quarta-feira, 19 de abril de 2023

 sei lá, fico meia confusa, o sol faz-me alergia enquanto conduzo e os meus pensamentos começam a arder, nem tempo tive de captar a rosa do jardim bonito, nasceu uma vermelha muito imperfeitinha, pelo menos consegui que o SEF deixasse de as ignorar, vale-me o talento de redigir, e agora a epicondilite veio para ficar com os movimentos repetitivos, o armário ficou perfumado como eu gosto com a alfazema nos saquinhos e só o cheiro dos nachos que eles comem me enjoa, sinto muitas saudades do futuro que nem sequer existe a não ser no meu coração como o ar que se guarda com a mão e isso quer dizer que talvez a vida esteja a ser cabra comigo, como sempre foi, pois, não sei não.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

teimosa, não conheço alguém com mais e maior teimosia do que a minha. não considero um defeito mas antes uma virtude - uma virtude, porém, que pago cara. ou não. pois que encornei com uma frase no código do trabalho e meti o advogado da empresa a responder-me e enfrentei-o, não me satisfez a sua resposta, copiou e colou os artigos, foi o que fez. então não tive mais nada, procurei advogados especialistas em direito laboral e agendei uma consulta, às seis e pouco, depois de sair a correr, já lá estava. riram-se - não de mim mas da minha teimosia e disseram-me: damos-lhe os parabéns, não há muita gente leiga na matéria a perceber que a lei está mal redigida e que a sua aplicabilidade é o oposto da redacção. mas o advogado da empresa ganha, ele sabe que está mal escrito mas também sabe que o que não está escrito bem é o que conta. a consulta custava noventa euros. mas no final, e com sorrisos, disseram-me: não lhe vamos cobrar a consulta, foi uma conversa e foi bom perceber que ainda há quem domina o português. 

e eu, o que ganhei? ganhei tranquilidade porque estou certa: está mal escrito e a interpretação que eu faço é a correcta - a forma como se aplica é que não me beneficia. paciência, esses burros que escrevem as leis deveriam era contratar-me. esses parvos, bois d'areia, ogres.

domingo, 16 de abril de 2023

 é o cérebro que me faz a tormenta, a tortura, começa a cruzar tudo, desdobra coisas e entrelaça coisinhas, mistura e começa a ferver, apita como se fosse uma chaleira e deita vapor como a penela de pressão. e para mim é tudo tão simples. e como é que o simples se faz uma tormenta, é tão injusto, é tão triste. é tão não ser, é tão não ter, é tão não fazer. é: não é.

sábado, 15 de abril de 2023

o jardim da minha amiga Olguita, que conheci quando chegou da Ucrânia há uns vinte anos, é muito lindo mas tenho pena que a árvore das camélias tenha sido demasiadamente aparada por conta dos vizinhos ranhosos que com ela cismaram - tão aparada que, zangada, deixou de dar flores. ou então está a procrastinar na dádiva, está a vingar-se em mim da miséria de outros. porque o jardim sem as camélias não fica tão lindo. enquanto a esperava, por mim nunca ninguém espera, é muito estranho, chovia muito mas não me importei: ensopada até aos ossos, porque não me agrada guardar-me da chuva, captei a rosa e as herinhas. por instantes até pareceu que tive direito a tanta beleza só para mim.




sexta-feira, 14 de abril de 2023

pode-se dizer que sou pacificamente aguerrida, pois claro, quando mexem com aqueles que me são queridos, ai carago, o meu sangue começa a ferver, sobem-me uns calores irrequietos, as tripas começam num fandango, agora que penso nisso se calhar terá vindo daí a expressão tripar, como estava a dizer, começo a tripar e quando vou a ver já está tudo no caminho certo. e o caminho certo é aquela coisa que fazemos quando sabemos que não tem retorno: defender com unhas e dentes e o que mais houver os queridos. era o que faltava, à minha frente - que eu veja ou ouça ou leia - ninguém diz ou diz que disse mal do meu querido, é ver a minha mansidão transformar-se em um leixão de força que ampara a onda, um tufão, uma tempestade que limpa tudo o que está à frente e atrás e nas fímbrias e nos arredores. fui sempre assim e hei-de ser. quem lida comigo todos os dias até diz que os meus olhos falam. e quando me tripo, dizem que é fogo que dizem os olhos meus. ora muito bem, isso deve querer dizer que meto tudo a arder. pois que arda. mas e se ele se passa com este sangue ardente que mata o fedor dessa gente?? olha, meu Viço, se ele me ouvisse dizia-lhe assim, como estava a dizer, olha, meu Viço, passa-te à vontade porque o meu sangue nunca vai sair de mim. fogo, vem mesmo a calhar, fogo, quem me dera sentar-me no seu regaço, encostar a cabecinha e depois também roçar-me todinha nele, no tal regaço. chama-lhe regaço, chama, agora fizeste-me rir, moça. 

domingo, 9 de abril de 2023

 eles bem fizeram planos mas houve alguém que morreu, a mãe de uma amiga de lisboa, e a vida, a vida dele, andando para trás literalmente, veio cá ter outra vez. viu braga por um canudo, !ai! que riso, já chegou o meu pai a pedir-me sopa, um rico prato de sopa. 

a maior imprevisibilidade da vida é que pode terminar a qualquer momento. mas não posso pensar nisto senão enfureço-me para me entristecer de seguida. bem visto, também os meus planos de ficar sozinha umas horas focaram quilhados - a minha irmã acampou a tarde quase toda a debitar-me as suas angústias que estão a ser ultrapassadas dia após dia, o menino cresce, o pai do menino minga de importância e ela descobre-se, nunca tinha vivido sem aquele homem. é a vida, estou farta de ouvir isto, é a vida. pelo menos consolei-me com o leitão que encomendei e comi até arrotar. 

sábado, 8 de abril de 2023

bate-me ao peito, entra e faz conchinha no meu coração, esse romem de quem ouço a voz da memória e repito: tão boomm. com a sua pronúncia e tudo. quero, quero, quero.

 eu: estou a estender a roupa quando me lembro de esguichar líquido anti-calcário nas louças sanitárias para ficarem a brilhar, volto para a roupa, umas peças e salto para a panela e sopa ao lume, junto lixívia em gel e esfrego a banheira, acabo de estender a roupa, vem-me à ideia o comprovativo do irs que impri e vou tirá-lo da carteira para arrumar, faço uma cama de fresco e vou escolher o verniz para as unhas dos pés, vou esfregar o resto das louças da casa de banho e entretanto vou ler umas coisas, páro, ligo a música e começo a preparar os espinafres e a amanhar o peixe, vou fazer outra cama de fresco e depois pinto as unhas de um pé, penso que já não vou usar camisolas quentes e começo a esvaziar o gavetão, vou passar a sopa e ponho a mesa, faço a muda da roupa, pinto as unhas do outro pé, parto os legumes e como não me posso esquecer de coser o robe e os boões que estão quase a cair, vou buscar a caixa de costura, enfio a agulha, começo a fazer o arroz, vou buscar a esfregona e o balde, coso dois botões, passo o chão, a sopa está pronta, meto o peixe a grelhar porque já pus o arroz, acabo o robe. almoço.

de outra forma estou doente.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

 o senhor guedes ajeitou hoje o carro do meu pai por mim, eu sei que foi por mim, porque sabe que de outra forma eu teria de passar três dias a fazer de motorista. quando cheguei lá ontem, depois de ter dado a morada do sr. guedes ao funcionário do reboque, ele disse ao meu pai que seria muito difícil arranjar a viatura - só para a semana, só para a semana. depois olhou para mim e eu vi que ele viu o meu cansaço e apenas me disse: ligue-me amanhã Olinda, por volta das onze e meia. e foi o que eu fiz e já estava pronto. assim, pelo menos no domingo de tarde e até segunda vou poder descansar, ficar absolutamente sozinha em casa sem me preocupar e sem horas, perdida na minha vontade de beijar oViço. mas não quero pensar nisso senão alegremente entristeço.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

não pode, fica proibida, foi o que ela disse enquanto sentia um dilúvio em uma nuvem preta por cima de mim e ao mesmo tempo uma gana de estrangulá-la. sim, eu sei, ela é que sabe. e se a fisiatra diz que não posso nadar, ir à piscina, então é porque não posso e ando há coisa de um mês a fazer merda no braço. quer dizer, eu a pensar que estava a fazer bem e afinal. quem me mandou adiantar-me e ouvir o que o antónio disse? mas também já lhe sarnei a cabeça - mas não tanto quanto fiz com a minha. e a cascata, menina? olha, a cascata vai lá ficar porque se vou apetece-me logo nadar. e não posso. posso nada, ai o carago, putinha que pariu, só posso reclamar em mim e é um pau. 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

