mas se se juntar ao grupo a voz passa a ser igual. o mar, o mar é um só, poderoso, que ora sussurra ora barafusta. os cogumelos são o povo. e todos crescemos em silêncio apesar do agitar das árvores cujo barulho se assemelha ao mar. e o mar, ai o mar, o mar é a nossa consciência: cada um sabe o que vale em sua consciência; cada um sabe que vale, não pelo que diz, pelo que faz. e é nisso que tem de fixar-se para ser, se quiser ser, cada vez maior aos olhos do seu mar e eventualmente aos do mar de quem o seu quer olhar e ser olhado. cada um. cada. um.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

não resignar cansa

não sou de me resignar, nunca fui. mas diz-se, por aí, que aceitar o que nos acontece é bom e que será o primeiro passo para reverter, para ultrapassar. aceitar que o mau em aceitação é uma literal tradução do bom por vir, apenas por vir por aceitação do mau, não me faz grande sentido. mas fará, alguma vez, o que é mau, sentido além de ser profundamente sentido? hoje acordei confusa. e com fuso horário também. às 18h já estou a morrer de sono e às 5h começa a dar-me comichão para os cornos se levantarem da palha. há uns dias que é assim. penso que será cansaço de lutar tanto conta a tal resignação.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ai mamma Mia, que Couto de beleza!

o que o anima, ao Mia Couto, enquanto escritor, é ensinar a sua escrita a dançar, dar ancas às consoantes, devolver seios às vogais e, enfim, reinventar sensualidades que foram sendo roubadas pela cega obediência às normas da gramática.


a miséria dos filhos que herdam dos pais

nunca precisei de provas científicas para ter a certeza disto. mas já que as há, melhor:

Susan Greenfield, cientista da universidade de Oxford, garante que "o uso excessivo da net provoca alterações no cérebro das crianças e adolescentes: não compreendem a linguagem corporal nem o tom de voz com que uma pessoa diz alguma coisa."

o mesmo se aplica ao uso dos videojogos. ou seja, faz falta a bola ou a corda ou o pião; faz falta a cultura da conversa e do livro; faz falta pais que em vez de estarem com os filhos estão na net. que miséria.

domingo, 28 de outubro de 2012

80ção: menu domingo gordo, por favor.


nunca mais fiquei em hotéis. há uns doze anos que não piso um hotel. por um lado não será um bom sinal por querer dizer que nunca mais fiz férias afastada de casa. mas por outro, é uma excelente notícia - em jeito de balanço - para mim: significa que, por não me sentir bem com companhias que não sejam excelentes, nunca me rendi - sequer vacilei - a fracas companhias. talvez há dez anos tive, em trabalho, de pernoitar em uma estalagem em Castelo Branco, na altura faziamos um trabalho para a REFER, e foi um grande sacrifício porque o Mário, na altura o meu patrão, uma empresa unipessoal, que ficou no quarto ao lado do meu, começou a dar batidinhas na parede como se em código para saltar para a minha cama. assustada com a repetição durante uma boa parte da noite com o tal código, o que fiz foi ignorar ao mesmo tempo que descarreguei o autoclismo vezes sem conta até ele perceber onde eu queria que ele fosse. e nem o pequeno almoço tomei na manhã seguinte por ter a certeza que a comida a ser comida na mesma mesa que ele e a olhar para ele me saberia a escroto. depois disso despedi-me, claro está, pela falta de confiança que nessa noite me tomou toda.

a verdade é que a única coisa que eu gosto em um hotel é o pequeno almoço. simulo muitas vezes em casa mas não sabe à mesma coisa. de qualquer modo não desisto porque logo pela manhã, uma ou outra vez, fazer diferente faz toda a diferença em um dia, em uma semana, em um mês. agora sei de um sítio onde tenho a certezinha que, não sendo hotel, sendo a 80ção, um pequeno almoço de hotel ao domingo faria as minhas delícias: ovos estrelados, regueifa para rebentar o sol do ovo e fazer a sande final em castelo como eu gosto, bacon, queijo, fiambre, bolo de chocolate, cevada, sumo de laranja. seria, assim, uma espécie de domingo gordo a começar pela manhã. porque os momentos felizes, a felicidade, são gordos.

sábado, 27 de outubro de 2012

ficar


fechados em seu tempo ao sol
e no sol que é uma flor
nuvens por cima e por debaixo
brisas fininhas em redor.
não são gentes, não,
qu'as gentes gostam do tempo a passar
são o gosto por detrás do gostar
que amam o tempo do ver com olhar
que gostam de ver o tempo a ficar

