sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Valquírias



terá sido amor à primeira vista, aquela coisa do só quero esta e mais nenhuma, que sentimos pelos olhos. o abraço, tão fágil e tão forte, selou aquilo que viria a ser uma das ligações mais importantes da minha vida. ela é especial por ser ela mas cada vez mais me convenço que terão, ela e mais uns quantos a si semelhantes, um mistério-delícia - uma espécie de personalidade e de carácter que as faz maravilhosas, inigualáveis, insubstituíveis.

Miguel Ângelo, no século dezasseis, enquanto pintava a capela Sistina, tinha como companhia uma spitz que presumo querer que se tivesse chamado Donna; Mozart, dedicou uma ária à sua spitz Pimperl no século dezoito; Chopin, no século dezanove, não resistiu aos encantos da sua, vou chamar-lhe assim, Dame dedicando-lhe a Valse des Petits Chiens.

todos os dias eu dedico, e devo-lhe, boa parte do meu tempo e da minha alegria. a Valquíria carrega nos olhos a vida; elas, a Valquíria, a Donna, a Pimperl, a Dame, são forças de vida. até à morte.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

vivertariado precisa-se



fazer voluntariado está na moda - está na moda ser parte activa de uma causa, de preferência de uma que seja notícia e que engrandeça quem nela participa o que é, per si, uma contradição com o altruísmo que é, que só pode ser, o voluntariado. ser voluntário, na vida, é muito mais do que contribuir para bancos alimentares ou juntar e distribuir cobertores e meias pelos sem abrigo - ser voluntário é dar de nós, atendendo às necessidades dos outros, não quando apenas podemos, quando sentimos que de nós precisam. ser voluntário é mais coisa intuitiva do dias do que demanda vestida a rigor nos nossos dias.
somos voluntários quando afagamos um cão abandonado mesmo antes de lhe darmos comida; 
somos voluntários quando ouvimos a nossa vizinha que não tem com quem falar; 
somos voluntários quando cuidamos dos filhos de uma amiga; 
somos voluntários quando ensinamos alguém a escrever melhor - não pelo prazer que sentimos em ensinar mas antes pelo prazer de vermos nos olhos o brilho de aprender; 
somos voluntários quando nos inibimos de ir a uma festa para fazermos companhia a alguém que está triste; somos voluntários quando decidimos partilhar as compras do mês com aquela pessoa que está sem trabalho; 
somos voluntários quando damos aquela força, desenhada a abraço ou palavra, a quem dela precisa; 
somos voluntários quando, simplesmente, fazemos da vida, da nossa, um punhado de versos que embelezam outras vidas.

e é no meio do viver, do viver alheio às crises económicas e políticas, onde o ser e os seres se misturam, do viver que é sempre mancebo da vida, que dar é ser. que dar é ser voluntário.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

há mais medo do que frio

e então, não há cachet para o homem?

breve, brevíssimo, ensaio sobre a cegueira



tamanha foi a vontade de devorar o par de donuts, nunca tinha comido donuts por razão alguma em especial - só mesmo por falta de curiosidade e vontade, mesmo ali, entre a estação de serviço e o carro, que, gula em cegueira, usei a chave do carro para abrir desalmadamente as embalagens. no fim, quase em sintonia com o arroto de consolação, percebi que há abertura fácil. mesmo fácil. e riso também.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

não. não te amo, Porto.

há cidades por onde a luz, ao passar, se deitou. cidades onde não moram dias escuros que arranham a barriga do céu.
há cidades de horizonte, verde à vista, onde a marca do homem não cheira a vã conquista.
há cidades onde o riso das gentes é feliz, breve serenar dos passos da semana, e a compasso.
há cidades onde as viúvas enrugadas cortam o picho e se reunem no doce falar.
há cidades onde os olhos, em tanto espaço, fazem pausas a descansar.
há cidades onde se mistura o urbano com o rural e onde o jumento é portento.
há cidades onde o lixo não dói e as flores são enfeites.
há cidades assim, sim, mas o Porto não é uma delas.

domingo, 2 de dezembro de 2012

a espinha de peixe vai para os Portugueses



política
(grego politiká, assuntos públicos, ciência política)






hoje é domingo e decidi, não ir à missa, ir ao dicionário. 
com algumas definições objectivas e claras podia estar tudo dito. mas não está: o que falta à política em geral, e à portuguesa em particular, é precisamente o prefixo bio - as três letrinhas que exprimem a noção de vida, do viver; que exprimem as costuras dos fundos, dos fundamentos das pessoas e dos bichos e das coisas. falta a consciência de que são as pessoas que dignificam a Cidade e não o contrário; falta o respeito pelo semelhante e igualmente pelo oposto; falta, na Assembleia da República, um punhado de versos nos discursos que arrebatem - e contrariem - o monte de estatísticas e de gráficos de espinha de peixe que mais não são do que isso mesmo - um peixe desnudado até à espinha que nem os gatos querem. 


façam biopolítica, senhores!, apretrechados de bioética!, num estado que é suposto ser de biodireito!


sábado, 1 de dezembro de 2012

Cinquenta anos seria pouco, Renato.

há coisa que nunca me passaria pela cabeça ser: juíz. andar ali a acompanhar as manobras e os contornos à lei das defesas e das acusações; amar cegamente a lei porém sabendo muitas vezes que vai contra os valores e o carácter; decidir o caminho de gentes. mas já que existe o poder, esse poder, para manutenção da ordem da Cidade, custa-me perceber onde está a dúvida perante alguém que matou a mesma pessoa várias vezes depois de andar a tirar proveito e a prostituir-se movido a fama e a dinheiro. custa-me perceber que a insanidade mental possa constituír argumento de não-culpa. parece-me óbvio que alguém que finge estar em poesia apenas para se cobrir de sucesso mostra já indícios de insanidade mental - assim como é obviamente irrefutável que ele matou e esquartejou e voltou, humilhando a própria humilhação, a matar e a esquartejar o mesmo homem. como é que perante provas e evidências e confissão existe a dúvida de condenar quando condenar significa exactamente isto: vais, não pagar pelo que fizeste porque o senhor nunca mais vai poder, sequer, ver o sol, ser castigado a teres uma vida bastante limitada ao ponto de, pelo menos, te debateres com a tua consciência e deixares que ela te consuma alguns anos - sempre poucos - da tua vida.

porque o amor nada tem que ver com injustiça. e a mãe do Renato, estou certa, sabe disso.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

tormenta




veste-se de lã fina a tormenta
sobretudo abotoado e nos bolsos ardil
calça vida de cano alto
solas de veludo, caladas, quem a vê passar?
e por debaixo vai nua como se água em cantil
em pele e em ossos na rua
tapada p'ra não chorar
é o riso, o choro da tormenta
que de tanto rir já não aguenta.

especializar diversificando




não é que não fique contente por ele, por nós, mas estou cada vez mais convencida dos lobbies nas artes: uma vez na ribalta - sempre na ribalta. existe uma predisposição natural no Homem para rejeitar o novo, o que é um perfeito paradoxo porque a arte vive, precisamente, do novo. até a recriação é feita do novo. mas investe-se sempre no seguro, no que está tido como certo. e depois, como aqueles casais que só querem um filho pelo motivo de quererem dar tudo a um só, esquece-se a alegria que também é a qualidade da quantidade: apesar de a especialização constituír vantagem competitiva, os monopólios são completamente devastadores dos mercados.

há maravilha

a grande vantagem da falta de dentes é, em ocasiões de festa, proporcionar, boca a nu, o deleite de máscaras naturais, versatilidade em destaque, engraçadas ou horriendas.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

conclusão da entrevista do último ministro

a dor social é exactamente provocada como a dor de corno: a consciência da realidade, de quem está a encornar, é absoluta depois do vir sucessivo em ajustamento da austeridade.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