 


e como sabes que não partes?

não sei, acho sempre que me vou partir

como um vidrinho de cheiro

frágil tão forte

forte e tão frágil

se calhar és de elástico

sou não

eu parto

dói tanto, tanto sangue

e depois apanho os vidrinhos todos

so lu çando

e lambo o ranho cansado de mim

por isso quer sair e escorrer-se todo

cala-te

calo-me

estou um caco de vidrinho de cheiro

queria cafoné

no cabelo e no pé

e nas persianinhas do olhar

cala-te, adormece para sempre

e se os sonos do reino dos sonhos também me mandarem calar?

por isso é que tenho pesadelos, acabei de descobrir

tocam os sinos

hoje não posso mais, estou cansada,

por favor deixem-me falar


terça-feira, 4 de abril de 2023

 hoje tive uma surpresa boa. quando cheguei a casa, batata e faca na mão, uma borboleta pousou no vidro da janela, bonita, bonita, mal consegui sossegar os olhos nela. demorou segundos apenas a sair para outro lugar - foi só o tempo de a captar a correr antes que apanhasse o ar. hoje já não tenho vontade de a mostrar aos meus olhos outra vez, amanhã talvez, carrego-a na minha memória que é o que interessa.

quando uma das muitas tragédias me aconteceu a minha madrinha, que hoje está demente e nem se lembra de mim, disse-me: minha filha, nunca permitas que um homem faça pouco de ti. prometi-lhe e faço questão de cumprir. porque eu não sou pouco, sou abundância; porque eu sei o que mereço; porque não sei amar com medida; porque faço do amor uma prioridade; porque eu sou o amor que não pode ficar para depois, nem para trás, nem por detrás, que não é de evitar nem de ignorar. porque eu não sou evitamento, sou confronto portento, portanto, sou amor de ficar à mostra. de maneira que me prefiro sozinha do que mal amada.

domingo, 2 de abril de 2023

 passou mais um mês e nunca me senti tão sozinha e tão triste. quando queremos alguém queremos estar, não há volta a dar nem a inventar nem a manupilar nem a convencer. e também não temos vergonha de mostrar que queremos. é cruel e violento ficar por fazer, é desgastante, é castrador- é matança. é matança, Olinda, e tu sabes disso. sentes cada facada por mais imperceptível que seja, tu sentes. 

sexta-feira, 31 de março de 2023

 não me lembro de ficar doente, há anos que não sabia o que é espirar quinhentas vezes seguidas e ficar com os olhos e o nariz a pingar a ponto de lamber o ranho que se faz fininho mesmo a pedir a minha língua. e de me sentir febril como se tivesse uma lareira em cada poro da pele e um chuveiro ao mesmo tempo e em cada um também. de maneira que ter saído a correr em pijaminha de cetim valeu-me um anti-histamínico e mais uma pastilha grande que me deixam, um e outro, com a boca seca e  zonza. encharco-me de vicks, nem sei porquê a não ser porque gosto do cheiro, meto na palma dos pés como se faz aos bebés, e pronto: estou quilhadita. hoje custou-me trabalhar, moleza muita, sono a esbordar, eles dizem que é da pastilhinha pequena, e está mais do que comprovado que tudo o que me afecta os nervos se traduz - e se expressa - em maleita no meu corpo. que bicho raro que eu sou, socorro, às tantas será por isso que o Viço talvez pense assim: chega-te para lá, cabritinha do monte, tu sai-me da fronte. agora deu-me vontade de rir, Olinda, sua trenga.

quarta-feira, 29 de março de 2023

 o meu Afonso estava assustado, ansioso, em pré-surto, e lá fui eu de repente em pijama depois de a mãe dele me ligar para ficar mais descansada, pois claro, ela fica descansada - eu é que não. mas agora já o alimentei e mimei e preparei-lhe uma caminha fresca no sofá. não fazia ideia de que, como que a correr para as nove da noite, o centro do porto era tão povoado, tanta gente como se o dia estivesse - não a acabar - a começar, tanta agiitação, tanta copofonia, tanto frenesim. agora estou estafada e preocupada. mas calma. hoje celebrei-me o dia inteiro, passei parte do dia a olhar o mar e depois almocei coisas boas que me apeteceram: uma francesinha aviária com perú e um crepe abelhudo com mel e nozes, duas bombas portanto, que bem me souberam com vento e cheiro de ar com sal e leveza na cabeça. talvez fosse mesmo preciso para mais tarde ter de andar a correr esbaforida a ir buscar o meu afonso perto do abismo. quem me dera que a voz de mel com gengibre me pudesse tranquilizar agora, (pensava entre um semáforo irritante e uma passadeira gasta com as luzes dos calcantes que teimam em passar.) porque o Afonso vive em constante esquina com um abismo qualquer que o atormenta. o meu Afonso. dorme bem, querido Afonso.

terça-feira, 28 de março de 2023

 o antónio pode ser muito bom fisioterapeuta mas já o pus a andar, pois claro, não gostei: ah, e tal, noto-a muito tensa, um dia dstes temos de tratar disso, faço-.lhe uma massagem nos ombros e nas costas, franzi a testa e ladrei-lhe, era o que faltava, o que ele queria era que me despisse, só meto um braço de fora e é um pau, como estava a dizer, ele é que não viu - então estive a pensar e fui num instantinho levar a prescrição à clínica e na próxima semana já terei consulta com a fisiatra e depois começo a terapia. pronto, assunto arumado e ainda poupo uns guitos porque ele não aceita nem o meu seguro e nem o sns. e depois da electromiografia de hoje, credo, que tortura, choques eléctricos e picas ao centrímetro, a médica queridinha foi-me confidenciando o resumé dos resultados: pode ficar tranquila, não é neuropatia, então apanhei a energia toda e pus toda a gente no sítio por onde fui passando: o outro que me tratou por tu como se me conhecesse de algum lado até tremeu quando he tirei o pio; e a directora clínica da medicina do trabalho também engoliu em seco quando lhe pedi uma carta em que referia por escrito o que me disse via oral: suspeito que seja doença profissional. e a chefe? a chefe trocou os olhinhos quando eu lhe disse: sabes, eu vou recomeçar a fisioterapia mais amiúde aqui ao lado e não posso sair prejudicada no salário e nem vou trabalhar horas extras para compensar tempos: se eu estou doente do braço é porque me esforcei demais estes anos todos e nem sempre com a cadeira, a mesa e o rato adequados. portanto, eu vou sair e entrar quando precisar como se estivesse a trabalhar. e pronto, que dia cheio de energia o meu. ah, e mais uma coisinha: o exame que estava previsto custar €100, ficou por €10: o meu seguro é mesmo excelente, adoro-o.

domingo, 26 de março de 2023

 hoje o meu mano faz anos. quarenta e três. temos todos diferença de três anos. sinceramente não sei por que razão a minha mãe se deixou engravidar tanto e, pelo meio, tantos abortos fez. pois, claro, depois com tantas raspagens manhosas apanhou um bicho, ninguém me tira da ideia que veio tudo daí, depois ficou doente e bazou. para que quis tantos filhos? assim que nasce um filho o anterior paga a factura dos afectos que ficam por dar, já se sabe, quando não se reune todas as condições necessárias para ter um magote de filhos. mas, como estava a dizer, hoje o meu mano faz anos, comecei a ser maãe dele quando ele tinha três aninhos, será sempre o menino que eu defendia de tudo e de todos, nunca lhe toquei com um dedo para o castigar. bem visto, nunca castiguei alguém - antes fui sempre castigada. ainda agora, lá em casa, a conversa daquelas gentes que vão continuar sem me conhecerem, vai dar sempre ao mesmo: vais ficar para tia?, olhares de riso e maldade, daqui a nada estás velha e cheia de peles e com as mamas caídas. sorrio e ignoro. mas também fico triste.

sábado, 25 de março de 2023

como não me apaixonar também pelo caracol do seu nariz portento, apanhar-lhe a curvinha e escorregar para a eira parda, a primeira, depois andar em pontas na direitinha e deixar-me cair toda atordoada na parda segunda farta. e escalar. escalar pelas beiras para depois dar saltinhos de alegria na trunfa e furar em um fio de prumo forte e resistente para patinar na testa de cera. parar um pedacinho para escrever uma coisinha grande e sentar-me nas almofadas, uma de cada vez, antes de me dobrar nos olhos e entrar por lá adentro como se não houvesse amanhã. porque nunca há amanhã; porque nunca há hoje a não ser dentro de mim. cala-te sua tonta, estás condenada a ficar deste lado assim.

