segunda-feira, 14 de novembro de 2022

não vou

quando estou a normalizar o meu rico soninho, alguém me acorda, pouca coisa me deixará tão arreliada como quebrarem-me o sono. ontem foi a mensagem da vacina do COVID outra vez, eu já decidi que não a quero desta vez, estou farta de médicos e de exames e de brocas e de ambiente de doença para a saúde, e de gentes em volta, não me apetece. não vou.

domingo, 13 de novembro de 2022

!ai! que delícia

!ai! que delícia, troquei os meus karelia por um aparelhinho que dourado escolhi, com cigarros pequeninhos mesmo mesmo de mentol, há que tempos que não fumava mesmo sabor a mentol, não fazem cinza e cheiram a nada no ar e depois é só deitar fora o tal cigarrinho que sai branquinho, branquinho, depois da indução. estou refasteladinha a adorar este sabor a chá.

o ritmo desta música abana-me os ossos todos, adoro

 


a por passar pela passada

tenho feito assim, e dá-me riso só de pensar nisto, quer dizer, estamos no outono a fugir para o inverno geladinho e as camisas são para o meu pai usar por debaixo de uma camisola sempre, certo?, então não as passo, estico-as e penduro-as, e como sou eu que todos os dias lhe escolho a toalete, ele é daltónico, então monto tudo muito bem montadinho na cadeira preta com veludo cor de rosa espevitada lá no seu quarto. até agora ainda não se apercebeu e se algum dia me perguntar, então eu direi que foi um engano, que troquei a por passar pela passada, ah pois, é que assim descobri que fico com muito mais tempo para fazer rendinhas das minhas.

com toda a artilharia

compreendo, há pessoas que agarram o passado, esse pretérito tão imperfeito e triste, como se fosse o eterno retorno do futuro presente. e depois há eu. quem me conhecer percebe, ou terá de perceber, que não há passado que me consiga vencer, eu que acordo e só acordo para amar com toda a artilharia de paixão que o amor romântico pode ter. 

sábado, 12 de novembro de 2022

aquele desenho é realmente triste

 por acaso o desenho de ontem não veio nadinha a calhar apesar de adorar os traços, estava muito agitada, a minha irmã conseguiu finalmente mudar a fechadura e deixar-lhe as malas nos pais, era o que faltava andar a consumir heroína e cocaína em casa e descurar o menino, ser completamente ausente e ainda por cima prepotente, que vá cagar ao monte, tem de se tratar se quiser recuperar os tesouros. e se não quiser quem perde é ele, é assim que ela tem de pensar não sendo mãe dele para o continuar a aturar. de maneira que aquele desenho é realmente triste.

!ai! que ruspiro

andava há uns tempos para olhar para o passarinho depois de acordar, depois de acordar como quem diz, depois de me lavar e vestir, e pimba, um dia destes entrei no carro e lembrei-me, andei às voltas, percebo nadinha daquilo e de truques e posições, se percebesse se calhar ficava em condições, olha, ficou como calhou. depois andei para lhe mostrar na montra e esquecia-me sempre de mudar. mas hoje A Rose chamou-me e não tive hipótese de me esquivar, pois claro, lá me mudei cheiinha de vontade de, beijando-me, o beijar. !ai! que ruspiro.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

há dias que se cansam como se andassem param lá e para cá, estafadinhos, ralados, arreliados, birrentos, irritados, como se fosse - e é - o sangue a descer. ide-vos embora, chispem-se, estou cheiinha de vos aturar, dias assim.


 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

essa cama em quarto minguante

se eu soubesse que sair do lugar seria acabar com o que nos atormenta, então eu agarrava no meu saco grande de flores e chapéus pintados, tão bonito, ou na mala com o quadriculado nude e vermelho, tão elegante, e ia para longe. mas como eu sei que sair do lugar é ficarmos parados no que nos está a atormentar, vale mais ficar ora a carpir ora a ajudar nos dramas dos outros que nem sequer se lembram que também eu posso ter dramas. mas os meus dramas são especiais, tornam-se pequeninhos, minúsculos, insignificantes à beira dos dramáticos dramas dos outros e, por isso, banais: os meus dramas são adoráveis e inocentemente falíveis. quando estão a falir, para entretanto se reerguerem, fazem-me sorrir e rir e choramingar e chorar, carrego-os muito mais ao peito do que em prateleiras de razão. são, por isso, os meus dramas, dramitos, dramões, vestidos com saiinhas sortidas de magia-paixão e calçados com a inesgotável força da admiração. são energia renovável tal e qual as fadinhas que me despem e embalam e velam o sono, o sono essa cama em quarto minguante. 

domingo, 6 de novembro de 2022

rrosas da Rosa

às vezes consigo vibrar pelos olhos. é como se as rosas e as músicas me massajassem o coração, este coração velho e semppre novo a estrear. o meu rico coração é-me, milhão, a minha sorte grande. e é por isso que ele merece todas e as mais lindas rosas do universo. palavra de Rosa, redundante dixit, !ai! as rrosas da Rosa que a Rosa tem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

!ai! como eu queria

conseguir lamber-lhe os medos

(e os meus também)

deitá-lo na minha confiança

sempre acabadinha de lavar

perfumada nos lençóis

abrir-lhe as minhas janelas amarelinhas de tule

levezinho rio para lhe dar o mar

e tirar o cor de rosa ar

(suspiro)

cozinhar-lhe petiscos ao ouvido

e ao pé

apurar o caldo que nem eu lembro como é

não

não posso ter esquecido

(eu sei)

se  está pois por descobrir

(!rapariga!)

essa poção mágica que eu sei

que só sei sentir tratar-se de sem igual elixir

e depois embrulho beijos atrás de beijos

e rego-me como se fosse a chuva vermelha no quintal

imagino as flores acabadinhas de colher

frescos aromas que percorrem a pele e os montes e o feno

de alegrias juntinhas e justinhas que fazem coro e me fazem corar

cabelos de fazenda que nele se enrolam só para ele os afastar

fio.a fio

tão curto só pode ser o meu pavio na maratona de o rolhar

depois os meus olhos são dragões

(pois claro)

nada é morno

(era o que faltava)

fogo que amanhece e anoitece logo no início do beijo em flor

esse beijo carregadinho de pejo bom muito bom

presciente leão desejo

arrebatador saxofone como se fosse marmelada com queijo

na regueifinha apimentada de caril d' amor

é a fruta da árvore do meu desejo doutor

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

espelho meu

espelhos meus

há alguém que consiga

consiga e saiba

amar e ramá-lo

(está mais entranhado do que o cheiro nas rosas

ah pois

e quem ousar dividar leva com um pau

e com picos)

mais do que eu?

está caladinha tonta

e dorme

já estás mais a dormir do que acordada

sabes bem que a resposta está aí

aqui

não tarda nada

és a rainha do amor

e na almofadinha fazes

vais fazer mesmo agora furor

consegui alguma coisa

é um somítico do carago, já se sabe, já sei, mas eu tentei. nunca peço nada para mim a ninguém a não ser que esteja prestes a morrer, a morrer como quem diz tem mesmo de ser, não tens opção, pedir ajuda também pode ser uma forma de amar, de maneira que me lembrei de pedir ao meu pai que abrisse um pouco a bolsa para os netos por conta das dificuldades acrescidas da vida, está tudo mais caro. o que eu fui dizer, o que eu ouvi, e eu disse, repara que não estou a pedir para mim, não tenho filhos, mas podias ajudar um pouco nesta altura. fiquei, ainda estou, com as orelhas a arder de tanto que me ralhou. mas eu insisti e fui entregando argumentos para ver o que conseguia. consegui pouquinho, consegui que pagasse mais de metade da vacina mensal para a esquizofrenia do A. tive de lhe dizer que todos os meses transfiro dinheiro para ele para o sensibilizar um pouco. e é verdade, sei que não é muito justo, tem mais três netos, tenho mais três sobrinhos, mas talvez este seja o que está mais desprotegido. tamém tenho de confessar que o A, tudo o que ele é, é muito de mim. consegui pouquinho mas consegui alguma coisa. alguma coisinha já é bom e fico feliz por isso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

invento coisas bonitas de morrer. de adormecer

é como digo, como me digo, tu metes-te em cada lavoura, rapariga, depois andas em noites de são joão, como se diz por cá quando não se prega olho, quer dizer, adormeço e acordo vezes sem conta, depois escolho - não contar carneirinhos - contar rorrisos e rolhares, invento-os, que remédio, depois acrescento-lhes flores e cores, é uma festa, depois lá adormeço até reacordar e depois quando está para chegar a hora fresquinha, passa, passa-se, acordo sarapantada, despertador cerebral que em silêncio me dá um coice e corro para carregar nos botões toda remelada. detesto acordar remelada e aos coices mas que queres, rapariga, metes-te em lavouras e depois a massa fica mesmo cinzenta e esquece-se de que é cor de rosa e está sempre a arreliar-te o sono. agora estou muito preocupada com a minha amiga O, ucraniana, vai com a filha buscar as avós à fronteira na Alemanha, são velhinhas e têm mesmo de vir, não há água nem luz lá, só há bombas e fome, e será cá que vão ficar até ao fim dos seus dias. não queriam, pois claro, ucraniana que é ucraniana quer ficar na terra até ao fim. mas como vão de autocaravana, tivemos de conseguir arranjar todos os recursos. e se são assaltadas? e se alguém lhes faz mal? depois nas noites de são joão também entra o drama da casa da minha mana mais nova e a doença do meu sobrinho rei e o que tenho de esconder ao patriarca para lhe poupar o coração e a memória a falhar da minha amiga A e o útero doente da minha amiga I e os clientes que não pagam e e e e. o que me safa é a colecção de sorrisos e olhares do viço, é o que é, é o que há, não me posso queixar: pelo menos invento coisas bonitas de morrer. de adormecer.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

caretas de alegria em feitiço

ontem andei trinta quilómetros e fui lá almoçar, fui ao chinês consolar-me com o crepe, as gambas com piri-piri e o arroz naqueles pratos com dragões azuis tão perfeitinhos, os guardanapos de tecido branquinho com linha de água e as toalhas que não são  horriveis de papel, também alvas de que se veste o apetite. e depois os espelhos em redor, !ai! que lindos, pintadinhos de pássaros e flores coloridas a lembrar que a dança dos paus - ou do garfo com a faca - é de grão e lentidão com a música baixinha e de pingpingping a passar tal e qual uma cimarra de poesia que no papo se faz ouvir. e o meu dia ficou um pouco melhor na pressa de chegar para me ligar, pensamento a passar para os dedos, com o coração a vibrar. ando sempre com o coração a vibrar. às vezes pego nele e embalo-o. sem ninguém ver meto a mama de fora e sossego-lhe a fome, dou-lhe palmadinhas para arrotar e depois sorrio ao ver-lhe o viço. porque em vez de adormecer sereninho eu tenho um coração que pula e dança e faz-me caretas de alegria em feitiço.