é isto:

serenidade para aceitarmos aquilo que não podemos mudar;
valentia para mudarmos o que podemos mudar;
sabedoria para distinguirmos o que não podemos do que podemos mudar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

felicidade básica



 quando o povo bebe socialmente, não um copo mas aqueles que forem suficientes para se sentirem outros, nada em redor importa e os hálitos uns dos outros cheiram a gomas frescas - cheiram a alegria e a felicidade consoante a adrenalina vai aumentando; no dia seguinte, esquece lá isso de os halitosos a pato podre saberem o que são auroras e manhãs, já a si voltados perto da hora do jantar, o cheiro do pato podre continua a ser alegria e felicidade: tens um hálito que tresanda. tu também. eia, estou tão feliz, eu bem sabia que somos compatíveis! sim, somos, temos de comemorar. e assim morrem, vão morrendo, os patos. depois os patos ficam podres mas há sempre uma desculpa para acolher os patos podres e ser feliz. e a vida segue, tamanha felicidade básica, entre patos podres marinados em etanol.

obs.: os patos podres são os maiores condutores, e ejaculadores, do mundo.

sábado, 24 de novembro de 2012

obtusidade mórbida



gostei, e gosto, particularmente desta passagem que ilustra claramente a teoria de Deborah Tannen: "A espontaneidade corporal é muito mais natural na mulher do que no homem, o qual necessita de mediações do tipo desportivo ou higiénico para ter sensações físicas. (...) as mulheres usam a comunicação como se fosse uma rede afectiva, feita de confidências e longas descrições; pelo contrário, os homens falam exclusivamente para transmitir informações ou, no máximo, para resolver problemas." os que simplesmente não falam também os há.

depois, excepcionalmente, existem os homens-poesia - os que não cabendo apenas no rectângulo da comunicação obtusa (mas que não usam, obviamente, a poesia para auto-engrandecimento) são também dela feitos para serem. para serem homens. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

nobel

o suporte físico do prémio nobel da paciência só pode ser, não uma medalha; não um sofá, um banco rendilhado de jardim.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

é isso, é mesmo isso.

o que é, perguntou-me o Vasquinho com a boca ainda suja de chocolate, o amor?
olha, o amor é quando alguém consegue despertar - ou fazer aumentar - o melhor em nós e quando conseguimos despertar - ou fazer aumentar -, nunca o pior, o melhor em alguém.
acho que percebi: quando o meu mano nasceu eu comecei a portar-me melhor para a mãe descansar mais. e agora que nasceu o outro mano, também o Duarte se porta melhor e dá mais beijinhos à mãe.

aprender durante a dor

já não me lembrava de acordar de olhos colados, pestana com pestana, com super-remela três, tamanho o cansaço e vontade de ficar esticada, mamas estreladas no colchão e mãos que agarram a almofada.

passar muito tempo em um hospital, por pura amizade, pode ser motivo de aprendizagem pela observação e muitas, muitas perguntas. dicas para as mamãs e papás e para quem quiser saber:

a) a melhor técnica para acabar com a obstipação, além de introduzir o cotonete até meio - até áquela covinha onde se chega depois de um ligeiro desvio - será injectar uma pequena porção de glicerina líquida no rabinho do bebé. também pode ser usada em adultos mas com uma grande quantidade e, estive a pensar, talvez o cabo de uma colher de pau possa substituir o cotonete;

b) a melhor forma de provocar o arroto é pressionar com força, com força não é encostar, o meio das costas do bebé depois de colocá-lo na vertical contra o peito;

c) o leite só sai do bico se toda a zona do mamilo for pressionada. isto significa que muitas vezes o bebé está a agarrar no bico e a chupar absolutamente nada. há que meter toda esta zona na boca do bebé. para testar, a mãe poderá massajar - agarrando o mamilo como se faz com as vacas e, premindo, verificar que o leite sai de esguicho;

d) nada de colocar a fraldinha de pano, em rolinho, encostada à cabeça do bebé para aconchegá-lo: isso impedilo-á de se defender em caso de refluxo;

e) roupa a mais e calor a mais só geram desconforto e sobreaquecimento que poderá dificultar a respiração do anjinho;

f) para verificar se o bebé tem dores na barriga, ou concluir que o seu choro vem daí, massage-se a zona abdominal de forma a que se consiga unir, com os dedos de uma só mão, as extremidades. se tal não acontecer é porque o saco está cheio de caca e flatos;

g) um bebé feliz não precisa de grandes artifícios: precisa de amor, precisa da mama da mãe, precisa da voz do pai e de sentir absoluta serenidade, coração que palpita em tu-tu-tu, vinda da mãe quando está a mamar.

chamo a especial atenção para os pais mais ignorantes que, ou por escassez de recursos materiais ou por tradição da manutenção do brasão da desinformação de família, dão leite de vaca aos bebés: já nos vinte, ou nos trinta, serão adultos completamente podres e sem qualidade de vida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Sciuridae




existem duzentas e setenta e nove espécies de esquilos. são mamíferos pequeninos, queridos, que se alimentam de sementes, adoram bolotas, frutas e insectos. fazem ninho nas árvores, têm bom gosto, são arborícoras os que conheço: são de actividade diurna e possuem os sentidos apuradíssimos - tanto que tento, por vezes, fotografá-los sem sucesso: ao mínimo ruído trepam para as copas onde permanecem até quando lhes apetece. tem dias que passo horas a apreciá-los, eles merecem ser apreciados. estou certa que também eles sentirão saudades minhas.

domingo, 18 de novembro de 2012

o riso da desgraça

 
construção civil(CALUTEIRO)
Prosetil,lda - Barcelos
Meus senhores isto é o seguinte esta empressa Prosetil,lda nao paga,pois eu tenho o meu marido ai a trabalhar e ja nao recebe a 2meses,e tenho provas de tudo para quem quiser,desde Agosto ate ao dia de hoje so lhe tem depositado o dinheiro aos poucos,numa semana deposita 200euros,na outra 150euros,na outra a seguir 250euro,e como esta empressa paga.
Voces nao seijam enganados por esta empressa como o meu marido tá,anda a passar dificuldades porque nao tem dinheiro para comer.
Nem o patrao aparexe onde ele ta para o mandar embora para PORTUGAL,nem atende o telemovel.

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vai morrer longe, angústia!

fui ver se conseguia trabalhar em um restaurante italiano: trezentos euros, contrato nicles, e um Maurício, o Senhor Maurício, a levantar-se e a meter as mãos na tomatada enquanto me entrevistava. nesse momento, depois de meses em angústia, senti que estava tudo errado - senti: pára tudo, Olinda, vais já a correr embora daqui e vais decidir aceitar que não depende de ti esta fase da tua vida. mas depende de ti ires para onde tens de ir, viveres como uma reina, a reina que és tu, e esperares que surja uma oportunidade de acordo com o que tu mereces. vais parar, vais mudar, e vais viver sem angústia. como que por um instante de magia, senti o meu mar serenar; todos os meus músculos relaxaram; a vontade de chorar deu lugar a um sorriso rasgado. e dormi tranquilamente durante toda a tarde como se estivesse, e estava, a ser orquestrada por pássaros pousados na orelha.