sexta-feira, 24 de março de 2023

não percebo. não percebo como é que não se pode adorar a chuva que me dá um acordar em concerto, pang-peng-ping-pong-pung, tudo cruzado, desliza nas caleiras e faz sapateado nas beiras das varandas enquanto o vento a faz rodar e estalar nos chãos. depois brinca às castanholas, olé, enquanto os pássaros inauguram uma aurora ainda escurinha ao desafio quando o dom galo está prestes a ser o maestro da estreia. depois é ver os carros que adormecem calados todos lavadinhos como se ficassem com lustro eterno enquanto, em filinhas, a água faz um carreiro que lambe a calçada e se entranha na terra que diz, como quem diz, que parece que vai durar um dia inteiro.

quinta-feira, 23 de março de 2023

hoje foi a vez da cascata. apaixonei-me pela cascata lá no spa da piscina depois de tanto nadar e correr - a cascata derramou-se nos meus ombros e retirou-me algum cansaço as vezes que eu lhe pedi, carregando apenas no botão. agora estou sempre a pensar nela e amanhã muito cedo já vou estar com ela outra vez. porque queremos estar com o que nos dá prazer e bem estar. ouve, é só uma cascata, eu sei, mas agora aquela cascata - precisamente por ser só uma cascata e não podendo ser apenas minha - está lá para ser partilhada também comigo. um dia ainda hei-de ter uma cascata só para mim. porque nunca nada é só para mim.

quarta-feira, 22 de março de 2023

dormi mesmo mal, agitadíssima, como se lhe pressentisse - e pressinto- a luta: sai daqui, era o que faltava sair da ilha da fantasia e viver a fazer de conta, queres roubar-me de mim e desse medo que salta de pele em pele sendo sempre o mesmo, toma, toma, toma, colher de pau em riste, vais apanhar, colher de pau que bate em mim, deixa estar que já te preparo um caldinho de afastamento instantâneo, isto é dar um passo à frente e dez atrás, já sabes como se faz, como eu faço, eu que te desdenho com toda a minha couraça, consciência que da adolescência não passa, quero lá saber como estás e como ficas. o que interessa é eu saber meter o anzol, espalhar na multidão, pescar ares que encham o meu balão que levita. recuso-me a ser.

fazes bem, fazes bem, penso exaurida, continua como queres, não te chegues à frente nem a cara dês. mas podias envergonhar-te um bocadinho, de quando em vez. digo eu.   

terça-feira, 21 de março de 2023


 

 às vezes a cara é bem pior do que com a careta e eu disse-lhe: ó António se eu o vir na rua nem o reconhecerei, quer dizer, anda a tratar-me tão bem os tendões e as articulações e eu só vejo os seus olhos. tem razão, se quiser eu passo a fazer a terapia sem máscara, ao mesmo tempo que a tira, !ai!, socorro, não, não é preciso, disse-lhe sem o alarido mental, faz muito bem em manter a regra de protecção. é estranho, do nariz até ao queixo nada faz pandã com os olhos e nem com a sua simpatia e profissionalismo. é como o dicionário, às vezes é perfeitamente descombinado na fonética e na oralidade das palavras apesar de ser o rei porque se um verbo que se escreve, porque se conjuga secretamente, de uma forma que não faz pandã com o outro imediatamente anterior, então sabe bem ignorar a forma correcta e abraçar a que condiz porque fica bem dizer em alta voz e em textos literários, que eu considero literários, e não me interessa que seja considerado erro pelos outros. em casos assim o dicionário sorri para mim, pisca-me o olho, comunga da minha percepção e nem se zanga, pois claro que não, o dicionário ama-me com paixão desde que eu era pequeninha e foi-me um presente de natal, o mais desejado presente de natal. no sentido inverso, ouve-se desde sempre dizer que azul com verde é para escarrar na parede. ora eu adoro conjugá-los e quanto mais fortes, melhor: fazem pandã só para mim. é assim.

domingo, 19 de março de 2023

chorei durante horas diante do espelho. quis ver a dor a inchar e a derramar-se, não fico feia a chorar, e falei alto nunca fiz mal a alguém, depois calei-me e gritei sem dizer uma palavra, tal e qual como fazem os bebés. quis ver como é sentir que me estão a enterrar viva, foi isso. a cara de uma viva que é como se estivesse morta, aos mortos é a quem não podemos dar palavras nem sorrisos nem beijos, nem opiniões; aos mortos é que devotamos a esperança de um dia podermos vê-los e abraçá-los. então hoje eu chorei como uma morta deve chorar, gostava muito de saber se é assim como eu fiz. mas deve ser melhor porque os mortos têm a certeza de que não podem ir a nenhum lugar e os vivos que passam a saber que não saem do lugar ficam, então, pior do que os mortos. passou muito tempo e eu acho que as lágrimas cansaram-se de mim. acabaram. acabaram e eu fiquei cansada, lembrei-me do braço que também decidiu não me querer porque parece que quer sair de mim. agora os dias que tens para descansar parecem agulhas, moça, são um desgaste e uma arreliação, dessa maneira vais ficar doente, já não és uma menina e serás para sempre uma menina. aceita e conforma-te: nunca serás um tesouro a não ser de ti própria nisso de quereres amor sem medida. vai ser desmedida para o raio que te parta se é que já partida não estarás.

terça-feira, 14 de março de 2023

de repente, chamam-me os dedos, bomba que não aguento, atiro-a na folha, esta, alva casta guardada no tempo, como se estivesse só, sossega, descansa, meu menino, meu homem, minha predilecta pessoa, meu homem, meu menino, meu oásis de um deserto achado, minha lágrima, meu sorriso, meu rebento, meu menino, meu homem de rosa, meu portento, !ai!, aqui não posso chorar e nunca posso eu te embalar, te abraçar, te amar, meu menino, meu homem, minha pessoa predilecta, meu beijo por beijar, lambo o sal que me pinga, sal que vem do mar de dentro, com o doce se mistura, meu menino, meu homem, meu rebento, impotente me estou, no meu peito rebento, do teu sorriso que procuro e onde me sento, me oriento, da tua força de lições me alimento, a voz rastreio no navegar, do teu verso, que é verso, a prosa é alento, nunca me farás mal, meu bem, meu arraial de fresco vento, meu raio que parte o sol, porque maior e melhor, não invento, vejo, vejo, vejo, sinto, sinto, sinto, meu gigante desfragmento.

sábado, 4 de março de 2023

por que razão é tão importante para si responder uma a uma, sempre a mesma merda, todos os dias, como um ritual imprescindível de sobrevivência? por que quer coleccionar mulheres indiferenciadas de raça e de cor, de idade e de calor, e que precisam de atenção à moda de sermão tranquilo, uma espécie de flirt altruísta que, pelos vistos, tão bem ao ego lhe faz? altruísmo e ego não rimam, digo eu, a mim que oferece silêncio e confusão e ausência e indiferença e raiva. sim, raiva, porque nós só não queremos o que nos faz mal, o que não é bom, o que não nos seduz querer falar, querer estar. porque só rejeitamos o que é mau. e todos os dias me diz, sem dizer, que eu sou algo terrivelmente mau. isto é uma tristeza, um desgosto: é alegre e contente, talvez feliz, cumprindo-se no tão mau que eu sou que me diz.

 pode parecer impossível mas descobri que a lixívia está a curar a minha alergia nas mãos. as pomadas não fizeram qualquer efeito e quando mexo na lixívia a pele reage positivamente. acreditas mais em mim do que eu própria, dizem-me muitas vezes, e eu não sei de onde vem esta coisa que sinto: é como se eu conseguisse ver as pessoas como se elas fossem, e são-me, de vidro transparente por mais que as camadas que vestem as tapem, as encubram. e depois, há sempre uma luta entre aquilo que eu vejo e aquilo que se vê. mas nunca digo o que eu vejo, só quando me apaixono - o que é uma raridade tratando-se de pessoas. não sendo pessoas, apaixono-me muitas vezes, talvez quase todos os dias. de maneira que há mais de uma década que me apaixonei por uma pessoa e aconteceu uma coisa ainda mais incrível: eu vi-a sem a conseguir ver e aquilo que eu vi, por mais voltas que a vida dê, é o que eu continuo a ver. mas não podemos acreditar mais nas pessoas do que elas próprias porque senão elas começam a fazer-nos mal por não se quererem tão bem quanto nós a queremos. e não nos quererem bem faz-nos mal e não haverá lixívia que nos salve.