segunda-feira, 31 de outubro de 2022

continua

de tempos a tempos

há que tempo

a cair mansinha e tocada pelo vento

!ai! a chuva

como eu a compreendo

toca fininha

às vezes grossa  e desmedida

com a força do tormento

sabe desde pequenina

pequenina como quem diz há muito, muito, tempo

o que lhe quer mostrar o vento

sentiu e apaixonou-se

apaixonou-se porque sentiu

o vento ventoso que nunca viu

 e continua desfazer-se a chuva em água

em pezinhos de tule anda molhada

branca e cor de marfim

vermelha sangue de boi

e cor da rosa do éden jardim

azul,verde, alfazema, dourada

apontamentos mil

e amalerinha às pinguinhas

guardo-a no meu cantil



domingo, 30 de outubro de 2022

cá estou eu

chegou aflita, descobriu que o marido anda outra vez a mentir, para me mostrar a bolsa com a droga e o cachimbo e o canivete, pratas muitas e cartões em quadrados. pequenas doses de coisas com diferentes cores em saquinhos e uma pedra branca maior. não faço ideia, nem quero fazer, que drogas são. pediu-me que escondesse e assim fiz, só eu sei onde está a porcaria, não podia mandá-la embora ainda por cima com o meu sobrinho, é preciso protegê-lo. que tristeza. entretanto chegou o meu pai, muito feliz, voltou com a namorada, disto nunca há-de saber, é preciso protegê-lo, e não abriu a boca. quando vem triste, descarrega tudo, conta e pede conselhos. mas como está feliz, nada diz. é assim. cá estou eu.

quem me dera cansar-me para sempre. mas sei que amanhã acordo com o coração brilhante a estrear. outra vez.


 

que bom que é

as pessoas são estranhas. algumas pessoas são estranhíssimas. o meu pai é estranhíssimo. mas se ser estranhíssimo significa desamparar a loja e deixar-me sozinha de sábado para domingo, para estar com a ogre ogríssima, é deixá-lo na sua estranheza superlativa absoluta. assim posso fumar em todos os lugares que me apetecer e não ter cuidados com correntes de ar e nem com o volume da música. assim posso começar já a abrir as janelas todas para deixar o orvalho entrar e até posso onomatopoetizar o cão e o grilo, o canário e o besouro. que bom que é o meu pai ser estranhíssimo.



sábado, 29 de outubro de 2022

como não me preocupar com o futuro se é nele que vou viver o resto da minha vida?

eu acho que o céu zangou, zangou a sério, não costumo estremecer, mas esta noite ele ralhou tanto, e tão alto, e com tanta força, se calhar senti mais por conta de a janela aberta deixar mais entrar, o céu estava-se a rachar e a deixar escorrer a ira, !ai! que estaria a pensar, eu sei, era o eco da sua perfeita imperfeição de considerar, de se manifestar, que Putin quer fazer o mundo acabar. !ai! que aflição, céu, mas e se o mundo acaba sem eu o poder reijar?

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

essencial

acredito, porque sinto, que existe uma realidade paralela durante o sono, daí a sua magnânima importância. o sono, esse conjunto de horas em que morremos, !ai! que morte maravilhosa, é quando o nosso corpo tem a oportunidade de se equilibrar: a alma e o coração encontram-se e conversam e dançam uma valsa em par, talvez, ou duas ou três, chegam a acordo sem o ego, esse invejoso boicotador das vontades divinas que são o par. e depois quando acordamos, se ouvirmos o resultado dessa profusamente romântica fundição do par, sabemos sempre que como nos somos é como nos estamos. sabemos o essencial.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

boca de bebé

estou muito feliz, fiquei sem mais dois dentes lá do fundo, estou feliz porque são menos dois a arreliarem-me. durante a noite logo percebi que estavam a querer cair; começaram, de mansinho, a rabiar e depois a dor a espreitar e eu sem conseguir dormir. então hoje decidi quilhar em dose dupla o meu patrão mais recente. há uns meses tive de ir ficar sem outro dente, que estava por um fio, e ele teve a lata de deixar que me cobrassem cem euros. depois veio ter comigo e disse-me que era um serviço de muita qualidade e que se quisesse ser servida por ele, olho a piscar, o valor era quinhentos euros. ora eu sorri muito, estou ansiosa, pois claro que quero que seja o Dr. J. a mexer na minha boca, olhos dele a brilhar. adiante. a minha querida médica que sempre me tratou desde há sete anos, era empregada dele e deixou de ser há cerca de um ano, abriu uma clínica, e foi lá que eu fui hoje entregar-lhe o meu céu da boca, e fui em horário laboral mesmo sabendo que não trabalha com o meu seguro de saúde. ficou muito feliz por me ver e ainda paguei menos por dois dentes do que por um com o outro e com seguro. então eu hoje quilhei-o a dobrar. para festejar, meti uma dourada grelhada a ajudar-me a desfazer a anestesia e a temperar os pontos por sarar. agora já só penso na semana que vem para ir tapaar os meus buracos novos. estou mesmo feliz: já faltará pouco para ter boca de bebé outra vez.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

pode ser. se para alguém tudo for um estado de espírito, de espíritos à centena, sentir não é possível. nunca será. porque sentir é permanecer. e permanecer é querer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

e a batuta firme

enquanto ouço as músicas bonitas de orquestra, vou fechando os olhos como quando me experimento em auto-estrada: conto até sete em linha recta, nunca consigo passar dos sete, aos oito abro os olhos, maravilhosa sensação do caos que se recompõe, descansa-me, como se o tempo parasse comigo em movimento, movimento a galope por dentro, !ai! que contradição calorenta, brisa depois, repetição, pimentinha rosa em mim, violino, violão, batidinhas de piano, harpa meiguinha, depois o maestro levanta os braços

e a batuta firme que sorri

já lambida

entra firmemente em mim.

domingo, 23 de outubro de 2022

estou conrigo

emociono-me com a facilidade da frescura de uma manhã mas só com o que e com quem, de facto me é emocionante. tempestade. então sorrio muito enquanto choro, enquanto escrevo a provar que escrever não é triste. por entre a confusão de sentir e de pensar que o que sinto pode não ser a verdade a não ser a minha verdade porque sinto, apenas sinto e acredito no que sinto. estremeço e transpiro, serenidade pungentemente inquieta, bebo as suas palavras como se fossem, e são, água. também as como e engulo e só depois as vou mastigando, quando já me são nutrientes que vagueiam, porque do meu corpo não saem e não vão sair, no meu sangue, na minha vitalidade, na minha alegria. e tamanha é a admiração, a minha admiração por si, por ri, que se o mundo acabasse hoje não haveria desejo maior se recomeçasse amanhã. mas como o mundo não acaba hoje, amanhã ele vai crescer e o meu peito vai inchar como um balão mágico até nunca rebentar. 

e quando quase me sinto só

não fico só.

e quando estou só

nunca estou só. estou conrigo.


sábado, 22 de outubro de 2022

como se eu fosse o princípio do fim

depois de ouvir dharmaland e nature boy por aí adormeci. e sonhei depois, acordei cansada de tanto querer, querer nos sonhos cansa por conta de ser dharma por dentro de dharma a acontecer. de olhos abertos sonhar não me cansa e se sonho com o ronito fico firme no meu querer e não arredo pé, arrecado os medos depois de lhes dar estalos nas caras, arrecado e não os mato, ando a aprender que os medos também servem para me defender, estou a mentir agora devagarinho e já explico: arrecado os medos e não os mato porque estes medos são bonzinhos e pequeninhos, nada em si me mete medo de os medos afogar. e depois, confesso, também não mato os medos deste medo porque fico com medo de o magoar. porque o que eu quero é passar o túnel dos medos com o medo ao colo, quero protegê-lo dos sustos do mundo, embalá-lo em mim e ouvir para sempre uma canção, dar-lhe banhinho que esquente até os medos mais casmurros que se levantam em contradição a boicotar tudo como se eu fosse o princípio do fim.

twist

elas acham normal. e se elas acham normal, pois claro que ele vai continuar a deixar as tampas da sanita escancaradas. uma coisa é o meu pai que já tem essa porcaria enraizada até aos tomates, agora um cromo com trinta anos é inadmissível, porco ignorante, porque também elas não fecham a tampa, por isso acham perfeitamente razoável. e como vou fazê-los entender que se não for, pelo menos, por uma questão de elegância - que seja por higiene. as retretes libertam gases e bactérias, por isso têm tampa. por essa razão é preciso fechá-las. os meus olhos arranham-se todos e a minha vontade é ficar sem vontade de usá-la. salvam-me as toalhitas de bebé para limpar tudo antes de usar. e é que depois ainda me chamam a atenção por deixar a retrete fechada, alegam nojo de abri-la. isto dá-me cabo dos nervos, obviamente. mandei vir uma roda twist com massagens aos pés, enquanto rodo a anca e a cintura, descalça em cima daquilo, também faço massagens aos pés. danço e massajo ao mesmo tempo. então sempre que vou à casa de banho, logo a seguir faço cinco minutos de twist lá na minha sala vazia deles, desses trastes.