é no limite, sempre no limite, esganada pelas impossibilidades, que, afundando-me, renasço. começarei do zero, sim, mas com a maior força do mundo. e a casa, a minha casa, passará a viver no local mais meu que existe: dentro de mim. até conseguir, novamente, fora de mim. até conseguir.



sábado, 17 de novembro de 2012

o novo merdoso medroso

não gosto nada, detesto, de ouvir chamar velhos. o que é isso de velhos e relhos, bocas que deviam estar cerradas pelo odor que desnudam. obsoleto é quele que não vê na pele flácida e no cabelo que cai a sabedoria; velho é aquele móvel carcomido pelo tempo e pela saudade de ter guardado vestidos floridos da senhora; velho és tu que não vês no sorriso desdentado uma alegria, uma quentura. velhos são os teus intestinos que já estão podres de tantas fezes reteres. vá, caga-te todo, tu que não sei quem és mas que és aos montes, caga-te pelas pernas abaixo para perceberes o merdoso que és, o medroso do tempo que tem medo que o tempo goste de te ver passar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

coisas boas

hoje é dia do desassossego.
e o CD faz trinta anos.

tic-tac

a insónia não é mais do que um despertador baralhado, confuso, que toca no escuro e é bem claro: não te quero em pequena morte, o sono é uma pequena morte, dou-te apenas uma morte soluçada, cheia de falhas: tic-tac, tic-tac, toca a acordar, é preciso pensar, não parar de pensar. e depois fatigados - a insónia fatiga o sono e o sono fatiga a insónia, decidem ficar amigos e, repetirem por tempo imprevisto, tomarem chás na noite, nas noites. tic-tac, tic-tac, tic-tac.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

apinhalada por cima

tirar a casca aos pinheiros sabe-me bem e elas, as árvores, não zangam: faço-lhes madeixas escuras e ficam a parecer vacas a ver-nos pastar. tem dias, porém, que devo exagerar um pouco mas logo recebo o aviso: apanho com duas ou três pinhas que descem lá do alto e me dizem
 por hoje já chega!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

como? como?




quando Amélie Poulain se desfaz em água ou quando a mula se atravessa na linha de comboio para se suicidar. não há imagem melhor para uma emoção arrebatadora do que a de alguém (des)feita em água. nem para um desgosto de amor que é sentido como um comboio a trucidar-nos. a vida não é, não pode ser, pedigree cem por cento real - o que a vida tem de mais fantástico é, precisamente, a fantasia. é o véu transparente que cobre, descobrindo, toda a realidade. a fantasia é a poesia e o romance da vida, local absolutamente inseguro, o do embelezamento, para se viver em absoluta segurança. mas o mundo está cheio de gente com pedigree cem por cento real: um olhar não tem narrativa - um olhar é apenas a função vital dos olhos; uma carta é aquilo que se escreve para reclamar às finanças - não existem cartas de amor; a intimidade não é uma história de encantar - é uma sequência de fodas; um bife com batatas nunca é um momento de apreciação balsâmica - um bife é uma fatia da vaca que foi esquartejada no caralho do matadouro e as batatas são mero acessório transformado em óleo a ferver.

conviver com gente de pedigree cem por cento real teve sempre de ser desde que nasci, aguça-me a paciência e o engenho para a poesia e o romance, mas só porque no final - ou no começo, é quando calha - há sempre o oásis de recolha, o escape, a casa, a minha casa, onde posso descartar-me dos cheiros e das crostas que a convivência com eles me deixa na alma. mas e se deixar de ter a minha casa? como vou sobreviver no mundo do pedigree cem por cento real que não se coaduna comigo, eu que sou traçada, raça de prosa e poesia, de realidade com fantasia?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

portugalim

no século dezasseis nós jesuítámo-los. agora eles, do cimo da burra, e do cavalo lusitano, toureiam-nos: olé.

puro terrorismo

não percebo nada de sexo e muito menos de sexo anal, do gosto e das asas, mas estou certa que se for com alguém que eu ame e que me ame também vou adorar - principalmente porque será de frente, pelos olhos, o sexo faz-se a começar pelos olhos. não obstante, estou a sentir-me pornograficamente, violentamente, execravelmente, a seco, queimaduras em sangue, enrabada por trás. é assim que este (des)governo está a fazer-me sentir. este (des)governo terrorista tem atentado contra as fontes e os recantos e as oliveiras e os jardins do canteiro. este desgoverno tem atentado contra a vida, a minha vida. e todos nós, nós todos, só podemos valorizar e celebrar a vida se estivermos vivos. e é só.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

fazer

o banco alimentar mobiliza muitos recursos materiais e humanos para levar por tabela pelo que a Isabel Monet disse. disse e está dito. talvez esteja na menopausa e, durante a entrevista, terá sentido calafrios no cérebro. vamos, solidariamente, ignorar o que disse. vamos continuar a apoiar a iniciativa do banco alimentar e qualquer outra congénere. vamos ser melhores. vamos continuar a acreditar que valemos muito mais pelo que fazemos do que pelo que dizemos.

domingo, 11 de novembro de 2012

verdade?

a diferença que Jacques Lacan estabelece entre a verdade e o verdadeiro: a verdade está sempre relacionada com a singularidade de um sujeito e caracteriza-se, pela sua própria estrutura, por ser não-toda,  por ser  uma  meia-verdade. o verdadeiro  é o que se diz: 
e o que é dito? é a frase. mas a frase, não há meios de fazê-la sustentar-se em outra coisa senão no significante, na medida em que este não concerne ao objecto. a menos que (...) vocês postulem que não há objecto que não seja pseudo-objecto. quanto a nós, nos atemos a que o significante não concerne ao objecto, mas ao sentido          (LACAN, Seminário 17, 1992, p. 53).


(o real, o simbólico e o imaginário são os três registos da estrutura do ser falante: o real só pode comparecer como impossível, o simbólico corresponde às leis do significante, que são as mesmas da linguagem, e o imaginário refere-se ao corpo e ao sentido.)



terça-feira, 6 de novembro de 2012

espremedura correspondida

o que são dias difíceis? são aqueles que começam logo com uma nuvem preta mesmo por cima da nossa cabeça, daquelas nuvens que, ao invés de parecerem tufos de algodão doce, são esponjas encardidas dispostas a sugar-nos - ao mesmo tempo que desejosas de se nos torcerem bem do alto, d'alto - os raios de sol. depois, consoante o dia vai avançando, os dias são sempre no gerúndio, vamos sentindo nos ombros e nos ossos e na alma o peso da esponja espremida ao mesmo tempo que nos esprememos todos também. os dias difíceis são aqueles, pode parecer mentira mas é verdade, de perfeita sintonia entre o espremer e o ser espremido. os dias difíceis são de espremedura correspondida.


sábado, 3 de novembro de 2012

fungágá da arte

aqui.

(e isto do choque cultural faz pensar. é uma espécie de generation gap alargada à humanidade.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

na merda fica quem quer

uma coisa, já aqui escrevi um dia, será permitir que a minha cadela se liberte em locais onde os passos são constantes. outra, bem diferente, é deixá-la solta e livre a cagar onde lhe apetece em locais reservados, calmos, onde um poio faz a alegria do dia. o jardim aqui do condomínio é privado, uma mistura de árvores e relvas selvagens em que os dejectos do tamanho do meu dedo mindinho ajudam as castanhas a crescer e até as criancinhas que lá vão a saberem a diferença, na cor e na textura, entre a merda humana e a dos outros. é saudável, tão saudável quanto os poios gigantes dos bois e das vacas nas aldeias. por estes dias, uma vizinha cusca que andará a observar a alegria conjunta, a dela que caga e a minha de vê-la cagar, veio ter comigo e pediu-me que apanhasse as pequenas cagadelas porque os netos queriam brincar e tornara-se um incómodo. disse, obviamente, que sim, que não me custa apanhar apesar de não concordar e de me parecer algo ridículo até porque quando chove de um dia para o outro se desfaz e quando faz sol logo seca. qual não é o meu espanto: chego lá e deparo-me com o local cheio de papéis de rebuçados e pacotes vazios de leite no chão. falta de cidadania é isto, homessa, não é conviver com poios saudáveis. 

decidi, entretanto, apanhar a lixeira que lá estava e não apanhar a merda da Valquíria. veremos quem tem de aprender o quê.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

ciúme

na mitologia Grega Hera, esposa legítima de Zeus, vigiava o comportamento do marido nas inúmeras incursões amorosas dele. Hera, a primeira dama do Olimpo, não ousava tocar no marido em represália às escapadas - preferia perseguir e punir as amantes, a quem atribuía total responsabilidade pelas aventuras do companheiro.

o ciúme existe, sim, e ignorá-lo constitui uma repressão. mas o ciúme pouco tem que ver, pelos meus olhos, com deslealdade e infidelidade. quem quer alguém desleal e infiel perante nós? ora se não se quer não há lugar ao ciúme porque não sentimos ciúme do que não queremos. como uma cortina de tule que se abana com a frincha da janela aberta, assim é o ciúme. quando nasce pela primeira vez, ou pela segunda a reforçar uma primeira, o ciúme, per si, não é prova de amor: dedicação, admiração, desejo, apoio, comunicação, omnipresença e renovação são provas de amor. o ciúme é apenas a tal frincha que, noção exacta de perturbação e interesse, faz a cortina abanar.