quarta-feira, 1 de março de 2023

é, vai-te convencendo, um bocadinho todos os dias, um pedacinho de cada vez, aceitar é a única solução, chora muito porque há-de passar, aceitar que tens de continuar a não aceitar aquilo que sabes que não mereces, cada vez mais com mais força: está tudo apenas em ti, não há nada para esperar do cão: ele só quer, porque é o que escolhe e prefere, então que com elas fique, tão alegre e contente gatão, as conas na multidão.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

como não querê-lo na vida? pois claro que é na vida, eu queria ter estado lá, deu-me aquela coisa e fui procurar a saber se havia novidades, escrevi no google sabichão e fiquei nervosa de vontade, como estava a dizer, eu queria ter estado lá a ouvir sobre o ostjuden pela sua exclusiva voz de gengibre com mel, ouvir também pelos olhos, tanta atenção, arregalar os olhos sorridentes quando os dele se cruzassem comigo, código secreto, e depois bater muitas palmas, correr para abraçar e beijar. e até pensei no petisco depois: chegar na casinha e preparar gambas em azeite e alho e piri-piri com ninhos de ovos e espargos frescos sem esquecer da tacinha toda mimosinha com o molho agridoce para mergulhar os bichinhos. e depois, o ar do seu respirar atrás no meu dorso, anda, deixa isso, e sermos jardineiros nas estrelas das mais bonitas flores do universo inteiro. e em verso 

sem eira nem beira

com a ternura sempre à beira

domingo, 26 de fevereiro de 2023

 é a camisa das amoras

 que me habita

 por dentro e por fora

minha amora tecida

de te ser

as férias terminaram e serviram para os meus nervos se expressarem em todo o seu esplendor: a seborreia explodiu, alergia nas mãos fez-me coçar até fazer feridas, a diabetes ficou tolinha e o braço tem momentos que perde toda a sua exuberante força de que tanto me orgulho. sou um corpo encolhido e parado. mas pelo menos as insónias foram à vidinha delas e já durmo a noite inteira. estás como um farrapo, moça, para recomeçares a trabalhar e a aturar malucos ao vivo. és um bicho de uma raridade comovente em um amaldiçoado vinte e três de fevereiro, não dá para escapares disso, é para sempre.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 estava o céu azul

da cor das botas minhas

saltos a enterrar

mas o céu não passa

faz pandã com o mar

um sossegado está

e o outro faz sossegar

cócórócócó sou eu que estou a dizer porque o galo deixou de cantar mais cedo já há uns dias. se calhar o galo de antes é o que agora pasta com as chibas no campo grande que vejo da cozinha. tinha pensado, quando vi, vão-se matar, ou ele a elas ou elas a ele, mas não. cada um vai para um lado diferente, tenho apreciado, mesmo as duas chibinhas não gostam de muita interacção, de quando em vez lá se juntam na brincadeira e mais nada. de maneira que o galo ali, no meio de tanta erva e sem paredes que lhe prendam o cantar, nem pia. tratar-se-á de um verdadeiro macho-galo, concluo, às tantas só cantava de galo lá mesmo no capoeiro onde havia galinhas para o aplaudir. mas também pode dar-se o caso de o seu cantar ter sido sempre, afinal, a cantiga de ralhar para as fazer trabalhar: andai, preguiçosas, cagai os ovos do dia. estou a pensar seriamente que o galo tinha um acordo chorudo com o homem da capoeira e agora mudou de dono. agora o galo que antes cantava cedo é o pseudo pastor das chibas que dele se fartam de rir de sol a sol. anda, galo-macho, cada um tem aquilo que merece.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

chega a ser ridículo, penoso. arranjar explicações, massacrar a alma fresca, cansá-la, infernizá-la com dúvidas para o que não tem explicação. não existe explicação para quem não quer explicar; não existe explicação para a ausência, para o abandono, para a crueldade. não existe explicação para o não querer. porque dizer que ou se quer ou não se quer foi fácil - foi fácil porque é mentira. porque dizer a verdade é que é difícil, dizer a verdade é um acto de amor. e quando não há amor não pode haver verdade.

 desejar o seu sorriso

como se deseja a brisa da manhã

croché com linha de orvalho

na boca direitinha

amanhã tenho de ir ver e cheirar e sentir o mar para me livrar da entropia que me anda a assaltar dia para dia, invade-me a cabeça e oprime-me o coração, fico vazia, cheia de dor e de confusão, uma espécie de cola pegajosa que se gruda em mim, isto e aquilo, resolve menina, aqui e acolá, corcunda de dores as minhas costas, parece não ter fim. amanhã tens de ir ao mar, ouço-me de repente, tens de soltar as correntes fortes e opressoras nas  águas do gigante mar, tirar as meias, chapinhar, sentir o vento com sal no nariz, saltar, croquetar nas areias, respirar cheia de graça, regressar. amanhã tens de regressar a ti, menina, assim não podes continuar - como se fosses uma bomba que puseram em ti para um dia rebentar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 já chegou o meu Solmi, mesmo hoje, notícia boa ao regressar. ao menos isso. se eu conseguisse pensar agora, ler é sempre pensar, pensar e sentir, está bem, mas não consigo, fui engolida pelo frenesim dos tolos hoje, ontem também, ouvidos frágeis os meus que querem rebentar, não pode ser, se foste engolida esfaqueia-lhes o papo, sai, anda, pega na faca, desfaz-lhes as entranhas e sai. sai para respirar e chora como se do ventre acabasses de sair, anda, vem à superfície, chora até adormecer porque amanhã há outra manhã. até amanhã se o teu amor quiser. ademais amanhã pode ser dia de dias ramor. não sei, só nascendo de manhã amanhã, lá está. !ai! coração descontrolado que não te consigo parar. e se eu arranjar uma zebrinha bonita só para em cima dela me veres passar?

 andam-me os nervos à flor da pele

e quem disse que a minha pele deles gosta?

gosta não

gosta não

a minha pele gosta da flor

e ralha-me por isso

menina, estão a cair nervos nas pétalas minhas

vê se atinas

ignora as afrontas a laborar

estais tão picadinha, menina minha

descansa, vem descansar

vem-me regar

domingo, 29 de janeiro de 2023

 estava difícil chorar, chorar, chorar. o universo esqueceu-se de mim, abandonou-me assim que nasci, não há outra explicação para uma vida tão pesada de carregar. porque dos outros ele não se esqueceu, aos outros deu-lhes gente como eu que se toca com tudo o que acontece ao redor. é a guerra sem fim e as queixas por todo o lado a arreliar-me, desabafos revoltados, é a minha amiga ucraniana que está desempredaga e sem subsídio e com refugiados para tratar,é a vizinha com três filhos que tem de sair da casa porque o senhorio quer realugar para ganhar o triplo, é a chefe que não cabe na inveja e recomeçou a atacar, é a miúda que não veste a roupa que lhe dei, dei porque se queixou, e nem bom dia me dá, é o sobrinho que só me liga porque precisa de dinheiro, é o cunhado que se continua a drogar enquanto se está a tratar, é a irmã ausente que só aparece para pedir dinheiro, o filho herdou-lhe a manha, é a amiga de cancro cerebral que agora - não sendo por mal - me pede comida para a visitar, sequer quer ter trabalho de cozinhar, é o pai absorto no futebol, é a irmã sempre a ligar para apoio no recomeçar, é a tendinite no braço direito que apareceu de tanto trabalhar e ao final da semana mal tenho força para mexer e nem sequer há vaga em lado algum para imediatamente a analisar com exames, é o mundo em ruído que me quer sugar, é uma multidão de vozes que não se afinam em uma só: é o universo que só me sabe mostrar que me abandonou, e abandonará, fiquei esquecida para sempre assim que nasci, ninguém quer a lavoura de me amar, ninguém sabe sequer da hora nem do esgar para me contar. estou sozinha, estás sozinha, moça, só podes chorar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

 o meu sangue desceu durante o sono sem me avisar nestes dias embaciados que ainda me fazem ver melhor. devo ter sonhado com o ramor, não me lembro, mas devo ter sonhado porque assim que acordei lavada em vivo e abundante escarlate sorri. eu acho que ele é um espião, o melhor do mundo inteiro, qual 007, e ainda sorrio mais. os dias têm passado a voar com tantas arreliações, e se os dias se escolherem para se imporem como querem mediante as arreliações que cada um pode suportar?, penso, então está tudo muito bem explicadinho e eu sou a rainha, saia uma coroa bem brilhante, por favor, que adore champô de aveia, já que falo nisso adoro escrever champô, adoro este acento, pô. !ai! que riso