é assim

 há dois dias que deixei de lhe atender o telefone, ignoro, ela só me liga para despejar o lixo. na semana passada, andava eu sem dormir em condições raladíssima com o lixo dela, percebi que nos dias seguintes em que não me ligou foi porque ficou tudo bem, tudo bem lá na maneira torta deles, que eu morra já aqui se algum dia vou dormir com um homem com quem não partilhe os meus pensamentos e sentires, então no fim de semana quando lhe perguntei cheiinha de preocupação e ela me disse que estava tudo bem percebi que nem foi capaz de me aliviar a carga, deixou-me com o lixo dela quando aliviada ficou. é assim. fiquei triste e triste e triste. e guardei. eu sou a garantia, a confiança, a segurança, do segredo a guardadora. tudo a troco de nada.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

não há maneira de eu ficar menos ansiosa quando chega a sexta-feira. fico a ver se há aquela novidade fresca e boa, rresca e roa, ando sempre a actualizar e a espreitar. às vezes sim e outras não, é a vida, raios partam a vida que não me dá a prenda que espero, que sempre esperei, como se fosse todos os dias natal. e por que é que não podia ser natal para mim todos os dias para eu preparar comidas deliciosas e fazer uma reza de amor antes de dormir em conchinha e depois acordar e ver a boa sorte e o raio do sol, do rol, andar a ver os sapatinhos durante o dia para ver beijos e beijinhos a toda a hora aqui e acolá? porquê que eu não posso contar tudinho naqueles olhos bonitos e depois ouvir coisas da voz com a voz por dentro e por fora da recta boquinha a dar-me a mão e o pé? hum? porquê? vou mas é fumar um farpalho como diz a outra linguaruda.

folhas de música

e ouvi a fulana dizer: vou fumar um farpalho, tenho a boca a saber a folhas de música e já me estou a peidar pela cona. foi o que ouvi. ri-me, nunca tinha ouvido estas expressões e muito menos enquanto estou a trabalhar. então decidi levantar-me e chegar-me a ela. não concordo nadinha com o que acabaste de dizer. desculpa lá, saiu-me, fui um bocado malcriada. não consigo entender por que razão o povo meteu as folhas de música no meio dessas outras para tu poderes meter também - disse-lhe eu. 

não percebeu, não importa, eu é que tinha de dizer.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

otrilaré, otroilará

quero lá eu saber que me gozem por eu até à exaustão me ser, à exaustão das gentes, não minha, porque eu não me tenho fim, que se riam e que pensem mil ET's em mim, que façam esgares atónitos, que comentem entre si, que encolham os ombros e abanem as cabeças, que se afastem ou que se recolham na sátira, que se vão foder e mamar uns aos outros, é assim e já está e estará ainda por nascer quem ache que assim não será. que se soltem as minhas ventanias de varrer tudo ao redor, ordeno, otrilaré, otroilará.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

dom sermão do risidon

apresentei-me toda lampeira, na segunda-feira, na primeira farmácia onde podia bem estacionar quase à porta, e perguntei quase a afirmar, posso levar o risidon sem receita?, apanhei com um grande sermão, ouvi como se não estivesse a ouvir, e respondi, se posso aqui, está bem, se não posso vou a outra, e aí o dom sermão teve de se calar e vender-me o amigo da diabetes. esta decisão de trocar o novo medicamento pelo anterior, sem ordem médica, foi minha, pois claro, cerca de dois meses com frequentes efeitos estranhos irritaram-me, sou tolerante, esperei a ver se passavam, e nesse dia acabou-se. entretanto ontem menti lá no emprego à directora clínica, que remédio, não referi a alteração e pedi receita para o risidon que tinha acabado. está resolvido e hoje vou outra vez ao dom sermão do risidon buscar o triplo a sorrir e acertar contas. o sermão dele valeu-me a certeza de que é um cocó, tanta letra por causa da proibição de vender sem receita. mas vendeu.

a tempestade chegou

o vento assobia nas árvores

como se estivesse zangado

e não está

e faz as cortinas dançar

ao mesmo tempo que a chuva canta

enquanto nos embala o sono

que rica definição de outono

domingo, 16 de outubro de 2022

adorei

hoje o Vasco faz anos, nove anos, e ainda há pouco era um meio quilo. é pela idade das crianças que consigo ter a noção exacta do tempo que passa e que fica. estava cá há um ano quando ele nasceu, tão frágil. e hoje fizemos-lhe uma festa com um insuflável gigante. e no meio de uma dúzia de meninos eu tenho a certeza que fui eu quem mais se divertiu, nunca tinha pinchado nem rebolado em um insufável. adorei.

verbo que se veste e despe

mas como é que se pode dizer que o amor é um acordo, nome, legenda plenamente entendível, se antes é, e que se unam o céu e o mar e a terra para me segurarem nisto que digo, ou venha um a um para me açoitar, desconfio que a corar os ponho a todos a andar, é um verbo, o verbo que se veste e despe de amarela e rosa e verde e vermelha e azul e branca e dourada e prateada e purpurinada véspera, acordar?

sábado, 15 de outubro de 2022

filtro e esqueço

as pessoas cansam-me, já disse, as pessoas com quem tenho de estar nos dias cansam-me, parecem carraças, são carraças. porque eu só tenho tempo amor e tempo para dar, elas sabem disso, odeiam-me por isso, motivo por que se grudam em mim. depois tenho de inventar para me desviar, começam a falar sem parar, e se estou em pé fico tonta de as ouvir, pensamentos, mil folhas escritas a fugir delas, sumam-se, é o que querem dizer, e se me sento a mim vêm ter, magnetismo do carago, cansam-me as gentes. e depois pensam-me esquisita, leio-as, dizem no que me fazem, contornos vestidos de esgares e palavras maldosas e oleosas que filtro e esqueço, não me comprometem, não me fritam, não me comprometo.!ai! de mim, cansada sem fim.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

mixórdia

tenho um estômago delicioso de audácia e o resto é treta, pelo cheiro consigo averiguar se os alimentos são frescos. e se insistir para tirar a teima pela boca o meu rico estômago começa a apitar, vês como o nariz tinha razão, argumento-me, e depois só pago a sopinha, pois claro, digo calmamente que não pago o que não comi por não estar em condições e ai de quem me contrariar. e depois o outro que chegou na segunda feira, hoje já disse que não iria mais - isto de manhã cedo - mas de tarde, quando cheguei, afinal parece que já quer ir outra vez. ora uma chefe que dá oportunidade a um ogre destes é pior do que ele. ademais, o tipo vestiu a mesma camisola preta três dias seguidos para não falar das tampas da retrete e do odor. e o que é certo é que de repente nasceu-me uma borbulha por dentro do nariz à custa do alimento estragado que provei por teimosa traição pela boca, que carago, eu nunca tenho borbulhas, é bem feito, digo-me, para aprenderes a não desafiar a inteligência nasal. e agora como posso tirar lapas?

admirável tristeza

talvez o que nos distinga mais uns dos outros seja mesmo o amor. porque há uma dezena de anos quando eu tive de vir para cá encontrei o quarto, o meu quarto, como se fosse um bueiro para eu dormir. propositadamente. como se eu bueiro fosse. e agora são eles, ela e ele, que estão no bueiro da vida. e eu sofro por eles, tenho insónia há muitos dias, ouço-a incansavelmente, ajudo no que posso, penso no Vasco que começa a coleccionar as memórias tristes e penso no meu pai que tenho de proteger para não saber. mas também penso, com admirável tristeza, no quanto o universo é justo e que nada deixa de dar ao milímetro - no que nada deixa por dar.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

todos os dias queria ter um sonho bonito

de contar às estrelas sobre ti

enquanto lhes penteio os fios brilhantes

preparando-os para os ovos estrelados

que cabem nos soRRRisos de mim

esse piquenique de água fresca na boca

terça-feira, 11 de outubro de 2022

limpinho e a cheirar bem

pediram-me delicadamente para trocar as quintas pelas quartas por uma questão de logística. está bem, a partir da próxima semana passa a ser a segunda e a quarta para que o novo colega se possa encaixar. espero que se encaixe e que tudo corra bem, penso, depois de sair da casa de banho, que tudo corra bem melhor do que neste espaço confinado de sanita toda ao léu com pingas de mijo e sem o ar perfumado. era o que me faltava agora levar com um fulano que não sabe usar a retrete nem o perfumador. terei de ignorar, pois claro, pode ser que a trabalhar não seja assim. mas eu queria uma casa de banho só para mim. assim como também queria poder fazer as descargas do mundo, ser a dona das descargas, ficava tudo limpinho e a cheirar bem num instante. e depois talvez me risse muito quando percebesse, toda vaidosa de ser, que era a dona da retrete cósmica brilhante.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

e eu não quero

 não me consigo concentrar, preciso de escrever. de contar. ora é de noite antes de dormir ora é de manhã ao acordar: despejam em cima de mim desgraças, coisas más, coisas que eu tento ajudar, e ajudo, mas depois por cima dessas vêm outras até à merda. no meio disso tudo ainda duvidam de mim, como se eu tivesse, e não tenho, obrigação de resolver tudo ao pai, à irmã, ao cunhado, ao sobrinho, à amiga. terei de arranjar uma maneira de me distanciar desta merda fedorenta que não é minha, nunca foi, nunca chateio ninguém. estou cansada.

estou cansada e vou arranjar uma maneira de dizer ao meu cérebro que tem de desligar, um dispositivo de segurança que faça disparar uma barreira de contenção da merda de fora para o meu dentro. tenho de treinar isso, terei de conseguir, isso danifica a minha rica alegria. e eu não quero, e eu não quero.

a sensualidade é íntima. a minha sensualidade é íntima e indisponível a plateias. esta é uma verdade imutável para sempre.

as pessoas são estranhas, cada vez percebo menos de tanto as perceber: estão tão habituadas a lidar com gente de merda que quando alguém merda não é nem sequer sabem distinguir. ou então, quando distinguem, ficam na dúvida se não é mesmo merda disfarçada. tudo se resume a merda onde permanecem a tratar quem não é merda como se merda fosse. mas quando lidavam com merda com certeza tratavavam a merda como um diamante, davam tudo, nadavam na merda. só posso concluir: à merda o que for da merda.