perceber e compreender isto é o caminho para perceber o outro e, com maturidade, não deixarmos que aquele sinal de que, de facto, aquela pessoa nos perturba não se tornará em uma perturbação narcísica e negativa da posse do outro mas antes em uma perturbação positiva que nos faz perceber que se sentimos interesse é porque o outro vale a pena e, ao mesmo tempo, que valemos mesmo a pena por sentirmos que sentimos interesse por quem, e só por quem, vale muito a pena.

cada. um.

o som das árvores que abanam, quando muitas e juntas, assemelha-se ao do mar. e confundem-se. no chão, os cogumelos, que estão em silêncio, não se importam com o barulho porque estão a crescer. hoje, nota-se bem a diferença em relação a ontem: uns estão maiores e outros decidiram romper. há ainda os que ficaram desfeitos pelo medo - o medo leva as gentes a destroçar cogumelos, calcam-nos como se a extinguir um mal. e depois ficam os pedaços esponjosos espalhados por ali e acolá, a estupidez faz com que o medo concentrado se espalhe (como se o cogumelo inteiro e em silêncio, a crescer, fosse pior do que fragmentado e exposto). no fundo, as árvores e o mar e os cogumelos servem para explicar o que se passa no mundo das carnes que andam e falam: cada árvore é única mas se se juntar ao grupo a voz passa a ser igual. o mar, o mar é um só, poderoso, que ora sussurra ora barafusta. os cogumelos são o povo. e todos crescemos em silêncio apesar do agitar das árvores cujo barulho se assemelha ao mar. e o mar, ai o mar, o mar é a nossa consciência: cada um sabe o que vale em sua consciência; cada um sabe que vale, não pelo que diz, pelo que faz. e é nisso que tem de fixar-se para ser, se quiser ser, cada vez maior aos olhos do seu mar e eventualmente aos do mar de quem o seu quer olhar e ser olhado. cada um. cada. um.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

não resignar cansa

não sou de me resignar, nunca fui. mas diz-se, por aí, que aceitar o que nos acontece é bom e que será o primeiro passo para reverter, para ultrapassar. aceitar que o mau em aceitação é uma literal tradução do bom por vir, apenas por vir por aceitação do mau, não me faz grande sentido. mas fará, alguma vez, o que é mau, sentido além de ser profundamente sentido? hoje acordei confusa. e com fuso horário também. às 18h já estou a morrer de sono e às 5h começa a dar-me comichão para os cornos se levantarem da palha. há uns dias que é assim. penso que será cansaço de lutar tanto conta a tal resignação.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ai mamma Mia, que Couto de beleza!

o que o anima, ao Mia Couto, enquanto escritor, é ensinar a sua escrita a dançar, dar ancas às consoantes, devolver seios às vogais e, enfim, reinventar sensualidades que foram sendo roubadas pela cega obediência às normas da gramática.


a miséria dos filhos que herdam dos pais

nunca precisei de provas científicas para ter a certeza disto. mas já que as há, melhor:

Susan Greenfield, cientista da universidade de Oxford, garante que "o uso excessivo da net provoca alterações no cérebro das crianças e adolescentes: não compreendem a linguagem corporal nem o tom de voz com que uma pessoa diz alguma coisa."

o mesmo se aplica ao uso dos videojogos. ou seja, faz falta a bola ou a corda ou o pião; faz falta a cultura da conversa e do livro; faz falta pais que em vez de estarem com os filhos estão na net. que miséria.

domingo, 28 de outubro de 2012

80ção: menu domingo gordo, por favor.


nunca mais fiquei em hotéis. há uns doze anos que não piso um hotel. por um lado não será um bom sinal por querer dizer que nunca mais fiz férias afastada de casa. mas por outro, é uma excelente notícia - em jeito de balanço - para mim: significa que, por não me sentir bem com companhias que não sejam excelentes, nunca me rendi - sequer vacilei - a fracas companhias. talvez há dez anos tive, em trabalho, de pernoitar em uma estalagem em Castelo Branco, na altura faziamos um trabalho para a REFER, e foi um grande sacrifício porque o Mário, na altura o meu patrão, uma empresa unipessoal, que ficou no quarto ao lado do meu, começou a dar batidinhas na parede como se em código para saltar para a minha cama. assustada com a repetição durante uma boa parte da noite com o tal código, o que fiz foi ignorar ao mesmo tempo que descarreguei o autoclismo vezes sem conta até ele perceber onde eu queria que ele fosse. e nem o pequeno almoço tomei na manhã seguinte por ter a certeza que a comida a ser comida na mesma mesa que ele e a olhar para ele me saberia a escroto. depois disso despedi-me, claro está, pela falta de confiança que nessa noite me tomou toda.

a verdade é que a única coisa que eu gosto em um hotel é o pequeno almoço. simulo muitas vezes em casa mas não sabe à mesma coisa. de qualquer modo não desisto porque logo pela manhã, uma ou outra vez, fazer diferente faz toda a diferença em um dia, em uma semana, em um mês. agora sei de um sítio onde tenho a certezinha que, não sendo hotel, sendo a 80ção, um pequeno almoço de hotel ao domingo faria as minhas delícias: ovos estrelados, regueifa para rebentar o sol do ovo e fazer a sande final em castelo como eu gosto, bacon, queijo, fiambre, bolo de chocolate, cevada, sumo de laranja. seria, assim, uma espécie de domingo gordo a começar pela manhã. porque os momentos felizes, a felicidade, são gordos.

sábado, 27 de outubro de 2012

ficar


fechados em seu tempo ao sol
e no sol que é uma flor
nuvens por cima e por debaixo
brisas fininhas em redor.
não são gentes, não,
qu'as gentes gostam do tempo a passar
são o gosto por detrás do gostar
que amam o tempo do ver com olhar
que gostam de ver o tempo a ficar

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

to bee, too be

a propósito de um episódio de ontem: to bee or not to bee chega para pensar na questão. e depois, está bem, a abelha foi-se mas ficou aquele brilho nos olhos que é único e nunca vi outro igual. ai que par de brilhos! ai que focos de luz como se fossem, e são, faróis em noite de nevoeiro! ai, arquitecto do too be, que olhar!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

cuidado: aqui há vida


o Vicente já abre bem os olhos e sorri e é notório o seu crescimento em duas mãos cheias de dias. isto faz-me pensar no quanto as crianças, enquanto vivem naquele estádio do não falar, são parecidas com os bichos: tudo se apanha pelos olhos e pelo olhar e também pelos grunhidos imperceptíveis à falta de atenção. é como se existisse, e existe, um reino de silêncio onde a coroa estivesse pousada mesmo em cima de uma e outra cabeça da comunicação não verbal. e muito se conversa neste reino. ai as conversas! a narrativa que se desenrola pelos olhos leva-nos longe mesmo quando não saímos dali - dali, daquele espaço e daquele tempo parado e frágil em que qualquer descuido pode ditar o fim da vida. e é isso mesmo que é a vida: uma narrativa de ininterruptos silêncios que é preciso constantemente interpretar; uma narrativa de interpretações que temos mesmo de cuidar. 
cuidado, olha bem para, por, mim, aqui há vida.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

aghá

que coisa curiosa. já no século dezasseis Fernão de oliveira dizia que só se deveriam escrever as letras que se pronunciam. esta função diacrítica da língua, ela é dos que a falam e não tem dono, constitui o maior argumento do arquitecto do acordo ortográfico no Brasil Evanildo Bechara.