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

to bee, too be

a propósito de um episódio de ontem: to bee or not to bee chega para pensar na questão. e depois, está bem, a abelha foi-se mas ficou aquele brilho nos olhos que é único e nunca vi outro igual. ai que par de brilhos! ai que focos de luz como se fossem, e são, faróis em noite de nevoeiro! ai, arquitecto do too be, que olhar!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

cuidado: aqui há vida


o Vicente já abre bem os olhos e sorri e é notório o seu crescimento em duas mãos cheias de dias. isto faz-me pensar no quanto as crianças, enquanto vivem naquele estádio do não falar, são parecidas com os bichos: tudo se apanha pelos olhos e pelo olhar e também pelos grunhidos imperceptíveis à falta de atenção. é como se existisse, e existe, um reino de silêncio onde a coroa estivesse pousada mesmo em cima de uma e outra cabeça da comunicação não verbal. e muito se conversa neste reino. ai as conversas! a narrativa que se desenrola pelos olhos leva-nos longe mesmo quando não saímos dali - dali, daquele espaço e daquele tempo parado e frágil em que qualquer descuido pode ditar o fim da vida. e é isso mesmo que é a vida: uma narrativa de ininterruptos silêncios que é preciso constantemente interpretar; uma narrativa de interpretações que temos mesmo de cuidar. 
cuidado, olha bem para, por, mim, aqui há vida.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

aghá

que coisa curiosa. já no século dezasseis Fernão de oliveira dizia que só se deveriam escrever as letras que se pronunciam. esta função diacrítica da língua, ela é dos que a falam e não tem dono, constitui o maior argumento do arquitecto do acordo ortográfico no Brasil Evanildo Bechara.

as letras são tão bonitas. e a letra muda h é lindíssima. só de imaginar as crianças do primeiro ciclo a desconhecerem como se desenha a letra h parte-se-me o coração.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

o único soutien, sutiã é piroso que dói, que me convence




tenho a certeza absoluta de que se há cem anos, quando a Mary Jacobs trouxe esta invenção para as mamas ao mundo, eu andasse nascida e crescida e de mamas empinadas teria a mesma aversão aos soutiens como tenho hoje. falem-me em beleza ou em sedução do seu poder - mas não me venham com tretas de conforto e maravilhas de oposição à lei da gravidade. o soutien é a coisinha mais desconfortável - para quem tem realmente mamas que definem a silhueta - que há. obviamente que será um mimo bem grande para quem o usa apenas para as encher e apertar ou, pelo contrário, excesso em preocupação, para fazê-las encolher. poderá um homem, para ter uma leve ideia do que falo, imaginar-se com um nos testículos, por favor? toda a sensação de liberdade e de agilidade e exotismo desaparece. tenho, pois, obviamente, de usar em algumas situações mas evito sempre que posso e continuo solidária com a lei da gravidade em pleno: desiluda-se quem pensa que, por usar de dia e até de noite!, o soutien impede ou diminui a quebra da mama. isto que acabei agora de dizer é mais uma manobra de marketing, pois claro, para tornar imprescindível o uso deste colete de forças mamário. querem ver: será por isso que vemos tanta mulher frustrada por aí?, por não perceber da violência que atenta contra as suas próprias mamas?

bom, adiante, este é, de facto, o único soutien - por ser de diagnóstico e de uso de pouca duração - que me convence.

(talvez por ser o único que é inteligente)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

romance versus lance



enquanto a culinária se ocupa pela confecção dos alimentos, a gastronomia vai bem mais longe e abrange não só a culinária como as bebidas, os materiais usados na alimentação - e respectiva apresentação final - e todos os aspectos culturais associados como o vestuário, a música, a dança. vem daqui a diferença entre um cozinheiro e um chef gourmet (conheço um excelente, penso com os meus botões. botões não, homessa, que estou a usar um fecho. recomendo, pois, a gastronomia do Chef PTorres). e o que possuem ambos irrefutavelmente em comum? o prazer pela comida e o prazer de proporcionar prazer com a comida. 

cozinhar é, de facto, uma arte e toda a arte que se preza vem de dentro: a diferença, por exemplo, entre um arroz de pato amado e um outro mal amado reside no sabor e na apresentação da travessa. o arroz de pato amado é, como deve ser, comido pelos olhos e depois pela boca e quando está a fazer o quilo faz arrotar em verso e com cheiro a maçã verde. o mal amado, o arroz de pato que foi pulsão da pressa e da necessidade, é um arroz triste e, por isso, desenxabido e de ocasião - é um lance que nada tem que ver com o amor com que foi feito e feito, do pato, romance.

os animais são nossos amigos

até esta cobra venenosa é amiga do Homem. é, no fundo, igual, na sua natureza, ao Homem: primeiro mata e depois lá se vai à procura de resquícios de bondade. e encontra-se.

domingo, 21 de outubro de 2012

balanço positivo

aceitei, finalmente, o convite deles para uma saída ao sábado à noite. sabe bem sair com gente gira, com gira quero dizer interessante, para sítios giros - com gente que sai, não para se alienar em álcool nem para engates, para partilhar alegria e experiências com conversas e riso: faz bem.