quem me quer magoar não me merece. talvez ninguém me mereça.

domingo, 9 de outubro de 2022

 !ai! de mim

que sou do amor fino

do padre

do padre como quem diz

(que não haja confusão

com esses fatelas do coração)

e digo

Vieira

sábado, 8 de outubro de 2022

fado ser

talvez possa parecer suspeita se disser, e digo, que adoro o traço dos seus desenhos. parecem traços de mãos de fado, fado masculino de fada é o que quero dizer. !ai! quem me dera ser desenhada pela mão do fado, conhecer os meus traços pelos seus olhos para me babar toda desde a manhã até ao aluacer. !ah! aluacer não existe, acabou de nascer. depois o galo que acorda mais ou menos aquando a mim, um dia vou dar-lhe um nome à maneira, talvez inventasse uma nova canção da alvorada. e o cão grande que mora em frente à minha varanda talvez ficasse com a voz ainda mais grave só para me dizer que o meu traço também pode ser - fado ser.

que me saiu do lombo e do coração

às vezes lembro-me da dona N. e lembro-me de ela já não se lembrar de mim. passaram alguns meses e agora sou eu quem não quer lá ir, é como se tivesse morrido. porque nas férias da sobrinha, eu adivinhei, estava à espera disso, mandou-me uma mensagem, está muito bem, já passaram alguns meses, como quem diz vou de férias e podias lá ir. mas não disse, não me disse que a pessoa mais importante dos últimos seis anos da vida dela podia ir visitá-la quando quisesse. queria usar-me para lhe tapar um buraco. e como eu só faço o que sinto que devo fazer sem interesses escondidos, entendo que não é agora, passados mais de quatro meses, que estou bem esquecidinha na sua memória, para isso serviu o corte de choque quando a internou e me inibiu de a ver, que vou para sofrer. agora que sofra ela, a sobrinha que não sofre, quem não ama não sofre, nunca sofreu, nunca fez amor à tia, agora sofre porque o seu sofrimento é ter de gastar tempo para picar o cartão da obrigação e da aparência de cuidadora presente.

de maneira que às vezes lembro-me da dona N. e do tanto que lhe dei que me saiu do lombo e do coração, do meu tempo e da minha atenção. e fico tranquila.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

 andei a pensar

no sofá

no magnetismo animal

que se a pele queimar

e já queima

bufa-se com beijos

e outras coisinhas 

passei o dia a cuidar do papá, estava na cama doente, hoje não sei ainda como está. mas sei que a minha vida não interessa a ninguém. sou completamente indesejável naquilo que faço, o que faço é invisível, particular, ninguém pode apreciar nem gabar, nunca será alvo de crítica nem de prémio. nunca desejará ver o desenho da minha calcinha nem as borboletas tímidas pousadas em meus seios, sequer terá vontade de imaginar o toque dos meus dedos ou o sabor da minha boca - quanto mais querer. 

a minha vida sou eu, por mais que seja confuso com tanta gente no meu pé, sou apenas eu. 

não se nota o azulão da bota, só ao sol. à chuva não vai poder andar.



quinta-feira, 6 de outubro de 2022

com bolachinhas de aveia, chá

é sempre assim, não sei como ainda me admiro, as férias são sempre para me cansar, vem um e pede isto, vem outro e precisa daquilo, só aflitos para tratar e cuidar e limpar, toxicidade que absorvo e que me vai para o sono, o meu rico soninho, depois ando arreliada, a cabeça parece que não desliga, e não desliga, sempre a trabalhar, sempre a bombar, não é justo, ando sempre a carregar com as coisas dos outros quando só queria beijos que me recebessem e embrulhassem de desejos com alegria no ar a tocar e depois os beijos levavam-me a passear nos montes com prados por dentro, apanhavamos pinhas e contavamos as estrelas cadentes por me apanhar. e depois brilhavamos juntos, eu e as estrelas, comiamos o farnel quentinho abraçados na mantinha rendilhada de lá e de cá. e bebiamos, com bolachinhas de aveia, chá. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

tanto cansaço até à meia noite

ontem o meu sobrinho que nasceu depois do rei fez anos. é filho do meu irmão e é lindo de viver, meiguíssimo e enérgico com os seus olhos pretos enormes e os seus caracóis sedosos e castanhos dourados. fez onze anos e por volta das 20:30h lá fomos fazer-lhe uma festa de beijos e outros presentes. fiquei a saber que adora ler Robert Muchamore, que anda na onda de vestir casacos à James Dean e que cada vez marca mais golos; a Eva, uma pequena diabrura encantadora, que também adora brilhantes e purpurinas, toda ela é cor-de-rosa e pediu-me que lhe pintasse um espelho em lilás e prateado no meio de tantos abraços. está bem, disse-lhe, enquanto apreciava a escova enorme que lhe ofereci por conta de ser igual à minha tal como ela pediu. também fiquei a saber, pelos meus olhos, que as pessoas que só vivem de frutas e legumes e doces ficam feias e secas e enrugadas tal e qual a mãe de um dos amigos do meu irmão, os desgostos também acentuam a imagem, pois claro. de maneira que por entre o sopro das velas e as conversas cruzadas, também vi um bebé que nasceu prematuro a parecer um leitão: tem nove meses e pesa doze quilos, metade do peso há-de estar na cabeça, que bebé estranho, pensava, é mesmo feio, não por ser um gigante mas pelos traços sisudos e vulgares. e depois também fiquei a saber que as meninas da isade da Eva, sete anos, querem porque querem uma colecção de Lols, desconhecia, as mais bonitas são morenas e com cabelos dourados, concluí, acrescenta-se-lhes os adereços que se quer e cada Lol, que vem em uma bolha surpresa, custa dezasseis euros. já não há barbies? as Lols são pequeninas versões, como se um desenho animado ganhasse corpo, de modernas raparigas e têm olhos enormes e apelam ao mundo estético. também descobri que existem bolachas salgadas em miniatura que sabem a pizza e estão à venda no Mercadona. tanto cansaço até à meia noite, vozes por todo o lado, só queria dormir ao volante, pensava bem acordada, e chegamos a casa em um instante.

lá no Rugar deve andar tudo a arder, pois claro, deve bastar o Ronito dizer alguma coisinha para começar o fungagá do piropo, a caça desalmada, há-de ser um consolo de faísca de pitos acesos em riste.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

sou teimosa com o amarelo


estas estavam arrumadas por não gostar da cor: castanho- excremento, que horror. são de tecido e a tinta amarela para aplicar em têxteis ficou verde azeitona. deviam alertar de que o amarelo só fica amarelo em tecidos brancos. digo eu. depois teimei no amarelo e espetei acrílico numa e deixei a outra. agora gosto delas assim, desiguais. mas como sou teimosa com o amarelo vou pintar a outra como gosto mais.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

não perdoo

gosto muito pouco que me façam de parva. o homem que veio substituir o cilindro deve ter achado que eu sou do entroncamento, talvez por me ver borrada de tinta e picho, descalça e a sorrir. esqueceu-se de deixar a mangueirinha, chamo assim, para as gotas que possam cair derivadas da pressão, estive a ler, hoje cairam, e meteu uma aberração com fita cola. quando fui a ver, !ui!, pois claro, deve ter as orelhas a arder com a minha voz. ah, e tal, essa é melhor, não quero, quero a do cilindro que pagamos e o mais rápido possível. fiquei triste, muito triste muito mais do que furiosa. porque quando o cilindro rebentou e eu ligei aleatoriamente para uma empresa do google, apareceu cá esse senhor com o filho, um miúdo que deveria estar a brincar em vez de trabalhar, brasileiros. e como apanhou a hora do almoço e eles ainda tinham mais dois serviços para fazer, preparei duas caixinhas com empadão, pão, fruta e até garfos e guardanapos lhes meti no saco para comerem na carrinha. e ele faz-me isto, faz-se - fazendo-me - de morcão. quis enganar-me, não tenho dúvidas. 

quando vier cá novamente na quarta vai desejar que o chão se abra para se enfiar. não perdoo.

os tacões é que me levam

ontem ao final da tarde fiz uma experiência: passei óleo sobre pele, óleo azulão em umas botas vaqueiro. agora estão a secar, ando sempre a espreitar, quero ver se pegou para depois lhes passar verniz das unhas que uso para pintar coisas, na espécie de cornucópias bonitas, roxo será talvez a cor do verniz que vou escolher, ainda não sei, só na hora tomo essa grande decisão, grande porque tem de condizer com o tacão, não é brincadeira, os tacões é que me levam pelos socalcos dos dias.

domingo, 2 de outubro de 2022

 tive um sonho pequenino

foi na sesta

estava prestes a morrer

depois acordei

com a preocupação

será que lhe marquei o roração?

puf

nervosa. estou um pouco nervosa mas consolada também. excedi-me mas não me arrependo e estou muito orgulhosa do meu pai: pediu-me que a bloqueasse, acabou, ouvi-a dizer ao meu pai, isto depois de dezonove anos, que é apenas um amigo, que só quer estar quando lhe apetecer, e em alta voz disse-lhe para a mandar à merda, manda-a à merda, foi o que eu disse, e ele mandou-a e desligou. e depois ela enviou uma mensagem a chamar-me princesa, que não quer falar com ele quando eu estiver à beira, pois claro, queria continuar a tratar o meu pai como um amiguinho moranguinho com açucar. e depois o meu pai pediu-me que a bloqueasse. e bloqueei. era o que faltava, o meu pai é um rei e eu sou a sua princesa e, por essa razão, a princesa não deixou que a sabidola o continue a tratar mal, a princesa quando se passa resolve tudo em um ápice. 

the end. o rei nada perdeu, a badalhoca desapareceu. puf.