as letras são tão bonitas. e a letra muda h é lindíssima. só de imaginar as crianças do primeiro ciclo a desconhecerem como se desenha a letra h parte-se-me o coração.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

o único soutien, sutiã é piroso que dói, que me convence




tenho a certeza absoluta de que se há cem anos, quando a Mary Jacobs trouxe esta invenção para as mamas ao mundo, eu andasse nascida e crescida e de mamas empinadas teria a mesma aversão aos soutiens como tenho hoje. falem-me em beleza ou em sedução do seu poder - mas não me venham com tretas de conforto e maravilhas de oposição à lei da gravidade. o soutien é a coisinha mais desconfortável - para quem tem realmente mamas que definem a silhueta - que há. obviamente que será um mimo bem grande para quem o usa apenas para as encher e apertar ou, pelo contrário, excesso em preocupação, para fazê-las encolher. poderá um homem, para ter uma leve ideia do que falo, imaginar-se com um nos testículos, por favor? toda a sensação de liberdade e de agilidade e exotismo desaparece. tenho, pois, obviamente, de usar em algumas situações mas evito sempre que posso e continuo solidária com a lei da gravidade em pleno: desiluda-se quem pensa que, por usar de dia e até de noite!, o soutien impede ou diminui a quebra da mama. isto que acabei agora de dizer é mais uma manobra de marketing, pois claro, para tornar imprescindível o uso deste colete de forças mamário. querem ver: será por isso que vemos tanta mulher frustrada por aí?, por não perceber da violência que atenta contra as suas próprias mamas?

bom, adiante, este é, de facto, o único soutien - por ser de diagnóstico e de uso de pouca duração - que me convence.

(talvez por ser o único que é inteligente)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

romance versus lance



enquanto a culinária se ocupa pela confecção dos alimentos, a gastronomia vai bem mais longe e abrange não só a culinária como as bebidas, os materiais usados na alimentação - e respectiva apresentação final - e todos os aspectos culturais associados como o vestuário, a música, a dança. vem daqui a diferença entre um cozinheiro e um chef gourmet (conheço um excelente, penso com os meus botões. botões não, homessa, que estou a usar um fecho. recomendo, pois, a gastronomia do Chef PTorres). e o que possuem ambos irrefutavelmente em comum? o prazer pela comida e o prazer de proporcionar prazer com a comida. 

cozinhar é, de facto, uma arte e toda a arte que se preza vem de dentro: a diferença, por exemplo, entre um arroz de pato amado e um outro mal amado reside no sabor e na apresentação da travessa. o arroz de pato amado é, como deve ser, comido pelos olhos e depois pela boca e quando está a fazer o quilo faz arrotar em verso e com cheiro a maçã verde. o mal amado, o arroz de pato que foi pulsão da pressa e da necessidade, é um arroz triste e, por isso, desenxabido e de ocasião - é um lance que nada tem que ver com o amor com que foi feito e feito, do pato, romance.

os animais são nossos amigos

até esta cobra venenosa é amiga do Homem. é, no fundo, igual, na sua natureza, ao Homem: primeiro mata e depois lá se vai à procura de resquícios de bondade. e encontra-se.

domingo, 21 de outubro de 2012

balanço positivo

aceitei, finalmente, o convite deles para uma saída ao sábado à noite. sabe bem sair com gente gira, com gira quero dizer interessante, para sítios giros - com gente que sai, não para se alienar em álcool nem para engates, para partilhar alegria e experiências com conversas e riso: faz bem.

concluo, agora, que talvez aceite mais vezes os convites. afinal, ao convidarem-me, têm muito bom gosto - assim como eu também tenho bom gosto, descobri no decorrer da noite, em sair com eles. balanço positivo.

sábado, 20 de outubro de 2012

patriotismo: força p(o)ortugueses

paradoxalmente é perante a escassez que se revela a abundância e o poortuguês, fazendo jus ao que é ser de facto rico, está mais solidário do que nunca. nunca vi tanta caridade e tanta vontade de entreajuda por cá. o poortuguês, que está sem trabalho ou que tem um salário miserável, é aquele que acrescenta mais arroz à calda e onde come um comem mais dois ou três. o poortuguês é aquele que arregaça as mangas e sai para a rua, debaixo de frio e de chuva, para levar pão e leite aos sem abrigo - donativos da padaria e da mercearia que estão esganados de impostos. o poortuguês é o que continua a fazer o assadinho dominical para reunir a família quando durante toda a semana come sopa. o poortuguês é o que vive na conta perfeita que deus fez - e o governo desfaz - e faz, bem visto, das tripas coração não fosse aí, no coração, onde está a verdadeira riqueza.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

verdadona


era, e é, eros

tive um sonho erótico. tive um sonho poético.
o que distingue os sonhos de olhos fechados dos de olhos abertos não é, veracidade posta em causa fora de questão, a realidade. o que distingue a realidade dos sonhos do sono com os sonhos da vigília é o absoluto, espontaneidade desenfreada, não controlo da história. e acordei com o motor fragilmente tão forte a bombar: tutu-tutu-tutu-tutu-tutu; as águas rebentadas fizeram-se, até ainda há pouco, notar - assim como o inchaço das frutas como se de tão duramente maduras quisessem, e quiseram, e querem, também rebentar. os pêlos, como se a assistirem ao mais bonito bailado dos dois bailarinos (v)(d)estidos a rigor, bateram palmas erguidos de emoção como se fossem, e são, os mais fiéis observadores da vida da pele. e assim a vida nos tocou como se em dança de poesia comum. porque a intimidade que transpira na pele é poesia - a poesia, a beleza, que por detrás dos olhos se vai processando até sentir desejo incontrolável de sair.

(e lá estava a baguete com queijo derretido e oregãos. mas como era, e foi, para mim, para nós, tinha também azeitonas pretas gordas sem caroço e partidas às tirinhas e um pouco de pimenta a pintar-lhes as sardas - porque para mim, para nós, tudo tem de ser, e é, diferente. e melhor.)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

as raízes e a garrafa

que ideia, e iniciativa, tão gira esta. daqui a cem anos abre-se, e descobre-se, a memória por quem a encontrar e de quem já não se encontra. gostava de ter participado com uma longa carta sobre este tempo que chegará a outro tempo através do tempo, uma carta de rir e de chorar, uma carta só para lembrar. e talvez ainda vá a tempo, vai-se sempre a tempo do nosso tempo, vou escrevê-la e e metê-la dentro de uma garrafa e enterrá-la bem fundo, as raízes são fundas, junto da minha árvore preferida aqui bem perto de mim. está decidido.



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

não quero saber porque foi espontânea

ainda não tinha sentido hoje o bichinho de escrever a picar-me. regra geral começa logo de manhã, ainda eu estou a esticar-me toda na cama, pica aqui-pica acolá, comichão gostosa. chegou agora, sei bem porquê, depois de espontaneamente ter feito uma coisa com a mão, mão que desobedeceu ao cérebro e só ouviu a vontade. não sei bem se castigo a mão, a minha, ou se a beijo cheia de meiguice - com a mesma meiguice com que ela, rebeldia em bicos de dedos, se manifestou. julgo que não, não vou castigá-la. e não vou porque o meio olhar, que nem sequer foi inteiro, já me (a) castigou.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

amanhã: resiliência again.

nunca mais esqueci uma passagem, uma conversa de vão de escadas, da série o sexo e a cidade por ser, não particularmente interessante, um argumento que adorei sempre contestar com as minhas amigas - revirar-lhes as tripas do invisível do avesso, vê-las espumarem-se a favor do óbvio:

se não te liga nem convida para sair: não está interessado.

hoje lembrei-me disso pelo que ela me disse, tristeza na voz, ainda agora, ao telefone. talvez, não por estar a chover, por estar a chover-me toda, resolvi tomar partido do óbvio que chega a ser absurdamente estúpido de tão óbvio, e assenti: se não te liga nem convida para sair, não está interessado. 