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

 nem penses, menina, nem penses passar mais uma noite e um dia sem verbalizares isso, foi que que acabei de pensar. às vezes fico desesperadamente triste depois de revoltada, a tristeza é o melhor remédio para a revolta, como estava a dizer, às vezes fico desesperada com esta coisa feroz que me assiste, feroz porque está em mim, de ser mãe do meu pai e dos meus irmãos e dos meus sobrinhos, tanta carga sua burra, anda, mas ser mãe não é só ser rodilha, menina, há a outra parte do abraço e do beijo e das palavras que se dizem e por isso ferozes na sua intensidade. pois, mas não há. e a carga que se carrega com gosto fica pesada e a cansar e a esgotar sem rebentar. vão todos à vidinha deles, tranquilos, e fico eu a carpir as suas dores e os seus horrores e a lavar a louça das comidas amorosas que lhes dou. é isso, estás na minha vez, diz-me a sorrir a minha mãe amiúde nos últimos dias, aparece e desaparece, estás na minha vez. e eu não queria a vez de alguém, a vez dela, só queria a minha - e a minha ninguém há-de pegar. depois fiz uma variante de empadão, pois claro, tinha de criar alguma coisinha para massajar a minha tristeza: meti a carne a picar com cebola, alho francês e do outro, salsinha fresca, pimentos vermelhos e amarelos e chouriça. depois refoguei com louro e azeite, meti-lhe piri piri e tomatate aos pedaços com caldo de galinha. preparei o puré bem consistente e deixei a carne apuradinha com abundante molho para lhe juntar queijo mozarela ralado até ficar uma espécie de papa aveludada e fôfa. e depois, em vez de cobrir a travessa som ovo batido meti-lhe maionese caseirinha acabadinha de fazer. o resultado, imaginei que assim ficaria e logo o percebi pelo cheiro, foi nadinha surpreendentemente: delicioso. que empadão maravilha. depois percebi que o meu pai gostou muito, não que me tenha dito aluma coisa, por conta de ter repetido a dose. é assim, o empadão maravilha que reinventei amou-me na sua travessa inteirinha.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 um piropo pode transformar-se em assédio sexual quando, repetido e repudiado, passa a insistir. ontem fui assediada por um sapateiro e um sushi man. sem ter qualquer ligação, adoro sapatos e nunca porvei - nem tenciono provar, comer peixe cru manipulado pelas mãos mete-me nojo - sushi. adiante. como estava a dizer, um piropo é um inofensivo piropo. quando o piropo não é aprovado deve parar ali, tem de haver noção de que deve retirar-se e ir à sua vidinha. o piropo que continua quando me sinto incomodada e mostro-o passa imediatamente para outra categoria e acaba muito mal: o piropeiro ouve o que não estava à espera e ficará humilhado no seu propósito. entre o sapateiro e o outro o mais badalhoco foi, e será para sempre no que me diz respeito, o sapateiro, o sapateiro que ainda juntou aos seus apetites a velha cantiga do mas olha que sou casado. andar na rua cansa; andar na rua e ser assediada deixa-me de rastos. eles não sabem mas eu regressei à empresa com as mãos cheiinhas de sangue, estas mãos que tanto dão como tiram vidas, estas minhas mãos fazedoras de justas acções. bonitas e estilosas são as minhas acções, cabrões, é o que eu penso depois que passam a linha que só eu estabeleço. eles não sabem nem nunca vão saber. sabem apenas do que lhes dei: desaprovação, desprezo, nojo. e depois não tenho a quem contar, nunca tenho a quem contar quando preciso contar, as amigas estão ocupadas e o ramor parece que não existe, não se quer existir, na sua saga de real ficção. estou sozinha.

domingo, 8 de janeiro de 2023

mas eu gosto tanto do teu cabelo rebelde, ramor, mais comprido, com lulinhas de caracol, disse-lhe durante o cafoné, agora só tenmos de deixá-lo crescer outra vez para assim se manter por entre o sorriso enquanto fazes rolinhos sedutores nas barbas pardas. porque nos meus sonhos ele mantém-se sempre crescido.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

e agora que descobri o reitoso na rádio movimento, coisa fresquinha, já ando a ver e a ouvir tudo, lailailai, sabe tão bem apesar de ser poucochinho, lailailai

quando o dr. rosas que me vigia os olhos me disse que já preciso de outras lentes para ver ao perto, corri à óptica josé josé, !ai! que rica coincidência, a sorrir para fazer parelha, e escolhi uma armação em forma de borboleta. deixei-me levar pelas botas de verniz azul turquesa. no final do dia percebi que se o tempo passa a voar é, bem perto visto, tudo uma questão de deiscência visão caleidoscópica. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

 mas saiu um estudo sobre as batat, não quero saber de estudos foi o que me disse sem me deixar terminar, mas eu, interrompeu-me novamente, já lhe disse que comigo só tem de fazer o que lhe digo. quer dizer, este médico é um imbecil. corta-me a palavra como se eu fosse acéfala e um mero objecto do seu estudo, não me deixa expressar as minhas preocupações ao contrário - sim, ao contrário,  porque para eu chegar aos resultados que ele próprio disse estarem excelentes tenho de começar por mim indepenmdentemente do que ele diz, era o que faltava. então deixei-o aliviar os fígados, e isto tudo sobre o meu fígado, para voltar à carga: mas não quer saber do estudo, porquê? não lhe interessa ou ficou invejoso de também eu estudar os estudos que possivelmente estuda? riu-se e sossegou, agendou nova consulta para o final do ano e até me acompanhou à porta. depois saiu e passou à minha frente, bem sei o que ele fez, quis que eu o visse em pé e em movimento, quis fazer-se apreciado à força. o que ele não sabe é que só me apetecia dar-lhe um biqueiro e um safanão e que nunca nesta vida lhe conseguiria apreciar o corpo, aquele corpo desatraente aos meus olhos e ao meu cérebro, a começar pela forma como me corta a palavra. boi d'areia.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

só faz sentido se morrermos todos. se for só eu a morrer, ou rele, não faz nenhum, é sentido proibido. portanto ou o mundo acaba e morre inteirinho ou mais nada tenho a acrescentar. ou se acabe o mundo ou mais nada. não dá para negociar, pensamento.

 às vezes estou muito cansada e sinto que uma vírgula me transporta de um extremo ao outro, é o cansaço de final de uma semana, tantos dias seguidinhos em esforço, tantas emoções, tantos fracassos, ah e tal, isto e aquilo, aguenta-se tudo a trabalhar, que remédio, depois aquela vontade de atirar com os papéis ao ar e desandar, pois, mas não pode ser, então de manhã acordo fresquinha e recebo coisas bem bonitas e o ar de Viço, lambo cada letra e cada traço do seu rosto, traços mil, rostos sempre a mudar, depois rio-me muito, o coração começa em brasa, sento-me à sua lareirinha, cheirinho bomque me chamusca, e entro na chuva para me refrescar, ouço-a meiguinha quando não está a ralhar, nunca é para mim, penso, !ai! dela, não lhe faço mal, para bem era, e fica a escorrer certinha, olho-a à janela e encosto a minha à cabeça dela. depois entro na tarde adentro e, de repente, com ganas de me refundir no tempo, apetece-me chorar, chorar muito, e tenho de segurá-las, a elas que são ganas, faço-lhes um rabo de cavalo, um rabo farto, depois invento uma trança e junto-lhes uma dança, troco plalavras de ouro que reluzem mais lá para o luar, está tudo na minha cabeça a pulsar, a pulsar e a pular, *as vezes a cabeça é também o coração e o pulmão e depois sossego e desejo as minhas fadinhas que me esperam. que me esperam para sempre.

domingo, 25 de dezembro de 2022

 não tenho uma única memória exuberante da festa que é o natal, pelo contrário, nestes dias fico sobrecarregada como as árvores e só penso na naturalidade de amanhecer alegremente com a magia do amor. porque eu quero celebrar o amor todos os dias e a qualquer hora. eu queria que o amor do amor se enchesse e se despisse de rosas só para mim. porque eu queria aquele amor exclusivo que mais ninguém pudesse sentir e ver e ler e escrever e ouvir e tocar. mas esse não se chega à frente para mim, não se chega porque tem todo o tempo do mundo apenas para, dando-se a todo o mundo sem para mim ser, se inventar sem parar. nunca vai parar para me ramar. ele é de todos e de todas, é assim que se quer ser. 