nesta semana acontecem dois feriados a que acrescentei os restantes dias para ficar a descansar a minha beleza. e então fiz uma lista das transformações que decorrerão, tinta para texteis e ideias, em calcantes e outros adereços que me cobrem. e rabanadas também. lailailai

para eu não poder contar

andei a pensar e a ruminar no assunto, também fiz algumas pesquisas, já posso contar da sua, que agora também é minha, aflição. na quinta-feira, depois de tratar dos pendentes no exterior, liguei-lhe. às vezes tocam uns sininhos dentro de mim, confesso, e se tem dias que os ignoro por soarem ao de leve outros há que se o faço eles enfurecem-se comigo e tocam cada vez mais alto como se no alto de uma torre tocassem só para mim. nesse dia foi assim, não se calaram e liguei à minha A. onde estás?, pergunta-me imediatamente, anda ter comigo, estou a ir para o fim do mundo, voz trémula e a choramingar. fui a assapar pela arrábida, a outra ponte estava congestionada com um acidente, para a morada que me deu. cheguei e tive de ficar à porta a aguardar que saísse da junta médica virada para o mar da madalena, vento fresco, só eu é que lhe chamo fresco, os outros chamam-se briol, sol tímido por sorrir, e ensaio despreocupação na espera. eu acho que estou a perder a memória. tu sabes, o meu cancro na cabeça está bem, estável, mas não morreu, está cá e agora eu estou sempre a esquecer-me de tudo. abracei-a, contei-lhe umas coisas engraçadas para a descontrarir e depois fomos sentar as aflições para um banco improvável em madeia mesmo em cima da praia. pedi-lhe pormenores do que lhe acontece e do que diz o médico, inventei umas coisas que podem justificar as ausências na sua rotina, e acalmei-a para irmos almoçar coisinhas boas de que gosta muito e falarmos de outras coisas de há muito tempo para tentar perceber a sua memória de longa duração. mas agora estarei talvez com o coração um pouco mais apertado, aquele bicho que lhe está na cabeça, e que antes lhe afectava a decisão, está a acordar em outra frente depois da quimioterapia e da radioterapia, é muito inteligente. e eu só quero que esta minha amiga desde pequenina consiga sobreviver para viver e para eu não poder contar.

sábado, 1 de outubro de 2022


 

porque escolheu as rosas

ela passa por mim, quando estou a fazer pausa com cigarros, e fala-me como se me conhecesse de longa data. olá, como está, e descarrega os afazeres e lança perguntas atónitas para o ar a ver se corro a agarrar, percebo nadinha por que o faz, sorrio e penso com os meus brincos, é mais uma maluquinha, está bem. e ontem o segurança do edifício piroso onde eu trabalho, o Senhor Manuel, que também é maluquinho, mete-se com toda a gente que passa, talvez para engraçar o seu tempo que não lhe acha graça alguma, disse-me: ó doutora, Olinda, o meu nome é Olinda, ó doutora, de onde é que conhece a cem rosas? como diz? está a falar do quê? daquela fulana que estava a falar consigo, a cem rosas. não a conheço, a Senhora é que pára sempre que me vê e fala o que lhe apetece e depois segue. mas por que lhe chama cem rosas, é florista? está a brincar comigo, não sabe o que é ser cem rosas? não estou a brincar, o que é isso? olhe, é o nome que aparece no anúncio do jornal, cem rosas, mas também pelo que dizem não vale nadinha, não vale as cem rosas que lhe pagam. entretanto ri-me, pois claro, o que havia de fazer, e perguntei mas como é que o Senhor Manuel sabe disso tudo? ó doutora, os homens falam no café e os que lá vão comentam que os cem paus que lhe pagam são um desperdício, não faz nada de jeito. rio-me outra vez mas recolho a curiosidade de fazer mais perguntas sobre o não fazer alguma coisa de jeito. de maneira que fiquei a saber o mesmo além do pedacinho que fiquei a saber a mais: aprendi que existem pagamentos sexuais em código. mas e quê, tinha de ser rosas, não podiam escolher a expressão cem toros, pensei, quer dizer, e agora quando elavoltar a parar para me falar terei de me conter nisto de querer saber porque escolheu as rosas essa badalhoca das associações tristes que faz com as flores. 

arrebitadas papilas pupilas

o que eu andei à procura de um cacete para fazer rabanadas, as rabanadas são para fazer, e comer, quando apetece. mas há um pequeninho senão, pois claro, tenho de o fazer secar sem ser devagar, apressar-lhe o processo, quem manda no cacete sou eu, sou a patroa do cacete, envolvi-o em rodilhas com fugas na lateral a ver se o ar me ajuda a deixá-lo no ponto para o transformar em uma obra prima al meu dente e até já sinto a excitação das gustativas olindiscas: então, como é, menina, vais demorar muito? calem-se, segurem aí essa vontadinha bonita até o encontro acontecer - e isso será, arrebitadas papilas pupilas, quando - não eu- o cacete quiser.

a morte e a má sorte

hoje é já o futuro de ontem e daqui a uma hora é o futuro desta hora, pimba, pimba, é o tempo sempre a andar para a frente e a deixar ficar para trás tudo o que não se faz e não se diz e não se vive. porque a ideia de um futuro ao longe é asolutamente castradora de um presente perto, pertinho, de um presente que é e está presente. até porque existe a morte e a má sorte que têm a força suficiente para apoiar esta teoria - se deixarmos para amanhã o que podemos fazer hoje corremos o risco de não existirmos - nem existir - amanhã.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

passo o meu dedo indicador no ar

olhos cerrados

cerrados de tão abertos

como se Ro estivesse a contornar

de cima a baixo

e de baixo para cima

de dentro para fora

e de fora para dentro

o meu dedo sorri

e dança sem tento

, o tempo é precioso,

à minha volta respiram pessoas revoltadas e eu agora percebo-as melhor, não é que antes não as percebesse mas não as depurava, não centralizava a questão da mesma maneira. agora o ambiente melhorou porque as entendo melhor, não é que antes não as entendesse mas consegui perdoar todo o mal que me fizeram porque se calhar também não centralizavam a questão e não me depuravam. é melhor pensar assim. mais: é melhor sentir assim. a minha não revolta acalma a revolta delas e no ar a revolta vai-se dissipando, dá lugar a outras coisas, que se fale de coisas bonitas em vez do filho do patrão e da filha da putice de ainda gostar mais de dinheiro do que outro qualquer, de que é o verdadeiro galã javardinho mealheiro à custa de salários baixíssimos e de pessoas que têm de ser supermultifuncionais. agora também eu descanso mais nunca deixando de assegurar o que me compete mas sem aquele esforço desmedido. não há sobresforço, ficou decidido porque decidi, a humilhação viria daí se continuasse a desdobrar-me por tão pouco. assim não há humilhação, é justo, por cada hora de trabalho a baixíssimo custo - outra hora de descanso para compensar, fica tudo equilibrado, o tempo é precioso, vejo e leio e reflicto e aprecio as coisas do mundo fora daquele mundo. acrescento-me valor.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

as palavras não podem amar. a minha cadela morreu e depois nunca mais ninguém me amou

domingo, 25 de setembro de 2022

o senso comum é que desconhece

o meu pai tem setenta e oito anos e namorava, ou namora, há dezanove com uma senhora. não é que eu não goste dela, é mais não gostar da forma como às vezes ela o trata, considero que o meu pai tem de ser tratado como um rei, mas isso interessa nada porque quem tem de gostar é ele e não eu. adiante. há uns meses que entraram em ruptura e o meu pai começou, há cerca de um mês, a ir ao baile sozinho e conheceu uma outra senhora que escreveu num papel o nome e o telefone porque ficou encantada com ele. esta senhora, com setenta anos e que tinha tido uma relação de muitos anos com um homem casado supostamente até conhecer o meu pai, aparenta ser muito meiga e, de acordo com as mensagens que lhe mandava, que eu tinha de traduzir porque o meu pai tem a sensibilidade de um camião TIR, tratava-o como um rei. mas o meu pai andava triste, não andava a achar normal, e hoje na hora do almoço perguntei-lhe o que se passava. então contou-me que andava a tentar não voltar para a namorada mas que estava a sofrer. então mas se chegaste à conclusão de que gostas dela é com ela que tens de estar. e a T? o que se passa com a T? queres mesmo que te conte?claro, se queres a minha opinião, tens de me contar. então, enervado, disse-me que com a T perde todo o tesão porque ela se comporta de uma maneira que não gosta, quer dizer, gosta mas não gosta. e explicou-me tudo, tive de me conter para não me rir porque parece que estava a ver a cena, e acalmei-o: pai, se não te sentes confortável e perdes o tesão não vale a pena, tens de gostar de estar com ela. pois, ela é simpática e trata-me bem mas na cama causa-me angústia e estou sempre morto por vir embora. eu adivinhei mais ou menos o que se poderia estar a passar e disse-lhe: sabes, eu acho que os homens casados têm outras mulheres para fazerem com elas aquilo que acham que fazer com as mulheres é porco e imoral e talvez a T se tenha habituado e esteja convencida que isso é carinho em si mesmo. pois, vês como tu chegaste lá. ouve, mas isso poderia não te incomodar. não sendo o caso não tens de fazer sacrifícios, tens de ir ter com ela e dizer-lhe que ainda gostas da A e é com quela que queres ficar, só isso.

depois contou-me todos os pormenores e notei que ficou tranquilo - como se precisasse da minha aprovação para acabar com o seu mal estar. é incrível como a sexualidade da terceira idade é exactamente igual à das outras idades - o senso comum é que desconhece.

noites assim, em que até uma gota de orvalho a cair numa folhinha me acorda, não deveriam existir, não é justo, acumulo cansaço e depois ando a semana inteira a recuperar, às tantas tenho de ir ao celeiro comprar as tais gotas de extracto de plantas que sabem a bagaço que me puseram na língua no outro dia. a minha cabeça parece de cristal, já a conheço, quando alguma coisa a perturba é assim, não pára, parece um carrossel, movimento circular. ontem de tarde dormi bem e depois fiz muitas coisas com as mãos para descansá-la mas não foi suficiente inventar o bolo com creme de queijo e laranja nem os rojões no forno com ninhos de ovos cor de rosa nem a mancha da banheira que consegui eliminar a cantarolar. não foi suficiente a beleza das flores e das meninas que voam cheiinhas de cores. não foi sufuciente ler e reler e apreciar as coisas que vêm de lá, daquele que me ilumina ao sol e ao luar. talvez a minha cabeça esteja apenas triste, tenho de lhe dar tempo para se recompor, talvez tenha de se despir junto do coração e fazerem juntos uma receita de acabar com a inquitação, um feitiço bom. 