(amanhã é outro dia e com toda a certeza vou ligar-lhe, revirar-lhe as tripas do invisível e ouvi-la a espumar-se toda a favor do óbvio: quis sossegar-te, ser solidária contigo, dir-lhe-ei, mas hoje é outro dia - dia de resiliência.)

os nomes também servem para isto: vá-se foder Ricardo

dez menos cinco e não enconto o número da porta. ligo para o número fixo de onde me ligaram a marcar a entrevista - que não corresponde ao indicativo da localidade. atendem. descrevem o prédio como sendo salmão e com uma caixa de areia em frente - continuo a andar aos papéis porque o prédio é, efectivamente, castanho e na frente há um círculo em terra batida no meio do jardim. dez horas. dez e dez. dez e um quarto. dez e vinte. dez e vinte e cinco. chega um homem alto, moreno, remelado, e com aspecto de escarradela a pedal saído de um audi tt (é mesmo verdade que as primeiras impressões raramente nos enganam). passa por mim - que estou mesmo à porta -, mede-me ao centrímetro, e não dá, nem com o cu nem com a boca, sinal de vida. abre, com a tranquilidade de um governante roto, a porta e os estores. eu: continuo fora a aguardar mais uns segundos e a observá-lo. os nervos, os meus, começam a indiciar agitação. acalmo-os e decido entrar. bom dia, a chuva tem destas coisas e gera atrasos - não é? o meu nome é Olinda e tenho uma entrevista agendada hoje para as dez horas. sem me cumprimentar e me acolher, manda-me aguardar e dá-me uma ficha para a mão. pergunto-lhe para que serve a ficha e porque não me dá uma explicação para o atraso. diz-me que a ficha é para eu preencher e que a entrevista está marcada para as onze menos vinte e cinco. digo-lhe que não, que foi agendada para as dez. sem olhar para mim, diz-me que devo estar a mentir porque no pc não há essa indicação. peço-lhe para esclarecer junto da senhora que me ligou. diz-me que não precisa porque sabe que o erro foi meu. pergunto-lhe o nome e não me diz. pergunto-lhe qual é exactamente a função e não me diz. pergunto-lhe onde fica o escritório de onde me marcaram a entrevista e não me diz. chamo-lhe atrasado mental - não pela deficiência em si mas pela limitação óbvia de não poder estar atrás de um balcão a lidar com pessoas. pergunto-lhe novamente o nome e, já sem aquela tranquilidade de fedor a mofo, diz que me diz na condição de eu lhe dizer para que quero o seu nome. rasgo a ficha bem à frente dele e digo-lhe que sou muito bem educada e faço, por isso, questão de saber o nome a quem quero mandar foder. e digo-lhe: vá-se foder Ricardo. e saio, nervos lisos, orgulhosa - como sempre - por não me deixar corromper perante as vicissitudes da vida. 

estará ainda por nascer quem julgue que me faz abdicar, o meu tesouro, dos meus valores e das linhas com que me coso.

repara como o sono repara

e depois existe o sono reparador, uma espécie de milagre, uma pequena morte balsâmica, que nos faz sentir o dia sempre diferente do anterior e do seguinte. não quer dizer que seja melhor, o dia, mas é, com toda a certeza, diferente.

domingo, 14 de outubro de 2012

domingo feliz

o meu sobrinho bebé já pede o meu colo e m'abraça; o meu sobrinho adolescente vem do Algarve passar o natal connosco; o meu cozido à portuguesa continua a fazer as delícias dos adultos; e sentir saudades de alguém, de branco e de olhos de mel brilhantes, é bom sinal - e um bom segredo também.

sábado, 13 de outubro de 2012

os sacos do euro colhões

senti hoje, pela primeira vez na nova estação, frio matinal. mas é um frio gostoso que faz parelha com a geada, aquela manta branquinha, que cobre as ervas e nos invoca, também a nós, um aconchego diferente.

na natureza não há ignorância: tudo se processa just in time - ao contrário da ignorância das gentes, de algumas gentes, cuja sabedoria maior consiste no just in case. a maior sabedoria de um ignorante é ter a certeza que consegue manipular outro ignorante - só um ignorante aspira ter junto de si outro ignorante, que, por sua vez, por ser ignorante, nem dá conta que está a ser manipulado. quando dois ignorantes se juntam fazem um - não ímpar - impar de sabedoria e quando há um grupo de ignorantes temos um aglomerado de zeros à esquerda. é assim mesmo que os ignorantes se vêem e se tratam uns aos outros: como números e ainda por cima decimais. podia bem ter dado um exemplo com letras, podia, bastava dizer que cinco ignorantes juntos, cada um com a sua letra, formam uma bosta. mas não, nada disso, as letras são preciosas demais para serem usadas para e com os ignorantes. zeros à esquerda está óptimo para quem só vê na ignorância o euro milhão.

(e, já agora, o colhão. é que os ignorantes, as gentes ignorantes, andam com sacos de escroto no cérebro e na boca - tudo menos carregá-los bem no sítio. e não, não penses que por seres do feminino não cabes aqui: pelo contrário as mulhres são, até, as mais acolhoadas de todos nisto da ignorância. mas há quem lhes chame ovários.)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

bella rizzota. ou simplesmente riso valente.

olha que coisa pirosa, esta: muçarela é o aportuguesamento de mozzarella. ora, pela mesma lógica, piça não deveria ser o aportuguesamento de pizza?

o livro fez-me parar, para pensar, nesta parte e, em geral,

interessa-me muito mais aquilo que não vejo do que aquilo que vejo - aquilo que vejo é apenas o que alguém quer mostrar e aquilo que não vejo, não quer dizer que esse alguém queira esconder, é o que esse alguém não quer mostrar. e se não quer mostrar é isso mesmo, simples, um não querer. e daqui, a partir desta conclusão, não pode ser de outra maneira, acaba-se o meu interesse tanto pelo que vejo como pelo que não vejo. a mera curiosidade não me desperta interesse por pessoas, talvez confundam não mostrar com mistério mas mistério é outra coisa - o mistério que estimula o interesse mostra-se, porém vestido, todo. conhecer alguém também implica fazer parte da vida, intima inclusivé, de alguém.

ou há alguém que fique moreno por inteiro se estiver metade dentro e metade fora do guarda-sol ou vestido por debaixo do sol  ou despido por debaixo da sombra só porque vai à praia? é tal e qual.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

espelho na voz

cresceu a ser paparicado, o Manuel, convencido - porque o convenceram - ser o melhor do mundo. cresceu e, agora Eugénio, mudou de nome.

micro-relato de uma micro-personalidade com micro-carácter

quando ela começou a passar as noites com uma pila que, experimentando, gostou mais do que das outras - despachou o cão.

era uma vez


piscam-se os olhos, piscam, como se a morder dos lábios os cantos
jaz o triste, o mudo, o cego
perante beleza tamanha, sem manha, flor
como se ordenada em quarto de vestir
espelhos, folhos e laços
sem pudor e embaraços
se entregasse nos dele braços
era uma vez, nos braços de pano brancos, fluidos d'amor, uma flor

voz de mel(odia)


minimalismo ou apenas o mínimo?




 há diálogos(?), assim, minimalistas - se os entendermos como um movimento sem qualquer movimento. sim, eu sei que é confuso, até eu fico confusa, quando no fundo trata-se de utilizar palavras apenas para assegurar o mínimo. um exemplo: olá. até logo. há, de facto, um movimento que é momento comunicacional mas que é completamente estático, parado, não avança para coisa alguma. 

o ir e o estar são acções, per si, de desenvolvimento potencial. por outro lado, o nada fazer também será uma acção: aquela acção onde se situa o tal diálogo (?) minimalista ou que assegura apenas o mínimo.

conclusão: quando não há mudança será porque não há o que mudar. ou então, completamente o inverso, o minimalismo é a mãe de toda a abundância. pois, lá está, estou novamente no ponto de partida cujo diâmetro tão reduzido o coloca no ponto, que é o mesmo, de chegada. talvez a melhor imagem para este tipo de diálogos, que sugerem acção pela não-acção, seja a minha menina morena quando corre, incansável, em busca do próprio rabo peludo. que linda imagem. mereces uma homenagem, Valquíria.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Gauguin, o bicho. e também bicha.