sábado, 24 de dezembro de 2022

mas falta-me os rolhos do rai ratal

talvez ninguém me entenda no que do natal entendo. faço-o e celebro-o, celebro-o porque o faço, todos os dias quando nasce, e por isso eu nasço, nasço porque vejo o dia nascer, nascemos em conjunto e união de viver, como estava a dizer, eu faço o natal acontecer. e estes dias  marcados e gozados até ao osso do bacalhau e do perú, ou do polvo e do cabrito ou do bolo que é rei em último grito, ensaia-se a alegria de estar em vez de ser - do passar em vez do ficar. mas está bem, eu participo: porque mais vale um par de dias no ano em alegria de estrear amor infinito do que, afinal, nenhum. está dito e digo e repito. mas falta-me os rolhos do rai ratal ronito inteirrinho ró parra mim.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

tenho dito

consegui finalmente ler o artigo. que carago, é só isto?, pensei, foi o que pensei em um misto de alegria com insatisfação e indignação, tudo ao mesmo tempo. também senti alguma raiva lá do fulano que relatava o nome, os nomes, que adoro. de maneira que eu acho que estão todos enganadinhos: o próprio e os outros que se riem do nome em três. é que está lá tudo e agora percebo ainda melhor por que razão eu assimilei tão bem, quando soube, e sem saber, ao que já conhecia há anos e aos que vou conhecendo. é que o nome completo é perfeito. a primeira palavra é curta e grossa de exímio carácter; a segunda é uma antiguidade preciosíssima; a terceira é uma cauda da cabeça do primeiro nome com a coroa do essencial que se prolonga na segunda. e talvez ele achasse, na altura, que seria uma anedota para os outros e os outros, percebendo isso, riram-se tortinhos sem perceberem nadinha. pois eu adoro a trilogia do seu nome até ao infinito. e se o nome também é ele, eu acredito nisso, olha o meu, então ele é o melhor e mais perfeito nome do universo inteiro. tenho dito.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

 às vezes fico a ouvir a chuva e chovo-me, fico triste, inundo-me de dúvidas e nessa altura é quando me sinto sozinha, um grão de poeira insignificante e invisível por entre o dilúvio, sou minha e sou de mim, penso, até ao meu fim, de mim não saio e de mim ninguém me tira. porque só vale viver se me continuar a ser, não por teimosia mas porque assim sinto. e se nunca me cumprir por inteiro, como só me quero cumprir, só quero porque assim sinto e penso, pelo menos sei que assim vivi e morri: aqui jaz quem se cumpriu sem conseguir cumprir-se. quem me dera poder adormecer agora outra vez e acordar no futuro, um futuro com a leveza e o perfume que eu vejo e sinto sem ver, eu rejo e não rejo e só sinto e choro por entre tanto riso, tanto riso bom. às vezes fico cansada e encolhidinha e com o coração que anda sempre inchado a parcerer que vai rebentar. não rebenta, nunca rebenta, tem sempre, e cada vez mais, mais espaço para o mesmo. estou sozinha com este coração inchado. estou sozinha com este coração inchado e vermelho - um coração que é também um cérebro e um clitóris. pode ser que esteja a ficar tolinha. tudo é possível, tudo é possível.

sábado, 17 de dezembro de 2022

espreito, ando sempre a espreitar, sacar-lhe um esgar, e saco tudo, tudo o que é do olhar: saco-lhe o sorriso que dá ganas de lamber e de trincar, saco-lhe o brilho de bailar no olhar, o algodão que de certezinha que é doce de apalpar, cafoné no meu sonhar, saco-lhe os beijos que pouso na almofada do meu arfar, almofada branquinha como a ramisete sua. e fico com tudo, tudinho, é tudinho para mim - para mim que sou dormir e acordar.

isto é de dia 16, ficou em rascunho sua trenga

o que diz a carta é: colheita de produtos para exames analíticos. lá se vai o meu pequeno almoço, estou cheiinha de fome, dormi acordada, hoje, estou com essa sensação. quer dizer, estou com muita vontade de não me levantar já, tenho sono e tenho fome e tenho de ir para o meio de muita gente e estacionar naquele parque onde só há lugar lá no fundo onde não há ar. estou rabugenta, muito rabugenta, vou preparar um penico de suminho de tangerina e uma sande gigante com manteiga e fiambre e queijo e ovo e alface para depois me consolar, quando puder comer. pronto. até lá ai de quem se meter comigo no caminho.

o meu sangue finalmente desceu, tanta alegria minha olhar as calcinhas e vê-las borratadas de mim como se a panela tivesse fervido toda e corado por entre o fogo gostoso e meiguinho do meu coração que é o corpo inteirinho e a mistura de tristeza com preocupação com os que sofrem e que, por isso, também eu sou quem sofre. agora ainda sou mais eu, penso, com o meu selo ruborado que tenho de vigiar amiúde, o copo não pode encher, o cálice do meu sangue, !ai! que riso, eu tenho um cálide de sangue dentro de mim, sai quente para ser despejado e para voltar a encher. talvez eu seja isso mesmo: um cálice de sangue a ferver apaixonadamente apaixonada pela paixão por quem - e pelo que- me apaixono amorosamente amante pelo amor por quem amo. sou um cálice a ferver de exagero que não existe. porque quando ramo apaironadamente, nunca é demais.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

 o 

sorrriso dele

entra

em mim

direitinho caos

enche-me

de jade

!ai!

gengibrada raíz

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

acho-a engraçada e sensual


há muito, muito, tempo eu disse-lhe que um dia haviamos de dançar aquela outra música de então. e inesperadamente, hoje, abalei tão cedo, e depois no caminho ouvi esta música e, sem perceber muito bem porquê, o que se sente raramente é explicável, como estava a dizer, senti exactamente a mesma coisa e até disse em alta voz: !ah! um dia eu queria dançar esta música com Rele, assim coladinhos com todas as saliências. depois ri-me, como se a minha verbalização me fizesse cócegas. adorei a música, acho-a engraçada e sensual. e agora vim ouvi-la novamente.

prostituta de graça

 por volta desta hora há um pássaro (ou dois) que começa a falar, e não digo cantar porque de facto parecem estar a discutir, é um som que eu nunca tinha ouvido. da primeira vez fiquei confusa sem saber se era apenas um - mas logo percebi ser uma conversa em alta, bastante alta até, voz. não demora mais do que dois minutos, o tempo suficiente para me acordar. depois calam-se, de repente calam-se, é como fazem os trovões, dizem o que têm a dizer e pronto. o mundo é um lugar estranho e as pessoas não são como os pássaros raros nem como os trovões; as pessoas mentem, enganam, manipulam, são peritas em oferecer aos outros presentes envenenados. e se não temos aquela capacidade de ver detalhes estamos lixados, tudo reside no detalhe, tiramos conclusões provisórias que perante mais um ou outro pormenor se tornam definitivas. às vezes, com certas pessoas, tudo é sempre definitivamente provisório - isso acontece nas gentes por ser, começa e acaba por ser engraçado, engraçado porque dessas pessoas nada nos fica, tudo é moldável e descartável. são palhaças. também há aquelas pessoas que nos tentam ferir para se sentirem poderosas, pensam essas que conhecem as nossas fragilidades. rio-me com essas talvez mais do que com outras quaisquer. ontem uma, lá onde trabalho, estava a contar que cobriu as paredes do quarto com espelhos mas não teve estrutura para colocar o barão. achei curioso e perguntei se sabe dançar no barão. falou com aforismos populares: sei fazer de lagartixa e dar suadelas de quatro joelhos. percebi nadinha, pois claro, terei sido a única, riram-se de mim. o único colega homem que tenho disse mas tu és de que mundo, afinal, não liguei, estava a pensar e respondi à outra: mas então nisso que dizes não existe contacto visual e isso é estranho. riu-se e disse que não precisa dos olhos do marido porque tem os espelhos. e essa é a mesma colega que no outro dia disse que tem empregada doméstica porque não casou para ser uma prostituta de graça.

domingo, 11 de dezembro de 2022

 eu nem sequer sei de quando é a olha o passarinho do sorriso rasgado, galã todo aprumado. nunca sei de nada sobre tudo e nunca saberei. vou mas é para as minhas fadinhas, só elas é que me podem valer.