sábado, 24 de setembro de 2022

estar cercada de maluquinhos pode ser uma experiência incrível: tenho a certeza de que a minha saúde mental está excelente. consigo detectar a maldade, o desinteresse, a indiferença, o desapego, a falta de sedução - e de admiração, portanto -, a vergonha talvez, eu acho que as pessoas escondem o que sentem por alguém quando sentem vergonha desse sentir e desse alguém, portanto, enfim, tudo aquilo que é grande, enorme, gigantesco, perante os meus olhos que refinadamente depuram a pequenez. 

quero abundância, quero abundância. abundância.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

vejo o nome e atendo. começo a tremer perante a sua voz trémula e indefesa, tia preciso de ficar a dormir contigo esta noite, não me sinto bem. digo-lhe que sim sem mostrar o meu pânico. desligo. começo a ter um ataque, estava a entregar o carro da empresa no mecânico. fico a chorar a aguardar que me venham buscar. depois chego e meto-me na casa de banho, saio e caio de joelhos no cão, deito-me e molho-me, mal consigo respirar só de pensar no que pode acontecer. nada vai acontecer, ele está controlado, só pressentiu que poderia haver um descontrolo com a mudança de estação e da medicação e ligou-te, ouço-me sem me convencer, está tudo bem. sinto meterem-me umas gotas que sabem a bagaço na língua para me acalmar, de olhos fechados deixo-me acalmar e fico calma. não sei como vou conseguir ficar bem, quando chegar, daqui a pouco, ele também já chegou, depois vou preparar o jantar e o sofá e depois quero dormir mas talvez não consiga, há o medo, o medo que ele faça alguma coisa semelhante ao que fazia antes, o medo que tente atirar-se da varanda ou que saia de noite. só quero conseguir dormir e que amanhã ele esteja bem e que vá embora. eu só quero que ele fique bem e que vá embora, embora. porque eu tenho medo da caixa preta com o meu coração lá dentro, o meu sobrinho é uma caixa preta, quando está assim, e tem o meu coração lá dentro. eu tenho medo que o meu coração se desfaça, quero dormir e guardar o meu coração, quero dormir e guardar o meu coração.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

intermitência dura

ó rapariga, tu não vês que nada é para ti e que tudo é para todos? tudo não, porque a parte em que dá a cara nem sequer podes ver, és uma trenga, és ridícula, por que és má, tão má, para mim?, não sou má, sou fria e crua, quero que chores pelo que não há, quero que sintas plenamente o hoje, tantos hojes, como se não houvesse, e não há, amanhã, gargalhada da cuca, nada é para ti, tudo é para todos, nada é para ti, tudo é para todos. cala-te, por favor, cala-te, sua intermitência dura, não me massacres.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

o importante é que serviu para alguma coisinha

 acordei a pensar numa coisa. e sei por que me lembrei: ando à procura de ideias para ajudar o meu cunhado, o meu sobrinho, a minha amiga, todos os que me ligam como se ue fosse a mamã ou a vóvó. quando há um punhado de anos tive a epifania, mais uma entre tantas falhadas, de criar uma ideia de ir cozinhar a casa das pessoas, pensei, adoro cozinhar e as gentes cada vez menos querem ter trabalho e pedem comidas entregues em casa, nasceu a bucca d'avó, adorei, mas nunca tive sequer um cliente, continuei a cozinhar em casa de amigas e familiares por gosto e por querer alimentar-lhes o coração e nunca ganhei um tostão. mas como estava a dizer, quando há um punhado de anos tive essa epifania que falhou, mais uma entre tantas, não sabia que anos muito à frente me traria serventia: a de me permitir espreitar o Rugar. pois, o que é que eu fiz? como nestas coisas de tecnologia sou uma nódoa irreversível, mudei o nome para dois nomes de flores, mudei porque talvez o jeitoso se lembrasse da bucca, eu mostrei-lhe na altura como mostrava tudo, e pronto. quilhei-me sem me quilhar, não consegui entrar, ele é fino, mas consigo apenas espreitar. agora dá-me riso, muito, porque nem sequer sei mexer com aquilo, queria regressar à bucca, mexo e remexo, e são ambos. interessa nada. o importante é que afinal serviu para alguma coisinha. lailailai

domingo, 18 de setembro de 2022

sábado, 17 de setembro de 2022

a rapariga com o cilindro de pérola

tinha acabado de adormecer quando o cilindro estourou. toda a gente deveria passar pela experiência de, pelo menos uma vez na vida, estar perante um rebentamento assim: ficar com a calma e a paciência necessárias a assistir com absoluta impotência ao esvaziamento de um depósito enorme, antigo. porque entretanto a luz também se quilhou. então era a água e a escuridão, em uníssono, a testar-me. estou a esquecer-me do meu pai que estava a tentar arranjar justificações absurdas para a pequena tragédia e também a sofrer pela privação do futebol. 

o resultado foi uma inundação e muitas horas a conseguir apanhar a água com alguns centímetros de altura. não me enervei, não me doem os braços. só estou ainda mais convencida de que sou um monumento de paciência, não sei se é bom ou mau, só sei que sou. a melhor parte foi deitar-me encharcada, não liguei a ventoínha e percebi que o silêncio já me fazia falta.

estou com contade me de chamar a rapariga com o cilindro de pérola, sou uma obra de arte por ser, sou, miss elegia, a melhor experiência do mundo bruto e agressivo que me quer - em vão - converter.  

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

pergunta-me em jeito de categórica afirmação

pois claro que li a entrevista do Paulo Nozolino, e se não tivesse lido leria com certeza depois de ir espreitar ao Rugar, fiquei a pensar no quanto adoro a verticalidade tanto quanto ele. porém, ele adora-a na arte e eu adoro-a na vida: eis a grande e abismal diferença, ele quer que eu veja o que ele viu e eu na arte quero ver o que me apetecer. na vida eu só quero ver o que é e dentro do que é o mais possível, talvez lhe chamasse ele, se me conhecesse, por que raios haveria ele de querer conhecer-me, rio-me, como estava a dizer, talvez ele lhe chamasse uma verticalidade horizontal. depois penso no jardim, no banco do jardim onde diz que se pode distrair, pensar é na igreja. também aqui neste ponto compreendi o que quer dizer, compreendo-o perfeitamente, mas discordo em absoluto. em uma igreja o que não falta são focos de distracção, camandro, para a minha distracção. é o altar imaculado e talhado com tantas curvas e flores frescas, os cálices estilizados e as velas com a pose de depois de ir derretendo; são os dourados recortadinhos e os corpos nus e gelados detalhadamente esculpidos e com esgares sofridos como se estivessem com prisão de ventre; são os anjinhos roliços e de cabelos encaracolados escolhidos para lá estarem como que fossem chibos de Deus a assegurarem-se que Lilith não aparece; são os tectos pintados com histórias da história que um dia alguém contou, uma espécie de conto a que sempre foram talvez acrescentando um ponto. 

no jardim, não há distracção: há o ar como se eu pagasse direitos sobre o ar e o ar fosse meu, o ar entra em conluio com o cérebro e fazem um lanche, é uma cestinha de pensar em uma liteira, que interessa quem passa, não interessa quem se senta ou anda a pastar: o jardim é para pensar e para sentir também porque é no ar que respiramos, um jardim pode ser um sofá ou uma cama, um jardim pode ser dentro de casa também, como estava a dizer, porque é no ar que respiramos, no ar a que temos direito como se pagássemos direitos, que sabemos o que valemos em nossa lucidez. nas igrejas distraio-me com a arte horizontal e nos jardins deleito-me com a verticalidade, a tal verticalidade horizontal que diria o Nazolino se me conhecesse, rio-me, a verticalidade que me é viver. e sim, juntos, profano e sagrado de mãos dadas sempre a olharem para mim.

esqueci-me, entretanto, daquilo que me lembro sempre quando vejo uma igreja: na minha imaginação há sempre um porteiro muito pálido e carrancudo vestido de preto e com meia dúzia de peleiros na moleira. é medieval. ele olha para mim e percebe logo tudo, o corcunda, também é corcunda - e coxo, antes que não me lembre -, pergunta-me em jeito de categórica afirmação: não tem cartão, não entra. sorrio, sou simpática, faço-lhe uma finta à Pelé, e desvio-me sempre para o jardim mesmo antes de ele sequer ousar pensar que poderia eu querer entrar.

não quero saber de mais nada, nunca mais quero saber de nada, quero que o mundo acabe agora, quilhe-se tudo, que não nasça o dia nem o sol se atreva a acordar. quero tudo noite, tudo quieto, quero adormecer até ao fim do mundo, quero chorar até ganhar papos antes de adormecer para ficar cansada e não ter hipótese de me levantar. já está.