estive ontem, na poltrona vermelha, a ler sobre Gauguin. pouco me apraz a sua obra mas encontro-lhe beleza - a das cores. o que transpira do homem para o artista, seja ele qual for, ou é o que é ou o que finge ser. e neste caso, sabendo de alguns pormenores da sua vida e observando cuidadosamente a sua pintura, concluo que a pintura é o que de facto ele foi e de como viveu: vejo festança, puro divertimento, sem preocupação pelos outros; vejo libido manhosa e doente; vejo ausência de afectos.

morreu quase sozinho, sexo apodrecido, depois de ter contraído sífilis e de querer salvar-se passando-a a uma virgem indígena de treze anos - protótipo de menina que desejava sempre violar. envolvera-se com Van Gogh, enquanto nos intervalos espancava a mulher e fazia questão que o filho assistisse, e levou-o à loucura tamanha a sua predisposição para a promiscuidade.

morreu, bem visto, sem a vida no sexo que maltratou em vida - porque os sexos também têm alma. morreu mesmo bem. será caso para dizer que a morte assentou-lhe, não como uma luva, como uma foda: teve uma morte fodida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

(?)

a simetria é, afinal, estranha.

peso

o Vicente nem sequer pesa dois quilos. no entanto, pegar nele pesa tanto - pesa a fragilidade e a inocência. pesa, essencialmente, a vida, a sua, que depende completamente do peso que tem na vida de outros. e é esta leveza, a leveza pesa sempre tanto, que nos mostra que o peso, afinal, nada pesa. apesar de pesar tanto.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

insulto

dizerem-me que sou demasiado honesta e sincera, não há honestidade sem sinceridade e vice-versa, é um insulto. tratando-se de características inteiras - ou se é ou não se é - não há espaço para manobras quantitativas. é, por isso, um insulto mensurar, pela falta delas em uns, o meu suposto excesso, quererem transformar a virtude em defeito por ser precisamente no defeito que cabem. é assim a gente reles.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

fico feliz por

38 ser um número feliz. ora faz as contas. já com o 30 fiquei com um nó: chega a certa altura e não sai do sítio. que nome dar-lhe?

começar. dar.

descobri uma livraria outlet, não consigo perceber como é que este conceito se adequa a livros - os livros são atemporais, e consegui comprar a um custo muito reduzido o presente para o Rodrigo, o meu segundo sobrinho que faz um ano. a minha ideia é que os pais comecem desde já a contar-lhe histórias, a pô-lo em contacto, por apalpamento e pelos olhos, cores e texturas, com o livro. e talvez daqui a quatro ou cinco anos ele o leia de fio a pavio e faça deste presente o mais belo exemplo para o conceito de, embelezar o mundo, viver em poesia. está lá tudo: está a realidade, está o sonho, e está a potencialidade para a capacidade de dissecar, misturar e distinguir o real e o fantástico. sim, é verdade, um ano parece-me uma idade mesmo boa para o começo.

agora vou, também não há idade para isto, partilhar do que eu tenho a mais e a fervilhar, dar sangue. vou partilhar vida.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

gana, olhos de delícia.

fica bem de todas as cores, olhos de delícia, inveja tem o arco-íris, mas o branco, o amarelo, o verde, o lilás e o azul bebé realçam-lhe os encantos - mesmo com aquela linguínha, que dá gana de morder, de fora.

fazer bicos

pode ser uma excelente ideia para reduzir a taxa de desemprego. à semelhança da Jennifer Lopez que tem um empregado com a função exclusiva de lhe apertar os bicos, relevar a sensualidade, antes de ela aparecer em público também Passos Coelho deveria promover esta ideia em casa e junto da Assembleia da República mas apelando à contratação de dois empregados, um para cada mama, por mulher.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

olhos em saudade

os olhos também sentem saudade. quando, ansiosos, aguardam ver e não vêem ficam pesados e sonolentos, uma espécie de comichão pisqueira, não sei se existe esta palavra mas passou a existir, piscam mais vezes como que a pulular pelo encanto dos outros que não estão. e, depois, exigem que se levante o cu do cadeirão vermelho, é quase sempre no vermelho, que estava ao sol e entretanto se fez sombra. e vão embora tristes, desconsolados, os olhos.

mamar

nasceu o terceiro filho de uma grande, querida, amiga - também rapaz, talvez tanta testosterona junta não desequilibre a casa. excepções existem. porém, terei de investigar sobre uma coisa curiosa que nunca parei para pensar: como é possível que um bebé que nasce não prematuramente tenha ausência do reflexo vital que é mamar? é uma espécie de aculturamento muito, imensamente, precoce a que a inocência não está familiarizada. é estranho pensar que se ele se cumpriu na placenta e nasceu a seu tempo, como sai para o mundo sem saber o que é sugar a mama ou a tetina? porque precisa ele de ser ensinado? 

esta questão poderá levantar hipóteses acerca do mundo e da transformação do Homem: estará o Homem cada vez mais próximo daquilo que é a civilização e a afastar-se mais e mais da inocência da simples existência?

terça-feira, 2 de outubro de 2012

as coisas que eu descubro

há um infinito de coisas para aprender. ao acaso, por combinação de letras, descobri esta palavra: rumpologia. será caso para dizer que se trata de asstrology.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

deliciosamente sós

não possuo, confesso, grande cultura sobre cinema além de gostar de ler as narrativas que se escondem por detrás da narrativa, talvez por gostar muito simplesmente de histórias, e tenho uma memória péssima para decorar tudo aquilo que não me marca fortemente. digo, portanto, que nomes de actores e actrizes e filmes e cineastas e afins vai tudo para o galheiro e não me importo nadinha com isso: interessa-me reter as mensagens que de alguma forma alimentam a minha massa crítica.

mas sei o essencial sobre cinema. sei que quem faz filmes o faz para, na sua, poder estar com a solidão dos outros. porque quando vemos um filme ou lemos um livro, um livro é a espécie de filme mais criativa do mundo, estamos sempre deliciosamente sós.

toda - e aos pedaços

tenho um fascínio fora do comum pela cozinha - é na cozinha que se fazem, transformações espantosas, alquimias. é a paleta de cores e de cheiros e de sabores que fazem desta arte, e toda a arte só pode ser criativa, um amor. e é por isso que quem ousa criar, recriar e reinventar na cozinha merece um pedaço de mim, da minha admiração, do meu orgulho, da minha vaidade. 

é curiosa a analogia do comer na mesa com o comer na cama porque é, de facto, a mesma coisa: o outro é sempre uma paleta de cores e de cheiros e de sabores, energia criativa, em arte. e não vale a pena chamar artistas aos que cozinham apenas por obrigação ou quando estão com fome porque não o são - cozinhar só pode ser com paixão e entusiasmo e dedicação porque não é depois, quando a delícia está pronta, só depois, que se sente o imenso prazer da obra: para ser arte, o processo é contínuo; a alegria e o prazer e o respeito por cada cheiro e cada sabor e cada sensação começa antes de arregaçar as mangas e continua durante a execução e é, precisamente, quando o salgado ou o doce está pronto a comer que, já comido, fará disparar a alegria e o prazer. 

e é por isso que aproximar o que é degustar na mesa com degustar na cama me parece tão bem. pode acontecer que o tal pedaço de mim que falava no início, aquele pedaço, não seja afinal um pedaço. o que pode acontecer, penso, numa mistura tão intensa nesta arte de cuisine divine é alguém poder ficar-me com toda. o todo, afinal de verduras, é sempre o conjunto de pedaços.