não há artigo do expresso, que pôrra,  nem há pachorra para gentalha. mas o que pensa ela que eu sou? pensa que chega o natal e liga e me suborna com prendas? sim, porque ela quer que eu vá ao lar no dia e na hora que decidiu só porque é natal e me quer dar uma prenda, uma esmolinha com chocolate, é isso que ela quer. e insiste. pois o que eu lhe disse foi que não quero, amei a tia dela todos os dias incansavelmente durante seis anos e não preciso do natal para nada, não vou. e voltou a insistir com mensagens, que me liga no fim de semana para o reencontro de amigas. eu quero que ela vá pastar, que vá cagar ao monte neste natal. é o que eu quero.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

e depois ataco outra vez

ando há tantos meses a tentar arranjar a crónica do expresso de abril que tanto cobiço, parece impossível. então um destes dias quando fui almoçar com a minha amiga, ouvi o M, o marido, que também é meu amigo,  e que também lá estava, a dizer que tem um colega lá na GNR que é assinante, plim, em sentido, pedi logo uma forma de me arranjar o que quero. ontem disse-me que arranjou já eu estava para dormir e hoje já fui ver o email, quer dizer, pensei, vai ser mesmo agora que estes balões cheiinhos de água para o sangue descer vão rebentar de alegria, vou ler aquilo sobre o meu derriço, lailailai, enquanto me meti a desbravar os links. nada. continua tudo igual, conteúdo para assinantes. o fulano não deve ter percebido que preciso que me envie o texto já abertinho, abertinho menino, e não sei agora como vou pedir mais isso ao M que já deve estar farto de me aturar. vou fazer assim, vou deixar passar algumas horas e depois ataco outra vez.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

mas gostei

tantas histórias de laurinda que eu ouvi e outras que queria inventar, por inventar no fundo ruídoso, que horror é comer assim no meio de tanta gente estando absolutamente sozinha no lugar, só no lugar de tanta gente, enquanto só queria o corpo a deitar e a descansar com reijos, eu só queria reijos. a cabeça parece que ficou aos papos, aquele barulho a martelar, aquela música, aquelas pessoas a terem de se tocar para passar, tão estreito espaço com tanta largueza, !ai! que cansaço de horas que pareceram anos, tanta comichão, tanta água na bexiga por sair com nojo de partilhar onde verter. 

mas gostei da massa chinesa e também do pêssego em calda.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

semanas com três dias de trabalho são bem boas mas também tem de ficar tudo prontinho antes e depois, azáfama, esta semana acaba-se outra vez amanhã e com jantar de natal no prelo. esperam-me quatro diinhas de pijama e picho e muitos rrisos e sorrrisos. assim querro.

sem cuecas nem calcinhas

recebemos todos ontem a notícia de que o Senhor António, o empregado do patrão há mais de quarenta anos, cresceram juntos na miséria desse tempo, sofreu um AVC. ficou paralisado do lado direito. depois liguei à Rosinha, costureira e mulher dele, ganhamos amizade neste seis anos em que trabalhava no seu cantinho em frente a nós e ligava-me, e liga-me, amiúde a desabafar. fiquei mesmo triste porque também gosto muito do Senhor António, é muito gentil comigo. e uma vez mais senti a força do universo tão equilibrada e justa. a Rosinha despediu-se da costura em Agosto, foi para casa, precisava desligar-se da costura, disse-me ela, esse trabalho que fazia apenas por necessidade. mas na verdade ela foi para casa para que pudesse agora cuidar do Sr. António e amá-lo porque ele está inválido, ele que há anos deixou de lhe mostrar que a ama talvez porque nunca a amou. mas ela ama-o: nunca precisou dele para pagar contas nem para criar as filhas e, mesmo assim, nunca quis sair do casamento e de uma espécie de amor incestuoso de irmãos. e agora ele será amado sem merecer o amor dela e ela vai amá-lo porque merece amar. é um amor não correspondido entre os dois e apenas cheio de universo justo, justo porque tirando-lhe a destreza física de usar o corpo com outras deu-lhe a oportunidade de apenas receber amor de quem sempre também só o amou assim, as filhas terão sido meras intermitências de duas noites de pila cheia sem cuecas nem calcinhas. 

domingo, 4 de dezembro de 2022

ouve lá, rapariga,

confesso que às vezes me esforço para ser má, esforço em vão. fico a conter-me para não fazer coisas boas, recordando o mal, a quem me fez coisas más. depois o meu coração ralha-me, fica arreliado, começa a disparar batidinhas tumtumtumtumtum a uma velocidade que mais parece um cavalo no prado, a aguardar que eu não me esforce. e vence. e lá vou eu acudir e ajudar. é assim. depois fico cansada, pois claro, fazer coisas boas cansa. mas e se não as fazer cansar mais ainda? pois, essa é a mensagem que o meu coração me manda: ouve lá, rapariga, tu queres ficar como se fosses o cavalo possante no prado depois de parar?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

eu antes ficava confusa por conta de o seu caos me fazer caos. agora não, já não fico confusa, fico serena e surpreendida com a capacidade de gestão de tanta coisa diferente, com a vontade de querer viver em tantas gavetinhas isoladas entre si, umas mais do que outras. para mim é um só e nem sequer adianta passar-lhe pela cabeça que eu me convença que não, que não é um só. a minha admiração já transcende o mar e o céu juntos, essa imensidão incontável. mas há instantes em que entristeço, porém, nesses instantes é como se tudo não passasse de um jogo programado, programadíssimo. e é porque eu não sei jogar, nunca soube e nunca saberei. mas e se tudo na vida for um jogo e eu sou a única que não sabe jogar?

terça-feira, 29 de novembro de 2022

todos, todos, junto a mim

ontem de manhã passei por uma montra e vi um cavalinho alado branquinho que parecia estar em movimento por dentro de uma bola de vidro em água. apaixonei-me imediatamente e pois claro que o comprei para ficar a olhar para mim coladinho ao candeeiro das flores e às caixinhas antigas e aos espelhos e às pinturas. estão todos, todos, junto a mim e às minhas fadinhas incansáveis.

domingo, 27 de novembro de 2022

um fastio

ultimamente não ando a acertar em nenhum livro que encomendo. escolho pelo resumé, pois claro, depois chegam, eu gosto de encomendar coisas que me chegam pelo correio ou que tenha de ir levantar: escolho, pago e depois esqueço-me de que comprei e passam os dias e um dia chegam e é como se fossem prendas, fico surpreendida e feliz, como estava a dizer, depois chegam e começo a ler e encosto-os para canto, perco logo o interesse, já é o terceiro. os livros têm de ter aquela magia da descoberta, de as ideias serem sempre um estímulo às que se seguem, vibrantes, aquelas ideias, ideias que se fazem de palavras e imagens e silêncios, os silêncios são uma espécie de convite induzido à reflexão. de maneira que não tem havido livro que me chegue, que eu própria me faça chegar, pelo qual me apaixone. têm sido um fastio, um desconsolo total e absoluto. e depois, já se sabe, releio o que já reli quinhentas vezes para encontrar sempre algo novo. e encontro.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

tece bem a noite, noite

 agora tenho de contar, já passaram os dias e neste momento senti vontade, talvez porque me contagiou o sorrriso. na segunda feira eu saí da empresa com um destino marcado e fiz um desvio, impulsivamente fui dar comigo na loja do meu cunhado e entrei e chamei-o lá atrás convencida de que iria mandar-me embora com voz áspera como tem feito com todos os amigos a quem andei a ligar, alguns já antigos que se tinham afastado, para que pudessem ajudar a desenterrar. de maneira que tudo aconteceu ao contrário e pedi apenas que me ouvisse e abracei-o, beijinhos no rosto, tu sabes que gostamos muito de ti, és família, mas antes de tudo és uma pessoa incrível, tens muito valor e eu vim pedir-te que te queiras curar. depois ele chorou e eu também. inesperadamente nesse mesmo dia, chegou-me a notícia de que deu o passo: pediu ajuda aos pais e depois ligou à medica e já está a começar o processo de recuperação. eu não sei bem o que aconteceu, talvez eu tenha conseguido passar-lhe toda a minha energia porque depois desse dia fui ficando cada vez mais fraca, sem forças e hoje andei de rastos. penso eu que terá sido isso, dei-lhe tudo o que me corria nas veias, toda a minha força. agora arrebitei um pedacinho depois de ver as estrelas nos olhos ronitos, acho que senti um pouco do céu, um pouco porque lhe reconheço uma imensidão que só poderá ser abraçada e beijada ao milímetro. e agora talvez as forças me cheguem pela noite que nunca se cansa de trabalhar para me fazer um novo dia, a noite nunca dorme, e prefiro pensar que fica acordada só para me fazer acordar para que um dia talvez eu possa, todas as estrelas do réu, agarrar. tece bem a noite, noite.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

decifro tudo em um ápice e choro. e vejo outra vez o outro retrato e choro. e quero adormecer para sempre, pronto. vou chorar, já está decidido, é o que vou fazer imediatamente quando, de repente, já sinto a língua salgada como se fosse, e é, um coador. e o que coas língua minha? estou a coar, não me lembro como se escreve na primeira do singular, o teu ranho e a tua baba, diz-me lampeira, como se isso fosse, e também é, estrume de amor.