Olinda, não existes

nem sequer aprovam os meus comentários, ficam horas e horas como se não existissem, da outra vez nem chegou a aparecer, não entendo, sou impotente fazendo acontecer, é injusto, o mundo é uma sequência de injustiças feitas e também do que não se faz,  essa gente injusta que me deixa ralada, se tem jeito serem comentadores a decidirem o que eu tenho de dizer e quando, castradores, já só queria metê-los em água a escaldar. depois ficava a ver a pele a desfazer-se e a água a ficar cor de rosa e aí chamavam por mim, Olinda, por favor, atire-me água fria, gritava um, acuda-me, gritava outra, com bocas gretadas de tão secas pelo pânico que lhes comia os resquícios de himidade. depois eu fazia uma magia, voltava com a cena atrás para que eles vissem o futuro próximo e aí eles diziam-me: prometemos aprovar os seus comentários imediatamente no minuto após os ter submetido. e também prometemos reclamar com a direcção sobre isso de os assinantes só conseguirem ter acesso aos textos quinhentos dias depois de sairem em papel. e então eu sorriria e diria: muito bem, assim está bem, agora peguem lá chiclas e rebuçados. evitavam-se tragédias e a preocupação de depois eu ter de pensar no que faria com as águas cor de rosa cheiinhas de peles de víboras. talvez fizesse um caldo bem passado para dar de beber a outras gentes pestilentas, tudo se apriveita.

não existes, Olinda, não existes, és uma invenção. conforma-te.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

esperar para contar aqui ao vento

é indescritível a alegria que sinto só de lhe ler o nome. as minhas células hão-de, com certeza, rodopiar ou dançar, se calhar misturam-se com o sangue a ferver e fazem um batido quente até arder. talvez seja assim, não vejo outra maneira de ser. porque eu cheguei a correr para vir contar o que me aconteceu e depois a intuição desviou-me para lá, é sempre assim, quando vejo - e vejo muitas vezes ao dia tem dias - não há e depois em algum intervalo de mim lá está. antes era mais certo, quando ia a correr à bomba cuscar o papel, mas depois que arranjei forma de poder comentar não faz sentido a correria, pois claro. mas como estava a dizer, eu cheguei a correr para contar aqui e depois fui para lá e fiquei alagada de alegria e quase esqueci a porcaria.

depois de almoçar, fui descansar a pança da canjinha e dos filetes e dos grelos para a beira do muro que dá para a areia bem de frente para o mar, fiquei ali a pensar quando, de repente, sinto uma mão no meu braço. pode-me dar um cigarro, disse-me, não, respondi-lhe, e para me pedir um cigarro não precisa de me tocar. tire a mão. mas eu estou a ver um maço de cigarros, sim, eu tenho mas não quero dar, largue-me. tirou a mão e aproximou-se e disse-me que não me queria fazer mal mas estava quase a vir-se. viro a cabeça e vejo a mão dentro do bolso das calças a mover-se freneticamente, imediatamente me levanto, chamo-lhe badalhoco e entro no carro para me retirar sem medo. não senti medo mas nojo. porque ele não sabe que eu não tenho medo, e não sabe da minha força, pensei a mil, não sabe que consigo pegar em móveis sozinha e em vinte quilos em cada braço a brincar. nem eu sei de onde vem tanta força e, portanto, ou me retirava imediatamente ou partia-o todo. e depois vim a correr para contar, só queria contar do nojo, esfregar o meu braço até sair a pele onde ficou a mão daquele traste.

de maneira que bastou eu ler o seu nome, e depois o resto, para me tranquilizar e esperar para contar aqui ao vento.

 chovo-me e seco-me

!ai! de mim

nesta vida de pranto

e de espanto

acordo inchada do sal

e encharcada de sol

com este coração 

velho moço

que se entrega sem outro de caução

terça-feira, 13 de setembro de 2022

beijo-o profusamente antes de dormir. e depois o sono gosta tanto da véspera que está a espiar que a agarra e continuamos a beijá-lo. devo ficar ciumenta porque empurro o sono e quero o beijo só para mim, ah pois. entretanto amanhece, amanheço com os raios do reijo a rourar-me toda, ouro de luz. arrasto-o comigo para a privada e deixo

que o reijo secretamente

me arranhe mansinho os cantinhos

é o beijo guardador de mim

reijo meu

reijo sim

até quando a chuva quiser

é muito muito raro usar secador no cabelo, tão raro como usar guarda-chuva, ora a chuva não precisa de ser guardada mas sim fruída, e por essa razão, essa razão de não usar o segundo é que tenho o primeiro lá numa gaveta no meu local de trabalho. pode acontecer chegar como quando se sai do duche, acontece imensas vezes, e ter de ir a uma reunião de seguida. quase sempre também ignoro o protocolo e uso amiúde a mesma desculpa: acabei de ficar encharcada com um aguaceiro que me apanhou desprevenida, minto, e minto porque não me apetece explicar que adoro sentir a chuva a dar-me na cabeça e depois as pontas dos cabelos ficam fôfas quando secam e a cheirar intensamente ao meu perfume. como estava a dizer, lá está o secador na gaveta e hoje usei-o: a colega chegou molhada até aos ossos, meias e calças a gelá-la. então eu chamei-a, sequei-lhe as meias e depois as calças, entretanto o secador cansou-se e parou e dei-lhe um tempo. voltei à carga e acabei por deixar a menina confortável. não que mereça, às vezes também é cabra, mas mereço eu sentir-me bem: não conseguiria concentrar-me sabendo que ela poderia ficar doente. afinal sempre tens utilidade, disse eu ao secador em pensamento, hoje dei-te mais andamento do que em uma vida inteira, isto mesmo antes de lhe enrolar o fio já espreguiçado e de o arrecadar até quando a chuva quiser fazer mais uma vítima.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

como quem deliciosamente só assiste

se há parte de que gosto nada é aquela em que sou uma espécie de esponja, ou cogumelo, que absorve o que faz mal e bem aos outros como se a mim fizesse também. e faz. quando é o bem, ainda bem, quando é o mal toca a afectar o meu rico sono como se de repente o sono me obrigasse a acordar dele, abanão, talvez para me impedir de ter pesadelos, não sei, visto e escutado assim até que pode ser um sono amigo, acorda-me por prevenção. agora fiquei a pensar no que será pior: a insónia, fico a ouvir o arfar da ventoínha na imensidão da noite, ou o pesadelo que é aquela ilusão de sono reparado visto que quando acordamos parecemos um burro cansado. só sei que não é justo, fico arreliada, ando o dia todo cansada, não queria ser uma esponja ou um cogumelo. queria ter um vidro de protecção que me velasse o meu rico soninho para o meu rico soninho me cobrir com toda a sua atenção. e se assim fosse, como assim tem de ser e como às vezes é, então eu podia sonhar todos os dias com o meu amor todo em riste e descansar como quem deliciosamente só assiste com os olhos a brilhar, estrelas contentes, e o sorriso a rasgar prados e montes. 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

uma sombrinha tranquila

existem dias que marcam, marcam todos, uns mais do que outros. hoje sofri um bocadinho com calma enquanto esperei para saber, pensamentos mil, até lá chegar. depois cheguei e novamente tive de esperar, sabe que os homens só conseguem fazer uma coisa de cada vez, simpaticamente me disse, disse como quem diz para me calar enquando enchia a tela do computador com palavras, procedimento a que os médicos estão obrigados - agora talvez muito mais do que a ouvir os pacientes - e lá esperei a segurar as minhas dúvidas e questões. sorriu: não há nada de maléfico no seu fígado e um rol de palavras que explicavam tudo e dissipavam a minha preocupação, pensamentos mil que se fizeram palavras e palavras que se desdobraram em calmantes. ouvi tudo e liguei o meu tradutor automático: a bolinha milimétrica é apenas um montinho de células oriundas dos vasos sanguíneos que se mitraram ali. e lá saí toda feliz decidida a celebrar: escolhi uma comida que nunca tinha comido e também uma sombrinha tranquila para beber aquela hora pequenina.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

fiquei tristinha com a morte da super rainha. outra assim monocromaticamente colorida nunca mais vai haver - e isso diz muito da sua maneira, de ter sido, de ser.

para onde irão

sem o programa interno não consigo trabalhar, a actualização pegou em todos os computadores menos no meu. de maneira que tenho passado os dias a ler, ver e a ouvir o que me apetece, coisas do mundo, e também a apreciar a assistência remota que consigo explicar em poucas palavras: olinda ping pang. dá-me riso, ninguém consegue descobrir a falha, não temos informático, lá na empresa externa que presta auxílio remoto. mas hoje pela fresca vai lá alguém antes de eu sair. aguarda-me mais uma sessão de ping pang olinda.

absorta da realidade laboral, o tempo tem voado. os dias têm passado ainda mais depressa. para onde irão os dias que voam? imagino então uma garafinha bonita, vidro recortado, uma garrafinha só minha, que vai gurdando tudo, e onde tudo cabe, tudo o que se não vê. depois lá dentro dela há-de haver uma alquimia qualquer, uma magia que desconheço. é a garrafinha de vidro recortado apanhadora dos dias que voam.

domingo, 4 de setembro de 2022

isto não me pode arreliar mais

sim, eu percebo o Nabokov perfeitamente naquilo de ligar - ligo eu - os genitais à definição das pessoas, as pessoas como borboletas mas só algumas. andava eu a ler e a ver coisas de borboletas quando uma epifania me voou: fui a correr ler a posologia do medicamento novo, a substituir o anterior, que a médica com nome de fruta me receitou para a diabetes e lá está tudo explicadinho, tudo da frequência de infecções na oligina e no oliríneo . pensava eu que eram bichos que me picavam as pudendas e afinal o bicho é o medicamento, quer dizer, andei toda rebentada, depois fiz tratamento e passou e agora, acudam, chegou outra vez a comichão e o ardor. é o puto do medicamento o bicho que me ataca as pudendas, as pudendas que também me definem. agora estou meia confusa, não sei se aguardo, se páro imediatamente de tomar. uma coisa sei: não estou para isto, era o que faltava, nunca antes tive coisas destas e isto não me pode arreliar mais. está dito.

sábado, 3 de setembro de 2022

redundância

comecei a trabalhar há uma semana e já parece um ano, o cansaço de um ano de ausência: ausência de quem se preocupa, de quem seduz, de quem quer que a empresa cresça. porque eu sou a que se preocupa, a que seduz e a que quer que a empresa cresça, sou sozinha, nem patrão nem colegas sucumbem a esta redundância, sou cansada de ser sozinha a preocupar-me e a seduzir e a fazer crescer. de outra maneira não me sei ser mas também não quero a ausência. o que aconteceria se também eu me deixasse morrer?