(antes que me esqueça: começou ontem, galeria municipal de arte de barcelos, a exposição do querido João Cutileiro. há escultura, desenho, relevos e fotografia e também há quase um mês para visitar - termina a 24 de novembro.)

domingo, 30 de setembro de 2012

You Porn

lia ontem uma crónica da Ana Markl sobre o seu desejo de escrever um argumento para um filme pornográfico, uma espécie de pornografia para mamãs. desconhecia o que era o You Porn e fui ver. fiquei a pensar no que li e no que vi e a minha conclusão é a mesma de antes: querida ana, não há pornografia diferente para homens e para mulheres - a pornografia é absoluta ausência de alma e poesia com o corpo. bom, explico de outra forma: pitas, pilas, cus e bocas sem ser nas bocas; carnes que se esfregam nas carnes a gemerem à moda de ensaios de bandas filarmónicas em vésperas de actuações nos coretos das terras; sexos rapados sem possibilidade de os pêlos encravarem pela simples razão de os pêlos serem os únicos a gostarem, por habituação, de ficar em privado; os sexos erectos sofrem de paranóia misturada com esquizofrenia e por isso se levantam tão prontamente; os sexos onde cabem garrafas e pepinos e três pilas sofrem de obesidade mórbida. e é por isso que a única banda que um filme pornográfico pode ter, não é a sonora, é a gástrica.

querida, no sexo bravo - como dizem por cá - não há estatuto social: as mães papam os filhos e os filhos enrabam as mães e o patrão chupa o empregado e a médica faz um broche ao paciente. isto tudo para te dizer, Ana, que um filme pornográfico com argumento para mulheres, aquela distinção que queres fazer, com romance, deixa de ser pornográfico. passa a haver sensualidade, erotismo e beleza na intimidade sexual, como deve ser, entre duas pessoas. e depois lembra-te que a maior parte das mulheres gosta mesmo é de pornografia, não é de romance. esquece, por isso, lá isso e dedica-te a escrever micro-narrativas modernaças do género: conheceram-se e foderam, ponto.

(camomila)

a comunicação é um domínio tão vasto que me alegro só de pensar. e conseguirmos comunicar sem palavras, sem aquela convencionalidade, faz-me feliz. mostra-me, em lentidão, a sua imensa inteligência - a confirmação do que eu, mesmo sem conhecer, por mera intuição, pelo que os meus olhos viam e liam pelos seus, suspeitava. são, não deixam de ser, conversas: conversas invisíveis - e o mundo invisível é tão rico e de uma beleza tão grande.
é, sem duvida alguma, brilho até na orelha, especial - no superlativo absoluto. 

vamos celebrar:


sábado, 29 de setembro de 2012

batata, puré, empadão

é de sábio, sim, não fiques passado, ralar o passado e sempre pensar: o melhor, o feliz, está no presente ou, em bicos de futuro, quase a chegar.

(é mais ou menos assim: o passado é a batata cozida que sobrou e o presente é, bem passado, o puré tão cremoso com a possibilidade de virar empadão - aquele empadão maravilhoso.)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

o que há mais é activos assim

"Os seus activos estão completamente cobertos?"

ou tona

não é no nome do mês que o outono se faz notar. faz ele questão, como deve ser, de se aperaltar com rigor: faz dias de sol com vento alternados com chuvas amenas; pede às árvores que se abanem como se fossem sambistas lentas a espalhar o seu charme - umas espalham as pinhas e a caruma crocante, outras espalham as folhas estaladiças e outras enviam pelo ar as castanhas de casaco grosso e picante vestido. é uma gentileza bem grande, esta mistura de cores terra, que o outono nos faz. lá atrás, no jardim, o chão está coberto de pinças castanhas e bicudas e de picantes quase abertos. as folhas, mal se vêem. 

o outono traz à tona os segredos das árvores. e é por isso que deveria ser, justamente, outona.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

tinha mesmo de perguntar

o caralho do sapo emprego acaso anda em conluio, só ofertas de emprego para o estrangeiro, com o governo?

touradas tranquilas


roseiras, ervas, silvas, heras, vinhais. ou simplesmente verdes são - são forças bravias, touradas tranquilas, em redor
, olé, 
onde não cabem águas paradas na torrente:
buliçosa corrente que é o amor.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

um frango, quiçá?, português. (ops, não pode ser: esqueci-me que o português não é frango, é cigarra)


sorrisos rasgados ao sol. e à chuva.

o sol mete um sorriso na cara das gentes, ao contrário da chuva - a chuva mete-lhes, mete-vos, medo: correm a calçar botas e a tapar o corpo, desconhecem a alegria de sentir as gotas frias na carne, correm a fechar as janelas e as portas, desconhecem da beleza da água a dançar com o vento. a prova de que a chuva também é alegria está nos cães que não se importam de pastar por debaixo dela; ou nos pássaros que não páram de cantar. mas as gentes, ao invés, mostram carrancas e o brilho some-se-lhes dos olhos assim como os sorrisos se sentam, na escuridão de persianas descidas, em sofás. 

bem vistas as coisas, trata-se de uma questão, sol e chuva em análise, lembrei-me de repente, de meter água. um beijo, por exemplo, por debaixo de sol quente pode fazer transpirar e será um beijo de água na boca e na pele. já por debaixo de chuva, o tal beijo pode mesmo encharcar e será então um beijo de água na boca e nos ossos. a verdade é que quando se trata de beijos o sol e a chuva são o casal perfeito da banhada.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

ai que bem resumidinho: toca a enfiar o barrete, gajas, aspirantes a mulheres.


o beijo

tive, sim, um devaneio ainda agora. um devaneio não é uma coisa do outro lado do mundo, não é um zabelê - um devaneio pode bem ser, e é, um entusiasmo silêncioso e escondido e discreto do outro lado da rua. foi um beijo, ao mesmo tempo doce e quente, com a chuva torrencial como fundo. tenho a certeza de que é assim o seu beijo: doce e quente tal e qual devaneio.

da importância das pessoas

encontrei-os ontem - já não os via, seguramente, há cinco ou seis anos. ele na altura tinha-a traído com uma ex-namorada e foi pai. (tu dormes em uma arca congeladora, pergunta-me, olha a tua pele e o teu cabelo que não envelhecem.) ela sofre daquela coisa de não conseguir estar sozinha, de não conseguir respirar sem uma pila na cama. disse-me que teve vários companheiros entretanto e que voltou a casar e que não deu certo com o tal rapaz. e agora encontraram-se, encontrarem-se é sinónimo de eu liguei-lhe, estão juntos outra vez, um mês depois do divorcio dela. o filho dele tem já seis anos. os mesmos tiques, a mesma mania da grandeza dela: agora vivo em um apartamento com quatro casas de banho, diz-me orgulhosa. isso é muito bom, disse-lhe eu, assim podes fazer uma pinga em cada uma delas, remato. e o riso veio dar um toque de graciosidade àquele encontro mesmo ocasional. 

é interessante pensar que podemos estar anos sem ver alguém, alguém que não nos faz a mínima falta, e de repente vemos - quando a falta que faz é exactamente, nenhuma, a mesma. penso, até, que este tipo de encontros serve para percebermos, da importância das pessoas, isso mesmo: há pessoas que apenas se cruzam connosco, na vida, para sabermos, e sabermos distinguir bem, quem - e o que - nos faz falta.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Blogue, cem; FB, zero.

uma das grandes maravilhas de a) escrever b) no blogue é a) e b) poder exprimir exactamente o que me vai por aqui, pela trilogia inseparável que é alma/coração/mente, sem qualquer tipo de confrangimento - não faço ideia de quem, e quando, me lê- e é melhor assim. escrevo sempre sem censuras, sem receios, sem amarras. estou-me cagando para quem eventualmente até vem cá ler e se depara com alguma frase, mais ou menos agradável, alusiva à sua pessoa; escrevo sempre com a convicção de que me escrevo e esta será, talvez, a maior vantagem para quem se interessar por perceber como funciona a minha cabeça. antes deste houve outro, o primeiro, desde 2007, uma forte experiência do que é a interacção - e daí a decisão de este excluír a possibilidade de retorno pela parte de quem lê: a grande maioria do que escrevo não está - porque sou eu - sujeito a discussão.

o blogue é assim uma espécie de folha em branco de bordo nesta viagem que é viver, algo único e completamente privado mesmo estando acessível a quem o quer ler: a superficialidade e o marketing pessoal por nível do FB não me seduzem e cada vez mais o conceito de amizade que as redes sociais ajudam a proliferar me mete nojo: o mundo precisa de efectivos laços; o mundo precisa que as pessoas aprendam a saber o que é a lealdade e a solidariedade in loco; o mundo precisa de amizade em itálico.

(isto porque alguém me enviara um email a questionar-me o porquê de não escrever no FB)