concluo, agora, que talvez aceite mais vezes os convites. afinal, ao convidarem-me, têm muito bom gosto - assim como eu também tenho bom gosto, descobri no decorrer da noite, em sair com eles. balanço positivo.

sábado, 20 de outubro de 2012

patriotismo: força p(o)ortugueses

paradoxalmente é perante a escassez que se revela a abundância e o poortuguês, fazendo jus ao que é ser de facto rico, está mais solidário do que nunca. nunca vi tanta caridade e tanta vontade de entreajuda por cá. o poortuguês, que está sem trabalho ou que tem um salário miserável, é aquele que acrescenta mais arroz à calda e onde come um comem mais dois ou três. o poortuguês é aquele que arregaça as mangas e sai para a rua, debaixo de frio e de chuva, para levar pão e leite aos sem abrigo - donativos da padaria e da mercearia que estão esganados de impostos. o poortuguês é o que continua a fazer o assadinho dominical para reunir a família quando durante toda a semana come sopa. o poortuguês é o que vive na conta perfeita que deus fez - e o governo desfaz - e faz, bem visto, das tripas coração não fosse aí, no coração, onde está a verdadeira riqueza.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

verdadona


era, e é, eros

tive um sonho erótico. tive um sonho poético.
o que distingue os sonhos de olhos fechados dos de olhos abertos não é, veracidade posta em causa fora de questão, a realidade. o que distingue a realidade dos sonhos do sono com os sonhos da vigília é o absoluto, espontaneidade desenfreada, não controlo da história. e acordei com o motor fragilmente tão forte a bombar: tutu-tutu-tutu-tutu-tutu; as águas rebentadas fizeram-se, até ainda há pouco, notar - assim como o inchaço das frutas como se de tão duramente maduras quisessem, e quiseram, e querem, também rebentar. os pêlos, como se a assistirem ao mais bonito bailado dos dois bailarinos (v)(d)estidos a rigor, bateram palmas erguidos de emoção como se fossem, e são, os mais fiéis observadores da vida da pele. e assim a vida nos tocou como se em dança de poesia comum. porque a intimidade que transpira na pele é poesia - a poesia, a beleza, que por detrás dos olhos se vai processando até sentir desejo incontrolável de sair.

(e lá estava a baguete com queijo derretido e oregãos. mas como era, e foi, para mim, para nós, tinha também azeitonas pretas gordas sem caroço e partidas às tirinhas e um pouco de pimenta a pintar-lhes as sardas - porque para mim, para nós, tudo tem de ser, e é, diferente. e melhor.)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

as raízes e a garrafa

que ideia, e iniciativa, tão gira esta. daqui a cem anos abre-se, e descobre-se, a memória por quem a encontrar e de quem já não se encontra. gostava de ter participado com uma longa carta sobre este tempo que chegará a outro tempo através do tempo, uma carta de rir e de chorar, uma carta só para lembrar. e talvez ainda vá a tempo, vai-se sempre a tempo do nosso tempo, vou escrevê-la e e metê-la dentro de uma garrafa e enterrá-la bem fundo, as raízes são fundas, junto da minha árvore preferida aqui bem perto de mim. está decidido.



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

não quero saber porque foi espontânea

ainda não tinha sentido hoje o bichinho de escrever a picar-me. regra geral começa logo de manhã, ainda eu estou a esticar-me toda na cama, pica aqui-pica acolá, comichão gostosa. chegou agora, sei bem porquê, depois de espontaneamente ter feito uma coisa com a mão, mão que desobedeceu ao cérebro e só ouviu a vontade. não sei bem se castigo a mão, a minha, ou se a beijo cheia de meiguice - com a mesma meiguice com que ela, rebeldia em bicos de dedos, se manifestou. julgo que não, não vou castigá-la. e não vou porque o meio olhar, que nem sequer foi inteiro, já me (a) castigou.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

amanhã: resiliência again.

nunca mais esqueci uma passagem, uma conversa de vão de escadas, da série o sexo e a cidade por ser, não particularmente interessante, um argumento que adorei sempre contestar com as minhas amigas - revirar-lhes as tripas do invisível do avesso, vê-las espumarem-se a favor do óbvio:

se não te liga nem convida para sair: não está interessado.

hoje lembrei-me disso pelo que ela me disse, tristeza na voz, ainda agora, ao telefone. talvez, não por estar a chover, por estar a chover-me toda, resolvi tomar partido do óbvio que chega a ser absurdamente estúpido de tão óbvio, e assenti: se não te liga nem convida para sair, não está interessado. 

(amanhã é outro dia e com toda a certeza vou ligar-lhe, revirar-lhe as tripas do invisível e ouvi-la a espumar-se toda a favor do óbvio: quis sossegar-te, ser solidária contigo, dir-lhe-ei, mas hoje é outro dia - dia de resiliência.)