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

e se eu não souber tocar, tocá-lo, penso vezes sem fim, será que vai gostar de mim?, insegurança em bicos de pés, cala-te já, ouço-me no repente, porque tocar é a extensão do sentir, olha, é um monte, um monte?, sim, percebeste muito bem, em cima do monte estás mais perto do céu, 

tocar quem se ama é o monte e é o céu

o ronte e o réu


e sossego, desassossego que se acalma

com um pé na insegurança

e outro na segura dança

sagrada-profana

, a dança que é do corpo e é da alma

o que mais posso fazer

acordei e pensei de imediato em algo que considero muito interessante como se tivesse acabado de ler, tinha acabado de acordar, e se dormir também for - e é - ler?, penso depois, como estava a dizer, pensei em uma coisa simples. quem se mete a jogar comigo, perde sempre. e perde por uma razão que me é óbvia: não sei jogar. depois pensei, mesmo agora, agora que já recomecei nas tormentas do dia, dos dias, que essa é a principal razão pela qual as pessoas odeiam, me odeiam, perdem sempre comigo. sorrio. o que mais posso fazer senão fazê-las, sem fazer, perder?

domingo, 28 de agosto de 2022

a ver se a lua me manda um sinal

essa é que é essa, ando a sonhar com o romem há anos a fio e todos os dias, de lá para cá, apanhava um bocadinho de terra sem ninguém saber e sem, no entanto, criar expectativas de transformar a terra em uma montanha. não sei se tenho coração de sábio mas sei que nunca se maculou, tão perfeito é o coração - o meu e o dos outros -, o coração que nasce pequeninho, imagino-o a nascer como os pintos: a casca a estalar, depois uma arranhadela aqui e outra acolá e a cabecita de fora a respirar e já está. como estava a dizer, o meu coração maculado andou sempre a bater, às vezes tolinho e outras a trote, sei lá eu, tantos dias e tantas horas sem contar e sem esperar esperando, sem fé e a acreditar - só em segredo a dançar. e se quando chegamos a um lugar é nesse lugar que estamos e não queremos estar? sim, pode acontecer o romem ter chegado ao lugar que não quer por não ser, sequer demasiado, bom. porque o lugar que fica no meio, espalhado e misturado e enraizado do coração, no meio como quem diz nele todo, pelo meu falo, é também o lugar que se espalha pelos rins e pelos pulmões, pelo cérebro e pelas frutas sumarentas do prazer, por mim falo, e sendo assim tudo se torna em um só e no verbo acontecer a querer rasgar a pele, mesmo a mais sensível. e como estava a dizer, esse lugar de lugares sentidos é de madeira-pedra e de cristal e poderá haver quem não o queira, afinal. acordo de hora em hora, às vezes, espreito o céu acompanhada pelos mosquitos atrevidolas, tonta és - ouço a roz -, a ver se a lua me manda um sinal.

sábado, 27 de agosto de 2022

como com o prefixo de portento

sem nunca ter saído do lugar, viajei intensamente por dentro, todo o movimento é por dentro na espera e na esperança de também por fora ser. passo anos e meses e dias a ficar no mesmo lugar que embalo ao segundo como se fosse um karma por ser, por ser porque desde sempre fui eu a escolher sem escolher como me quero ser, sou e já está, nada me pode fazer deixar de ficar neste lugar encantado de céu e de inferno, primavera e inverno, lugar ansioso e sereno de outono por vir. porvir.

porque a forma como os outros nos tratam é o karma deles e a forma como nós reagimos e nos sentimos é o nosso karma. e eu, só de o sentir e de o pensar, enrolo as pontas dos dedos dos pés, jeito mansinho de tensão,  só quero o rarma por dentro e por fora e em mim. o rarma sempre é a minha maior atenção, tensão e atensão, invento, atensão como com o prefixo de portento portanto.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

tocar

o meu tocar. pego em um copo para beber, desliza pela minha mão e depois o limão parto em duas metades para espremer umas gotas para a delícia do puré e aperto-o até se desfazer; a esfregona, espremo-a e parto-lhe o pau sem dar conta; preciso de arrastar o fogão pesado e já está, nem preciso de esforço. e a máquina, !ai! a minha máquina de costura que me deu nos nervos, fio que parte na agulha vezes sem parar, o fio está tenso, menina, é a tua tensão a passar. verifico os botões, troco as linhas, experimento outra e outra vez, parto as agulhas, !mais três!, desligo-me, desligo-lhe a luz e a corrente.

porque tocar é sempre sobre e como sentimos, não há segredos. tocar é uma forma de expressão, o corpo inteiro a falar e a reagir perante o que estamos a tocar. tocar.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

o meu dedo em riste para ela

a propósito deste pedante, também tenho lá onde trabalho uma c, c de coleguita que diz que tem um milhão de seguidores no instagram. até aqui tudo bem, as pessoas gostam de seguir tendências de cinismo e isso é lá com elas. no outro dia, estava eu a comer os meus tomates com bolachas de aveia, ao lanche, e reparei que ficou a ougar as bolachas, reparei porque ficou colada nelas. ofereci-lhe uma das três que tinha para comer ao que me responde: nem pensar, não posso, mas não podes porquê, está bem, vou aceitar desde que me prometas que não contas aos meus seguidores que estou a sair da linha. a minha vontade era mesmo dizer-lhe que é feia, mesmo feia, feia pela forma como vive e feia de rosto, parece um reflexo de cara nas bolas de natal, mesmo com a maquilhagem que usa para melhorar, e obrigá-la a vomitar a bolacha que lhe dei. ri-me. depois lembrei-me de outra coisa. como já é a terceira vez que chumba para ter a carta de condução, apeteceu-me dizer-lhe que deveria dizer ao milhão que a segue que a tendência é andar a pé por incapacidade cognitiva de perceber, segundo relatou, que não se pode encostar à berma na via de cintura interna mesmo que seja o avaliador a mandar. essa candida, candida por eu achar giro atribuir-lhe o nome do fungo dos genitais, é a mesma que faz do namorado um criado, da avó com quem vive e a criou um empecilho e uma das que quer saber, porque quer, que perfume uso e qual o milagre que meto na pele para ter a sua como a minha - mal ela sabe que não gasto um cêntimo nesses cremes. ora esta influenciadora, assim se considera, é a maior. mas só se for a maior lá da cadeirinha da sua sala da sua casa quando se dedica a ser uma pedante e com sotaque de tia de cascais a exibir-se e a mentir para um milhão. no outo dia, num outro dia, apanhei-a a ir à confeitaria buscar um lanche misto e com chouriço, são enormes, e a comer às escondidas. fiz de conta que não vi, não a envergonhei, só me ri.

entretanto o meu dedo em riste para ela foi na bolacha que lhe dei cheiinha de boa vontade. se foi.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

no amor somos sempre quatro

como é que um casal que se ame poderá fazer sexo com outras pessoas? como é que alguém que ama outro alguém consegue fazer sexo com outro alguém que não é o alguém amado? ora nesta minha cabeça que muito estimo, isso não se coaduna com amor nunca e em tempo algum, dá-me nos nervos que usem a palavra amor no meio da porcaria, dá-me logo gana de lançar uma bomba e explodir com quem fala em amor assim. como se o amor permitisse desejar outro que não o amado; como se o amor permitisse tocar outro que não o amado; como se o amor permitisse pensar em outro que não no amado.

sim e sim e sim. no amor somos sempre quatro além dos dois: desejamo-nos e, por isso, também desejamos o amado; tocamo-nos e, por isso, também queremos tocar o amado; pensamo-nos e, por isso, também pensamos o amado. amamo-nos e por isso também o conseguimos amar.

é, portanto, uma conta fácil de fazer: no amor somos sempre quatro perante o três de eu+ele+nós que resulta em unidade amorosa. e quem me vier com histórias de nojo, nojo por quererem meter o amor em outros números que não os que considero, leva com bombas para desaparecer em pedacinhos ao estilo iogurte de morango. está dito.


o cabrão e a bolinha

 quando o cabrão do médico do hospital me fez a consulta para pedir a ressonância magnética ao fígado que a médica querida com nome de fruta vermelha pediu, pediu porque está com receio que a diabetes possa ter provocado a bolinha milimétrica que lá aparece, a médica que nunca antes me receitou qualquer medicamento porque nunca antes estive doente, como estava a dizer, o cabrão do médico armado em engatatão esqueceu-se de solicitar anestesia para mim depois de me ter perguntado se aguentaria trinta e cinco minutos fechada no tal caixão psicadélico e eu ter dito que achava que não, que não conseguiria. como se esqueceu - ou fez de propósito depois de eu lhe chamar ignorante por conta de me perguntar se o meu pai não era diabético por ser obeso, o meu pai é e sempre foi elegantíssimo -, e estou ansiosa para despachar este assunto da bolinha milimétrica, lá terei de ficar acordada e a sonhar. se vir que não consigo, peço que me deixem sair e está resolvido.


domingo, 21 de agosto de 2022

ebriamente embriagada

o sns deu-me uma médica fantástica, adoro-a. também porque tem nome de fruta vermelha, sorrio. como passei uma vida inteira sem fármacos, agora quer ver se a repentina diabetes me está a fazer estragos e então pediu, pediu e logo se apressaram a satisfazer-lhe a vontade, a vontade como uma ordem, que me metessem em uma espécie de caixão psicadélico para ressonar a frequência e intensidade nuclear. amanhã bem cedo, passará pouco depois das oito e meia, serei uma camundonga, portanto. estou ralada de preocupação porque não sei ainda como vou conseguir, se não tem janelas para abrir, como vou respirar. terei de me transportar para um campo com o riacho e as flores e as borboletas que me hão-de pousar no ombro e no nariz. depois tentarei subir à árvore que pintei e com o coração bonito e brilhante nas mãos, não será fácil mas está decidido: serei uma camundonga amorosa e livre, ebriamente embriagada e feliz.

às vezes, muitas vezes, fico com medo que o mundo acabe. de repente. não tenho medo de morrer, tenho medo de não ter tempo de river.

ouço trovejar, fico feliz. entra-me a frescura da manhã pela pele e pelos ouvidos,

nunca é cedo demais para falar com o trovão

pssst

abana tudo, abana isso tudo aí

orienta as gotas de cair, Senhor T

só quero o que é de ficar

ficar muito bem e muito bom e com queijo

figos também

cheiro de flor