frasco frasquinho frascão

nos dias em que não aguento o cansaço

faço uma toma do frasco que chamam verde

verde por ser da grama

vejo-o sempre de vidrinhos muitos

mosaicos brilhantes

tampinha redonda mas recortada

frasquinho de luz esperto

esperto como um coral

e de espertar

e afã

e depois volto a cansar-me

porque também me cansa quem pensa que me engana

deixo pensar

e faço a toma do frasco frasquinho frascão

logo se vê amanhã


terça-feira, 22 de novembro de 2022

leve e fresco

estou cada vez mais certa de que a idade, a frequência acumulada de tempo de vida, traz-nos sabedoria. eu já sabia de que o meu pai é o nosso herói, mas duvidei que conseguisse lidar de forma tão serena com uma situação tão devastadora. estou que não me aguento, emocionalmente devastada, a conversa foi triste e dura como só o que é importantemente inadiável na tragédia pode ser. e ainda estive a tentar convencê-lo a comprar a casa, investir no imóvel, e ser senhorio da minha irmã, tudo legalmente preto no branco. pode ser que sim, oxalá que sim, é a única forma de ser justo com todos os filhos e de ajudá-la. quem me dera que alguém tivesse, algum dia, ter-se lembrado de me ajudar assim, penso, choro, antes de entrar no meu paraíso do sono. assim espero, espero que esta noite me faça um acordar leve e fresco. é bom sentir a leveza de não mais guardar um segredo tão pesado sozinha. é bom.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

tumbatumbatumba

no meio de tantas coisas bonitas que me andam a oferecer para eu ver e ler - a bomba tinha de explodir, mais uma. o drogado não se quer tratar e está a destruir tudo à sua volta. de maneira que amanhã será a vez do meu pai saber, quem lhe vai dizer é o meu mano, tudo o que ele diz o meu pai aceita, se calhar é porque insistiu tanto para o conseguir ter, não sei. só sei que já estou com o coração dele frágil no meu a aguardar que chegue amanhã para quando eu chegar, ao fim do dia, lidar com a sua tristeza e mais alguma coisinha: talvez revolta ou raiva ou vontade de o desfazer. não sei.amanhã quando ele for treinar com o meu irmão, vai pegar em um peso mesmo mesmo pesado. oxalá que o coração dele aguente mais um golpe. e se não aguentar? quantas vidas tem um coração? eu acho que os corações escolhem as pessoas onde querem, querem porque decidem, bater. então escolhem as pessoas por aquilo que consideram que conseguem aguentar. e se assim for, então o coração do meu pai escolheu-o mesmo bem e ainda vai querer tumbatumbatumba continuar a bater.

e também não há-de vir mais mal ao mundo se eu ronhar muito e bom esta noite - afinal de batimentos, o meu coração escolheu-me e, por isso, compreenderá o meu desejo ardente e contente e amoroso.

brilhantes por toda a parte

a árvore da pintura bonita que vi é azul

, azulona, 

monocromatico azul forte

como não é o céu e o mar

a minha é despropositadamente inacabada

para cima e para os lados

carregadinha de turquesa a roçar o olhar

e com as delícias do mundo como se fosse

, e é, 

um jardim-pomar

pode com tudo esse tronco branquinho que o segura

segurado pelas raízes fundas

tão fundas que parecem carreirinhos de água entranhados em poros de terra e orlas de rio que desliza o ar ao mar

depois os brilhos que não se vêem

que fotógrafa mediocre que eu sou

, que carago, 

não consigo captar

se calhar sou avessa à lente

, sei lá eu, 

como estava a dizer

os brilhos são isso mesmo

, não há segredo,

brilhantes por toda a parte

como se viver fosse

, e é, 

sem saber como fazer

a minha maior arte



um rrico sonho com o meu guião

 ontem foi domingo e depois do almoço, como gosto no domingo depois do que adoro logo de manhã, adormeci a ver o barco do amor. gosto muito do sentido de humor da tripulação e dos enredos com finais felizes que nunca acabo de ver, rio-me depois, porque quando estão a começar é quando me apago, por já adivinhar como vai ser, depois de apreciar as cabeleiras com laca, os vestidos esvoaçantes, as calças à boca de sino e o riso da plateia invisível. a banda sonora é incrível e, por si só, é uma viagem em alto mar. depois à noitinha fui para lhe ouvir a voz no link que mais gosto e pimba, já está indisponível, invejosos já ma cortaram, lancei-lhes um feitiço de sapo-sapão e revi outro também com imagem, extenso, vi tudo até ao fim, e juntei-lhe a banda sonora do que nunca acabo de ver, misturei tudo, e depois tive um rrico sonho com o meu guião.

domingo, 20 de novembro de 2022

só sei sentir

o tempo passa tão rápido que deve andar de sapatilhas, franze-se-me a testa, ainda parece que foi ontem aquilo de há muito tempo e, ao mesmo tempo, parece que é há uma eternidade o que lhe conheço, o que lhe sei como se não precisasse de saber, o que não sei como se já soubesse. tudo é estranho sem ser estranho, estive a costurar, a inventar um forro de bolso onde não tinha por onde agarrar, ficou defeituoso mas agora está um bolso, antes era um buraco disforme, agora consegue segurar o que lá se meter se não for uma mão inteirinha a descansar, paciência, é como está e vai ficar, apetece-me ter preguiça de abrir outra vez para depois fechar. mas o que eu quero dizer é que estou sempre a costurar invenções, o que será de mim sem as invenções neste mundo que chora sem parar e não deixa a roupa secar e depois seca para se molhar. pois claro que tenho de inventar, amanhã já é segunda feira outra vez, gente muita a falar e a olhar e o dedo a picar e a corrida nos passos e no pensar. 

mas ainda me resta a noite, ouve, ainda te restam as fadas, a costura que costuram em mim, essa invenção que me dão para eu inventar para quando eu acordar ter um ramor intacto crescente, como se até o choro fosse sorridente, !ai! rapariga, não há explicação em solo inteligente, não sei como contar. só sei sentir, só sabes sentir, tonta.

sábado, 19 de novembro de 2022

 vesti vesti

vesti sim

 o pijaminha rosa

 florido de cetim

para sonhar com o Rortuguês sem fim

vai acordar encorrilhado

!ai! de mim

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

 !ai!, o que foi rapariga, então ainda há pouco eu vi, como se fosse um pombo a trazer a má nova, mas viste o quê, desenbucha carago, vi que vai quarentenar, e agora, adoro tanto ver, o que me irá acontecer, não vou rir para não chorar, amanhã logo se vê.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

 e se há tanta água em mim, correntes, pétalas sem fim, sol si mi dó, folhas de letras dançanres, pêlo a pêlo macio , bigodes pardos lambões, arregalados olhos trovões, desejos gigantes verticais, sonhos tantos horizontais, luas sete matinais, cebolas que são saiinhas de descascar o mar, tesouras de dúvidas a aparar o ar, pianinhos de chuva intensa, imensa, sombrinhas de escorrer calor, !ai!, soninho de coar, que ternura, que paixão, que ramor

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

se tudo fosse simples

era tu

era eu

era rós

perdoei. mas não esqueci.

o outro, não sei quem, só sei que li, é que tem razão: tenho mas é de esvaziar as pedras dos outros que carrego nos boldos, são pesos que não me pertencem, ando aqui sobrecarregada e se não me ponho fina já me começam a explorar, era o que faltava, agora já queria, isto porque quer porque quer comprar a casa, que eu desse o meu nome para acrescentar ao dela. sabe-me bem dizer que não, o meu nome é precioso, não o dou assim de bandeja, se não pode comprar que alugue, alugar é bem mais justo e barato, assim não anda a encher a pança da banca, digo eu, disse-lhe eu, sem mencionar que há dez anos, quando eu tive de deixar a minha casa, a única coisa que ela me deu foi desprezo e humilhação. não menciono porque já perdoei. mas não esqueci.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

não quero ler Virginie Despentes

ontem durante a tarde liguei a televisão na três, de repente, ouço sobre a teoria king kong e sentei-me a descobrir. nada de novo, a rapariga foi violada e depois começou a amargar e a odiar e depois converteu-se à putice e a perceber do corpo e do sexo até à exaustão para chegar ao feminismo como brasão. e depois de ler tanta coisa sobre os grandes e vivos, que vivem, e mortos que viveram para sempre, percebo que nada, nadinha, é novo. são mesmo poucos os escritores que me fascinam. raramente são as histórias inspiradas em outras histórias ou nos ódios de estimação - o que me fascina na escrita são detalhes que me captam a atenção, aquele veículo - uma espécie de ponte - que liga a intelectualidade ao coração de forma genuína, sem artimanhas, sem a tal reinvenção forçada que apenas vai de encontro aos outros. e como eu consigo perceber, mesmo quando é pura ficção, logo vejo se um livro é um filho ou do ego uma mera projecção. e se isso importa? pois claro que sim, só quero o melhor para mim, os letrientes que vou absorver fazem toda a diferença no impacto daquilo que sou e no que me possa tocar para ser. de maneira que não tenho vontade de ler esse livro, não quero ler a tóxica Virginie Despentes. dispenso.